quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta na percepção de corrupção traz custo ao Brasil

O Globo

Recuo do país em ranking global expõe enfraquecimento de instituições de controle depois da Lava-Jato

O Judiciário — em especial os tribunais superiores — deveria dar atenção à última lista de percepção da corrupção global preparada pela Transparência Internacional. A sensação de um ambiente contaminado por negociatas tem custo enorme para a reputação brasileira e afasta empresas e investidores sérios do país.

Numa escala em que zero é o cenário menos e cem o mais corrupto, o Brasil ficou com 36 pontos. Caiu dez posições, para o 104º lugar entre 180 países. Merece reflexão o histórico dos últimos dez anos. Em 2014, início da Operação Lava-Jato, eram 43 pontos. De lá para cá, a trajetória, com altos e baixos, foi descendente. Os piores resultados aconteceram em 2018 e 2019, quando a pontuação foi 35, patamar equivalente ao atual.

Medir corrupção é das tarefas mais difíceis. Negociatas são feitas nas sombras justamente para ficarem longe do escrutínio público. Paradoxalmente, um aumento no combate à corrupção pode, com a revelação dos esquemas, contribuir para a percepção de que houve aumento na roubalheira. Um ranking que apenas somasse os valores descobertos em operações ilegais penalizaria os países dispostos a coibi-las. Por isso a análise baseada em percepção, de preferência com prazo mais alongado, é medida mais precisa.

Vera Magalhães - Polarização como vício

O Globo

As declarações recentes de Lula mostram um presidente capturado pela ideia de contraposição com Bolsonaro

Não bastasse o mal que faz ao debate público, o desgaste que causa às instituições de Estado e o risco que representa para a própria democracia, a polarização política virou uma muleta que os dois lados que dela se alimentam passaram a usar para justificar todas as suas mazelas e exigir do público complacência com as inconsistências de seus projetos de governo.

O clã Bolsonaro — investigado em múltiplas frentes por suspeitas que vão de aparelhamento de Estado e tentativa de minar o processo eleitoral, por parte do patriarca e ex-presidente, a traficâncias várias por que são investigados os filhos — coloca tudo no saco da perseguição política do PT, do Judiciário e da imprensa.

Mais: essa sanha incontrolável não estaria voltada apenas à família, mas seria destinada a abater toda a direita e o pensamento conservador, incluídos aí cristãos, por meio de uma cruzada religiosa.

Trata-se de uma tática tão surrada quanto ainda eficaz de criar uma cortina de fumaça para fatos de extrema gravidade. A parcela do público que reza segundo a cartilha do bolsonarismo compra de forma acrítica essa explicação, que não se sustenta de pé e funciona como elixir para tudo, de Abin paralela a joias ofertadas por um país ao governo brasileiras e vendidas sorrateiramente.

Bernardo Mello Franco – Em nome do papai

O Globo

Investigado por arapongagem, Zero Dois sempre deixou claro que cumpria ordens do pai

Depois de se eleger presidente, Jair Bolsonaro informou que presentearia o filho Carlos com a Secretaria de Comunicação Social. “O cara é uma fera nas mídias sociais. Tem tudo para dar certo”, justificou. A ideia pegou mal, e o capitão desistiu do ato de nepotismo explícito. O Zero Dois não virou ministro, mas se tornaria uma eminência parda do governo.

Carluxo fabricou crises, derrubou ministros e comandou o famigerado gabinete do ódio. Sem cargo formal em Brasília, ganhou o apelido de vereador federal. O pai preferia chamá-lo de “meu pit bull”. Um cão feroz, sempre a postos para morder a canela dos adversários.

Em março de 2020, o ex-ministro Gustavo Bebianno disse que o Zero Dois queria criar uma “Abin paralela”. Um sistema de informações clandestino, que não deixaria rastros de suas atividades. Agora a Polícia Federal acredita que essa ideia também ficou pelo caminho. Os Bolsonaro acharam mais útil capturar a Abin oficial.

Zeina Latif - A necessária renovação política, nos EUA e no Brasil

O Globo

A falta de novas candidaturas, mais conectadas aos anseios da sociedade, poderá trazer desânimo aos mercados e à sociedade

Os EUA terão eleição este ano num clima de desânimo. De um lado, uma sociedade insatisfeita e, de outro, a incapacidade de renovação da política. Os partidos rivais não conseguiram construir candidaturas competitivas alternativas a Donald Trump e Joe Biden.

Nutre-se, assim, a polarização, que por sua vez, dificulta a construção de consensos necessários para atender aos anseios da sociedade, hoje mais complexa. Que o Brasil não siga o mesmo caminho.

O desconforto da sociedade é revelado em pesquisas de opinião e nos indicadores de confiança. O baixo desemprego (3,7% em dezembro ante 14,9% no auge da pandemia e média histórica de 5,7%) e o recuo da inflação (3,3% ao ano em 2023 ante 8,9% em meados de 2022) não têm trazido maior satisfação aos indivíduos.

Afinal, não basta ter trabalho; as pessoas anseiam também por melhor qualidade de vida, igualdade de oportunidades e justiça.

Roberto DaMatta - Esse eu conheço!

O Globo

Nossa aversão à impessoalidade chega às raias da repulsa. De tal modo que a regra universal é tida como desgraça ou castigo

Salta aos olhos a trivialidade da expressão acima. No entanto, quanto mais a usamos, menos penetramos em seu significado. Veja como ela pouco diz traduzida para o inglês, justamente porque, como diria Gilberto Freyre, ela — como o carnaval — é um “brasileirismo”.

É um “conhecer cultural” inscrito no nosso inconsciente. Na escondida hierarquia das nossas relações sociais, e no modo como as vivenciamos.

Todos conhecem X, mas nem todos podem dizer com orgulho, revelação ou desprezo: “Esse eu conheço!” — o que equivale a revelar um elo pessoal. Um laço instaurador de um conhecimento íntimo, cotidiano e familiar. Tudo o que socialmente faz diferença, porque afasta o demônio do informal e do impessoal que não sabe quem somos.

Realmente, nossa aversão à impessoalidade chega às raias da repulsa. De tal modo que a regra universal é tida como desgraça ou castigo, jamais como regulador informal de um hábito ou costume.

Elio Gaspari - O jogo pesado de Emmanuel Macron

O Globo

Até as pedras sabiam que o presidente francês, Emmanuel Macron, se opunha ao acordo de comércio da União Europeia com o Mercosul, mas, ao anunciar que as negociações deveriam ser interrompidas, ele jogou pesado. Uma coisa é divergir, o que vem acontecendo desde que as conversas começaram, há 25 anos. Outra é fechar a porta. No século passado, americanos e vietnamitas negociavam em Paris, enquanto Hanói e Haiphong eram bombardeadas.

Macron falou grosso porque agricultores franceses sitiaram Paris. Bloqueada, a cidade tem três dias de comida. Sua atitude foi truculenta, porém compreensível. Na França, enfrentar os agricultores é suicídio. Eles defendem seus interesses.

O petardo partiu da assessoria de Macron:

Fernando Exman - O baile de máscaras de Lula e Lira no pré-carnaval

Valor Econômico

Volta dos trabalhos legislativos agita Brasília

Sempre falta animação no pré-carnaval de Brasília. Mas não neste ano. Na política, pelo menos, há grande agitação em torno da volta dos trabalhos do Congresso. A grande dúvida é como estarão as relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, depois dos vetos às propostas que ampliam o poder dos parlamentares na gestão dos recursos do Orçamento.

Por parte do Palácio do Planalto, a expectativa de auxiliares diretos de Lula é que o presidente da Câmara passe a adotar o que, na visão deles, seria um posicionamento menos ambíguo. Já pelo lado das lideranças do Centrão, espera-se que o governo passe a cumprir com mais rapidez os acordos fechados. Torcem para que a situação da Funasa, a Fundação Nacional da Saúde, seja resolvida antes da quarta-feira de cinzas.

Lu Aiko Otta - Dúvidas e desconfianças na política industrial

Valor Econômico

Anúncio da semana passada foi incompleto, mas a promessa é de que não se aceitará a repetição da gastança vista nas iniciativas anteriores

Torneiro mecânico, com a carreira política forjada em portas de fábrica no ABC paulista, Luiz Inácio Lula da Silva levou mais de um ano para anunciar seu plano de “neoindustrialização”. Chegou incompleto, como ficou claro no anúncio, na semana passada. Serão necessários ainda 90 dias para lhe dar carne e osso.

Na falta de informações, a Nova Indústria Brasil (NIB), como foi batizada, é criticada pelo que pode vir a ser e pelo que pode deixar de entregar. Afinal, não se sabe.

Ao trazer à tona a ideia de um “Estado empreendedor” e colocar compras governamentais, exigência de conteúdo nacional e empréstimos subsidiados como ferramentas para apoiar o desenvolvimento de cadeias produtivas nacionais, a nova política industrial pareceu a reedição de sua desastrosa versão anterior, que trouxe prejuízos aos cofres públicos e esteve no centro das investigações da Lava-Jato.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - Proteger a proteção da democracia

O Estado de S. Paulo

A Lei 14.197/2021 não tem nada a ver com incriminação por motivos políticos, nem com redução do espaço do debate público

No dia 10 de janeiro, houve um fato em São Paulo que pode causar enorme estrago. A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021) foi usada para constranger manifestantes que protestavam contra o aumento do valor da passagem de metrô e trens, em ato do Movimento Passe Livre (MPL). Sob a alegação de que portavam objetos com potencial ofensivo, como faca, canivete e porrete, e colocavam em risco a ordem e a segurança pública, várias pessoas foram detidas pela Polícia Militar. Depois, sete delas foram indiciadas, entre outros crimes, por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Criado pela Lei 14.197/2021, o art. 359-L do Código Penal (CP) estabelece pena de quatro a oito anos para quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

Wilson Gomes* - Pobreza, voto e esquerda

Folha de S. Paulo

Quem tem fome não tem doutrina econômica preferida, tem é urgência

Se uma pessoa é pobre ou vive na miséria, continua um bom negócio votar na esquerda? Os defensores do liberalismo econômico argumentam que a esquerda não resolve efetivamente o problema dos pobres, por ser incapaz de gerar riqueza. Na visão deles, tudo o que a esquerda consegue fazer é socializar a pobreza ou criar Estados que acodem os pobres, nada mais.

No entanto, esse tipo de argumento, seja verdadeiro ou falso, raramente se torna uma "razão de voto" para os mais vulneráveis da sociedade. Quem tem fome e vive na precariedade, com a vida por um fio, não tem doutrina econômica preferida, tem é urgência.

É nessa perspectiva a minha indagação sobre se os pobres continuam tendo boas razões para votar na esquerda. Intuitivamente, pareceria que sim. Afinal, até onde meu conhecimento alcança, ser de esquerda consiste em priorizar a igualdade, inclusive a igualdade econômica.

Vinicius Torres Freire - A carga tributária baixou

Folha de S. Paulo

No ano passado, arrecadação federal como proporção do PIB caiu, mas não por ação do governo

A carga tributária federal baixou em 2023, primeiro ano de Lula 3. Ainda não há números bons para os estados depois de outubro de 2023, mas a não ser em caso de exorbitância extrema do Sobrenatural de Almeida, a carga estadual também terá diminuído em 2023.

A fim de tentar desanimar quem venha com "argumentos de twitter", "zap" e "opiniões", recorde-se que "carga tributária" é apenas uma proporção, uma fração: o total de dinheiros recolhidos pelos governos por meio de tributos e similares dividido pelo valor do PIB.

Se a carga tributária baixou em certo ano não quer dizer, necessariamente, quase nunca, que alíquotas de impostos diminuíram. É possível que, devido ao ritmo da economia em tal ou qual setor, menos tributos tenham sido recolhidos.

Bruno Boghossian - Lula cutucou uma briga feia

Folha de S. Paulo

Presidente reconhece tamanho do problema que dois órgãos estratégicos representam hoje

Lula cutucou uma disputa que evoluiu de intriga para briga feia entre a Abin e a Polícia Federal. Ao comentar as investigações que miram o órgão de inteligência, o presidente alertou que a PF não deveria fazer "show pirotécnico" em suas ações. Na sequência, o petista se virou para o outro lado e admitiu sua desconfiança em relação à agência.

O excesso de sinceridade do presidente dá conta do tamanho do problema que os dois aparelhos estratégicos representam para o governo. Lula tem hoje uma Polícia Federal que se lançou numa cruzada para derrubar a cúpula da Abin. A chefia da agência, por sua vez, foi contaminada por acusações de arapongagem com fins políticos.

Hélio Schwartsman - O segredo sujo da corrupção

Folha de S. Paulo

Brasil piora sua posição em ranking anual da Transparência Internacional

Brasil piorou sua posição no ranking anual de percepção da corrupção da ONG Transparência Internacional. O país ocupa o 104º lugar entre as 180 nações analisadas.

Medir a corrupção esbarra num problema óbvio. Corruptos e corruptores têm todo interesse em permanecer nas sombras. É só quando cometem algum erro e o esquema é descoberto que vai para os registros. Como é razoável imaginar que a taxa de sucesso não seja das mais baixas, o grosso fica fora do radar.

Luiz Carlos Azedo - Congresso empareda governo com emendas ao Orçamento

Correio Braziliense

Lula ainda tenta recuperar o poder dos mandatos anteriores, mas não consegue. Sua alternativa é confrontar o Congresso e negociar, mas essa é uma via de mão dupla

Deve-se ao pensador italiano Antônio Gramsci, quando encarcerado pelo ditador Benito Mussolini, nos seus Cadernos do Cárcere, a diferenciação entre a pequena política e a grande política. A pequena política é do dia a dia, nos bastidores do poder: intrigas, articulações e interesses fisiológicos. A grande política envolve os assuntos que dizem respeito aos grandes interesses nacionais, às estruturas econômico-sociais e estaria ligada à fundação e conservação do Estado. Assim, seria de interesse de quem faz a grande política excluí-la do debate político e trazer para o primeiro plano o debate sobre a pequena política.

É mais ou menos o que ocorre na discussão sobre as vultosas emendas parlamentares ao Orçamento da União, que saltaram de R$ 11 bilhões para R$ 16,6 bilhões só para as emendas de comissão, conhecidas como RP8. Em 2023, o valor foi de R$ 6,9 bilhões. Ao sancionar o Orçamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou R$ 5,6 bilhões dessas emendas, o que mais ou menos corresponde aos cortes feitos pelo Congresso nas verbas do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Mesmo com o veto, o saldo total das emendas parlamentares será de cerca de R$ 47,4 bilhões. As verbas do PAC somam cerca de R$ 55 bilhões.

Cláudio Carraly* - Computação quântica, inteligência artificial e o homo sapiens sapiens. O futuro de hoje.

A Lei de Moore é um conceito desenvolvido pelo co-fundador da Intel, Gordon Moore, em 1965. A teoria previa que o número de transistores em um chip dobraria a cada dois anos.

Este crescimento exponencial da tecnologia do chip ajudou a revolucionar a indústria da computação, permitindo máquinas mais rápidas e mais confiáveis que poderiam ser usadas para uma gama cada vez maior de aplicações. Serviu como uma pedra angular no desenvolvimento de computadores.

Hoje nossos aparelhos celulares tem a capacidade computacional superior a muitos dos nossos computadores pessoais, que nesse momento já excedem a necessidade básica de trabalho e entretenimento pessoal, da maioria das pessoas na pesquisa. Dito isto, questionamos se a lei de Moore vai se esvair pela falta de necessidade pessoal de tanto hardware e processamento? Claro que não, essa capacidade vai migrar para outras áreas de conhecimento trazendo novas respostas e necessidades que nem sabíamos que tínhamos 

Aqui proponho um exercício futurologico, que como todo exercício de análise para o que há de vir, pode estar fadado ao fracasso pois baseado no presente projetamos o futuro, porém acredito que por conta do caminho que opera nossa tecnologia científica, podemos prever com bastante segurança o casamento inexorável da atual tão discutida inteligência artificial, com a pouco lembrada tecnologia computacional quântica.

Poesia | No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Zé Ramalho - Frevo Mulher