terça-feira, 1 de setembro de 2020

Entrevista | Sérgio Abranches: Bolsonaro caiu em uma armadilha com auxílio emergencial

Cientista político que cunhou o termo presidencialismo de coalizão avalia que presidente ignora o modelo e vai ao centrão 'em busca de imunidade'

Guilherme Magalhães | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Referência na análise do sistema político brasileiro pós-redemocratização, marcado pelo que chamou de presidencialismo de coalizão, o cientista político Sérgio Abranches, 70, avalia que o modelo não acabou com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

O presidente, porém, "tem desconsiderado as regras do modelo", escreve Abranches em seu novo livro, "O Tempo dos Governantes Incidentais", recém-lançado pela Companhia das Letras.

Para ele, que posiciona Bolsonaro sob o pano de fundo da ascensão de líderes populistas em diversos países em uma década de vertiginosas mudanças socioeconômicas, esse tipo de governante é efêmero, o que não significa que não cause estragos por onde passa.

• A aproximação de Bolsonaro em direção aos partidos do centrão indica que o presidente passou a jogar o jogo do presidencialismo de coalizão?

Não, porque o presidencialismo de coalizão é um modelo transacional. Há uma troca entre governo e Legislativo no sentido de uma certa transferência de poder do Executivo não para o Legislativo, mas para os membros da coalizão. E ele tem uma vocação majoritária, é uma busca de uma aliança para poder governar.

No caso do Bolsonaro, ele foi na direção do Congresso em busca de imunidade, quando se sentiu ameaçado pela questão do impeachment, pelo processo da "rachadinha".

Agora, na verdade, ele está fazendo uma transição do modelo autocrático voluntarista para um modelo autocrático populista. Por isso ele está lançando a extensão do auxílio emergencial. Isso ele descobriu por acaso, teve que aceitar o auxílio emergencial forçado pelo Legislativo. Aí viu como oportunidade capturar o auxílio para ele, e ao ver o impacto disso na popularidade, resolveu prolongar.

Mas ele caiu numa armadilha, porque de um lado, para manter esse grau de satisfação que ele conseguiu com o auxílio, tem que manter no mesmo plano para que não haja perda de renda real. Mas tem uma limitação fiscal, ele tem que arrebentar o teto de gastos e se desavir com uma parte do Congresso e com o mercado financeiro que o sustenta.

• A última pesquisa Datafolha apontou que Bolsonaro está com a melhor avaliação desde o início de seu mandato. Como o sr. avalia essa queda na rejeição ao presidente?

Claramente Bolsonaro se beneficiou do auxílio emergencial e está se beneficiando dessa naturalização da doença [Covid-19]. Os EUA estão discutindo a ameaça existencial à democracia que o Trump representa, e aqui estamos sob a mesma ameaça existencial, tanto da democracia como do nosso modo de vida, e a gente não reage da mesma forma. Não há o nível de indignação e mobilização e acho que nem a mesma clareza das lideranças.

Estava vendo na coluna do Conrado [Hübner Mendes], ele discutindo esse papel da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da República e do Ministério da Justiça na questão do dossiê antifascista.

Todos os três fugiram da finalidade das suas instituições. E essa é a maneira pela qual esse novo autoritarismo se firma, carcomendo por dentro as instituições de freios e contrapesos e aumentando o poder discricionário do presidente. Vamos ter de pensar remédios para isso.

Essa é a questão fundamental do Brasil. A gente ainda não se deu conta de que tem coisas anormais demais acontecendo, ameaçando a sociedade brasileira, o padrão de convivência minimamente civilizado que a gente estava construindo, ainda com todos esses problemas que eu falei, e a nossa democracia.

Para Vilhena falta proteção ao estado democrático

Jurista faz balanço de gestão Toffoli e das expectativas em relação ao período Fux

Por Carolina Freitas, César Felício e Luísa Martins | Valor Econômico

SÃO PAULO E BRASÍLIA - O advogado Oscar Vilhena Vieira, membro-fundador da Comissão Arns e professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-Direito SP), afirmou que o Brasil tem o desafio de garantir o Estado Democrático de Direito sem que haja uma lei para proteger a Constituição. Vilhena participou ontem da “Live” do Valor.

“A Lei de Segurança Nacional não tem mecanismos para enfrentar o que governo Bolsonaro e grupos radicais põe frente à democracia”, afirmou Vilhena. “O Brasil não tem lei específica para proteção do Estado Democrático de Direito.” O advogado citou como exemplo a Alemanha, que conta com um aparato para proteger a Constituição.

Para Vilhena, a troca do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 10 de setembro, deve abrir espaço na agenda do tribunal para julgamentos relacionados à liberalização da economia. Ele fez um balanço da gestão do ministro Dias Toffoli à frente da Corte e analisou perspectivas para a gestão Fux. Segundo ele, Toffoli e Fux são “muito diferentes do ponto de vista das matrizes ideológicas que representam”.

“Fux vem da própria magistratura, é mais corporativista que Toffoli. Possivelmente, nessas discussões de reforma [do Judiciário], teremos um ministro mais corporativista. Por outro lado, Fux tem um histórico de decisões no plano econômico menos compromissado com a visão social democrata da Constituição. Pode ter repercussão a respeito da reforma trabalhista e outras reformas para liberalização da economia”, afirmou o professor.

Merval Pereira - "Recesso democrático"

- O Globo

O afastamento do governador do Rio Wilson Witzel trouxe à tona uma discussão política da mais alta importância para a democracia brasileira, sobre a possibilidade de que o governo autoritário do presidente Bolsonaro esteja manobrando o Judiciário com o objetivo de controlá-lo politicamente.

Não seria a primeira vez que democracias aparentes camuflariam o autoritarismo em vigor. Considerar que o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tenha tomado a decisão cautelar para se posicionar como candidato à próxima vaga do Supremo é uma desinformação, pois ele já tem idade superior ao limite de 65 anos para ser indicado para o STF.

Também a decisão não foi ilegal, pois o Supremo deu ao STJ o poder de determinar medidas cautelares contra governadores, sem que seja preciso ouvir a Assembléia. Não é provável, portanto, que o recurso da defesa do governador ao STF seja analisado antes da decisão do plenário do STJ, que tem reunião marcada amanhã para provavelmente avalizar a decisão de Benedito Gonçalves.

O que se tem criticado é o cuidado que ele poderia ter tido de esperar uma decisão do plenário que o fortaleceria, pois afastar um governador é assunto político delicado. Se, eventualmente, o presidente do STF, Dias Toffoli, resolver desautorizar o ministro do STJ, pode haver um choque entre instâncias judiciais.

De qualquer forma, a sobrevida política de Witzel seria curta, pois dificilmente ele escapará do impeachment na Assembléia Legislativa, que deverá estar concluído nas duas ou três próximas semanas.

O vice-governador Claudio Castro, que ontem anunciou com euforia subserviente um telefonema de apoio que recebeu do senador Flavio Bolsonaro, assume muito fragilizado, porque também é investigado, e é possível que, no decorrer da investigação, ele também seja afastado. A interferência do filho do presidente, embora seja representante do Rio de Janeiro no Senado, acrescenta mais dúvidas sobre se o afastamento do governador não beneficiará diretamente o clã Bolsonaro.

O governador interino Claudio Castro escolherá o próximo procurador-chefe do Ministério Público Estadual, que comanda as investigações sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio quando era deputado estadual, comandada pelo notório Queiroz.

Mesmo que queira, porém, será muito difícil que influencie os procuradores estaduais para que indiquem um colega bolsonarista para o cargo numa lista tríplice obrigatória, de onde sairá o escolhido.Todas essas teorias de conspiração surgem porque vivemos tempos estranhos, em que diversas vezes vimos tentativas de contornar os limites legais para impor a vontade do Executivo.

Carlos Andreazza - O voto no lixo

- O Globo 

A população fluminense elegeu um desconhecido

Quem se iludiu com o Wilson Witzel — a própria definição de estelionato eleitoral — iludiu-se não por falta de avisos. Era mais um gritante oportunista que usava a condição de juiz como chancela de autoridade moral superior para se alavancar; no caso, a cargo eletivo. O modelo desta suprema moralidade togada sendo, no Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, aquele que tomou e tornou público, há três dias da eleição a governador, um depoimento sem provas — de um ex-secretário de Obras de Eduardo Paes — que interferiria no processo eleitoral e fulminaria de vez a candidatura do ex-prefeito.

Poucos reclamaram. Valia tudo, né? O justiçamento compensava. Afinal, não existiam santos; de modo que se justificava recorrer a atalhos para ceifar os que julgávamos corruptos. Era preciso mudar. Witzel foi o produto da mudança. Parabéns.

Encaixotada pela grande onda bolsonarista e afogada na correnteza antiliberal que criminalizara a atividade política, a população fluminense elegeu um desconhecido cuja fantasia de outsider combinava reacionarismo e lava-jatismo. Ninguém sabia quem era; e tampouco houve maiores preocupações sobre se teria competência para gerir um estado falido. Combatendo a corrupção — que ainda hoje se crê ser o maior problema do país —, tudo se resolveria.

Witzel vestia o espírito do tempo. Um autoritário — cujas ideias (sobre qualquer coisa que não a solução “mirar na cabecinha”) não eram conhecidas — alçado a governador porque batizado naquelas mesmas águas da antipolítica apregoada como nova política, que lavariam Bolsonaro. Witzel era o ex-juiz que renunciara à estabilidade para tomar o risco de consertar o Rio; não sem antes coadjuvar no comício da morte em que se quebraria placa com o nome de Marielle. Um braço forte, sem os vícios do sistema partidário (apesar de concorrer pelo partido do pastor Everaldo), intolerante com o crime organizado (embora fizesse campanha em área de milícia) e com a corrupção (mesmo próximo do empresário Mário Peixoto).

José Casado - O zagueiro do dinheiro vivo

- O Globo

Suas operações suspeitas ultrapassam R$ 1 bilhão

Ocupação: auxiliar de escritório. Remuneração: R$ 278.500 por mês. Isso significa R$ 3,3 milhões por ano de trabalho, e com direito a décimo terceiro salário.

Esse emprego existe mesmo. Está em Nova Iguaçu (RJ), lugar onde quatro em cada dez habitantes sobrevivem com até meio salário mínimo mensal (R$ 522).

Quem ganhou a posição foi Zé Carlos, zagueiro aposentado do Itaperuna F. C. Ele fez o gol dos sonhos de muitos na Associação de Ensino Superior (Sesni), mantenedora da Universidade Iguaçu (Unig). Cargo e remuneração do ex-jogador constam em documentos trabalhistas da associação, que se diz “filantrópica” e dedicada aos pobres.

O milionário auxiliar de escritório Zé Carlos na vida real é José Carlos de Melo, empresário que trafega entre os submundos da política carioca e das máfias da Baixada Fluminense, e até o mês passado controlava o caixa da Universidade Iguaçu.

Míriam Leitão - O impossível nó do gasto público

- O Globo

O Brasil não está cumprindo a regra de ouro e o teto de gastos não entregou o que prometeu. No ano que vem será necessário pedir um crédito extraordinário de quase meio trilhão de reais para fingir que se cumpre a regra de ouro. Mesmo se não houvesse a pandemia, o problema existiria. O Brasil está há seis anos com déficit primário e só deverá voltar ao azul em 2027, no governo do sucessor do próximo presidente. É perigoso manter rombo por tanto tempo. Erros do passado e incapacidade no presente nos mantém nesse atoleiro.

Pela regra de ouro só se pode endividar para investimento ou amortização da dívida. Não pode ser para pagar despesas de custeio, e nisso entram os juros. Só que o Tesouro terá um custo alto no ano que vem com vencimento de papéis antigos. No começo do segundo governo Dilma, a taxa de juros disparou e foi a 14,25%. Naquela época, o Tesouro vendeu muita LFT, corrigida pela Selic, e por prazo de seis anos. Esses papéis estão vencendo em 2021, e terão que ser pagos. Agora, com os juros baixos, o Tesouro só consegue vender títulos de seis meses. Essa é uma das várias confusões do orçamento.

Luiz Carlos Azedo - Imunização de rebanho

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O Ministério da Saúde não combate a pandemia, deixou essa tarefa a cargo de estados e municípios, a pretexto de que o Supremo assim decidira, o que é uma interpretação falsa”

Parece piada pronta: o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, nomeou para comandar o Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis, responsável por todo o programa nacional de vacinas do governo federal, o médico veterinário Maurício Monteiro Cruz, formado no Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste, em Goiás, com mestrado em prevenção e controle de doenças em animais pela Faculdade de Agronomia e Veterinária da Universidade de Brasília. Cruz estava lotado na Diretoria de Vigilância Ambiental em Saúde do Governo do Distrito Federal e é especializado no controle da leishmaniose.

Como não lembrar da magistral interpretação de Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, por Jair Rodrigues, um clássico da nossa música popular: “Mas o mundo foi rodando/ Nas patas do meu cavalo/ E nos sonhos que fui sonhando/ As visões se clareando/ As visões se clareando/ Até que um dia acordei/ Então não pude seguir/ Valente lugar-tenente/ De dono de gado e gente/ Porque gado a gente marca/ Tange, ferra, engorda e mata/ Mas com gente é diferente”. Sem nenhum preconceito, não se pode acusar o general Pazuello de incoerente. Afinal, o ministro interino está operando uma estratégia de “imunização de rebanho” para gerenciar a pandemia da covid-19 no Brasil. Veterinários são especialistas nisso e profissionais de grande importância para a saúde pública. Alguns são grandes sanitaristas.

Pablo Ortellado* - Armadilha

- Folha de S. Paulo

Cobertura exagerada da imprensa americana pode ter ajudado a difundir teoria da conspiração pró-Trump

Há boas evidências de que o QAnon, uma teoria da conspiração pró-Trump, razoavelmente antiga e com pouca aderência, não desempenhava até pouco tempo um papel muito relevante na política norte-americana.

Em agosto, porém, quando o Facebook derrubou páginas ligadas à conspiração e os principais jornais e sites da imprensa americana fizeram coberturas extensas, a teoria foi colocada no centro do debate sobre o processo eleitoral nos Estados Unidos. O mesmo pode ocorrer no Brasil.

A imprensa enfrenta um desafio: a partir de que momento deve dar atenção e destaque a um fenômeno marginal potencialmente perigoso? Como saber quando não está mais apenas amplificando um fenômeno pequeno, mas alertando a sociedade de algo grave que pode advir?

A difusão e a crença no QAnon foi investigada por uma série de pesquisas: em agosto de 2019, o Emerson College investigou a crença na conspiração; em março de 2020, o Centro de Pesquisas Pew publicou pesquisa sobre a familiaridade da população com a conspiração; em junho de 2020, uma equipe da Universidade de Miami, liderada por Joseph Uscinski, tentou caracterizar quem acreditava na teoria.

Hélio Schwartsman - Monarquias republicanas

- Folha de S. Paulo

Em algumas monarquias constitucionais, como a Suécia, são mínimas as distinções legais entre pessoas comuns e políticos

Suécia, Dinamarca e Noruega não são Repúblicas —são monarquias constitucionais—, mas levam o princípio republicano da igualdade entre os cidadãos mais a sério do que muitas autoproclamadas Repúblicas. Ali, são mínimas as distinções legais entre pessoas comuns e políticos.

Na Suécia, por exemplo, como relata Claudia Wallin em “Um País sem Excelências e Mordomias”, não é incomum ver o premiê usando transporte público para chegar ao Parlamento ou empurrando seu carrinho de compras no supermercado, já que lá geladeira cheia à custa do contribuinte não está entre as prerrogativas do cargo.

Eu não poderia concordar mais com essa ideia. Exceto por recepções oficiais, não encontro nenhum bom motivo para pagarmos as refeições do presidente e sua família, assim como não me parece haver razão para parlamentares terem mais direito à liberdade de expressão do outras pessoas. Todos devem tê-la na maior amplitude possível.

Cristina Serra - No STF, o 'legado' de Toffoli

- Folha de S. Paulo

Diálogo entre Poderes pressupõe altivez, e a simples percepção de tutela militar é anomalia

O mandato do ministro Dias Toffoli na presidência do STF termina nos próximos dias deixando um enigma. Por que ele teve dois generais da reserva no cargo de “assessor especial” no seu gabinete? O primeiro foi Fernando Azevedo e Silva, por indicação de ninguém menos que o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, o general “influencer”.

Villas Bôas foi quem, na véspera do julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, no STF, em abril de 2018, fez ameaças numa rede social dizendo que o Exército repudiava a “impunidade” e que estava “atento às suas missões institucionais”. O STF rejeitou o pedido de Lula por 6 x 5, ele foi preso, bem, o resto você sabe.

Azevedo ficou dois meses no cargo e saiu para ser ministro da Defesa do candidato vencedor na disputa presidencial. Para a vaga, Toffoli acolheu outro general bolsonarista, Ajax Porto Pinheiro. Num vídeo, durante a campanha de 2018, em meio a raciocínios tortuosos, Pinheiro fala dos perigos do comunismo e diz que, se o PT voltasse ao poder, o Exército seria “a principal vítima”. Desconhece-se a contribuição do general ao Judiciário, ao custo mensal de R$ 12.940 para o contribuinte.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Não conte com a vitória da razão

- Folha de S. Paulo

Ímpeto espontâneo da humanidade é o de confirmar preconceitos, e não o de buscar a verdade

Um mês atrás, Joe Biden parecia destinado a uma vitória avassaladora. Agora, não mais. Aparentemente, os protestos violentos de movimentos de esquerda começaram a pesar na opinião pública.

Além disso, as redes sociais estão inundadas de mentiras sobre como Biden e seu partido são radicais revolucionários que querem atear fogo no país e implantar um regime comunista. Nada disso é verdade (a mesma mentira, diga-se, foi usada contra Obama); e todo mundo sabe que não é. Mesmo assim, não duvido que cole e que Trump, mais uma vez, vença.

Aqui no Brasil também estamos nos afogando na maré de ódio e mentiras. E não parece que ela vá retroceder.

No domingo (30), tivemos um caso exemplar. Influenciadores bolsonaristas, como Guilherme Fiuza e o deputado federal Daniel Silveira, espalharam a acusação de que o jornal O Estado de S. Paulo veiculara fotos falsas. Em sua edição de domingo, ele mostrara a praia de Ipanema cheia de gente, em plena pandemia. Disse Silveira em sua rede social: "Essa foto é no estado de São Paulo, é antiga e foi publicada para manipular as pessoas. O próprio Joseph Goebbels sentiria vergonha de tamanho amadorismo na estratégia de convencimento em massa. Boçal!".

A acusação foi prontamente rebatida pelo jornal. A foto era atual. Com efeito, havia pessoas usando máscara; ou seja, impossível ser uma cena de anos atrás. Fiuza e Silveira ambos publicaram discretos pedidos de desculpas pelo inocente equívoco. Tudo isso, é claro, pouco importa. A mentira foi lançada e corre pelos grupos de WhatsApp.

Ricardo Noblat - Resta a Guedes tocar o barco, obediente às ordens do capitão

- Blog do Noblat | Veja

O triunfo da vontade sobre a razão

A essa altura do campeonato, sem mais chances de ir para a galera celebrar o título de o ministro mais bem-sucedido do governo como era o seu sonho, uma derrota a mais, ou duas, ou três, não fará a mínima diferença para Paulo Guedes, o ex-Posto Ipiranga, que se imaginava dono da última palavra quando se tratasse de assuntos econômicos. Foi o que ele sempre ouviu do alto.

Por isso, nem cara feia ele fará logo mais quando o presidente Jair Bolsonaro, em reunião com líderes de partidos no Palácio do Planalto, anunciar o novo valor do auxílio emergencial contra o Covid a ser pago até o final do ano aos brasileiros mais pobres. Serão mais quatro parcelas de 300 reais. É o triunfo da vontade sobre o que pareceria possível ou o mais adequado.

A racionalidade econômica foi chutada para escanteio, e junto com ela seu zelador. Em março último, Guedes mostrou a Bolsonaro as contas que sustentavam que um auxílio acima de 200 reais criaria sérios problemas para o Tesouro. Mesmo assim Bolsonaro decidiu pagar 600 reais tão logo soube que o Congresso seria capaz de aprovar o auxílio de 500 reais. Não queria ficar atrás.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A linguagem da finança e o teto de gastos

- Valor Econômico

O debate brasileiro sobre o teto de gastos é um exemplo da produção da “realidade” pela linguagem dos mercados

Em entrevista à “Folha de São Paulo” publicada na terça-feira, 18 de agosto um economista (do mercado) ouvido pela reportagem, disse que uma possível saída antecipada de Guedes e a derrogação do teto de gastos “podem levar os indicadores de mercado a um patamar destrutivo”.

O sistema financeiro é a instância dominante nas relações econômicas do capitalismo de todos os tempos e em todos os seus tempos. Um sábio atilado chamou o dinheiro e suas instituições capitalistas de “Comunidade”. Sim, Comunidade com C maiúsculo. Em 1933 John Maynard Keynes disparou petardos contra o bunker das finanças: “As regras autodestrutivas da finança são capazes de apagar o sol e as estrelas porque não pagam dividendos”.

As análises mais certeiras da assim chamada “financeirização” estão amparadas em visões do capitalismo que privilegiam as relações estruturais e suas leis de movimento, ou, sua dinâmica. Essa dinâmica reproduz em suas formas o propósito constitutivo desse sistema de relações: a acumulação de riqueza monetária.

A observação desse movimento sugere que o estoque de ativos financeiros - direitos sobre a riqueza e a renda - emerge dos fluxos de renda criados pelos gastos privados e públicos. Neles estão encarnadas as poupanças sacadas dos fluxos de renda pretéritos. A permanente geração desses ativos, a partir dos fluxos, vai abrigar as poupanças vindouras das famílias e das empresas.

As avaliações desse estoque de riqueza ganham autonomia e são efetuadas diariamente nos mercados ditos financeiros. Tais avaliações buscam desvendar o comportamento futuro dos preços do ativos e, portanto, de suas taxas de remuneração, afetando as decisões dos proprietários e gestores dessa riqueza. Estes senhores dilaceram-se entre partilhar o risco do investimento na produção socialmente útil e geradora de novos empregos ou resguardar a grana nos escaninhos da valorização “autorreferida”. Nos últimos 40 anos, esse jogo foi jogado nas regras do “nóis cum nóis”: fusões e aquisições, recompra de ações e pagamento de dividendos.

Eliane Cantanhêde - Que mundo é esse?

- O Estado de S.Paulo

Imunidade para Flordelis e transformar vítima de estupro em ré são imorais

Em meio à pandemia, à crise econômica, às queimadas, ao esfacelamento do Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados não pode fugir à sua responsabilidade diante de dois temas que misturam nojo, indignação e raiva: a “imunidade parlamentar” da deputada federal Flordelis e a portaria do Ministério da Saúde que obriga os médicos a agirem como policiais diante de abortos legais. Em que mundo nós estamos?

A pastora Flordelis não é flor que se cheire, faz mal à saúde e pode matar. Farsa ambulante, ela mistura religião, política, fake news e manipulação de pessoas, na maioria pobres e ingênuas, mas não só. Tudo nela é falsificado, da benemerência às variadas perucas, da função de pastora à de deputada. E, já que não poderia ameaçar o seu mundo de ficção com um divórcio, matou o marido – que já fora filho e genro – usando como cúmplices os “filhos adotivos”, entre eles uma menina que oferecia sexualmente a pastores estrangeiros.

Do ponto de vista político, como um partido dá sigla para uma desqualificada dessas concorrer a qualquer coisa? E como ela obtém mais de 190 mil votos do eleitor do Rio de Janeiro? Do ponto de vista jurídico, como é possível mantê-la solta graças à “imunidade parlamentar”? Que os fazedores de lei se tratam muito bem, todo mundo sabe. Mas que tenham o direito de cometer assassinatos e continuar em liberdade, já é um pouco demais.

O instituto da imunidade é para proteger a opinião, as manifestações, as posições políticas que, em democracias, são saudavelmente divergentes no Congresso e entre o Congresso e o Executivo e Legislativo. Daí a estendê-lo para quem pratica crimes comuns e inclusive crimes incomuns, como assassinato, é uma excrescência que nenhuma democracia e nenhuma discussão democrática pode sustentar. Um absurdo, um escárnio.

Paulo Hartung - A economia verde pode ter o selo ‘made in Brazil’

- O Estado de S.Paulo

Com uma nova atitude em prol da preservação o produto feito no Brasil passa a valer mais

Das trágicas crises, como a que estamos atravessando por causa da pandemia da covid-19, certamente restam dores irremovíveis de nosso coração e de nossa alma. Mas, apesar de ainda estarmos em plena caminhada de travessia deste tempo crítico, já fica evidente uma lição desta quadra dramática da História: é preciso reinventar nossa interface com a natureza.

O movimento de conscientização ambiental, especialmente entre os jovens, tem ganhado corpo rapidamente. Essa é a base de uma sociedade moderna, composta por novos cidadãos e consumidores mais conscientes.

Na Europa, esse olhar foi decisivo para o New Green Deal, plano de recuperação da região com investimento de 750 bilhões de euros. A discussão ecoa pelo mundo. O candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que vai lidar com “as realidades inegáveis e as ameaças cada vez maiores das mudanças climáticas”.

Quando o tema é meio ambiente, o Brasil entra obrigatoriamente em cena, seja por seu potencial, seja pelos fatos danosos que se acumulam nos últimos meses. Enquanto os debates vão na direção da sustentabilidade, o Brasil toma rumo contrário, especialmente na Amazônia, com desmatamento, queimadas, garimpo e grilagem de terras, entre outras ilegalidades.

Bernard Appy* - A reforma tributária e a crise

- O Estado de S.Paulo

No curto prazo nenhum setor da economia será prejudicado pela aprovação da PEC 45

Uma preocupação que surgiu no debate sobre a reforma tributária diz respeito a seus efeitos sobre as empresas, num momento em que vários setores da economia vêm sendo afetados pela crise do coronavírus. Como a reforma tende a provocar uma redistribuição da carga de tributos, alguns setores prejudicados pela crise atual temem ter sua recuperação dificultada por um aumento da tributação.

Trata-se de uma preocupação pertinente, especialmente no caso de uma mudança que afetasse a distribuição setorial da carga tributária num período curto, na saída da crise. Este não é o caso, no entanto, da proposta de reforma tributária consolidada na PEC 45/2019, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a substituição de cinco tributos atuais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Caso a PEC 45 seja aprovada neste ano ou no início de 2021, o IBS só começará a ser cobrado em 2023, em razão da necessidade de aprovação da legislação complementar e montagem da estrutura de administração do novo imposto (que será gerido conjuntamente pela União, pelos Estados e pelos municípios), inclusive dos sistemas informatizados necessários para a sua operação. Adicionalmente, nos dois primeiros anos de operação o IBS será cobrado à alíquota de apenas 1%, sendo seu custo dedutível do valor devido de Cofins, não afetando, portanto, nenhum setor da economia. Ou seja, até 2024 a aprovação da PEC 45 não resultará em aumento da tributação de nenhuma empresa, e mesmo após esse período haverá uma transição em mais oito anos.

Vladimir Carvalho* - O Sedutor do Sertão: Uma relíquia de Ariano

- Correio Brasiliense, 31/agosto/2020

Surpreende-nos, mais uma vez, Ariano Suassuna, depois do interregno que foi a sua exitosa e longa cruzada com as aulas-espetáculo, que divertiu e mobilizou o país de norte a sul – e da publicação póstuma do prometido Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (2017) – com a descoberta recente deste “novo” rebento de sua lavra, O Sedutor do Sertão, que só recentemente veio a lume, em requintada brochura também da Editora Nova Fronteira. É o resultado de providencial descida aos baús do grande criador, realizada com o aval do condomínio de herdeiros de Ariano pelo crítico e professor Carlos Newton Júnior, que também é o autor de judiciosa e brilhante apresentação do volume.

A obra faz jus, como era de se esperar, à descomunal imaginação criadora do autor de A Compadecida, de uma infinita capacidade de absorver o espírito das fábulas do romanceiro popular nordestino de onde saltam, luminosas, a astúcia e a graça do sertanejo na sua luta tenaz para sobreviver. Mas de uma forma tão candente que a transposição eleva e sublima a ação de seus personagens, tal como vemos em seu teatro e também em seus romances encabeçados, sobretudo, por A Pedra do Reino, que já nasceu clássico como sabemos. O que nos faz rir e pensar simultaneamente.

Quem se divertiu com as proezas de João Grilo e Chicó naquela peça, inclusive na sua versão para o cinema, vai se fartar de rir com as rocambolescas aventuras pícaras desse impagável Malaquias Pavão, o tal sedutor, “aguardenteiro, conquistador, folheteiro e cambiteiro”, imbatível rei da simpatia nas relações com outros homens ou com o mulherio de maneira geral. Aliás, o livro pode ser, por seu humor contagiante, um bálsamo que nos vem socorrer bem a propósito, nessa quadra de tão penosa travessia em vista do coronavirus.

A prosopopeia desse sujeito estradeiro, capaz de enganar até o diabo, se passa nas terras que vão do sertão ao brejo, na Paraíba, típicas paisagens do Nordeste, lembrando, em muito, e guardadas as proporções, os lances da cavalaria decadente do Dom Quixote de Cervantes, uma das inegáveis influências de Suassuna. Não à toa, Pavão se faz acompanhar de seu fiel estribeiro, Miguel Biôco, “baixo, careca, meio estrábico”, para cuidar de seu cavalo Rei de Ouro. Isso tudo em pleno cenário e no desenrolar da Revolta de Princesa, uma briga entre o coronel Zé Pereira e o presidente (como eram chamados à época os governadores) João Pessoa, que se antecipou à Revolução de 30, deflagrada a partir da morte deste último, como é sabido.

Entre o vírus e a reeleição – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os problemas das contas públicas tornam fundamental a retomada da consolidação fiscal, mas Jair Bolsonaro parece estar concentrado na reeleição

Com um buraco de R$ 505,38 bilhões até julho, o governo central já contabilizou quatro vezes o déficit primário inicialmente previsto para o ano, de R$ 124,10 bilhões. A crise do coronavírus derrubou a arrecadação e forçou gastos excepcionais para combater a pandemia e seus efeitos econômicos e sociais. Um orçamento de guerra autorizado pelo Congresso valerá até dezembro. Estará próximo de R$ 800 bilhões, no fim do ano, o rombo primário do poder central, segundo o Ministério da Economia. Essa projeção será superada, se o Tesouro tiver de atender ministros gastadores, aliados fisiológicos e aos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.

Esgotado o orçamento de guerra, os estragos causados pela pandemia – mesmo sem gastança irresponsável – ainda afetarão as finanças públicas por vários anos. Para começar, o governo terá de cuidar de um desajuste primário, isto é, sem juros, muito maior que o programado antes da covid-19. Isso limitará fortemente o manejo do Orçamento. Essa limitação poderá durar vários anos. Em segundo lugar, a equipe econômica precisará administrar uma dívida bem superior à planejada antes da emergência deste ano.

Na pior hipótese, a dívida bruta do governo geral deveria equivaler a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste ano. Em julho essa dívida chegou a R$ 6,21 trilhões, soma correspondente a 86,5% do PIB, com aumento de um ponto porcentual em relação ao nível de junho, segundo o Banco Central (BC). Pelas projeções correntes no governo e no mercado, a proporção estará muito próxima de 100% em dezembro. O resultado será pior, também nesse caso, se o governo gastar neste segundo semestre mais que o previsto. Algum gasto extra já ocorrerá pela simples prorrogação do auxílio emergencial aos mais vulneráveis.

Chegou a R$ 483,77 bilhões, em sete meses, o déficit primário do setor público, formado pelo governo central, pelas administrações de Estados e municípios e pela maior parte das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. O saldo positivo acumulado por Estados e estatais compensou em parte o resultado negativo do governo central.

É o Orçamento, ora – Editorial | Folha de S. Paulo

Governo prevê gasto de 19,8% do PIB em 2021, o que não é arrocho

O governo Jair Bolsonaro não conseguiu chegar a um entendimento interno para uma desejada —e desejável— ampliação ambiciosa do Bolsa Família no projeto de Orçamento de 2021, apresentado nesta segunda-feira (31).

Haverá alguma despesa adicional, porque se projeta que o número de famílias pobres necessitadas do benefício subirá de 13,2 milhões para 15,2 milhões. Mas, ao menos de acordo com o Ministério da Economia, não se tem ainda um novo desenho do programa.

Isso não significa, claro, que o Renda Brasil, como foi batizada a nova versão do mecanismo de transferência de renda, esteja inviabilizado no próximo ano. Executivo e Congresso terão tempo, nos próximos meses, para debater meios de viabilizar a expansão da assistência social.

Há alternativas para encaixar a iniciativa nos limites orçamentários, dados pelo teto dos gastos federais inscrito na Constituição. Algumas delas, como usar verbas de programas menos eficazes no combate à pobreza, foram cogitadas pelo Ministério da Economia, mas infelizmente rejeitadas de modo peremptório por Bolsonaro.

Poder Judiciário pressiona por aumento de despesas – Editorial | Valor Econômico

A Justiça brasileira continua morosa e a situação é pior na fase de execução, em especial em questões fiscais

A Câmara dos Deputados aprovou a criação de mais um tribunal federal regional, que será exclusivo para Minas Gerais, na semana passada, apenas um dia depois de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter divulgado que as despesas do Poder Judiciário superaram os R$ 100 bilhões pela primeira vez na história, em 2019. O levantamento é do relatório “Justiça em Números”, elaborado anualmente pelo CNJ. Como comparação, o gasto foi um pouco inferior aos orçamentos da Educação e da Saúde, de R$ 117 bilhões e R$ 122,6 bilhões, respectivamente, para o ano passado.

Proposta do presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio Noronha, que está prestes a deixar o cargo, e da bancada de deputados de Minas Gerais, a instalação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) foi criticada pelo impacto nos gastos do governo em momento de sérios constrangimentos fiscais, quando faltam recursos até para a continuidade do auxílio emergencial, que vem ajudando a população carente durante a pandemia.

Os defensores do novo tribunal federal argumentam que o pleito tem 10 anos e não vai aumentar despesas porque a sede já existe em Belo Horizonte e os cargos serão remanejados da 1ª Região, que atualmente cuida também de Minas Gerais. Difícil acreditar. Emenda apresentada para o projeto, determinando que os gastos de todos os tribunais no próximo ano sejam equivalentes aos valores deste ano, corrigidos apenas pela inflação, acabou rejeitada em votação simbólica. O projeto segue agora para o Senado.

A situação dramática das finanças estaduais – Editorial | O Globo

Socorro ao Rio é imperativo na emergência, mas não dá mais para conviver com indulgência e improviso

Está no topo da agenda do governador interino Cláudio Castro a renovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para o Estado do Rio, cujo prazo expira no próximo sábado. Na emergência da pandemia, não há saída senão a renovação. Mas o problema não terá solução sem que o Brasil todo — inclusive o Rio — encare com a devida atenção a situação dramática das contas de estados e municípios.

O auxílio a governos estaduais deveria ser exceção. Mas a permissividade virou regra a partir de 2014, com mudanças sucessivas na legislação fiscal. Mesmo antes, entre 2008 e 2014, foram aprovados R$ 180 bilhões em novas dívidas estaduais, 50% de aumento. Tanto o Congresso quanto o Supremo têm adotado posturas lenientes em relação às finanças federativas.

Não é exagero dizer que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) vem sendo desmontada aos poucos, com o reiterado socorro financeiro da União aos estados. Em contrapartida, apesar dos repetidos empréstimos extraordinários, nenhuma das 27 unidades socorridas no último quinquênio alcançou equilíbrio de caixa. Dezessete encerraram o primeiro semestre em situação de progressiva asfixia financeira, segundo o último boletim do Tesouro.

É verdade que houve melhora nos últimos dois anos. Em 2019, as necessidades estaduais foram 71% menores que no ano anterior. Mas o problema central permanece: os fluxos de receitas e despesas são incompatíveis com o equilíbrio das contas públicas. A instabilidade financeira se tornou crônica. Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são casos mais graves, porque padecem tanto de dívida alta como de uma liquidez precária. No Rio, a receita fica em geral um terço abaixo do total de despesas. Em 2021, tudo indica que o governo estadual disporá de apenas um real em caixa para cada três reais a pagar.

A falta de dinheiro tem consequências trágicas. Antes de aderir ao RRF, em setembro de 2017, a insolvência afetava de forma severa a administração fluminense. Atrasos nos salários levavam servidores às filas para receber cestas básicas em mutirões de solidariedade. Praticamente todas as obras pararam. Universidades interromperam atividades.

Música | Paulo Godoy - A Volta do Boêmio (Boemia)

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Boêmia

No bar Nacional
no bar do Palace
na Brahma
no Lamas
na Americana
no restaurante Reis
na casa inconfessável da Rua Riachuelo
o poeta ensaia uma boêmia contemplativa
da boêmia dos outros.