Uma das explicações para a queda de José Serra na preferência do eleitorado, passando ao segundo depois de ostentar meses um primeiro lugar na disputa da prefeitura de São Paulo, é o aumento cumulativo da rejeição ao político sobre o qual não pesam denúncias de corrupção ou críticas de incompetência em nenhum dos cargos que já exerceu. A rejeição, porém, é crescente, embora não o tenha impedido de vencer disputas e eleger-se prefeito, governador, deputado e senador. Analistas têm se debruçado sobre a questão e, recentemente, registraram que a rejeição a Serra ocorre sob várias razões, entre elas uma que, em março, estava sendo apresentada como sinal de vitalidade e modernização do PSDB: as eleições primárias para escolha do candidato do partido a prefeito da maior cidade do país.
À época, Serra decidiu candidatar-se à última hora e, embora dois candidatos tenham cedido seu lugar a ele, outros permaneceram na disputa, sendo que um deles, o ex-deputado e secretário José Aníbal, estabeleceu uma luta renhida, lastreada em inimizade anterior, que lhe tirou condições, inclusive, de unir-se ao vencedor ao fim do processo.
Nas avaliações mais distanciadas da refrega da campanha eleitoral foi exatamente esta novidade, as prévias, que teriam piorado a situação de Serra porque entregaram todo o ouro aos bandidos. Ou seja, tantas e tamanhas foram as críticas internas, destrutivas, que os adversários não tiveram sequer o trabalho de preparar o enfrentamento, ele já veio pronto para usar. E, ao contrário do que ocorre em outras democracias avançadas, com sistema partidário sólido, a campanha prévia, em São Paulo, impossibilitou a união de todas as forças em torno do candidato internamente vitorioso.
Em sistema eleitoral imperfeito, as prévias são risco
O exemplo mais recente dos Estados Unidos, onde a preferência do partido Democrata foi disputada por Barack Obama e Hillary Clinton, estabelece a distância que o Brasil ainda mantém de um sistema político organizado em partidos fortes. Depois de uma disputa radical mas realizada dentro de determinados limites, inclusive de civilidade, o presidente Obama teve condições de convidar a oponente Hillary a integrar seu governo como principal ministra.
Bem, aqui não se aceita derrota, principalmente quando os contendores são do mesmo partido. Os insatisfeitos saem e criam outra agremiação ou ficam de fora minando o vitorioso. Quem tinha alguma experiência em prévias, como o PT, abandonou o projeto quando resolveu que a melhor política era submeter-se à vontade de um cacique, Luiz Inácio Lula da Silva. Pode ter sido uma boa ideia pois, mesmo sem prévias, a candidata que o ex-presidente preteriu, Marta Suplicy, assinou, inclusive, atestado de derrota do escolhido, Fernando Haddad: assegurou que ele não venceria as eleições.
Impensável essa falta de limite e inviabilização da união partidária nos países onde o exercício do poder é coisa séria e os partidos são instituições fortes. Os ataques não transpõem a linha do bom senso para permitir a união depois. Aqui, já se criou a sub-legenda, instituiu-se a figura do inimigo municiador da campanha adversária, e um lutador interno à espreita na sala ao lado. Por este prisma, pode-se concordar que a experiência de prévias do PSDB não deu certo.
Mas o peso das prévias no aumento da rejeição não é uma conclusão consensual. Políticos que foram indiferentes a ela também lhe tiram agora o atributo de ter provocado, com a exposição dos defeitos do candidato, a queda nas pesquisas. Reconhece-se, nesse grupo de pensamento, que a prévia do PSDB em São Paulo provocou certo desgaste, mas não absoluto. Mais que a disputa primária, nesta corrente atribui-se o pior efeito a um certo esgotamento da admiração pelo PSDB, devido ao tempo no poder. Teria sido, também, a impaciência do eleitorado com a disputa PSDB e PT, que em São Paulo tangencia a questão político-partidária para centrar-se na radicalização que beira o ódio. Há, também, o problema grave da histórica rejeição ao Serra, que vem se acumulando reforçada pela rejeição ao Gilberto Kassab. Uma ojeriza ao prefeito que vem comprovar, também, a impaciência do eleitorado com a prática política tradicional. Debates sobre dados revelaram que a rejeição ao prefeito se deve menos à sua atuação na administração da cidade do que à dedicação à criação de novo partido, o PSD.
E, com todas essas razões de rejeição, o político em causa ainda tem chances de ir ao segundo turno, que é uma outra eleição, como teve de lograr êxito nas disputas anteriores para cargos de prefeito, governador e senador. Por que? Pela rejeição aos demais, dizem os analistas, além dos que, diante das opções, preferem seguir com aquele que rejeitavam.
Mesmo sem terem um peso absoluto no desgaste, as prévias, com o sistema eleitoral brasileiro, são um risco para os partidos.
Ex-deputado, agora consultor político em São Paulo, Arnaldo Madeira avalia que o Brasil continua a ter no seu sistema eleitoral um problema sério. A prévia exige uma estrutura partidária mais forte do que é a brasileira. Sendo um dos melhores quadros do PSDB à época em que exercia mandato, Madeira diz que o partido precisa se renovar, encontrar um discurso e não se sabe se terá capacidade e competência para fazer isso. Tudo isso impacta o quadro partidário. "Há uma dinâmica na sociedade brasileira, hoje, muito forte. O processo de renovação na área empresarial, na classe média, é muito forte e os políticos não estão conseguindo acompanhar o que está acontecendo".
O exemplo mais uma vez é o dos Estados Unidos, exatamente o discurso de Bill Clinton na convenção do partido Democrata há poucos dias. Do gestual ao conteúdo, da cena à empostação, tudo impressionou. O Brasil de hoje é um deserto de figuras e ideias políticas expressivas. Quem está no comando, hoje, era baixo clero há uma década. E não se habilita a enfrentar a questão do sistema eleitoral. Um lamento cíclico que ecoa a cada dois anos.
FONTE: VALOR ECONÔMICO