Quarenta trabalhadores já morreram em 21 grandes obras do PAC, como hidrelétricas, rodovias e refinarias, nos últimos três anos. Só nas usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, houve seis mortes. Em 2010, a "taxa de mortalidade" nas 21 obras alcançou 19,79 por 100 mil trabalhadores, considerada "altíssima" pelo consultor da OIT no Brasil, Zuher Handa. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Paulo Safady Simão, admite que "as obras estão em ritmo muito acelerado, e as companhias não estão treinando pessoal".
Morte e progresso
ALTO RISCO
40 trabalhadores já morreram em obras do PAC
Cássia Almeida*, Henrique Gomes Batista, Isabela Martin e Bruno Rosa
Trabalhadores estão morrendo nos canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estrela do governo federal. Num levantamento inédito feito pelo GLOBO em 21 grandes empreendimentos, que somam R$105,6 bilhões de investimentos, foram registradas 40 mortes de operários em acidentes, desde 2008. Somente este ano, seis trabalhadores perderam a vida em cinco projetos.
Tanto em complexas obras de infraestrutura, como hidrelétricas, como nas mais simples, incluindo as do programa Minha Casa, Minha Vida, a morte está presente. Os acidentes fatais são causados principalmente por choques, soterramento e quedas.
São mortes "invisíveis", que não estão nos bancos de dados dos diversos controles governamentais criados para acompanhar o PAC, que, até o início de 2010, era coordenado pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Somente em 2010, a taxa de mortalidade foi de 19,79 para cada cem mil empregados.
Índice considerado altíssimo pelo médico Zuher Handar, consultor para segurança e saúde da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. A taxa é mais que o dobro da registrada para o conjunto dos empregados do setor formal da economia - 9,49 por cem mil. Os empregados da construção civil brasileira são os que mais morrem. A taxa de mortalidade está em 23,8 por cem mil trabalhadores, um pouco acima da encontrada em obras do PAC - considerada muito alta, já que são tocadas por grandes construtoras, com tecnologia suficiente para proteger os operários, dizem especialistas.
Nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade na construção civil é de 10 por cem mil; na Espanha, de 10,6; no Canadá, de 8,7; em Portugal, de 18. - Nessas grandes obras de infraestrutura, independentemente de serem do PAC ou não, o governo precisa estar mais atento, não contratando empresas que deixem de ter mecanismos de prevenção - disse Handar.
Setor da construção admite insegurança
- O alto número de mortes é verdadeiro. Estamos intensificando os trabalhos e a atenção. Isso nos preocupa e buscamos as razões para esse quadro. As obras estão em um ritmo muito acelerado e as companhias não vêm treinando (pessoal), porque não há tempo para isso - afirmou Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), acrescentando que, com a carência de mão de obra, empresas têm buscado pessoas sem qualificação para trabalhar nos canteiros.
Segundo ele, o ideal é que os trabalhadores tenham de 80 a cem horas de aulas teóricas. Depois, entre cem e 120 horas práticas, nos canteiros. Só após essas duas fases, continua Safady, é que se deve entrar na obra: - Sem isso, cometem-se erros. O problema é generalizado. Há uma carência para todos os níveis de obras, e em todos os lugares do Brasil. Na Usina de Jirau, que fica a 130 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, são três mortes investigadas pela Superintendência Regional do Trabalho: as de Valter Souza Rosa, em maio de 2010, por choque elétrico; de Francisco da Silva Melo, esmagado em um britador, em julho; e de João Batista dos Santos, em fevereiro deste ano, num acidente com uma grua. Palco de uma rebelião que resultou na destruição de boa parte dos alojamentos e da área de lazer, Jirau tem uma rotina marcada pela insegurança.
Nos alojamentos improvisados para os operários depois da rebelião, ouve-se histórias de quedas de armadores, homens que ficam pendurados apenas por cintos em estrutura de até 45 metros de altura. - A pessoa cai, a ambulância leva e, depois, não vemos mais o trabalhador. Não sabemos se morreu ou não - conta um operário. Na vizinha Santo Antônio, usina que está sendo construída no mesmo Rio Madeira, há registros de três mortes: as de João Edcarlos Sá de Jesus, na queda de uma lançadora de concreto, em julho de 2010; de Bruno Alexandre Queiroz Martinho, em fevereiro deste ano, num acidente com uma grua; e de um trabalhador identificado apenas como Renan, afogado no Rio Madeira em data não precisada. Vivaldo Andrade da Silva já passou por duas cirurgias depois do sofrer um acidente na Usina de Santo Antônio, o mesmo no qual João Edcarlos morreu. Ainda está de licença médica, mas não pretende voltar à obra. - Entrei bom e saí aleijado. Não quero voltar, não.
Tenho medo - afirmou. A Superintendência Regional do Trabalho lavrou 330 autos de infração nas áreas de segurança e saúde em Jirau em abril de 2010 e 240 em Santo Antônio, no mês seguinte. Paralelamente, o Ministério Público do Trabalho entrou com ação contra o consórcio construtor denunciando 109 situações de risco. Em 51 delas, a Justiça concedeu liminares.
O processo está em fase de perícia. - Eles aceleraram a tal ponto a obra, com tanto risco, que estávamos a ponto de interditar o vertedouro de Jirau, o ponto mais crítico na situação de segurança. Foram seis mortes em dez meses. Se as empresas não repensarem a questão, mais vidas de trabalhadores serão ceifadas - disse o chefe do Setor de Segurança e Saúde do Trabalhador da SRT, Juscelino José dos Santos.
Segundo a Camargo Corrêa, responsável por Jirau, as três mortes na usina aconteceram com 16 milhões de horas/homem trabalhadas, um tempo bem superior à média para essas obras. A empresa também diz que tem cem técnicos e engenheiros de segurança atuando na usina com 22 mil trabalhadores. Já Antonio Cardilli, gerente administrativo e financeiro do Consórcio Santo Antônio Civil, disse que o Programa Acreditar, de qualificação profissional, formou 32 mil trabalhadores no curso básico (saúde, segurança, meio ambiente e cidadania) e mais 9 mil no curso técnico.
Ele reconheceu apenas duas mortes no canteiro - três são investigadas por auditores fiscais do trabalho - e alegou que a situação na usina é melhor que em outras obras do PAC, já que os óbitos aconteceram em 52 milhões de horas/homem trabalhadas. A média geral, segundo Cardilli, seria de um acidente fatal a cada 8 milhões de horas/homem trabalhadas. Além disso, disse que há 300 pessoas na área de segurança da obra.
19 horas de trabalho antes de falecer
O metrô de Fortaleza (Metrofor), outra obra do PAC, coleciona paralisações e adiamentos e tem quatro mortes por acidente de trabalho. A primeira aconteceu em 2007. No último acidente grave, em 8 de maio de 2010, dois operários morreram por falha na execução do escoramento de uma laje. Um dia antes, uma das vítimas, o servente João Ventura Martins, de 44 anos, saiu cedo de casa para o trabalho. Entrou às 7 h e deveria ter encerrado o expediente às 17h. Morreu às 2h15m do dia seguinte, após uma jornada de 19 horas, com intervalos apenas para almoço e jantar. - Nos oito meses em que trabalhou no Metrofor, ele nunca chegou em casa na hora certa. Didi (apelido de João) reclamava que trabalhava demais e que vivia cansado - contou a viúva,
Maria Ribeiro Miranda, de 50 anos. Passados dez meses, ela ainda não superou o trauma da perda. - Até hoje acho que ele está viajando e que vai voltar - contou. A trágica notícia que interrompeu 25 anos de relacionamento chegou por meio de dois colegas de trabalho. - Quando perguntei por ele, um disse assim: "O Didi morreu. O corpo está no IML" - lembrou.
O consórcio responsável pela obra do metrô, formado pelas empresas Queiroz Galvão e Camargo Correia, não se pronunciou sobre o assunto.
(*) Enviada especial
FONTE: O GLOBO