segunda-feira, 31 de março de 2014

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

Na raiz desse desencontro, de nenhum modo fortuito, está a guinada empreendida pelo PT, já esboçada antes de chegar ao governo em 2002, e que se radicalizou a partir do segundo mandato do presidente Lula, que o levou a revalorizar o que havia de mais recessivo na tradição republicana brasileira, qual seja o viés de se inclinar em favor de uma cultura política estatólatra. Essa cultura é longeva e teve seu momento mais forte no Estado Novo, institucionalizada pela Carta de 1937, de triste lembrança, mas subsistiu de modo encapuzado nos períodos posteriores, inclusive na democracia de 1946, para não mencionar o regime militar. E, camuflada com arte, encontrou seu lugar neste presidencialismo de coalizão que viceja à sombra da Carta de 1988.

Professor-pesquisador da PUC-Rio. A Copa e o estado de coisas que aí está, O Estado de S. Paulo, 30 de março de 2014

Documentos revelam pagamento extra da Petrobrás para sócia em Pasadena

Além da cláusula que obrigava repasse de 6,9% à Astra Oil mesmo que refinaria tivesse prejuízo, contrato de 2006 garantiu pagamento de US$ 85 milhões aos belgas a título de 'alocação especial', elevando o valor total do negócio para US$ 1,26 bilhão

Cláudia Trevisan, enviada especial a Houston, e Sabrina Valle - O Estado de S. Paulo

A Petrobrás pagou US$ 85,14 milhões à Astra Oil em fevereiro de 2007 para garantir à sua então sócia na refinaria e na trading de Pasadena um lucro mínimo com o negócio, atendendo à exigência do acordo de acionistas que as duas empresas haviam assinado no ano anterior. Com esse desembolso, o preço final que a estatal brasileira pagou pela operação do Texas sobe ainda mais - de US$ 1,18 bilhão para pelo menos US$ 1,265 bilhão.

O pagamento é confirmado em memorando da Astra à Receita Federal americana apresentado em um dos processos judiciais nos quais as duas empresas se enfrentaram. Com data de 19 de dezembro de 2008, ele tenta esclarecer dúvidas levantadas pelo auditor J. Clark Armitage sobre a natureza da transferência.

Os advogados da Astra respondem que o desembolso é um "pagamento garantido", que deveria ser feito pela Petrobrás à Astra quando a receita da empresa de trading que abastecia a refinaria de Pasadena ficasse abaixo de determinado patamar. Esse benefício seria pago por dois anos, no valor máximo de US$ 85,14 milhões em cada um deles, em um total de US$ 170,28 milhões.

Chamado de "alocação especial", esse dispositivo é distinto de outro que dava à sócia belga da Petrobrás uma rentabilidade mínima líquida com o negócio de 6,9% ao ano, por um período de 15 anos. Esse item ficou conhecido como "cláusula de Marlim", porque foi justificado com o argumento de que se tratava de uma compensação à Astra pelo fato de a Petrobrás poder refinar em Pasadena o óleo pesado que produzia no campo de Marlim, na Bacia de Campos, Rio de Janeiro.

O acordo de acionistas, no entanto, não prevê nenhuma contrapartida ou benefício para a Petrobrás em troca da "alocação especial" que a estatal teria de pagar à Astra em 2007 e 2008, tendo como base os resultados da trading dos anos anteriores. O documento diz que o "pagamento garantido" de 2008 dependeria das receitas obtidas em 2007 - não está claro se ele chegou a ocorrer nem qual o seu valor.

A "cláusula de Marlim" e a "alocação especial" que gerou o pagamento de US$ 85,14 milhões estavam entre as condições que tinham o objetivo de favorecer a sócia belga e protegê-la de riscos associados à operação. Na prática, era uma garantia de lucro mínimo que seria bancada pela estatal mesmo na hipótese de a receita bruta com as operações da trading ser insuficiente para a realização dos pagamentos.

"A quantia dessa alocação especial deve reduzir o montante dos lucros (ou aumentar o montante das perdas) que seriam de outra maneira alocados à sócia Petrobrás", diz trecho do item 4.3 do acordo de acionistas de setembro de 2006 que criou a trading de Pasadena, que era uma empresa distinta da refinaria.

No documento à Receita Federal americana, os advogados da Astra explicam que a estatal brasileira concordou em contribuir com "certas quantias" para o capital da trading, e que esses recursos seriam usados para os "pagamentos garantidos" que asseguravam à Astra a obtenção de lucro na operação independentemente do que acontecesse.

Mau negócio. A Petrobrás comprou metade da refinaria de Pasadena em 2006 por US$ 360 milhões. O negócio foi aprovado pelo Conselho de Administração da estatal, à época comandado por Dilma Rousseff, então chefe da Casa Civil do governo Lula.

Em 2005, a Astra havia pago US$ 42,5 milhões pela empresa, na qual investiu US$ 84 milhões antes da entrada da estatal brasileira no negócio. Em razão de outra cláusula polêmica do contrato, a Petrobrás foi obrigada a comprar os 100% da refinaria após uma longa disputa judicial.

Há duas semanas, Dilma afirmou ao Estado que só aprovou a compra da primeira metade da refinaria de Pasadena porque foi mal informada. Disse que o resumo técnico do negócio era "falho" e "incompleto".

O autor do resumo técnico criticado pela presidente foi Nestor Cerveró, então diretor da área internacional da Petrobrás, Cerveró deixou o cargo em 2008, quando a estatal brasileira iniciou o litígio com a sócia belga. Foi alocado numa diretoria da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobrás responsável pelos postos de gasolina da estatal. Após a declaração pública de Dilma sobre as circunstâncias da aprovação do negócio pelo Conselho de Administração em 2006, Cerveró foi demitido da BR Distribuidora.

Defensores. Além dele, o ex-presidente da Petrobrás José Sergio Gabrielli e o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa eram entusiastas da compra da refinaria. Costa era do "comitê de proprietários" de Pasadena, uma instância de poder da refinaria que a atual presidente da Petrobrás, Graça Foster, disse desconhecer até a semana passada.

O ex-diretor de Abastecimento, que não estava mais na estatal, foi preso na semana passada sob suspeita de receber propina em contratos da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Em meio à polêmica, a oposição no Congresso articula a criação de uma CPI a fim de investigar as várias suspeitas envolvendo a companhia petrolífera. O grupo já tem assinaturas para abrir a comissão no Senado.

Já Graça Foster, sucessora de Gabrielli, determinou a abertura de uma investigação interna na Petrobrás para apurar todo o processo de compra de Pasadena. Os resultados da investigação serão apresentados em até 45 dias.

Pasadena era uma refinaria ultrapassada e sem capacidade para processar o óleo pesado produzido pela Petrobrás. O objetivo da estatal era reformá-la para que ela pudesse refinar o óleo extraído da Bacia de Campos, em especial do campo de Marlim.

Quem tem medo da CPI da Petrobras?

Que políticos podem perder se o Congresso investigar a corrupção na estatal

Diego Escosteguy, Murilo Ramos e Leandro Loyola, com Marcelo Rocha – Época

No começo de 2004, os deputados José Janene e Pedro Corrêa, líderes do PP, estavam no saguão de embarque do aeroporto Santos Dumont, no Rio, quando esbarraram com o engenheiro Paulo Roberto Costa, funcionário de carreira da Petrobras e diretor do gasoduto entre Brasil e Bolívia. Corrêa o conhecia desde o governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. A dupla do PP, que comandava o partido, estava em busca de um nome de confiança para indicar à cobiçada Diretoria de Abastecimento da Petrobras, conforme fora acordado com outra dupla, aquela dupla mais poderosa da República do Brasil naqueles tempos: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Casa Civil, José Dirceu. Os três conversaram rapidamente no aeroporto. Num átimo, Costa topou. Foi uma decisão que mudou sua vida. E que, dez anos depois, no momento em que a corrupção da Petrobras no passado alcança a fragilidade do governo Dilma Rousseff no presente, pode mudar o futuro político do país. Esse entrechoque entre passado, presente e futuro se dará na CPI da Petrobras – com o avanço do noticiário policial envolvendo a estatal, ela se tornou inevitável.

A soma do passado com o presente da Petrobras ameaça o futuro de Dilma graças à sintonia entre os interesses do blocão, aquele grupo de deputados descontentes com o governo dela, e os presidenciáveis Aécio Neves e Eduardo Campos. Os dois lados querem derrotar Dilma, cada um por suas razões. Os deputados do blocão trabalham para diminuir os votos que o PT terá nas próximas eleições, nas campanhas para deputado e senador. Temem ser obliterados pela hegemonia do PT e voltar para um Congresso cada vez mais dominado por petistas. Ou pior: nem sequer voltar para Brasília, ao perder seus mandatos para petistas. Desgastar Dilma é uma das maneiras de diminuir as chances de que eles levem uma sova eleitoral do PT. Aécio e Campos se aproveitam disso para antecipar o desgaste que tentariam aplicar a Dilma somente no segundo semestre. O início da CPI no Congresso é, portanto, o início das eleições.

Situação e oposição preparam suas estratégias. A oposição decidiu criar antes uma CPI no Senado, para depois migrar para a CPI mista e, assim, driblar a força de Renan Calheiros, presidente do Senado. Renan não tem interesse nenhum em apurações na Petrobras. É o padrinho de Sérgio Machado, há 11 anos presidente da Transpetro, o braço da Petrobras encarregado de transportar o petróleo extraído. Com a onda desfavorável – em pesquisa da semana passada, Dilma registrou 36% de aprovação, seu pior índice desde os protestos de junho –, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, a convenceu a pegar pesado. A estratégia do governo é anarquizar a CPI. Parlamentares do PT serão orientados pelo Planalto a apresentar requerimentos para investigar denúncias que atinjam tucanos e o presidenciável Campos. Pedirão, de modo a tumultuar os trabalhos, documentos das investigações sobre o cartel de trens nos governos tucanos em São Paulo. E, também, informações sobre as obras do Porto de Suape, em Pernambuco, Estado governado por Campos.

É uma tática de intimidação. O governo permitirá a convocação de gente da Petrobras, como a presidente Maria das Graças Foster. Mas usará sua força para marcar esses depoimentos para dias estrategicamente esvaziados. Entre as datas estudadas estão 12, 17 e 23 de junho, os dias de jogos do Brasil na Copa do Mundo – quando a atenção para a política deverá ficar abaixo de zero. Uma investigação na Petrobras é uma aventura arriscada para todos. Uma das propostas, inevitável, era investigar o contrato de US$ 860 milhões da Petrobras com a Odebrecht. Ao ver o nome, Aécio arregalou os olhos. A menção à Odebrecht desapareceu em instantes do pedido de CPI. No ano passado, o lobista João Augusto Henriques disse a ÉPOCA que o contrato rendeu doações da empreiteira à campanha eleitoral de Dilma em 2010. Ficou acertado que a CPI investigará a compra da refinaria Pasadena, nos Estados Unidos, os indícios de pagamento de propina a funcionários da estatal pela holandesa SBM, construções de refinarias e denúncias de plataformas entregues inacabadas.

A história do medo que os políticos têm da CPI pode ser contada a partir daquele encontro no aeroporto Santos Dumont. Dois de seus três participantes estão na cadeia. Costa foi preso há dias pela Polícia Federal, acusado de ser parceiro de negócios de Alberto Youssef, um dos maiores doleiros do Brasil. Também é suspeito de receber propina de empreiteiras quando era diretor da Petrobras. Corrêa está preso desde dezembro. Foi condenado pelo Supremo, no julgamento do mensalão, a 7 anos e 2 meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Cumpre pena num presídio de Pernambuco. Janene morreu em 2010, antes de ser julgado pelo Supremo. O doleiro Youssef, hoje apontado como sócio de Costa, era o responsável por lavar o dinheiro do mensalão para os deputados do PP. Foi preso na mesma operação da PF que levou Costa em cana.

Se Costa não tivesse aceitado o cargo naquela conversa no Santos Dumont, talvez tudo transcorresse da mesma maneira no Planalto, no Congresso e na Petrobras. Seja lá por que razões tenha aquiescido à indicação do PP, Costa aceitou, há dez anos, ser mais um na multipartidária indústria da corrupção que define, em larga medida e há muitas décadas, a política brasileira: a arrecadação de dinheiro por meio de cargos no governo. Dinheiro sujo para financiar campanhas eleitorais. E dinheiro sujo para todos os que participam dessa indústria: donos de partidos, lobistas que criam dificuldades para vender facilidades, fornecedores do governo, doleiros que tornam viável o pagamento de propina.

O REPARTE DA PETROBRAS
O esquema do mensalão, em todas as suas complexas ramificações, consistiu numa tentativa de centralizar o vasto caixa nas mãos do PT. Especificamente, nas mãos do ex-tesoureiro Delúbio

Soares, que contava com a ajuda de alguns auxiliares. Era uma decisão ideológica. Para quem entendia a indústria por dentro, como o ex-deputado Roberto Jefferson, do PTB, era impossível de executar. A ideia do governo Lula era oferecer menos cargos a partidos como o PP e, em troca, manter um fluxo financeiro razoável para os aliados, por meio da dinheirama do mensalão. O esquema operado por Marcos Valério, contudo, era insuficiente para manter no azul a indústria da corrupção política. Era preciso mais. Era preciso entregar um pedaço do que todos os vários aliados do governo queriam: a Petrobras, maior empresa do país, que oferece as melhores oportunidades de negócios. Por isso o esquema coexistiu, no começo do governo Lula, com poucas, mas relevantes, nomeações de peso dos demais partidos. Paulo Roberto era uma delas.

Para aprovar o nome de Costa, Janene o levou à sede do PT em São Paulo, onde ambos se encontraram com Dirceu e Delúbio. Segundo um petista que testemunhou a reunião, Costa entendeu que, se devia a indicação ao PP, devia também, a partir daquele momento, fidelidade ao PT. Obedeceria doravante a dois mestres. Em seguida ao encontro na sede do PT, Lula recebeu, no Planalto, Dirceu e o então presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra. Dirceu apoiou a nomeação de Costa; Dutra contestou. Exaltou-se. Disse o que todos, em Brasília ou na Petrobras, sabiam: Janene era insaciável, e as operações de Costa poderiam trazer sérios prejuízos à Petrobras. Dirceu não recuou. Lula – que, alertado dos perigos do mensalão, nada fez – nomeou Costa. E repartiu politicamente os cargos na Petrobras. Deu diretorias para PT e PP, além de assegurar a presidência da Transpetro, a principal e bilionária subsidiária da Petrobras, ao PMDB. O ex-senador Sérgio Machado virou chefe da Transpetro, por indicação exclusiva do hoje presidente do Senado, Renan Calheiros. “Esse negócio de indicação (para a Transpetro) eu não tenho conhecimento”, diz Renan.

Com mensalão e Petrobras, entre outros cargos menores, os aliados pareciam finalmente satisfeitos. A descoberta do mensalão, em 2005, mudou tudo. A estratégia do PT, centralizar os financiamentos dos políticos, dera errado. Era preciso se ater aos esquemas tradicionais: cada partido cuidaria de seu caixa, por meio dos cargos que tivesse, ou que viesse a ganhar. A campanha de reeleição de Lula, em 2006, coincide com o primeiro momento da hoje infame compra da refinaria Pasadena, coordenada por Nestor Cerveró, então diretor internacional da Petrobras, indicado pelo PT e pelo PMDB. Como se confirmou há duas semanas, essa operação foi avalizada pela presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil. Dilma disse desconhecer as condições do contrato que eram lesivas à Petrobras. Disse ainda que faria diferente se soubesse delas. Como tinha enorme influência na Petrobras, Dilma será obrigada, caso a CPI trabalhe seriamente, a responder pelo que se fez com a estatal durante o governo Lula.

No caso do mensalão, tudo se descobriu; no caso da Petrobras, a corrupção ficou escondida por mais tempo. Com o avançar do governo Lula e a queda de operadores poderosos como Dirceu e Janene, os executivos da Petrobras buscaram novos padrinhos. Costa se tornou o principal diretor da Petrobras, representando os interesses do PP, do PT e do PMDB. Reportava-se, nos casos da construção de refinarias no Brasil, diretamente ao presidente Lula. Lula chamava Costa de “Paulinho”, de acordo com um dos sócios de Costa. Cerveró foi substituído na Diretoria Internacional por Jorge Zelada, uma indicação do PMDB da Câmara. Conforme revelou ÉPOCA, Zelada era subordinado, na prática, ao lobista João Augusto Henriques, uma espécie de Delúbio do PMDB. Arrecadava propina, segundo ele mesmo confessou a ÉPOCA, em nome da bancada do partido. O caso é investigado pela PF e pelo Ministério Público.

AGENDA DUPLA
Executivos como Zelada e Costa dividiam sua agenda entre o trabalho na Petrobras e despachos com os chefes políticos em Brasília. Costa frequentava cafés da manhã, almoços e jantares organizados por parlamentares. A maioria dos encontros dava-se nos apartamentos dos ex-líderes do PP na Câmara, Mário Negromonte, que foi ministro das Cidades, e João Pizzolatti. Nessas ocasiões, Costa prestava contas sobre negócios de interesse dos deputados. Zelada fazia o mesmo. Sérgio Machado, da Transpetro, também.

Um dos muitos negócios narrados nos encontros em Brasília envolve a Jaraguá Equipamentos Industriais, empresa de Sorocaba especializada em fornecer equipamentos para refinarias da Petrobras, área de influência de Costa. Em 11 de agosto de 2010, a Jaraguá transferiu, de uma só vez, R$ 1,1 milhão para as contas bancárias das campanhas de cinco políticos do PP. Desse total, R$ 1 milhão para os anfitriões dos encontros com Costa. Negromonte e Pizzolatti ganharam R$ 500 mil cada um. Apesar de ter sido a maior doadora de sua campanha, Pizzolatti não lembra a doação. “Tenho de ver com quem fez a prestação de contas. Não lembro”, diz. A generosidade da Jaraguá foi recompensada logo depois. No dia 30 de novembro de 2010, após as eleições, ela fechou dois contratos com a Petrobras, no valor de R$ 200 milhões, para trabalhar nas obras e montagem da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Dali a quatro meses, num consórcio com a empresa Egesa, fisgou outro contrato, de R$ 337 milhões, para trabalhar no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj. Esse contrato ainda está em vigor. Para ser aprovados, os três contratos passaram pelo crivo de Costa. Costa, afilhado do PP, interferiu na aprovação de mais de R$ 500 milhões para a Jaraguá. “Costa era nosso porta-voz na Petrobras”, diz o senador alagoano Benedito de Lira.

Casos como esse devem pulular na CPI. Ameaçam deputados e senadores do PP, do PT, do PTB, do PMDB… Os que vieram a público até o momento referem-se ao passado, àquele momento em que o mensalão secou. Quando Dilma assumiu o governo, conseguiu, para crédito dela, extirpar da Petrobras nomes como Costa e Zelada, apeados em 2012. A exceção é José Carlos Cosenza, que substituiu Costa como diretor de abastecimento. Foi uma surpresa para os técnicos da área. Cosenza era o número dois de Costa. Agia, portanto, sob as ordens dele. Todos esperavam que caísse junto. A amigos, a atual presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, confidenciou que não houve jeito. Dilma e Graça queriam demitir Costa desde o começo do governo. Pediram que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, convencesse o PMDB a abdicar de Costa. Como o PMDB não cedesse, Lobão pediu a Costa que se demitisse. Ele não topou. Saiu demitido. Cosenza assumiu seu lugar, com o aval do PMDB do Senado.

ELLE VOLTOU
Dilma também não conseguiu limpar a Transpetro e a BR Distribuidora, as duas maiores subsidiárias da Petrobras. Aqui, entra o presente. Essas duas empresas ainda estão nas mãos de políticos – que correrão os riscos inerentes a uma investigação parlamentar. O ex-presidente Fernando Collor de Mello, antes inimigo do PT e de Lula, é o padrinho, desde 2009, de três diretores da BR, incluindo o presidente da empresa, José Lima Neto, que também recebeu o aval de Lobão. Em mais uma demonstração de que o tempo se recusa a passar em Brasília, Collor conquistou as diretorias da BR durante… a última CPI da Petrobras. Em 2009, o Senado criou uma comissão para investigar a estatal. Era um arremedo. Não deu em nada.

Não para Collor. Eleito senador em 2006, ele foi o representante do PTB na CPI. Ameaçava com requerimentos e queria até levar a discussão do precioso marco legal do pré-sal para a comissão. Em agosto, descia a lenha na Petrobras. Lula o chamou para conversar. E tudo foi resolvido. No mês seguinte, o Conselho de Administração da Petrobras, numa reunião em que Dilma estava presente, aprovou a nomeação de dois dos indicados de Collor. Uma terceira diretoria está sob o comando de um grupo de deputados do PT que pode ser descrito como “PMDB do PT”. Cândido Vaccarezza, José Mentor, Vander Loubet e André Vargas compõem esse grupo. Vaccarezza afirma que participou da indicação de Andurte de Barros Duarte para a direção da BR Distribuidora. “Eu e a bancada do PT. A indicação foi feita quando eu era líder”, afirma. Vaccarezza diz que Andurte não é filiado, mas tem boas relações com o PT e o conhece há muito tempo. O deputado André Vargas afirma que conhece Andurte como alguém próximo do PT, mas não se lembra da indicação. Procurados, os deputados Vander Loubet e José Mentor não foram localizados.

Com Collor, o presente nunca foi tão passado em Brasília. Segundo seis pessoas, entre eles parlamentares, lobistas e técnicos da Petrobras, o consórcio entre Collor e os deputados do PT na BR Distribuidora tem como intermediário Pedro Paulo Leoni Ramos, conhecido como PP. Ele é amigo de Collor desde a juventude. Collor foi seu padrinho de casamento. Integrava o “grupo de Pequim”, a turma de amigos que decidiu que Collor deveria ser candidato à Presidência durante um jantar na China, em 1987. Filho de um coronel do Exército, apesar da inexperiência na área, PP foi secretário de Assuntos Estratégicos no governo Collor. Era encarregado de tratar com os militares de assuntos delicados, como a extinção do Serviço Nacional de Informações (SNI), o maior órgão de espionagem da ditadura, e do programa nuclear. PP apareceu mesmo pela atuação em negócios em outras áreas. Foi acusado de coordenar no governo o “esquema PP”, que atuava na Petrobras e em fundos de pensão de estatais. Na Petrobras, funcionários eram obrigados a repassar negócios a pequenas empresas ligadas a PP. Em 1992, PP foi acusado de interferir em negócios feitos pela Previ, o gigantesco fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.

PP é hoje dono de diversas empresas, especialmente na área de energia e consultorias. Um dos sócios em suas empresas é seu cunhado Roberto Figueiredo Guimarães. Como ele, Guimarães foi um jovem com cargo importante no governo Collor. Aos 30 anos assumiu o cargo de secretário do Tesouro Nacional, subordinado à ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Em 2007, Guimarães se tornou presidente do Banco de Brasília, o BRB, um dos poucos bancos estaduais ainda não privatizados. Durou pouco no cargo. Dois meses depois, foi preso pela Polícia Federal na Operação Navalha, devido a sua atuação no emprego anterior. Guimarães fora contratado um ano antes como consultor financeiro do governo do Maranhão. De acordo com as investigações da PF, ele ajudou a construtora Gautama a desviar recursos de obras para o governo maranhense. Com PP, Guimarães é encarregado de lidar com clientes da BR Distribuidora. Outro de seus sócios, Ricardo Kassardjian, é responsável por cuidar da Infra Asset Management. Kassardjian, também influente no governo Collor, intermedeia negócios da estatal com fundos de pensão.

Procurados por ÉPOCA, o senador Fernando Collor e os empresários Pedro Paulo Leoni Ramos e Ricardo Kassardjian não responderam aos pedidos de entrevista. O dono da Jaraguá Equipamentos Industriais, Álvaro Bernardes Garcia, também não respondeu. Roberto Figueiredo afirmou não ter ligação alguma com negócios envolvendo a Petrobras ou suas subsidiárias.

Para debelar crise e diminuir desgaste, Dilma recorre a Lula

Caso Petrobras, no entanto, opõe grupo da presidente e de seu antecessor

Fernanda Krakovics, Luiza Damé e Catarina Alencastro – O Globo

BRASÍLIA — A atual crise na Petrobras opõe, de forma direta, os governos Dilma e Lula. Ao tentar se livrar do desgaste de ter aprovado a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, quando era ministra da Casa Civil e presidia o conselho de administração da estatal, a presidente Dilma Rousseff acabou levantando suspeitas sobre a gestão de José Sergio Gabrielli, indicado para a presidência da empresa por Lula. Ao ser eleita, Dilma indicou para o cargo a atual presidente Graça Foster.

Ainda assim, a presidente se vê diante de uma situação inusitada: para enfrentar a crise provocada pelas denúncias contra a empresa, a presidente leva em conta os conselhos das pessoas de seu entorno, principalmente do ex-presidente Lula. A queda de sete pontos percentuais na popularidade do governo, de acordo com pesquisa CNI/Ibope divulgada na última quinta-feira, também fez com que a equipe do Planalto entrasse em alerta e buscasse no ex-presidente combustível para lidar com o momento político.

Lula acaba então fazendo o papel de bombeiro, trabalhando para tentar melhorar o ambiente, tanto com empresários quanto no próprio PT. Antes mesmo de estourar a crise que envolve os diretores da Petrobras durante o governo Lula, o ex-presidente dava mostras de impaciência e vinha criticando reiteradamente o estilo de Dilma. O ex-presidente costumar dizer que ela tem que conversar mais, mediar, fazer mais política, ouvir. Para o petista, ela conversou pouco com o setor produtivo - que tem reclamado muito do governo - e os com movimentos sociais.

Um efeito prático da turbulência enfrentada por Dilma é a mudança na articulação política do governo, um dos principais motivos de queixa tanto do PT quanto dos partidos da base aliada. O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), apadrinhado pelo ex-presidente Lula, assumirá o Ministério das Relações Institucionais, na próxima terça-feira, no lugar de Ideli Salvatti. Suas principais tarefas serão conter a rebelião da base aliada na Câmara, onde tem bom trânsito, e administrar a CPI da Petrobras.

Presidente não acatou nota de estatal diante de denúncia
A forma de lidar com a denúncia envolvendo a compra de Pasadena, negócio com suspeita de superfaturamento, é um exemplo do voluntarismo da presidente Dilma Rousseff. Ela não acatou a sugestão de resposta enviada pela estatal e decidiu redigir uma outra nota, o que foi considerado um erro por dirigentes do PT, porque levou a crise para dentro do Planalto.

Parlamentares petistas e da base aliada culpam, em conversas reservadas, a própria presidente pela criação da CPI da Petrobras, devido à nota divulgada pelo Palácio do Planalto afirmando que ela apoiou a compra da refinaria de Pasadena baseada em “documentação falha” e “informações incompletas”, dando munição para a oposição.

No início de seu governo, Dilma chegou a repetir o modelo implementado por Lula de fazer reuniões com um “núcleo duro” de ministros mais próximos para discutir os principais assuntos, mas ela cancelou esses encontros porque ficava irritada com o vazamento de informações para a imprensa.

Atualmente, se tivesse um núcleo duro, Dilma o concentraria exclusivamente num único auxiliar: o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. É com Mercadante que a presidente discute todos os assuntos e a quem dá ouvidos quando vai tomar uma decisão. Nas duas últimas crises que se abateram sobre Dilma — a rebelião da base aliada e as sucessivas revelações sobre desmandos na Petrobras — Mercadante foi escalado para comandar, com os respectivos responsáveis por esses assuntos, saídas para os problemas.

No caso Petrobras, ele tem se articulado com a presidente da estatal, Graça Foster, e com os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Luís Inácio Adams (Advocacia Geral da União). O novo chefe de gabinete da presidente, Beto Vasconcelos, também participa das conversas. Já na revolta política, Mercadante assumiu praticamente todas as conversas com congressistas da base, tarefa antes executada pela ministra Ideli Salvatti, que passou da Secretaria de Relações Institucionais para a Secretaria de Direitos Humanos.

Para Lula, Dilma ‘é que nem o Tite’

Ex-presidente afirma a aliados que sucessora precisa 'deixar o time jogar'

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Preocupado com o inferno astral do governo, a quase seis meses da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a dirigentes do PT que a presidente Dilma Rousseff precisa sair da defensiva e dar "caneladas" nos adversários. Na sua avaliação, Dilma deve aproveitar o fim da reforma ministerial para mudar radicalmente o modelo de articulação política com o Congresso.

"A Dilma é que nem o Tite. Não deixa o time jogar", disse Lula, em referência ao técnico que comandou o Corinthians de 2010 a 2013. Tite conquistou todos os títulos possíveis - incluindo a Libertadores e o Mundial, em 2012 -, mas deixou o clube com fama de preferir a retranca às jogadas individuais, o que o levou à 10.ª posição e ao recorde de empates num Campeonato Brasileiro (17 em 38 partidas).

Corintiano roxo e acostumado a ver semelhanças entre política e futebol, Lula comparou Dilma a Tite em conversas com pelo menos três petistas. No momento em que o Planalto é ameaçado pela CPI da Petrobrás, a popularidade de Dilma cai e uma agência internacional rebaixa a nota de crédito do Brasil, o ex-presidente não esconde a agonia com a sucessão de más notícias.

Lula foi um dos padrinhos da indicação do deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), que na terça-feira substituirá Ideli Salvatti na Secretaria de Relações Institucionais. "Daqui a pouco eu não consigo falar aqui nem com o porteiro da Casa Civil", disse Ideli, de malas prontas para a pasta de Direitos Humanos, após várias tentativas infrutíferas de se comunicar com o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, na semana passada.

Diante do racha entre os aliados do governo no Congresso, Berzoini dividirá a articulação política com Mercadante e terá a missão de pacificar a Câmara, onde o PT está revoltado e o PMDB lidera um grupo de insatisfeitos batizado de "blocão" .

Em reuniões com coordenadores da campanha de Dilma, Lula tem dito que sua sucessora precisa dar mais atenção ao mundo político e empresarial, se quiser ser reeleita. No seu diagnóstico, ela necessita delegar tarefas, romper o isolamento e deixar os ministros trabalharem com autonomia, pois só assim vencerá a batalha da comunicação.

Bateu, levou. Para Lula, a equipe de Dilma deve sintonizar o discurso e reagir de forma dura, na linha "bateu, levou", à ofensiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), adversários do PT na disputa pela Presidência.

"Nós não temos nada a esconder numa CPI da Petrobrás, mas lamentamos que ela seja usada para palanque eleitoral. Aliás, estranhamos que a oposição não tenha a mesma veemência para investigar denúncias no metrô de São Paulo e no porto de Suape, em Pernambuco", insistiu a senadora Gleisi Hoffmann (PT), ex-chefe da Casa Civil, dando o tom da estratégia do governo para implodir a CPI.

A queda na popularidade de Dilma e de sua gestão, apontada na última pesquisa CNI/Ibope, foi o ingrediente que entornou o caldo de preocupações petistas e fez ressuscitar o coro do "Volta, Lula". De fevereiro a março, o índice de eleitores que consideraram o governo bom ou ótimo caiu de 39% para 36%, mas a queda em relação a novembro foi de 7 pontos. É um patamar próximo do registrado nos protestos de junho. Até beneficiários do Bolsa Família demonstraram insatisfação com Dilma.

"O presidencialismo no Brasil é tão imperial que o mau humor da presidente se reflete na sociedade. É o efeito bumerangue", provocou Aécio. "O cristal quebrou porque governante que não ouve dá as costas para o povo", disse Campos.

Empresários, políticos e sindicalistas que têm conversado com Lula saem com a impressão de que até hoje ele não desencarnou totalmente do governo e sofre no banco de reserva. Mesmo assim, antes de viajar para a Espanha, na quarta-feira, o ex-presidente jogou um balde de água fria em quem o sondou sobre a possibilidade de sair candidato. "Não existe isso. Vou fazer campanha para Dilma de manhã, de tarde e de noite", prometeu.

Apesar da garantia, Lula nega estar pendurando as chuteiras e faz mistério sobre planos. Quando questionado, recorre ao clássico "o futuro a Deus pertence", abre um sorriso e repete um bordão: "Se me encherem muito o saco, volto em 2018". Ninguém sabe, porém, se esse projeto existe mesmo. Declarações de Lula, dizem os petistas, são como parábolas da Bíblia: cada um interpreta de um jeito.

Campos diz que Bolsa Família é um ‘direito de cidadania’

Pré-candidato do PSB defende universalização do programa

Letícia Lins – O Globo

RECIFE — Pré-candidato do PSB à sucessão presidencial, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, defendeu a universalização do Bolsa Família, e disse que o programa representa uma conquista social, "um direito da cidadania" tão grande quanto foi a criação do salário mínimo, no governo do ex-presidente Getúlio Vargas. Afirmou, no entanto, que aquele que é hoje o programa mais popular das gestões do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, na realidade, é uma versão melhorada das iniciativas implantadas no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

— O Bolsa Família é uma conquista importante da democracia. Foi uma evolução de programas criados por Fernando Henrique Cardoso, que Lula melhorou. No tempo do (ex-presidente) Fernando Henrique tinha Bolsa Gás, Bolsa Escola, e Lula ajudou a ampliar, assim como uma casa, que você reforça o alicerce, aumenta o telhado, e faz um imóvel ainda maior — disse.
Para o governador de Pernambuco, o Bolsa Família é uma conquista legítima, que "virou um direito".

— Agora o que é que me preocupa no Bolsa Família? É que tem gente que precisa e está fora do Programa — disse, durante entrevista a emissoras de rádio no sertão de Pernambuco, onde passou o final de semana

Como se já estivesse fazendo promessa de campanha, ele enfatizou:

— Nosso compromisso é universalizar o Bolsa Família, que é um direito das pessoas, para que ninguém vá para as portas das prefeituras, atrás de inscrição como se isso fosse um favor. Isso é um direito legal da cidadania — completou.

Reconheceu, no entanto, que o programa, por si só, não resolve as mazelas sociais do país.
A poucos dias de deixar o cargo, para embarcar de vez na pré-campanha, Campos empreendeu uma maratona de visitas a nove municípios, inaugurando obras. Como governador, inaugurou unidades de saúde e sistemas de abastecimento de água no sertão e no agreste.

— O caminho de onde vim até aqui foi muito mais longo e mais duro do que até lá onde vamos chegar juntos. Tenho consciência das tarefas que demos conta. E também das que não demos conta. Muito fizemos. E estamos saindo animados e desafiados para fazer ainda mais, para poder fazer pelo nosso agreste, pelo nosso estado, pelo nosso Nordeste e pelo Brasil — disse, sendo aplaudido e despertando alguns gritos de "presidente" entre a plateia, formada de populares e políticos de vinte cidades da região agreste e até do estado vizinho da Paraíba.

— Contem comigo — conclamou.

Campos afirmou que aprendeu a governar com humildade e disse que, para ser um bom governante, o gestor precisa ter postura diferente daquela adotada pelos que se sentem "patrões do povo", prática que, segundo ele, "está vencida". E completou:

— Os brasileiros querem escolher seus caminhos com alguém que se coloque como servidor do povo. Que agarre sonhos desse povo para transformar em realidade, usando a energia da mobilização, reunindo os melhores técnicos, pessoas que saibam fazer o bem e que não se entreguem às conveniências de compor com alguns que a gente sabe que não têm compromisso com nada.

Marina ainda é vista como trunfo por aliados

PSB minimiza perda perda de pontos da ex-senadora em pesquisas de opinião

Paulo Celso Pereira - O Globo

BRASÍLIA — Seis meses após formalizar a aliança com o PSB de Eduardo Campos e apesar da queda nas pesquisas, o nome da ex-senadora Marina Silva ainda é visto como o grande trunfo para tentar fazer o socialista chegar ao Palácio do Planalto. Dentro do PSB e da Rede Sustentabilidade, o discurso uníssono é de que o resultado da pesquisa Ibope feita há dez dias - que mostrou a ex-senadora com 12% das intenções de votos contra 41% da presidente Dilma Rousseff e 14% do tucano Aécio Neves - não condiz com a real capacidade dela de transferir votos para o pernambucano.

A avaliação majoritária entre os aliados próximos de Marina é de que a redução sentida desde outubro do ano passado, quando a ex-senadora figurava com 21% das intenções de voto, se deve ao fato de a população estar cada vez mais informada de que ela não será candidata à Presidência. A justificativa para Campos, por sua vez, não ter crescido em outubro - ele tinha 10% e agora, 7% - estaria na pouca exposição de mídia.

- A explicação é muito simples: as pessoas agora sabem que ela não é candidata a presidente. No caso do Eduardo, ainda não entramos na fase eleitoral. A diferença de exposição da Dilma no noticiário em relação aos outros candidatos é abissal - defende o deputado federal Alfredo Sirkis (PSB-RJ).

O primeiro passo para tentar reverter esse quadro foi a exibição do programa gratuito de TV do PSB veiculado na última quinta-feira. Ao longo de dez minutos, Marina e Eduardo apareceram lado a lado falando suas aspirações para o país e criticando o governo Dilma. O próximo será o anúncio formal da presença de Marina na vice de Eduardo Campos, previsto para o dia 14 de abril. A aposta tem justificativa, os socialistas vem fazendo pesquisas eleitorais apresentando aos entrevistados a chapa completa, com Campos e Marina e, segundo eles, nesse cenário os dois ficam à frente de Aécio.

- Não pode ser avaliado em uma pesquisa eleitoral o capital político que a Marina tem. O capital político está no discurso e na atitude dela. Todas as pesquisas que nós fazemos, com as chapas completas, têm resultados diferentes desse (do Ibope). Nossa grande vantagem sobre a Dilma e o Aécio é que temos dois candidatos numa chapa só, os outros não podem dizer isso - explica o líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque.

A consolidação do nome de Marina como vice de Campos se deu no domingo passado, após uma reunião da Rede Sustentabilidade - grupo de Marina que ainda não foi formalizado como partido. Durante o encontro, foi mostrado que dos 14 problemas regionais que existiam, nove foram solucionados.

Debandada pré-eleitoral: quase cem secretários de 16 estados vão deixar os cargos

Sete dos 12 governadores que não podem se candidatar à reeleição já anunciaram que se afastarão do comando

Silvia Amorim – O Globo

SÃO PAULO e RIO — O prazo para o afastamento de cargos públicos por quem vai disputar a eleição de outubro entra em sua reta final esta semana e, com ele, uma debandada no primeiro escalão de governos estaduais é esperada nos próximos dias. Levantamento feito pelo GLOBO dá uma ideia do que será esse fenômeno, reflexo das nomeações políticas nas administrações públicas.

Quase uma centena de secretários — um em cada quatro — vão deixar suas funções este ano, em pelo menos 16 estados, para concorrer a um mandato ou trabalhar em alguma campanha. O desfalque não acaba aí. Sete dos 12 governadores que não podem se candidatar à reeleição já anunciaram que se afastarão do comando de seus estados até sexta-feira para novos voos políticos.

A lei eleitoral exige que ocupantes de cargos públicos deixem suas funções seis meses antes da eleição se quiserem se candidatar. A exceção só existe para casos de reeleição. Neste ano, o prazo final é 5 de abril.

Em sua maioria, os secretários que estão abandonando suas pastas são políticos interessados em uma cadeira de deputado federal ou estadual. Alguns deles já têm mandato e, agora, retornam ao cargo para o qual foram eleitos em 2010 para tentar a reeleição. Outros são novatos ou tiveram mandato no passado.

O governo do Rio de Janeiro terá o maior desfalque do país, com metade (52%) do secretariado esvaziado por causa da eleição, caso se confirmem as 14 baixas previstas na semana passada. Isso faz Rio praticamente começar uma nova gestão faltando apenas nove meses para o fim do mandato.

Em situação parecida estão os governos do Piauí e de Pernambuco, que trocarão 47% e 42% do primeiro escalão, respectivamente.

Além das baixas no primeiro escalão, os governadores dos três estados também estão entre os que se desincompatibilizarão para lançar-se candidato. No Rio, Sérgio Cabral (PMDB) ainda não anunciou a que cargo concorrerá, mas a possibilidade mais plausível é o Senado. Já Wilson Martins (PSB), do Piauí, decidiu que vai disputar uma cadeira de senador e, no caso de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) será candidato à Presidência da República.

Os outros quatro governadores que renunciarão, faltando nove meses para o fim do mandato, são Antonio Anastasia (Minas Gerais), André Puccinelli (Mato Grosso do Sul), Omar Aziz (Amazonas) e José Anchieta (Roraima). Essa lista ainda pode aumentar, porque alguns chefes de Executivo como Cid Gomes (Ceará), Jacques Wagner (Bahia) e Roseana Sarney (Maranhão) deixaram a decisão para o prazo limite. Por enquanto, apenas Teotonio Vilela (Alagoas) e Silval Barbosa (Mato Grosso) disseram que permanecerão no cargo.

O ritmo de desincompatibilização no Rio, Piauí e em Pernambuco é bem superior ao verificado até o momento no governo federal. Até sexta-feira, dez dos 39 ministros haviam se afastado por interesses eleitorais, ou 25%.

Loteamento político nos estados
O GLOBO mapeou o movimento de desincompatibilização em 16 estados na semana passada (RJ, MG, PR, PE, SC, MT, GO, SP, RN, AL, PB, RS, SE, PI, MS e PA). Nesses locais, as baixas devem chegar a 93 secretários, o equivalente a 26% do primeiro escalão. Essa movimentação, típica em anos eleitorais, revela o tamanho do loteamento político de cargos nas gestões estaduais.

— Esse é um dos reflexos do nosso sistema político e seus 32 partidos. Para ter apoio na eleição, se negocia esses cargos no governo, que, depois, são ocupados por indicações políticas. Não é porque é um quadro político, em vez de técnico, que necessariamente é um mau gestor. Mas é fato que, em sua maioria, esses nomeados buscam nessas funções uma projeção para a próxima eleição — avalia o pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs) da Universidade de São Paulo (USP), José Veríssimo Romão Neto.

Para a professora de Administração e Finanças Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Monica Pinhanez, isso é parte do processo político brasileiro e há poucas perspectivas de mudança.

— Já está incorporado.

No Rio, por exemplo, dos 14 secretários que deverão deixar a administração, 12 foram indicações políticas de partidos aliados de Cabral. No Paraná, sete dos oito afastamentos dizem respeito a filiados a partidos que apoiam o governador Beto Richa (PSDB), como PMDB, PSD, PSC, PPS e PP.

Em São Paulo, onde parte do secretariado era ocupado por deputados licenciados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciará esta semana o afastamento de, pelo menos, seis titulares de pastas (Habitação, Meio Ambiente, Energia, Desenvolvimento Econômico, Gestão Pública e Saneamento). Metade deles são de outros partidos que não o PSDB. A incógnita é o chefe da Casa Civil, Edson Aparecido, cujo nome apareceu no caso do cartel do setor metroferroviário no estado. O governo espera um posicionamento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a investigação para decidir se ele fica ou sai.

Nem todos os estados deixaram para a última semana a reforma administrativa no secretariado. No Paraná, Mato Grosso e Goiás, a substituição dos secretários-candidatos começou ainda no fim do ano passado e início deste ano. Em outros, como Distrito Federal, Ceará e Maranhão, a abrangência da troca de cadeiras ainda é uma incógnita. Nos dois estados nordestinos, a indecisão se estende também ao futuro dos governadores Cid Gomes (PROS) e Roseana Sarney (PMDB), reeleitos. A questão de Cid é familiar. Se o irmão dele, Ciro Gomes (PROS), decidir ser candidato do Senado, ele terá que renunciar. Já Roseana analisa se vai se candidatar ao Senado.

Campanhas levam a novas baixas
Depois de 5 de abril, novos desfalques ainda poderão ser registrados nos estados por aqueles que vão se afastar para ajudar em campanhas. Em Minas Gerais, por exemplo, o secretário de Ciência e Tecnologia, Nárcio Rodrigues, pode ser um dos coordenadores da candidatura do senador Aécio Neves (PSDB) à Presidência. No Rio Grande do Sul, o titular da Casa Civil, Carlos Pestana, é cotado para assumir o comando da candidatura à reeleição do governador Tarso Genro (PT).
Para minimizar o impacto das desincompatibilizações nas gestões públicas, Monica defende a profissionalização dos gestores.

— Quando você troca o comando, as coisas dão uma freada. É inevitável. Agora, você consegue minimizar o dano se os escalões abaixo forem mantidos. O problema é que no Brasil ainda estamos muito no começo quando o assunto é a profissionalização de gestores — afirma a professora da FGV.

Romão Neto acrescenta:

— Historicamente a gente tem problema de coordenação nos governos. Dificilmente se consegue estabelecer programas intersetoriais. Quando os atores estão nesse esforço, o problema piora.

Nomeações no Rio mantêm base aliada para Pezão

Vice-governador define esta semana secretariado que vai assumir em abril

Marcelo Remígio – O Globo

RIO — A dança das cadeiras no Rio vai mexer no comando de 14 das 27 pastas — incluindo Procuradoria Geral e Defensoria Pública. Do total, 12 foram indicações políticas que sustentaram a base aliada do governador Sérgio Cabral. O peemedebista abriu espaço no primeiro escalão para PDT, PSD, PSC, PP, PTB e Solidariedade, que permanecem como aliados do vice-governador e pré-candidato ao Palácio Guanabara, Luiz Fernando Pezão. PT e PSB deixaram a base, mas dissidências defendem a candidatura do PMDB. Outras duas secretarias que terão mudanças são, hoje, ocupadas por nomes de extrema confiança de Cabral.

Pezão assumirá o Palácio Guanabara no dia 4. Aliado político no interior do estado, o ex-prefeito de Bom Jardim, no Centro Norte, Affonso Monnerat assumirá a cadeira de Wilson Carlos Carvalho na Secretaria de Governo, um dos braços-direitos de Cabral. Monnerat deixou a prefeitura para assumir a Subsecretaria Extraordinária para a Reconstrução da Região Serrana, criada após a tragédia de 2011, quando quase mil pessoas morreram vítimas das chuvas. Ele teve seu nome envolvido em denúncias de improbidade administrativa em obras de construção de pontes, feitas pelo Ministério Público Federal (MPF).

Já Tatiana Vaz Carius assumirá Transportes. Ela é subsecretária de Júlio Lopes, que vai disputar vaga na Câmara dos Deputados. Com a indicação, o PP permanece contemplado no novo governo e administrará uma das áreas mais críticas da gestão Cabral. O atual chefe de gabinete da Casa Civil, Leonardo Espíndola, substituirá Régis Fichtner, outro braço-direito de Cabral.

Cargos mantidos a aliados
Ao longo desta semana Pezão definirá os outros 11 nomes que vão compor seu governo, com previsão de assumirem os cargos até 8 de abril. O peemedebista tem avaliado indicações dos partidos, mantendo a distribuição de cargos entre os aliados.

Saem do governo para disputar vagas na Câmara dos Deputados, além de Júlio Lopes, Indio da Costa (PSD), do Ambiente, e Filipe Pereira (PSC), da Prevenção à Dependência Química. Também saem, mas para concorrer a vaga na Assembleia Legislativa (Alerj) Rafael Picciani (PMDB), de Habitação; Christino Áureo (PSD), de Agricultura; Pedro Fernandes (Solidariedade), de Assistência Social e Direitos Humanos; André Lazaroni (PMDB), de Esporte e Lazer; Marcus Vinícius (PTB), de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida; Cidinha Campos (PDT), de Defesa do Consumidor; e Gustavo Tutuca (PMDB), Ciência e Tecnologia. Felipe Peixoto (PDT), de Desenvolvimento Regional, Abastecimento e Pesca, deve concorrer a deputado federal, e Ronald Ázaro (PSC), do Turismo, ainda estuda se disputará a Alerj.

Duas secretarias já tiveram trocas — Educação e Saúde —, definidas anteriormente por Cabral e Pezão.

"As Forças Armadas têm que admitir que erraram", diz FHC

FHC: "O povo não tem o grau de irritação [com o governo federal] que tem o mercado porque não focou ainda na eleição"

"Esquecer, não. Mas a revanche também não ajuda. As Forças Armadas poderiam ajudar a botar uma pedra final nisso"

Cristian Klein – Valor Econômico

SÃO PAULO - Nem esquecimento, nem revanche. Mas, para o acerto de contas do país com o passado marcado pela brutalidade das torturas e demais violações aos direitos humanos, as Forças Armadas brasileiras deveriam reconhecer que erraram.

É o que defende o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar os 50 anos, completos hoje, do golpe militar de 1964.

Para o sociólogo, o caminho do Brasil não é o de tantos outros países (Argentina, Chile, Peru, Uruguai) que, uma vez terminada a ditadura, puseram na cadeia líderes e agentes da repressão. A trilha aqui seria a da reconciliação, semelhante à da África do Sul pós-apartheid. Mas, para isso, ainda falta um passo: o reconhecimento do erro pelos militares.

"Eu não entendo por que é que as Forças Armadas ainda não dizem: 'Olha aqui. Nós fizemos isso e foi errado'. Porque se eles disserem isso, acabou", argumentou FHC, em entrevista ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor.

O ex-presidente sugere o "mea culpa" como alternativa às demandas, ainda existentes, de derrubada da Lei da Anistia, que impede a punição dos torturadores. Em 2010, por 7 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) rechaçou a revisão da lei.

Na conversa, FHC critica o governo federal, entre outras razões, pelo aparelhamento da Petrobras. O tucano vê indícios de um propinoduto na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, no caso que pode levar a estatal a ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.

Sobre as eleições deste ano, Fernando Henrique descarta a possibilidade de vir a ser o vice na chapa presidencial do PSDB, encabeçada pelo senador mineiro Aécio Neves, mas sinaliza sua preferência por um nome de São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual é a lição que o golpe deixa 50 anos depois?

Fernando Henrique Cardoso: Ninguém pensa mais que para obter igualdade vamos suprimir a liberdade. De lá para cá, o Brasil melhorou muito. As instituições estão mais enraizadas. E ficou demonstrado que a solução não é o golpe. Ninguém hoje prega golpe. As Forças Armadas que eram muito ativas como um partido político deixaram de ser. Elas são institucionais, órgãos do Estado. Isso tudo foi um aprendizado. Levou muito tempo, mas aprendemos.

Valor: Em vários países que tiveram ditaduras, revelações feitas em comissões da verdade comoveram a população e levaram à punição de torturadores. Qual deve ser o legado para as próximas gerações: esquecer ou mexer no passado?

FHC: Esquecer, não. Mas a revanche também não ajuda. Não adianta nada. A Comissão da Verdade que foi criada na África do Sul, inicialmente, era para reconciliar. Não era para punir. Aqui, hoje, não tem como punir, porque tem a Lei da Anistia.

Valor: Mas ela poderia ser derrubada pelo Supremo.

FHC: Pode, mas não derrubou. E faz 50 anos já. As famílias têm o direito de saber o que foi feito com as vítimas. É absolutamente necessário.

Valor: Mas e a punição aos torturadores?

FHC: Eles estão confessando, publicamente. Aliás, é uma coisa horripilante o cinismo com que eles falam. Mas acho que a esta altura não há quem esteja pedindo revanche. E também tem que entender que as Forças Armadas mudaram. Eu não entendo porque é que as Forças Armadas ainda não dizem: "Olha aqui. Nós fizemos isso e foi errado". Porque se eles disserem isso, acabou. Ninguém é contra as Forças Armadas no Brasil. Quem se rebela ou acha que elas são de direita? Ninguém. Não tem isso. Acho que elas [Forças Armadas] também poderiam ajudar a, digamos, botar uma pedra final nisso.

Valor: As Forças Armadas têm uma postura muito defensiva?

FHC: Eu, como presidente da República, pedi desculpas em nome do Estado brasileiro. E avisei que ia fazer isso e criei aquela primeira comissão de reparação. O Estado teve responsabilidade. E não vejo agora porque não as próprias Forças Armadas dizerem: "Erramos". As dependências eram administrativas das Forças Armadas. Não podia ter deixado. Foi mais que um erro. Fez uma coisa ativa. Mas foi uma minoria. Por que essa maioria de hoje não diz isso: "Não temos nada [a ver] com isso"? E todo mundo sabe que eles não têm.

Valor: A presidente Dilma Rousseff errou no caso da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras?

FHC: Isso eu acho que vem de longe. Foi antes da Dilma. A Petrobras foi perdendo sua capacidade de tomar decisões de uma maneira mais consequente primeiro porque houve uma penetração dos partidos grandes, nomeações políticas. E, em segundo lugar, porque, depois da mudança da Lei do Petróleo, em 2010, houve uma sobrecarga financeira muito grande sobre a Petrobras. Porque ela é obrigada a participar com 30% de todos os novos investimentos do pré-sal e isso exige muitos recursos. E terceiro, aí, sim, Dilma tem a sua parte direta, porque o controle do preço da gasolina levou a Petrobras a ficar sem caixa. Somando tudo isso, a Petrobras foi ficando sufocada. Não tem caixa, tem que fazer gastos grandes e foi se endividando.

Valor: Sobre o aparelhamento partidário da Petrobras, o PSDB, em seu governo, não ocupou igualmente a estatal como o PT agora?

FHC: Quando fizemos a Lei do Petróleo [em 1997] e começamos a mexer mais na Petrobras, o conselho de administração era composto por diretores da Petrobras. Primeiro, comecei a nomear gente de peso, de fora da Petrobras - o próprio [empresário Jorge] Gerdau, que continua lá até hoje. Segundo, eu herdei um presidente [Joel Rennó] do [governo] Itamar [Franco], com o qual fizemos as transformações da Lei do Petróleo, e em seguida nomeei pessoas que não tinham nada a ver com política: o [ex-presidente da estatal Henri] Philippe Reichstul era um técnico; depois foi nomeado o [Francisco] Gros, que tinha sido do Banco Central, no tempo anterior a mim. E, no caso dos diretores, eventualmente [houve nomeação política]. Um foi o [hoje senador pelo PT-MS] Delcídio [do Amaral], que veio de fora da Petrobras. Mas não houve conchavo político para indicar diretores.

Valor: A imagem ou o mito da capacidade técnica da presidente Dilma é manchada com o episódio?

FHC: É mito. Foi criada uma imagem de que ela seria uma gerentona, a madrinha do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Bom, a realização do PAC é de baixo desempenho... Não quero atribuir responsabilidade diretamente a ela. Mas é uma imagem que foi criada e não corresponde aos fatos. Pode ser até que ela seja uma pessoa dedicada. Dizem que é. Que cobra e tal. Mas presidente da República é diferente. Não tem que ser gerente. É governança. Ter visão e capacidade de somar gente, de chamar os mais capazes, de estar bem assessorada. A falha está mais nisso, do que propriamente nela. A presidente não é e não deve ser gerente. Talvez seja arriscado se intrometer no cotidiano. A Petrobras tem corpo técnico competente, mas o número de funcionários dobrou de 40 mil para 80 mil. E isso não corresponde ao aumento da produção.

Valor: A compra da refinaria de Pasadena levanta suspeita de irregularidade e corrupção.

FHC: O preço pago foi muito mais do que seria razoável e não é compreensível que os próprios corpos técnicos da Petrobras tivessem feito aquele parecer que fizeram. E que tivessem posto as cláusulas que puseram. Pode-se dizer: e o conselho [de administração] não leu? Bom, o conselho quando se reúne decide em função das informações que chegam à mesa. Não quero culpar os conselheiros e, por consequência, também não estou culpando a Dilma, a presidente do conselho. Mas obviamente chegou-se a esse ponto pelas interferências políticas na Petrobras e pelo fato de que, possivelmente - não se tem a conclusão ainda - tenha havido aí um propinoduto, no caminho.

Valor: Também não há indícios de propinoduto que mereceriam ser investigados por uma CPI como o escândalo da Alstom e os governos do PSDB em São Paulo?

FHC: Querem misturar e levar para outro lado. CPI tem que ser em função de um caso específico. Neste caso, a gente tem um problema real. Tem um diretor que está preso. Tem outro acusado de ter sido negligente. A própria Petrobras levou muito tempo - e aí entra a responsabilidade do governo também - para tomar alguma medida contra esse diretor. Então, tem fatos específicos. Agora, acho que seria um erro, de quem vai conduzir a CPI, caso se instale, de se acusar, na partida, o governo disso ou aquilo. Primeiro, deve-se analisar profundamente o que aconteceu na Petrobras. Porque a Petrobras é estratégica mesmo, não é uma empresa qualquer. Precisa focar no que deu errado e corrigir. Mais tarde, se houver responsabilidade política, é outra questão. Mas não pode ser ponto de partida.

Valor: O sr. aceitaria ser o vice na chapa de Aécio?

FHC: Não. O próprio PSDB é que acha que seria positivo. É até possível que seja. Mas não cabe. Tenho 82 anos. Seria uma irresponsabilidade, pessoal, familiar e política.

Valor: Quem o sr. prefere?

FHC: Seria útil se fosse alguém de São Paulo, porque é onde vai ser a grande batalha eleitoral. Mas pode ser de outro partido e também de outro grande colégio eleitoral.

Valor: O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) é o mais indicado?

FHC: Se fosse hoje, não tendo outro no horizonte... Não que eu não goste do Aloysio. O nome dele é muito bom.

Valor: O pré-candidato do PSB, Eduardo Campos, tem encantado setores do empresariado e obtido mais holofotes que Aécio Neves. Isso preocupa pelo risco de o PSDB ficar fora de eventual segundo turno?

FHC: Em primeiro lugar, que o Eduardo abra seu espaço é normal. Em segundo, o holofote não está na mão do candidato. Está na mão da mídia. Está na mão dos centros, principalmente de elite. Não são esses centros que vão tomar a decisão. É a massa. O Aécio tem uma vantagem de ponto de partida que é ter força em Minas [10,6% do eleitorado]. Eduardo tem força em Pernambuco [4,6%]. [Além disso] o Aécio dispõe de um partido que é mais enraizado do que o PSB. O holofote vira para ele [Campos], mas não significa que o eleitorado vire para ele.

Valor: Se é a massa que decide, a comemoração de Aécio em virtude do otimismo do mercado, com a subida da Bovespa após a divulgação da queda na avaliação do governo Dilma, não foi um exagero?

FHC: O que prevalece no voto é a população. Mas há uma certa comunicação entre o mal-estar produzido no topo e na base da sociedade. O povo não tem o grau de irritação que tem o mercado porque não focou ainda na eleição. O mercado foca com anterioridade, antecipa. Eu nunca tinha visto o mercado comemorar o fato de uma pesquisa ter sido negativa e aumentar o valor de ações. É inacreditável. É uma coisa meio inédita. E preocupante para a Dilma. Um setor importante do Brasil, bem informado, está achando que o governo vai mal.

Aécio Neves: Ontem e hoje

Portal PSDB & Folha

Há 50 anos, o golpe militar impôs a longa noite de duas décadas de ditadura no Brasil.

Inúmeros relatos revisitaram, nos últimos dias, aquele trecho sombrio da nossa história. Convergimos para as perdas irreparáveis, lembrando as várias faces da violência e do autoritarismo.

Entre tudo o que pode e deve ser lembrado, há uma triste página escrita pelo Congresso brasileiro.

Ouvi o relato da tensão daqueles dias, várias vezes, pela voz de uma testemunha muito especial, o então líder do governo João Goulart na Câmara dos Deputados, Tancredo Neves. Mas é valioso relembrá-lo através de outras narrativas. Para tanto, peço emprestadas as palavras de Augusto Nunes:

"Num artigo publicado em fevereiro de 1985, na Folha de S.Paulo, Almino Affonso recordou a indignação manifestada por Tancredo, naquele dia, quando soldados do Exército tentaram impedi-lo de alcançar o avião, estacionado na pista ao aeroporto em que Jango aguardava o momento da decolagem. Antes disso, Almino testemunhara a reação indignada de Tancredo na sessão realizada pelo Congresso na tarde de 1° de abril, quando o presidente do Senado, o pessedista Auro de Moura Andrade, declarou vago o cargo de presidente da República" (embora tivesse oficialmente informado de que Goulart se encontrava a caminho de Porto Alegre, em território nacional e, portanto, na plenitude de seus poderes constitucionais).

"Até hoje me recordo com espanto", diz Almino, "do deputado Tancredo Neves em protestos de uma violência verbal inacreditável para quantos, acostumados à sua elegância de trato, o vissem encarnando a revolta que sacudia a consciência democrática do país. Não deixava de ser chocante ver a altivez da indignação de Tancredo e o silêncio conivente de muitas lideranças do PSD."

Foi pensando nos desafios atuais do Congresso que lembrei-me dessa passagem.

O que teria acontecido se, 50 anos atrás, a instituição tivesse cumprido seu dever democrático? O que poderá acontecer hoje se a instituição não se render às pressões e às conveniências do momento e optar por ser leal aos interesses dos brasileiros?

Nos acostumamos a contabilizar as perdas do país em cifras e bilhões, mas há algo mais valioso do que isso. O que custa a uma nação o tempo perdido?

Quando olhamos para trás, podemos imaginar que país o Brasil seria se não nos tivessem tirado duas décadas de democracia. E hoje, que alto preço o país terá que pagar por tanto tempo desperdiçado em decisões adiadas ou equivocadas? O que tem custado aos brasileiros a falta de coragem das autoridades em fazer o que precisa ser feito?

Custa mais do que gigantescos prejuízos econômicos. Custam esperanças, oportunidades e sonhos. Custa o futuro.

Aécio Neves, senador(MG) e presidente nacional do PSDB

José Roberto de Toledo: Quebrando o termômetro

O Estado de S. Paulo

Todo mundo que acha um governo ótimo ou bom declara voto no seu presidente; e todo mundo que vota no presidente aprova seu governo, certo? Errado, duplamente errado. No caso de Dilma Rousseff, 1 a cada 5 brasileiros que dão nota positiva à sua gestão não é seu eleitor; mas, para compensar, 1 a cada 4 eleitores seus vota nela mesmo achando seu governo só "regular".

Como resultado, a intenção de voto em Dilma acaba sendo ligeiramente maior do que a taxa de ótimo/bom do seu governo. É algo comum nas pesquisas que avaliam este governo e medem a intenção de voto num mesmo questionário. A última vez que isso aconteceu em uma pesquisa publicada do Ibope foi em novembro.

Naquela sondagem, a intenção de voto em Dilma foi de 43%, enquanto a taxa de bom e ótimo dada pelos mesmos eleitores ao seu governo foi de apenas 39%. Os 4 pontos porcentuais a mais na intenção de voto vieram dos 25% de eleitores da petista que avaliavam seu governo apenas como "regular". A diferença seria ainda maior se ela não perdesse 19% dos que aprovam seu governo para outros presidenciáveis ou para as opções "branco" e "nulo".

Saber que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa teria poupado o PT de comparar jabuticabas com jacas em post no Facebook. Diligentes militantes petistas evocaram "as leis da matemática", mas tropeçaram na lógica ao tentar desqualificar pesquisa Ibope que mostrou queda da popularidade de Dilma.

Com o insinuante título "Algo estranho no ar", os autores compararam a intenção de voto da presidente na pesquisa Ibope divulgada pelo Estado há duas semanas (43%) com a avaliação do governo Dilma medida pela pesquisa Ibope/CNI divulgada na semana passada, na qual a taxa de ótimo/bom era de 36%. Para o PT, as taxas, mesmo medindo coisas diferentes, deveriam ser iguais.


Não são, e isso é bom para Dilma. Se fossem iguais, ela estaria pior na corrida eleitoral. O fato de 25% de seus eleitores qualificarem seu governo apenas como regular é um sinal de que a opção pela petista é fruto da falta de alternativa melhor aos olhos desses eleitores. Mas isso pode mudar ao longo da campanha, à medida que outros candidatos se tornarem mais conhecidos do grande público.

Se em vez de brigar com os números o partido os estudasse, o PT entenderia que sua candidatura presidencial, embora seja franca favorita nesta altura da campanha, tem vulnerabilidades.

Cruzamento especial da mais recente pesquisa presidencial feito pelo Ibope a pedido do Estadão Dados mostra que o potencial de voto exclusivo de Dilma é de 36% do eleitorado. São aqueles que dizem que votariam com certeza nela e apenas nela. É muito maior do que os de Aécio Neves (10%) e Eduardo Campos (4%). Mas essas taxas vão mudar ao longo dos próximos meses porque 35% do eleitorado diz que votaria com certeza em mais de um candidato.

Como Dilma tem o maior capital eleitoral, é ela que tem mais a perder: 1 em cada 4 eleitores que diz que votaria nela com certeza também diz que votaria em Aécio; e outro tanto diz que não conhece o tucano o suficiente para opinar. Em tese, metade do eleitorado potencial da petista tem alguma chance de vir a ser seduzido pelo rival do PSDB. Tudo depende de como a economia vai se comportar nos próximos meses e de quão hábil for a campanha tucana.

Com Eduardo Campos, as sobreposições são menores, mas, ainda assim, significativas: 17% do eleitorado francamente dilmista diz que votaria ou poderia votar nele, e outros 36% não o conhecem o bastante para dizer nem que sim nem que não.

As chances de reeleição de Dilma são inversamente proporcionais ao grau de concordância do comando de sua campanha com o teor do texto do partido do Facebook. Em qualquer eleição, o menor atalho para a derrota é negar a realidade e dizer que já ganhou. Atacar pesquisas que não mostram o que o PT deseja é o mesmo que culpar o termômetro pela febre. Quebrá-lo não resolve nada.

Renato Janine Ribeiro: A marcha da insensatez

Não temos que escolher entre dois males

Valor Econômico

Barbara Tuchman foi uma historiadora norte-americana, autora de livros de sucesso, nos quais tentava extrair lições de conduta para nossos tempos a partir de erros passados - procurando, literalmente, alcançar a "moral da história". Não foi exatamente de primeiro time, até porque os melhores historiadores atuais não gostam de misturar história e moral, mas seus livros se leem com proveito. Este ano, quando se recorda o centenário da Primeira Guerra Mundial, vale a pena recorrer a seu "Canhões de agosto" (1962). Mas seu livro que mais me chama a atenção é "A marcha da insensatez", de 1984, com o interessante subtítulo "de Troia ao Vietnã".

São vários episódios históricos e um mitológico, procurando entender por que tantas vezes os povos ou governantes escolhem o caminho da destruição, a via insensata, o jogo perde-perde. A mitologia comparece com o cavalo de Troia, que os gregos deixam às portas da cidade que estavam atacando, sem sucesso, havia dez anos. Os troianos se alegram de ver o inimigo ir embora e ainda por cima dar-lhes um presente tão belo. Apenas o sacerdote Laocoonte alerta que pode ser um perigo, uma armadilha: "Temo os gregos, mesmo quando trazem presentes". Mas ninguém o leva a sério - e, tarde da noite, guerreiros gregos saem de dentro do cavalo e tomam a cidade. Os troianos foram alertados, mas escolheram a própria destruição. Escolhas assim insensatas marcam a história humana, como se a espécie ou seus líderes flertassem descaradamente com a derrota, a autodestruição, o suicídio.

A economia e a filosofia política modernas se constroem com base na convicção contrária: todo ente vivo deseja preservar o seu ser, diz a filosofia - deseja viver, crescer, reproduzir-se. Todo agente tem interesse em aumentar seus ganhos, pensa a economia. Talvez por isso, a tendência à autodestruição seja difícil de se entender. Crescer ou ganhar é racional. Destruir-se é irracional. O problema é que vezes sem conta se escolhe essa segunda opção. Não tentarei, aqui, responder por quê - mas o mínimo que devemos é ligar um alarme, que dispare quando escolhemos nos destruir.

Pensei neste tema ao ver, na leitura dos jornais, a escalada da insensatez na política. Até gente que deveria ser equilibrada se exalta e perde o controle. Três exemplos:

1) Deputada venezuelana pede para denunciar seu governo na OEA e ocupa o lugar do Panamá, o que é errado - e o presidente da Câmara de seu país cassa o seu mandato; os dois lados apostam numa escalada que force a maioria mais calma de sua sociedade a se radicalizar;

2) A Justiça egípcia condena 529 islamistas à forca, num único dia, pela morte de apenas um soldado, numa das relações mais exageradas que já se viu entre crime e castigo;

3) Os oposicionistas ucranianos derrubam o governo ruim, mas eleito, de seu país, a Crimeia se separa, a Rússia a acolhe - e começa outra escalada maluca, tornando o mundo refém da insensatez de um palácio e uma praça.

Em todos estes casos, e cada dia surgem novos, o efeito extrapola enormemente a causa. A reação é desproporcional à ação. Perde-se o senso, perde-se a medida.
Outro ponto comum é que esses episódios são o paraíso dos extremistas. Engana-se quem pensa que a verdadeira oposição é entre Maduro e a deputada, islamistas e carrascos, ou golpistas ucranianos e Putin. Na verdade, todos esses jogam o mesmo jogo - cuja meta é descartar, excluir, impedir qualquer posição intermediária, qualquer negociação. Nos três casos, deveria ser óbvio que não se governa um país hostilizando metade de sua população. Mas é o que cada lado faz. E com isso uma provável maioria, que está dividida no voto mas não quer a violência, é obrigada a aceitar o jogo da força.

Daí que chegue uma hora, quando toda a sensatez foi liquidada, em que a saída possível é - quando há religiões, línguas ou etnias em jogo - a divisão territorial. Esta talvez seja viável na Ucrânia. Mas vejam o que implica. Grupos diferentes, que conviviam mais ou menos bem, são apartados. Cada um em seu canto inventará uma identidade extremada e se afastará do outro. Foi assim que a língua servo-croata - um só idioma, com dois alfabetos, cirílico e romano - rachou em duas, uma para cada exército (ou país, se preferirem). Foi assim que a ocupação norte-americana do Iraque transformou Bagdá, cidade em que conviviam, mal ou bem, sunitas e xiitas, numa pele de leopardo, dividia em bairros homogêneos onde o inimigo - que deveria ser respeitado como compatriota - não pode entrar sem risco de vida.

Por isso, quem tem bom senso deve recusar-se a escolher entre dois males. Quem assume um deles legitima, não só um extremismo, como também todo o processo que criou esse extremismo e o oposto. Há horas em que a atitude mais racional não é apoiar um dos loucos em disputa, mas perguntar como aconteceu que se chegasse à loucura. Conter-se, quando os outros enlouquecem, é o último poder da razão. Assim, denunciar a anexação da Crimeia à Rússia, sem atentar para a radicalização, promovida pelos dois lados, da política ucraniana nos últimos dez anos, é ficar na superfície e piorar o statu quo. A Ucrânia, como o Egito e mesmo a Venezuela, parece condenada a ser governada por uma maioria obtida quase pela sorte, que oprimirá a oposição. Dizer qual dos grupos seria melhor é aceitar a miséria dessa situação. Não precisamos, nós a quem resta razão, escolher o demônio menos péssimo. Devemos deixar claro aos atores que repudiamos o que todos eles fazem, quando optam pela violência. Podemos e devemos repudiar um modo de fazer política que a suprime e a substitui pela guerra civil.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Paulo Brossard*: PeTerização da Petrobras

Não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras

Zero Hora (RS)

Em 2005 a empresa belga Astra Oil adquiriu a refinaria de Pasadena, no Texas, por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte _ 2006 _, o Conselho de Administração da Petrobras, então presidido pela atual presidente da República, Dilma Rousseff, autorizou a aquisição de 50% das ações da refinaria por US$ 360 milhões. Adquirindo a metade das ações, granjeou também um sócio, que conservava a outra metade e com o qual, parece, não teria especiais relações. Em 2007 a Petrobras recebeu de sua consocia oferta dos restantes 50%, sem obter a anuência do Conselho da empresa, o que levou a belga a exigir da Petrobras, nos termos contratuais, a compra das ações restantes.
A Petrobras se envolveu em vários litígios sem êxito, e em 2010 a Justiça Federal do Texas lhe determinou pagasse os restantes 50% por US$ 639 milhões.

Repetindo, em 2012 pagou a empresa Astra pelos 50% das ações a importância US$ 820,5 milhões, somados honorários e despesas. Quer dizer, a refinaria que em 2005 fora adquirida pela empresa belga por U$S 42 milhões, já custava à Petrobras US$ 820,5 milhões. Ao cabo, desembolsara mais de US$ 1 bilhão, cerca de US$ 1,2 bilhão.

Esse o resumo do resumo de uma refinaria por fim reconhecida como obsoleta, que nunca chegara a funcionar, a estória de uma entidade que haveria de transformar-se em monumental e malcheiroso elefante branco.

Isto posto, dizendo o que é notório, estava armado com pompa e circunstância o maior dos escândalos administrativos e políticos da empresa que chegou a ser em ordem de grandeza a 12ª em termos mundiais, caindo para o 120º lugar em cinco anos, segundo o jornal Financial Times. Esse dado completa de uma forma visível o perfil daquilo que se poderia chamar de forma melíflua uma insensatez; em verdade, a meu juízo, talvez não fosse o maior escândalo, mas adquiriu tais dimensões que, certo ou erradamente, veio a ser proclamado como o maior. Nem foi apenas uma sandice.

Esses números, desidratados, mas objetivos, são de tal significação que não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras.

Se eu tivesse de definir o quadro instaurado poderia dizer que o chão está resvaladio, mas prefiro dizer movediço. Basta registrar que a senhora presidente da República, que é candidata à reeleição, em dias, caiu sete pontos em sua popularidade. Fato a assinalar, se não estou em erro, resulta na progressiva inserção do partido na administração, não apenas em sua vida administrativa, mas em suas entranhas, com a tendência de chegar à intimidade da mancebia; o fenômeno não é bom, nem para a administração nem para o partido, cuja evolução natural no plano dos partidos, sempre foi em outro sentido. 

A verdade é que, hoje, a questão da refinaria se confunde com a Petrobras, e esta se identifica com aquela. Aliás, esse dado não é de ser estranhado, uma vez que a refinaria desde seu nascimento está ligada à pessoa, nem mais nem menos, que exerce a presidência da República, sem ela a refinaria não teria nascido, sem ela não teria continuado a viver, ainda que viver morrendo e, sem ela, talvez a Petrobras poderia continuar a ser a 12ª empresa no âmbito mundial.

No período eleitoral a então candidata ameaçava que seu adversário iria privatizar a Petrobras. Seus companheiros de partido, alguns dos quais hoje estão na penitenciária, criaram o pejorativo de privatização na palavra privataria.

Pois bem, o que o partido da presidente está fazendo na Petrobras enseja a criação de outro neologismo: a PeTerização da empresa, que já foi orgulho nacional.

* Jurista, ministro aposentado do STF

Marcus Pestana: Intervencionismo e ideologia: o estado das coisas

O Tempo (MG)

Na última semana, procurei discutir como o governo Dilma representa a cristalização de uma matriz teórica, política e ideológica anacrônica e uma visão equivocada sobre o modelo de intervenção do Estado e o funcionamento da economia de mercado e da sociedade contemporânea. O intervencionismo desorganizador se manifesta em todos os lados. Nos graves gargalos do setor elétrico. Na queda da produção e do valor de mercado com ações despencando e na explosão do endividamento da Petrobras. 

Nos preços administrados represados na energia, nos combustíveis e no transporte coletivo, 
intervencionismo superado como estratégia de combate à inflação. Na desorganização do setor de açúcar e álcool. Nos financiamentos generosos e subsidiados pela sociedade para supostos “campeões globais”, como Eike Batista e frigoríficos quebrados, em lugar da democratização da taxa de juros. Nas desonerações fiscais pontuais em vez de uma equação sistêmica para o sistema fiscal e tributário. E dá-lhe “contabilidade criativa” para maquiar os números do governo e voluntarismo na política monetária, em vez do correto manejo da política econômica. Na rendição tardia e sem convicção às parcerias com o setor privado, após as sucessivas frustrações do PAC para atacar os nós da infraestrutura. Enfim, um modelo intervencionista anacrônico a serviço de resultados pífios.

O saldo começa a aparecer na inflação alta, na baixa taxa de investimento, na desindustrialização, no crescimento econômico medíocre, nos desequilíbrios externos e, principalmente, na crise de confiança na economia brasileira.

Lula era mais pragmático e tinha Palocci e Meirelles para sustentar os pilares econômicos herdados do governo FHC. Dilma não, a presidente tem um elenco de ideias próprias e originais sobre o funcionamento da economia e o papel do Estado. Já no segundo mandato de Lula combateu a ideia de Palocci de criar uma trava legal para que as despesas correntes não crescessem acima do PIB.

O país não resistirá impunemente a mais quatro anos de intervenções atrapalhadas e de ideias fora de lugar em mundo globalizado e dinâmico, que exige um novo paradigma de desenvolvimento e de atuação estatal.

O software enviesado e superado que preside a formulação de Dilma remonta às raízes do PT. Todos sabem que o PT nasceu a partir de três vertentes: o sindicalismo do ABC, parcela das comunidades eclesiais de base da Igreja e a esquerda de origem marxista-leninista-trotskista. Lula cresceu no ambiente do sindicalismo de resultados, negociador, não ideológico, inspirado e treinado pelo sindicalismo norte-americano. Daí seu pragmatismo e travessia pela linha de menor resistência. Dilma veio da esquerda armada de 1968, ortodoxa, dirigista e que nutre a convicção de que é possível moldar a sociedade e o mercado a partir da ação do Estado e conduzir as políticas públicas com voluntarismo e visão totalizante. Daí o estado atual das coisas.

Deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais