Pela primeira vez, desde as vaias na abertura da Copa das Confederações em junho, a presidente Dilma participará de um evento aberto com grande quantidade de público. Será hoje de manhã no desfile do Sete de Setembro, na Esplanada dos Ministérios. Protestos convocados pelas redes sociais levaram o governo a reduzir o tamanho da solenidade e a aumentar as medidas de segurança. Em Brasília, e em todo o país, policiais vão revistar quem estiver encobrindo o rosto. O PT decidiu organizar manifestação a favor do Planalto.
Dilma de volta ao centro dos protestos
Depois das vaias no início da Copa das Confederações, a presidente participa novamente de um evento com grande quantidade de público: o desfile da Independência, na Esplanada. Manifestações marcadas para hoje preocupam o governo
Paulo de Tarso Lyra, Karla Correia e Grasielle Castro
Quase três meses depois do início das manifestações que ainda assombram as autoridades brasileiras e das vaias que recebeu no jogo de abertura da Copa das Confederações, em Brasília, a presidente Dilma Rousseff estará novamente em um grande evento público, o desfile em comemoração à Independência do Brasil. De lá para cá, quase nenhum dos pontos anunciados pela presidente Dilma no pacto com governadores e prefeitos, anunciado em 24 de junho, saiu do papel. De efetivo, apenas o Programa Mais Médicos, que se tornou a grande bandeira eleitoral para a corrida presidencial em 2014. As demais propostas se perderem pelo caminho. Embora ainda dê sustos, a inflação mostra sinais de queda, mas a disparada do dólar assustou a equipe econômica. Apesar de tudo, a presidente conseguiu recuperar parte da popularidade derretida pelas passeatas de junho.
Com a expectativa de uma grande mobilização popular hoje, o governo, por precaução, fará uma festa da Independência mais modesta, com 15 minutos a menos de duração, detectores de metais espalhados por toda a Esplanada e a proibição da presença de pessoas mascaradas. Por conta de um acidente que matou dois de seus pilotos em agosto, não haverá apresentação da esquadrilha da fumaça.
O Planalto está cauteloso quanto a hoje. Pesquisas realizadas pela Ipssos Public Affairs que chegaram às mãos de aliados da presidente mostram que 63% dos brasileiros acreditam que as manifestações de rua vão crescer e ganhar força nos próximos dias. Apesar dos confrontos entre os Black Blocs e as forças de segurança, que levaram diversos governadores a reprimir a presença de pessoas com os rostos cobertos, as manifestações de ruas têm aprovação de 88% dos entrevistados.
Como já é tradição, Dilma foi ontem à televisão fazer o pronunciamento do Dia da Independência. Ao contrário de outras oportunidades como esta, na qual aproveitou para anunciar grandes medidas populares, como a redução nas contas de energia, por exemplo, a presidente optou ontem por fazer um balanço do pacto proposto aos governadores e prefeitos. Tratado como a marca que a presidente pretende imprimir ao seu primeiro mandato, o Mais Médicos mereceu .
Para não parecer que esqueceu a pressão popular, Dilma reconheceu a baixa qualidade dos serviços públicos, uma das principais queixas dos manifestantes no meio do ano. “O governo deve ter humildade e autocrítica para admitir que existe um Brasil com problemas urgentes a vencer, e a população tem todo o direito de se indignar com o que existe de errado e cobrar mudanças”, afirmou.
Mas fez questão de defender o seu novo programa, especialmente a chegada de profissionais do exterior, sobretudo de Cuba, principal alvo das reclamações dos médicos brasileiros. “A vinda de médicos estrangeiros, que estão ocupando apenas as vagas que não interessam e não são preenchidas por brasileiros, não é uma decisão contra os médicos nacionais. É uma decisão a favor da saúde”, disse ela.
Dólar
A situação econômica do país também ocupou boa parte da fala da presidente, que sublinhou a tendência de recuperação da economia, apesar da preocupação do governo com a alta do dólar. E atacou a oposição. “Falharam mais uma vez os que apostavam em aumento do desemprego, inflação alta e crescimento negativo”, declarou. Em nota, o presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), criticou o pronunciamento. “Em nome da democracia, patrimônio de todos os brasileiros, o PSDB denunciará esse ato à Justiça, pela agressão às regras democráticas e por significar propaganda eleitoral antecipada.”
Dilma destacou ainda que o pacto pela educação assegurou 75% dos royalties do pré-sal e 50% dos recursos do Fundo Social para o setor — no pronunciamento de junho, Dilma defendeu que fossem 100% da verba do petróleo. E ressaltou que, a curto e médio prazo, os investimentos em mobilidade urbana poderão desafogar o trânsito nas principais cidades brasileiras.
Avaliações
Para o cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, não é de se espantar que a maior parte das propostas feitas pelo governo em junho tenha caído no esquecimento. “Elas foram mais uma peça de retórica, um esforço para tentar mobilizar e dividir responsabilidades com o Congresso e com os governadores e os prefeitos”, declarou. Para Cortez, o governo não foi eficiente para implantar as medidas por ele propostas, embora reconheça que algumas delas são de médio e longo prazo.
Para o presidente do Instituto Teotônio Vilela, deputado Sérgio Guerra (PSDB-PE), mesmo que as manifestações de hoje fiquem aquém daquelas que acuaram os governantes há três meses, a população sente os efeitos nocivos da inflação e da alta da moeda americana. “Esses dois fatores corroem a economia e impedem o crescimento do país”, completou Guerra.
Ao contrário do pronunciamento de junho, a fala de ontem da presidente não emocionou tampouco convenceu as pessoas na Rodoviária do Plano Piloto. “O governo está aumentando os gastos públicos em vez de fazer economia, como diz a presidente”, protestou o bancário Emerson Mendes, 40 anos. Alexandre Santos, 28 anos, auxiliar administrativo, afirmou que Dilma mostrou que não entendeu o que as ruas queriam. “Ela anunciou um monte de coisas que não deram certo”.
Já o técnico em informática Rodrigo Vieira, 30 anos, está menos pessimista. Ele acha que as manifestações de hoje serão esvaziadas após o Supremo Tribunal Federal ter cancelado a sessão que manteve o mandato de Natan Donadon (sem partido-RO) e elogiou a presidente. “A cara feia dela na reunião do G20 mostra que a presidente tem atitude”, resumiu.
Memória
Vaias no jogo de abertura
Em 15 de junho, quando as manifestações de rua ainda pareciam restritas a São Paulo para reclamar do aumento na tarifa de ônibus, a presidente Dilma Rousseff recebeu uma sonora vaia durante a solenidade de abertura da Copa das Confederações, minutos antes do jogo entre Brasil e Japão.
Dilma foi vaiada em três momentos. A primeira, quando a sua imagem apareceu no telão do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. Depois, novos apupos quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, citou o nome da mandatária brasileira em seu breve discurso. Por fim, Blatter pediu fair play aos torcedores e a vaia ecoou por todo o estádio.
Visivelmente constrangida, a presidente não escondeu o incômodo com a reação. Oposicionistas lembraram as vaias ouvidas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, durante cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro. Na época, Lula e os petistas atribuíram ao então prefeito do Rio, César Maia (DEM), uma suposta ação orquestrada para constranger o presidente.
Para não se expor a novos riscos, Dilma decidiu não comparecer à solenidade de encerramento da Copa das Confederações, em 30 de junho, no Maracanã.
Os pactos
Confira os cinco compromissos firmados pela presidente Dilma Rousseff com governadores e prefeitos em 24 de junho
Responsabilidade fiscal
Dilma propôs um esforço para o controle da inflação e a estabilidade da economia
Como está hoje
O PIB deu um suspiro no segundo trimestre e a inflação oscila, mas deve também desaquecer. O governo, contudo, sofreu para conter a alta do dólar
Reforma política e combate à corrupção
A presidente defendeu a convocação de um plebiscito popular para a realização de uma constituinte exclusiva para fazer as mudanças na legislação eleitoral. Dilma considerou fundamental um esforço para transformar a corrupção em crime hediondo e cobrou dos governadores e prefeitos agilidade na implantação da Lei de Acesso à Informação
Como está hoje
O governo abandonou a ideia, deixando a discussão para o Congresso. O Senado analisa uma minirreforma eleitoral. A Câmara e outros movimentos sociais tentam avançar em medidas pontuais, mas, na prática, a reforma política não sairá do papel. No máximo, mudanças para as eleições. O Planalto, que tem maioria nas duas Casas, não deu qualquer orientação de votação para a sua base de apoio. Além disso, o Senado não transformou a corrupção em crime hediondo. A base do governo na Casa é ampla, mas o Planalto não debateu esse tema em nenhum momento com os senadores
Saúde
Dilma propôs a aceleração dos investimentos já contratados para a construção de hospitais, UPAs e unidades básicas de saúde. Além disso, anunciou o programa Mais Médicos e a vinda de profissionais estrangeiros
Como está hoje
O Mais Médicos, apesar das críticas dos profissionais do setor, deslanchou. Na primeira fase do programa, foram inscritos 1.778 médicos, incluindo os cubanos
Mobilidade Urbana
Um dos principais focos das manifestações de junho. Dilma prometeu a liberação de R$ 50 bilhões para obras na área e agilidade nos projetos que desoneravam impostos da cadeia produtiva do transporte, o que, em tese, tornaria mais barata as tarifas
Como está hoje
O Ministério do Planejamento já se reuniu com governadores e prefeitos de diversos estados e cidades. Foram pedidos aproximadamente R$ 78 bilhões para obras. Até o momento, só foram liberadas verbas para duas cidades: São Paulo e São Bernardo, ambas governadas pelo PT
Educação
Dilma defendeu que 100% dos royalties do pré-sal fossem destinados à educação
Como está hoje
A presidente sanciona na segunda-feira o projeto aprovado no Congresso prevendo 75% dos royalties para a educação e 25% para a saúde
Fonte: Correio Braziliense