Governar é escolher, mas o presidente não quer arcar com esse custo. Não basta pensar que se é “mito”.
Os
dias andam sombrios. A pandemia tolda o horizonte e os corações. Cansa ficar em
casa, isso para quem tem casa e pode trabalhar nela. Imagine-se para os mais
desafortunados: é fácil dizer “fiquem em casa”, impossível é ficar nela quando
não se a tem ou quando as pessoas vivem amontoadas, crianças, velhos e adultos,
todos juntos. Pior, muitos de nós nos desacostumamos de “ver” as diferenças e
as tomamos como naturais. Não são.
Eu
moro num bairro de classe média alta, Higienópolis. Não preciso andar muito
para ver quem não tem casa: numa escadaria que liga minha rua a outra, há uma
pessoa que a habita. Sei até como se chama. Sei não porque eu tenha ido falar
com ela, mas porque minha mulher se comove e de vez em quando leva algo para
que coma. Assim, ilusoriamente, tenho a impressão de “solidariedade cumprida”,
não por mim, mas por ela, que atua...
Mesmo
quando vou trabalhar, na Rua Formosa esquina com o Vale do Anhangabaú, é fácil
ver quanta gente “perambula” e à noite dorme na rua. Agora, com as obras de
renovação, fazem-se chafarizes, que serão coloridos. Pergunto: será que os
moradores de rua vão se banhar nas águas azuladas das fontes luminosas?
Não
há que desesperar, contudo. Conheci Nova York e mesmo São Francisco em épocas
passadas, quando as ruas também eram habitadas por pessoas “sem teto”. Elas não
aparecem mais onde antes estavam e eram vistas. Terão melhorado de vida ou
foram “enxotadas” para mais longe? Também em Paris havia os clochards. Que
destino tiveram: o crescimento da economia absorveu-os ou simplesmente foram
“deslocados”, pelo menos da vista dos mais bem situados? Crueldade, mas
corriqueira.
É
certo que o vírus da covid parece começar a ser vencido no Brasil, como os
jornais disseram ainda na semana passada. Mas continuamos numa zona de risco. A
incerteza perdura. Comportamentos responsáveis salvam vidas. Os países europeus
que tinham controlado uma primeira onde se veem às voltas com novo surto de
contaminações e hospitais no ponto de saturação. Qual de nós não perdeu uma
pessoa querida? Essa dor não se esquece nem se apaga.