• MP da Leniência e projeto de repatriação beneficiam criminosos, diz Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, contesta a crítica da presidente Dilma Rousseff de que há ‘pontos fora da curva’ a serem corrigidos na operação
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da Operação Lava-Jato, disse identificar “o dedo do governo” na proteção a corruptos. Em entrevista a Renato Onofre e Thiago Herdy, ele citou a edição da medida provisória que permite ao governo negociar acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção e o projeto que autorizou a repatriação de recursos ilegais. O procurador também contestou a crítica da presidente Dilma Rousseff de que há “pontos fora da curva” na Lava-Jato, como vazamentos seletivos e interrogatórios com base no “diz que me diz”. “Há pontos fora da curva porque no Brasil não se pune”, rebateu o procurador.
‘O governo está tentando uma anistia de corrupção’
• Procurador da Lava-Jato acha que MP da Leniência e lei de repatriação de recursos têm “dedo do governo” e beneficiam corruptos
Renato Onofre e Thiago Herdy - O Globo
-SÃO PAULO- O procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima, de 51 anos, identifica “dedo do governo” na edição de medidas que, segundo ele, beneficiam investigados da operação. Ele cita as mudanças nas regras de leniência e na repatriação de recursos ilegais no exterior. A MP 703, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, em dezembro, permitiu à Advocacia Geral da União (AGU), ligada ao Planalto, negociar diretamente acordos com empresas acusadas de corrupção. Outra lei sancionada por Dilma na semana passada facilitou a repatriação de recursos mediante pagamento de multa. Em entrevista ao GLOBO, realizada ontem em São Paulo, Lima também criticou declarações dadas ontem por Dilma. Ao jornal “Folha de S. Paulo”, a presidente afirmou que “há coisas que não acha corretas” na Lava-Jato, como os vazamentos de trechos das delações premiadas, e que há “pontos fora da curva” na investigação “que têm de ser colocados dentro da curva”. Segundo a presidente, é “impossível” alguém ser questionado (durante interrogatórios) com base no “diz que me diz”. Para Lima, a Lava-Jato só é ponto fora da curva quando aponta o “caminho da punição para quem cometeu crimes” e não caberia ao Ministério Público “vestir a carapuça” quanto à crítica sobre vazamento de informações sigilosas da operação.
A lei de repatriação e a MP da leniência representam um risco para a Lava-Jato?
Sim. Sempre soubemos que, a longo prazo, as elites vão se compor de maneira a reduzir prejuízos que tiveram nessas operações. É o caso das legislações que vêm a posteriori. A MP 703 (que permitiu à CGU fazer acordo de leniência) e a lei da repatriação (que permite trazer recursos para o Brasil mediante pagamento de multa) são exemplo disso. A repatriação vem sendo falada desde o caso Banestado. É uma medida para socorrer as elites.
Que tipo de recado passa a aprovação desse tipo de medida?
Como diz o Dr. Deltan (Dallagnol, outro procurador da Lava-Jato), a corrupção é uma questão moral, mas também econômica. (As medidas) passam o recado de que este é um jogo que vale a pena ser jogado. Vale a pena ser corrupto no Brasil porque, ao final, nossa Justiça é lenta, nossos processos são intermináveis e, além de tudo, se nada disso der certo, você vai no governo e resolve o problema com uma nova lei.
Vê o dedo do governo nessas ações?
Sim. A urgência da MP da leniência só existe para evitar a aplicação de inidoneidade contra as empreiteiras. Elas têm muito a falar sobre o próprio governo. Portanto, tem dedo do governo, tanto na repatriação, quanto nessa MP. E pior, nós já sentimos no Congresso uma tentativa de estender isso aí para uma anistia. A repatriação já tem uma anistia incluída nela, e o governo está tentando incluir uma anistia de corrupção. O que é, no final das contas, contra qualquer sentido de um país que se comprometeu a combater a corrupção. Há um ano estamos bloqueando a CGU de fazer acordos a granel, agora ela está autorizada por lei.
Por que a repatriação é prejudicial?
Você está dizendo para a população que vale a pena fazer isso (mandar recursos para o exterior ilegalmente), que no futuro haverá uma opção indolor para resolver isso: no caso, uma mera tributação. Você vai pagar uma multa, não vai ter sanção criminal, que é o que assusta as pessoas. Essa é a principal mensagem: você pode mandar para o exterior dinheiro irregular, nós vamos resolver. Em diversos momentos, quando se tentou processar criminosos, houve uma intervenção do governo de modo a beneficiá-los. E quem se beneficia? Elites. E o discurso é sempre do medo. “Isso é um risco sistêmico, vai dar quebradeira”, eles dizem. Colocam o medo no coração do trabalhador como se ele fosse o prejudicado. Ele é prejudicado quando a corrupção acontece, quando o dinheiro sai do Brasil irregularmente, quando você deixa de pagar tributos.
A presidente disse que não é correto o vazamento de trechos de delações e que há “pontos fora da curva” a serem corrigidos nas investigações. Qual é a opinião do senhor?
Eu não vi o pronunciamento da presidente, mas acho que não cabe ao Ministério Público vestir nenhuma carapuça quando se faz esse tipo de afirmação. Sobre os vazamento, ela está dizendo que foi o MP? Existem vários atores neste processo que podem ser a origem de vazamentos.
E há “pontos fora da curva”?
Há pontos fora da curva, porque no Brasil não se pune. A Lava-Jato é um ponto fora da curva porque está tentando efetivar o processo penal. Se essa é a afirmativa, eu concordo com ela. Agora, se é reclamação de qualquer violação de direitos, não concordo. Tivemos mais de 700 habeas corpus e recursos julgados, nem 10% foram concedidos, acho que nem 1%. A Lava-Jato está fazendo com que o Brasil tenha um caminho da punição para quem cometeu crimes.
Dilma repete o discurso do PT, que diz haver um excesso de delação...
Ao contrário, temos um uso muito parcimonioso. Nós usamos a delação para o mesmo assunto uma ou duas vezes, no máximo. Os diversos acordos aumentaram o campo das investigações, mas os fatos são tantos que o número de colaboradores é imenso. O primeiro acordo de (Alberto) Youssef revelou um tipo de corrupção. Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras) revelou o âmbito (onde ocorreu). Um acordo com outro colaborador tem que revelar fatos totalmente novos, fora confirmar talvez que ele tenha participado dos fatos anteriores. Então, essa crítica não é verdadeira, nem justa.
O ex-presidente Lula disse que delação agora só serve se tiver o nome dele. Isso é verdade?
Não creio que seja verdade, pois desconheço uma colaboração onde o ex-presidente tenha sido citado expressamente. Portanto, ela (a afirmação) é injusta. E nem sei também se ele poderia saber das delações, já que a maior parte delas está em sigilo.
Ainda há muito para acontecer na Lava-Jato?
Tem bastante coisa, acreditamos que o esquema de compra de apoio político-partidário se replica em diversas empresas estatais, isso vai se revelando aos poucos. Esperamos revelar uma boa parte desse quadro, é um quebra-cabeça gigante.
Qual é o rosto que aparece ao final desse quebra-cabeça?
O rosto nós já sabemos. Existe uma forma pela qual se compra o apoio no Congresso Nacional. E esta forma foi a distribuição de cargos em alto escalão para que fizessem caixa para o governo. Quando você vê a Zelotes, passando pela Lava-Jato, Eletronuclear, Belo Monte e outras questões que vão surgindo, vê o mesmo fenômeno. Só que as fontes de pagamentos são diversas. Para aprovar uma lei, fazer um determinado negócio com o governo, construir alguma coisa, paga-se pedágio. Esse é o rosto que vamos tentar mostrar para a população.