sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Fernando Gabeira - Transição de onde para onde?

O Estado de S. Paulo

Discute-se como se gastará mais dinheiro necessário para pagar promessas, mas não há a mínima inquietação ainda sobre a origem desses recursos.

Apesar da resistência de alguns grupos bolsonaristas que bloquearam estradas, choraram com a prisão de Alexandre de Moraes, aclamaram a intervenção de Lady Gaga no Tribunal de Haia e acreditaram que a cantor Agnetha Faltskog, do Abba, era uma juíza sueca, apesar de tudo isso, estamos em transição. Embora saibamos que é uma transição do velho para o novo governo, não podemos afirmar precisamente de onde para onde é essa transição.

Para saber de onde, é preciso conhecer todos os dados que ainda estão sendo transferidos. Eles nos mostram o estado geral do País, depois de quatro anos de governo Bolsonaro.

Depois desse movimento, saberemos, então, para onde vamos. O novo governo não apresentou um programa. Os argumentos para isso se baseiam na própria ignorância sobre o estado real do País. De posse dessa informação, é possível que conheçamos, então, as principais políticas públicas que vão conduzir o País.

Já sabemos, por exemplo, que há uma ruptura na política ambiental destrutiva de Bolsonaro. A viagem de Lula ao Egito é uma clara indicação ao mundo de que o Brasil pretende proteger a Amazônia e voltar ao protagonismo internacional na luta contra o aquecimento global.

Essa é uma importante novidade, porque não se limita à política ambiental. Tem repercussões na economia, de um lado atraindo investimentos para projetos sustentáveis, de outro liberando investimentos em infraestrutura inibidos pela visão suicida de Bolsonaro no trato com o meio ambiente.

Luiz Carlos Azedo - Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental

Correio Braziliense

O risco que Lula corre é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a cúpula petista pontificariam, sem sinalizar uma forte renovação

Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.

Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.

Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.

Maria Cristina Fernandes - O futuro da direita sem a carona bolsonarista

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Coube a Lula o feito de afastar a sombra da extrema direita sobre o país. A tarefa de mantê-la longe não é apenas de seu governo

O presidente da Câmara, Arthur Lira, foi o primeiro do campo governista a reconhecer o resultado eleitoral em telefonema ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Seu correligionário, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse não se opor se for o desejo de seu partido se aliar a Lula. O presidente do União Brasil, Luciano Bivar, que quatro anos atrás abrigou Jair Bolsonaro em seu finado PSL, diz que seu partido tem “uma dívida com a esquerda”. O Republicanos busca tanto uma brecha que o presidente eleito recebeu até “perdão” do pastor honorário da agremiação, Edir Macedo. Restou o PL, que lançou Bolsonaro à Presidência em 2026 e anunciou-se na oposição sem reconhecer o resultado das urnas. Ainda está por se confirmar se permanecerá com este discur

Nada disso surpreende. A novidade é que esta virada de casaca se dê na eleição em que a direita se mostrou em sua melhor forma no Congresso, desde a redemocratização. Apesar do governismo atávico, também surpreende que, em tão pouco tempo, após uma eleição presidencial com uma direita tão competitiva, suas lideranças abandonem a carona de um projeto exitoso de conquista de votos. A exceção anunciada pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, ainda está por mostrar sua viabilidade.

José de Souza Martins* - O perigo da multidão irracional

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O Brasil oculto da balbúrdia tem feito demonstrações agressivas, indicativas de um período de inconformismo intolerante que pode comprometer a democracia

As semanas que antecederam o primeiro e o segundo turno das eleições de outubro de 2022 acrescentaram revelações sobre o estado de anomia em que se encontra a sociedade brasileira. Indicaram qual é de fato o legado politicamente enfermo do presidente que em dois meses deixará o poder, porque em confronto com a Constituição e a democracia.

Ainda uma semana depois do reconhecimento do resultado da votação, definido o nome do eleito, ajuntamentos estão ocorrendo em praças e portas de quartéis, os agitadores pedindo ditadura militar. Estranhamente, os comandantes militares, cujos quartéis são assediados, estão calados.

São decorrências da política de desmonte do Estado, das instituições e da própria sociedade pelo regime de 1º de janeiro de 2019, nas ameaças subversivas à ordem política.

Estamos em face de ameaças a uma inevitável e decisiva mudança social e política, cujos fatores vinham sendo gestados e acumulados desde o golpe de 1964. Bolsonaro, tenha ou não consciência disso, personifica o momento final de decadência do tenentismo.

César Felício - A ligação entre as eleições de EUA e Brasil

Valor Econômico

Lula se voltou para o centro, o que não significa rigor fiscal

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos se subestimou o poder dos eleitores moderados para definir um resultado eleitoral. Há um paralelismo entre o que se desenha como desfecho para as eleições americanas desta semana e a do Brasil no mês passado, na visão do professor de Ciência Política da Universidade de Minnesotta, o americano David Samuels, um brasilianista que tem no estudo do PT e do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva uma de suas especialidades.

Foram duas eleições que, a seu ver, mostraram que para a maioria do eleitorado o extremismo cansou. No Brasil houve um raro caso, em termos mundiais, de derrota de um governante que tenta se reeleger. Nos Estados Unidos um governante impopular perdeu muito menos terreno do que se imaginava nas eleições de meio de mandato.

Em suma, Bolsonaro deixou de ganhar uma reeleição no Brasil, o que seria o natural, e os republicanos, sobretudo os ligados ao ex-presidente Donald Trump, decepcionaram nos Estados Unidos, ao contrário do que seria o esperado diante do apático governo Biden. Em comum, bolsonarismo e trumpismo são agrupamentos políticos relativamente sectários.

Claudia Safatle - Ideias de Lara Resende são música para governo Lula

Valor Econômico

Risco é esse ideário produzir uma corrida bancária e hiperinflação

Desde o último fim de semana que agentes do mercado se dedicam a discutir o texto intitulado “Diretrizes de Políticas Públicas para 2023 - Elementos para uma Estratégia de Retomada do Crescimento Sustentável e Inclusão Social”. Elaborado por vários economistas do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) sob a coordenação de André Lara Resende, o texto, somado à notícia de que Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, poderia vir a ser o ministro da Fazenda no governo de Lula, teria pautado uma piora do mercado na segunda feira.

Não se trata de um texto novo, mas houve uma corrida em busca de entendimento do que nele se propõe, e é oportuno dar uma revisitada no seu conteúdo macroeconômico, defendido por Lara Resende, que faz parte do comitê de transição de governo, na área econômica.

Ele sugere que as políticas monetária e fiscal sejam conduzidas, de forma coordenada, por um comitê composto por diretores do Banco Central e do BNDES, à semelhança do atual Copom. Esse comitê de políticas macroeconômicas seria o responsável pela trajetória da taxa básica de juros (Selic) e pela implementação de um plano plurianual de investimentos públicos que seriam decididos e anunciados por esse novo Copom.

Bernardo Mello Franco – Meia volta, volver

O Globo

Factoide de auditoria nas urnas expôs Forças Armadas a novo vexame

A quarta-feira foi amarga para os patriotas que se aboletaram diante dos quartéis à espera de um novo golpe militar. Depois de meses de suspense, o Ministério da Defesa divulgou seu aguardado relatório sobre a urna eletrônica. O documento dizia o óbvio: as máquinas funcionam e não há qualquer indício de fraude na contagem dos votos.

“Tomamos chuva à toa?”, questionou um bolsonarista desiludido no Twitter. As redes do ministério foram bombardeadas com outras mensagens de desgosto. O empresário que se pendurou no para-brisa de um caminhão, inconformado com a vitória de Lula, ainda não foi localizado para opinar.

O factoide da inspeção nas urnas expôs as Forças Armadas a mais um vexame. Para atender os interesses de Jair Bolsonaro, elas gastaram tempo e dinheiro público numa auditoria inútil. Agora são cobradas por saudosistas da ditadura que sonham com uma quartelada em pleno século XXI.

Reinaldo Azevedo - Analistas têm de fazer prova do Enem

Folha de S. Paulo

Se a PEC da transição não serve, é preciso dizer o que serve

Governar o Brasil é difícil, como sabe Jair Bolsonaro, o que ajuda a explicar por que ele nunca se dispôs a fazê-lo. Passou o mandato a pregar golpe de Estado na esperança de que uma camarilha militar administrasse o país em seu lugar, candidato de sempre a "Cavalão" de parada de uma ditadura.

Em dois dos quatro anos, convidou os brasileiros a dançar com a morte, mesmo sem sepultura. Por que obteve quase metade dos votos válidos? Perguntem àqueles que flertaram com ataques cotidianos às instituições desde 2013, especialmente a partir de 2014, na vigência da Lava Jato, e às ilegalidades na boca da urna.

Lula constata de novo que tal ofício está longe de ser sopa no mel. Conquistar o recorde de quase 61 milhões de votos chega a ser mais fácil do que obrigar críticos isentos —é claro!— a cumprir ao menos as exigências que se fazem a estudantes do Enem na prova de redação. São obrigados a apresentar uma solução ou proposta de intervenção para o problema apresentado. E estas devem respeitar os direitos humanos.

Bruno Boghossian - Lula risca uma linha na economia

Folha de S. Paulo

Cinco aliados dão explicações convergentes para declarações do petista e reação de investidores

"Colocar pobre na universidade não é gasto, é investimento", disse Lula. "A quem interessa o teto de gastos? Aos banqueiros?", questionou. "Vamos gastar o que for preciso", declarou o ex-presidente. "Nós precisamos pagar primeiro a dívida que temos com o povo pobre", afirmou.

Lula disse essas frases em setembro de 2019, junho de 2021, março de 2022 e abril de 2022. Nas últimas 48 horas, declarações muito parecidas causaram forte turbulência no mercado financeiro, como se o candidato e o presidente eleito fossem personagens diferentes.

Cinco pessoas do entorno do petista dão explicações convergentes para a ação de Lula e a reação dos investidores. Elas ajudam a desenhar o que tende a ser uma gestão política da área econômica.

Vinicius torres Freire - Lula pode consertar o estrago

Folha de S. Paulo

Comando lulista briga com a realidade financeira degradada e também com aliados recentes

Geraldo Alckmin tentou baixar a fervura desta quinta-feira (10) desgraçada para as finanças do país, o vulgo "mercado nervoso". Outros do governo de transição e Luiz Inácio Lula da Silva decidiram espalhar mais brasa.

Decidiram brigar com a realidade, com os fatos da vida financeira e com aliados recentes da frentinha ampla, o que pode ter implicação até para a formação de coalizão no Congresso e na sociedade. Há meios e tempo para consertar o estrago. Pode ficar apenas uma cicatriz. Ou pode ser um começo de gangrena.

O que é "brigar com a realidade"? Esses desabamentos nos mercados financeiros significam que os donos do dinheiro passam a cobrar mais caro para manter seus recursos em reais, em títulos da dívida pública (empréstimos para o governo) e, por tabela, em ações de empresas e outros ativos domésticos. Cobram mais caro por causa do aumento do risco de inflação, desordem financeira geral e crescimento baixo, para resumir.

Vera Magalhães - Hora de descer do palanque

O Globo

Lula tem a missão de pacificar um país que continua a ser inflamado pelo bolsonarismo.

É preciso descer do palanque. Luiz Inácio Lula da Silva precisa se despir do figurino de candidato que envergou ao longo de sucessivas eleições e se assenhorar do aparato de presidente que envergou por oito anos, mas ciente de que encarará uma realidade completamente distinta.

E Jair Bolsonaro precisa entender que perdeu as eleições de forma limpa, e o que lhe resta é governar por esses pouco menos de dois meses de mandato — algo a que vem se furtando nos últimos meses, notadamente desde o segundo turno.

O discurso de Lula nesta quinta-feira foi desastroso em mais de um aspecto. É preocupante que alguém tão experiente, diante de um país cindido ao meio, com um caos institucional instigado pessoalmente pelo atual ocupante do Palácio do Planalto e a par da delicada situação fiscal que herdará, se ponha a falar com a falta de compromisso de quem está em cima de um caminhão de som.

Eliane Cantanhêde – ‘A tal da estabilidade fiscal’

O Estado de S. Paulo

Lula ia bem, mas derrapou ao repetir Bolsonaro e atacar a responsabilidade com o dinheiro público

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ia muito bem, na articulação de apoios e nas manifestações, mas começou a tropeçar nas palavras. E começou cedo, numa área muito delicada: a economia. Chorar ao falar da fome é digno de Lula, de sua biografia e de seus compromissos de campanha, mas atacar “a tal estabilidade fiscal”? Como assim?

É coisa para um Jair Bolsonaro em guerra com o submisso Paulo Guedes, não para um Lula em incessante busca de apoios. A reação foi rápida: o mercado se alvoroçou, o dólar disparou para R$ 5,39, a Bolsa caiu. Desnecessariamente.

Rogério F. Werneck - Sem plano, Lula improvisa

O Globo

Expandir gastos e só depois, quem sabe, anunciar como as contas públicas serão mantidas sob controle

Lula bem sabia que, sem ampliar em grande medida sua base de apoio no Congresso, lhe seria difícil governar. A grande questão é de que forma tal ampliação de base seria assegurada.

Terminada a eleição, ainda havia um fio de esperança de que, afinal, Lula se moveria inequivocamente para o centro, no eixo que de fato importa, que é o da condução da política econômica. E de que sua busca de apoio mais amplo no Congresso seria norteada pela necessidade de garantir respaldo a tal movimento.

“Fazer a coisa certa” desde o início, de forma a assegurar um bom desempenho da economia, daria ao governo Lula mais resiliência para novo embate com o bolsonarismo em 2026.

Mas estariam Lula e o PT preparados para abandonar seu velho ideário e adotar para valer um programa econômico de centro? Ou, aferrados a esse ideário, estariam propensos a tentar negociar “em outros termos” a ampliação do apoio ao governo no Congresso?

Entrevista | Monica de Bolle: ‘É ideológico, o mercado não fez quase nada com orçamento secreto’

Para economista, queda da Bolsa e alta do dólar não quer dizer nada, o que importa é a discussão macroeconômica que está por vir

Por Vitor da Costa / O Globo

A economista e professora da Universidade Johns Hopkins, Monica de Bolle, criticou a reação do mercado às declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que o sobe-e-desce do dólar e da Bolsa não quer dizer nada. Em uma rede social, ela disse esperar que ele não atrapalhe a transição.

Como vê as declarações do mercado em relação às falas do presidente eleito?

O mercado está sempre com posições compradas e faz esses movimentos de Bolsa e dólar para ganhar dinheiro. Esses movimentos não querem dizer nada. O que realmente importa é a discussão macroeconômica por vir. Os economistas do mercado têm uma visão míope e estão com ela há muito tempo. O pessoal está olhando o Brasil há bastante tempo com certa condescendência.

Se ele tivesse alguma racionalidade, teria tido uma reação muito forte a todas as oscilações feitas no atual governo no teto de gastos. Quando teve a PEC Kamikaze, que foi a coisa mais populista e gastadora, a maior licença para gastar, o mercado nem se mexeu. Foi uma cosquinha. Com o orçamento secreto, não fez quase nada.

O teto de gastos já não existe há bastante tempo, basicamente desde que foi criado. Foi modificado em praticamente todos os anos do governo Bolsonaro. Quando você pega o conjunto de mudanças ocorridas, foi uma regra fiscal para jogar no lixo. A reação do mercado é ideológica.

Nelson Motta - Gal Costa, música e lágrimas

O Globo

Cantora usou seus dons divinos — voz e musicalidade — para dedicar a vida a construir uma obra monumental

 “Minha cantora”, era como eu atendia aquela voz maravilhosa no telefone ou quando a encontrava, e isso diz quase tudo sobre nós. Que privilégio ouvir sua voz e ser seu amigo desde que ela chegou ao Rio, com 20 anos, como a baianinha “João Gilberto de saias”, e acompanhar sua trajetória gloriosa, seus momentos de sex-symbol rebelde em 1968, mixando bossa nova e Carmen Miranda com Hendrix e Joplin, “Fa-tal” com as pernas morenas entreabertas, “Índia” com os seios de fora, ela era ousada e doce, até gritando era melodiosa, com sua voz de veludo, cristal e labaredas que saía daquela bocona vermelha.

Gal usou seus dons divinos — sua voz e sua musicalidade — para dedicar a vida a construir uma obra monumental, coautoral, com um repertório rigoroso e diversificado, sempre de qualidade à altura da intérprete. Gal não só escolhia com bom gosto e ousadia entre novas versões de clássicos e novidades de alto nível, como o repertório vinha até ela. Que compositor brasileiro não adoraria ser gravado por Gal Costa? E foram muitos que, apaixonados pela voz daquela mulher, lhe dedicaram músicas, como Roberto e Erasmo explícitos com “Meu nome é Gal”, Jorge Benjor com “Que pena”, Tom Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil e muitos outros fãs, mas ninguém fez mais que Caetano para sua voz, sua vida, seus segredos e suas revelações: foi o grande intérprete dos desejos da intérprete.

Ruth de Aquino - A escolha de ser livre como Gal Costa

O Globo

A última ousadia da musa baiana foi viver sua liberdade entre quatro paredes e não ceder às redes sociais

Minha primeira reportagem na vida, em 1974, foi o fim do Píer de Ipanema. As dunas do barato já eram apelidadas de “dunas da Gal”. Eu tinha saído da casa de meus pais, em Copacabana, para morar com meu primeiro amor, em Ipanema. Não casei, nem no civil. Achava as cerimônias religiosas de casamento – em que o pai entrega a noiva, de branco virginal, para o noivo no altar – o ritual simbólico do machismo. Não podia nem me imaginar nessa situação. Amigos me alertavam: com sua maneira de ser e pensar, vai ficar sozinha, homens terão medo de você e de sua liberdade. O vaticínio não se concretizou.

Nunca usei aliança nem troquei de sobrenome. Tive dois filhos, de dois homens, professores universitários. Não me depilava em parte alguma do corpo. Achava bonito e libertário. Fazia topless e nudismo nas praias europeias, porque no Rio era impossível, e olha que tentei. Quanta hipocrisia sexual numa cidade em que os biquínis mostram o mais recôndito do ser. E mais não conto, porque a vida da colunista não deve interessar a vocês. Talvez chocasse leitores – e leitoras. O Brasil, quem diria, encaretou em meio século.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É um erro excluir Bolsa Família do teto de gastos

O Globo

Proposta de separar ‘investimentos sociais’ das despesas não resolve o principal: de onde virá o dinheiro

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva parece ter começado a errar antes mesmo de assumir. Ganhou força a ideia de retirar definitivamente a nova versão do Bolsa Família do teto de gastos. Não haveria mais apenas um waiver, a licença para gastar mais excepcionalmente em 2023, mas a criação de outro gasto permanente sem receita correspondente. Seria um absurdo adotar tal medida de forma atabalhoada, sem antes ter uma ampla discussão a respeito de como o novo governo pretende administrar a dívida pública.

Desde o início da campanha, Lula fala em “dívida histórica” com os vulneráveis. Voltou a repetir ontem que investimento em programas sociais não é gasto. Marotamente, apresenta a questão como um embate entre os que querem mais atenção aos pobres e os que têm outras prioridades. Trata-se de uma falácia. O combate à pobreza e à desigualdade deve ser, indiscutivelmente, prioridade. A verdadeira discussão é outra. A adoção consistente ao longo do tempo de um programa de transferência de renda, seja lá o nome que tenha, e de melhorias nas áreas de educação e saúde depende de o governo dispor de recursos em caixa. Mas, quanto mais o Estado gasta para financiar sua dívida, menos recursos sobram. É justamente por isso que se enfatiza a necessidade de o governo ter responsabilidade fiscal. Sem uma âncora para o gasto, o governo paga mais caro para tomar dinheiro emprestado no mercado. Isso aumenta o custo do endividamento público e deixa menos dinheiro nos cofres para o governo, como quer Lula, “investir no social”.

Poesia | Fernando Pessoa - Assim sou, fútil e sensível (Narração de Mundo dos Poemas)

 

Música | Gal Costa - Força Estranha