Após acordo fechado na madrugada de ontem, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou que os 17 chefes de Estado e de governo da zona do euro aceitaram um calote de € 100 bilhões da dívida da Grécia. Bancos e investidores privados vão arcar com prejuízos de 50% do valor dos títulos gregos. Também será ampliado o fundo de socorro europeu, de € 440 bilhões para cerca de € 1 trilhão, e 91 bancos serão recapitalizados. Os mercados globais reagiram com euforia: as bolsas subiram até 6% e as ações dos bancos dispararam. No Brasil, a Bovespa avançou 3,72% e o dólar caiu 2,90%, fechando a R$ 1,709. Analistas, porém, têm dúvidas sobre a capacidade de o pacote resolver a crise européia
Calote organizado
Europa acerta com credores perda de 50% da dívida e mercados reagem com euforia: bolsas disparam até 6% e dólar despenca
BRUXELAS, PARIS, NOVA YORK e RIO - Depois de mais de dez horas de discussões, às 4h da manhã de ontem em Bruxelas, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, anunciou que os 17 chefes de Estado e de governo da zona do euro chegaram a um acordo sobre a dívida grega, segundo o qual o setor privado arcará com perdas de 50% do valor dos papéis em suas mãos. Esse percentual é muito superior aos 21% acertados em julho e deve equivaler a 100 bilhões. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), que representa os credores privados, resistia a um calote dessa magnitude. Mas, segundo a revista alemã "Der Spiegel", as autoridades europeias avisaram que, se eles não aceitassem voluntariamente os 50%, este percentual lhes seria imposto. Os mercados festejaram, com bolsas subindo até 6% e as ações dos bancos disparando, mas analistas têm dúvidas de que esse novo pacote vá resolver a crise da dívida na zona do euro.
"Deram uma aspirina ao país. Mas ainda falta um tratamento de choque", disse ao jornal francês "Le Monde" o economista do banco Natixis, Sylvain Broyer. Para ele, sem uma espécie de Plano Marshall (que reconstruiu a Europa após a Segunda Guerra Mundial), a Grécia continuará a ser "uma máquina de dívida".
A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) seguiu a euforia dos mercados internacionais e avançou 3,72%, aos 59.270 pontos pelo Ibovespa, maior patamar em três meses. Mais confiantes, os investidores estrangeiros voltaram ao mercado brasileiro com pesadas compras de ações, o que alavancou o volume de negócios para R$10,1 bilhões. Os destaques ficaram para exportadoras de matérias-primas, como Vale e siderúrgicas, mas os ganhos foram generalizados. Na máxima do dia, o Ibovespa chegou a subir 4,83%, próximo dos 60 mil pontos.
Sarkozy: foi um erro incluir Grécia no euro
Com o maior apetite a aplicações de risco, o dólar comercial despencou 2,90%, a R$1,709, menor patamar desde 15 de setembro. No mês, a moeda americana acumula queda de 9,19%, frente a uma alta de 18,14% em setembro. Já o dólar turismo podia ser comprado nas casas de câmbio e bancos por R$1,83. Também houve influência da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que sinalizou a continuidade de redução da Taxa Selic.
Em Nova York, o índice Dow Jones fechou em alta de 2,86%, enquanto Nasdaq e S&P avançaram 3,32% e 3,43%, respectivamente. As altas mais fortes foram na Europa: Paris saltou 6,28%, e Frankfurt, 5,35%. Londres avançou 2,89%. As ações dos bancos europeus dispararam: enquanto Société Générale e Crédit Agricole saltaram mais de 20%, Barclays avançou 18%, BNP Paribas, 17%, e Deutsche Bank, 16%. O euro chegou a subir 2,5%, a US$1,4247, recuando depois a US$1,4189.
Em Tóquio, o Nikkei subiu 2,40%. Seul avançou 1,46%, Hong Kong, 3,26%, e Cingapura, 2,80%.
Álvaro Bandeira, diretor de Varejo da Ativa Corretora, acredita que, com os investidores estrangeiros mais confiantes, pode haver uma recuperação do mercado brasileiro nas próximas semanas:
- Nem tudo foi resolvido, apenas combinado. Existem diversas questões em aberto. Mas houve avanços importantes e isso foi o bastante, por enquanto, para os mercados.
Com essa redução de 50% na dívida em mãos do setor privado, os líderes europeus esperam reduzir o endividamento grego a 120% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2020, frente aos atuais 160%.
Mas boa parte dos economistas ouvidos ontem pela agência Reuters - 24 de 47 - acham que esse percentual não é suficiente. A projeção média seria de perdas de 70%.
- O mundo estava olhando para nós hoje, e mostramos que chegamos às conclusões corretas - afirmou a chanceler alemã, Angela Merkel.
Já Sarkozy, ao fazer um pronunciamento na televisão francesa à noite, afirmou que a entrada da Grécia na zona do euro foi um erro.
- Nem Merkel nem eu estávamos em nossos cargos quando se decidiu incluir a Grécia na zona do euro (em 2001). Foi um erro.
Detalhes, somente em novembro
Além disso, foi acertada a ampliação do poder de fogo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef), hoje em 440 bilhões, para cerca de 1 trilhão. Para chegar-se a esse valor, é preciso descontar o montante do Feef que está sendo usado para socorrer Irlanda, Portugal e Grécia, restando cerca de 250 bilhões.
Os detalhes sobre a ampliação do Feef serão acertados em novembro, durante reunião dos ministros de Finanças do bloco. Segundo o comunicado divulgado ontem, serão adotados dois caminhos: a concessão de garantias na emissão de títulos soberanos da zona do euro e a criação de um fundo de investimento para atrair recursos externos, como de fundos de pensão e soberanos.
O outro ponto acertado diz respeito à recapitalização dos bancos europeus. Esta afetará 91 instituições, que terão de elevar seu colchão de reserva de 4% para 9% do capital.
Colaborou Bruno Villas Bôas
Fonte: O Globo