quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“O sucesso da democracia nas urnas, importante como foi, não ocultou uma forte presença das forças antagonistas que, derrotadas, se insurgem em movimentações consertadas a fim de tentar subverter a ordem sob o pretexto de que teria havido fraude no processo eleitoral num arremedo farsesco das táticas de Trump. O verdadeiro legado de Bolsonaro foi, como se constata, deixar em sua esteira uma extrema-direita orientada a embaraçar os caminhos da restauração democrática, objetivo principal do novo governo Lula-Alckmin, que também enfrenta os desafios de animar uma sociedade desorganizada conscientemente pelas práticas do governo Bolsonaro em seus quatro anos de mandato.

Tal tarefa ainda se faz mais difícil em razão dos partidos terem subestimado sua radicação no mundo popular que ficou sob a influência dos pentecostais e de sua canhestra ideologia da prosperidade, cenário agravado pela condenação por parte da hierarquia da Igreja católica da teologia da libertação com que seus intelectuais tentavam se comunicar com os seres subalternos. Os efeitos nefastos dessas orientações produziram uma limpeza de terreno favorável a destituição da política e à difusão de valores antidemocráticos nesses setores.

Tal desertificação da política, contudo, tem remédio já conhecido, uma ida ao povo por parte de seus políticos e intelectuais, uma medicação de uso continuado a demandar tempo na sua aplicação. Em nossa desastrada experiência republicana já fizemos uso dessa recomendação, e já está passando da hora o momento de aprendermos as boas lições do nosso passado.”

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. “Bons remédios não se esquecem”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 7/12/22.  

Merval Pereira - Fim de linha

O Globo

A derrota não foi apenas de Bolsonaro. Perderam também os militares que o apoiaram

O choro do presidente Bolsonaro na segunda-feira, na cerimônia de fim de ano das Forças Armadas no Clube Naval de Brasília, significa o fim de uma tentativa golpista que deu errado. Assim como deu errado a manobra do presidente peruano deposto, Pedro Castillo, preso depois de tentar fechar o Congresso e decretar “estado de emergência” no país. A perspectiva de que o mesmo aconteça no Brasil é uma assombração para Bolsonaro, que continua deprimido depois da derrota eleitoral e da frustração de seus instintos autoritários.

Não foi só Bolsonaro o derrotado. Os militares que o apoiaram também foram. Os golpistas tinham tudo teoricamente para ter sucesso: incentivo do presidente; comandantes militares que o apoiavam a ponto de imaginar deixar os cargos antes da posse de Lula, em explícito gesto de rejeição ao presidente eleito; manifestantes nas portas dos quartéis pedindo intervenção militar; parcelas expressivas do empresariado, alguns financiando bloqueios nas estradas e manifestações antidemocráticas; eleição parlamentar vitoriosa, obtendo maioria na Câmara e no Senado; governadores eleitos nos principais estados.

Míriam Leitão - As batalhas da primeira vitória

O Globo

Governo eleito venceu a primeira batalha no Congresso, mas aguarda decisão do STF e ouve do BC que juros poderão voltar a subir

O senador eleito Wellington Dias amanheceu ontem contando votos e olhando o calendário. Hoje, quinta-feira, 8, é feriado em várias partes do país, portanto, tinha que garantir quórum elevado. Na planilha dele constavam 55 nomes a favor da PEC da Transição, mas se os senadores batessem em revoada ficaria mais difícil. No final, a vitória foi com folga, com 64 votos. No STF, o dia estava marcado em vermelho, era o começo do julgamento da constitucionalidade do orçamento secreto, mas apenas o começo, e a votação ficou para a semana que vem. Os dois assuntos se misturam.

Perguntei ontem cedo ao senador Wellington Dias se não era um dano à imagem de um governo que nem começou aceitar que na PEC da Transição se permita o pagamento de emendas do orçamento secreto.

— Até 31 de dezembro o presidente é Jair Bolsonaro. Da parte do presidente Lula o que está certo é que na LDO que enviaremos no começo do ano será prevista a transparência em todas as emendas parlamentares. Portanto, o presidente Lula só pode ser responsabilizado pelo que acontecer em 2023 para a frente. A inclusão de pagamentos para este ano não foi a proposta da equipe da transição — afirmou.

Malu Gaspar - O pôquer de Lula e Lira

O Globo

Julgamento no Supremo segue aberto enquanto Congresso discute PEC da Transição

Assistindo ao julgamento iniciado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o orçamento secreto, um desavisado poderia até pensar que a decisão para valer seria tomada ali. Os ritos foram seguidos: a relatora leu a petição inicial, os representantes das partes interessadas se manifestaram, e os magistrados acompanharam tudo compenetrados.

Ao final de algumas horas, porém, a sessão foi suspensa. Os ministros só deverão começar a ler seus votos na próxima quarta-feira. Há boas chances de um deles pedir vista — tempo para analisar melhor o processo. Nesse caso, aquele que a campanha de Lula chamou de “maior esquema de corrupção da História” poderá seguir funcionando até que seja tomada uma decisão.

O desfecho do imbróglio é difícil prever. Depende de uma batalha que nada tem a ver com o discurso dos togados ao microfone e se desenrola bem longe dos olhos do público.

Daria para descrever o jogo em curso como uma espécie de pôquer, em que os maiores operadores de Brasília — como o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da Câmara dos DeputadosArthur Lira (PP-AL) — tentam adivinhar a mão do outro antes de dar a cartada final.

Luiz Carlos Azedo - MDB pleiteia três ministérios, um para Simone Tebet

Correio Braziliense

A participação do MDB no governo Lula é assunto resolvido. O presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), pacificou o partido internamente para que integre a coalizão que está sendo formada com o PT e mais 14 partidos. A ex-candidata à Presidência Simone Tebet será a estrela da legenda no novo governo, com apoio integral das bancadas da Câmara e do Senado, que também estarão representadas na ampla coalizão democrática em formação. O martelo deve ser batido no encontro de Rossi com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Baleia considera Simone Tebet a grande liderança democrática de centro que emergiu da disputa eleitoral, não apenas pela votação que teve no primeiro turno, no qual a chamada “terceira via” foi esvaziada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Sua atuação no segundo turno, quando se engajou de corpo e alma na campanha do petista, contribuiu decisivamente para levá-lo à vitória. Lula sabe disso.

Maria Cristina Fernandes - O sequestro em curso

Valor Econômico

STF e Congresso operam para tornar Lula refém

O início da votação do orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal escancarou o jogo em curso entre os Poderes. A sessão começou atrasada e o intervalo durou o dobro do usual. Ao longo da tarde, circulou, por iniciativa de ministros partidários da acomodação, textos que advogaram a tese de que a Corte não deveria interferir num tema de competência do Legislativo. No limite, pregam a transparência que, de resto, já foi determinada pela Corte e desrespeitada pelo Congresso.

A demora fez com que nem mesmo a ministra Rosa Weber, presidente da Corte e relatora da matéria, tenha proferido seu voto. A retomada do julgamento na próxima semana só deixa duas opções. A primeira é de um pedido de vista por um dos ministros a votar depois da relatora, mais provavelmente Kassio Nunes, o que pode levá-la a uma decisão liminar que dê validade imediata a seu voto. A segunda é que o julgamento prossiga mas que não haja tempo para o voto de todos os ministros, o que levará sua conclusão para a retomada do ano legislativo em 2023 uma vez que a Corte entra em recesso na semana seguinte.

Cristiano Romero - No Brasil, evita-se olhar para o lado

Valor Econômico

Sem combate ao racismo, reformas nunca serão definitivas

Não é verdadeira a afirmação de que o Brasil é um país que não faz reformas. Este diagnóstico não pode ser aplicado sequer aos 21 anos em que vivemos sob um regime ditatorial. É falsa também a ideia de que deputados e senadores, eleitos pelo povo, são obstáculo à aprovação de reformas institucionais.

O Brasil, de fato, deitou-se, preguiçoso, em berço esplêndido desde a invasão europeia, em 1500. O que foi determinante para a letargia deste território, o quinto maior do planeta, riquíssimo em recursos naturais e habitado por uma das maiores populações, fator importante para o desenvolvimento de uma economia?

Ruy Castro Os donos da última palavra

Folha de S. Paulo

Os militares se acham melhores do que nós, os paisanos; um livro explica por quê

Militares costumam ser filhos de militares, netos de militares e pais de militares. Estudam em colégios militares, moram em vilas militares, frequentam clubes militares, casam-se com filhas de militares e comparecem às mesmas cerimônias militares. Ouvem a mesma música militar, assistem aos mesmos desfiles militares e absorvem os mesmos discursos militares. A Vila Militar, bairro da zona oeste onde moram 6.000 militares aqui no Rio, fortemente guardado, é um oásis. Há anos não tem um tiroteio. Anda-se por suas ruas a qualquer hora. Que bom.

Os militares se acham melhores do que nós, os paisanos. E devem ser mesmo. Têm crédito imobiliário próprio, direito à aposentadoria mais cedo e sistemas especiais de educação e saúde. Têm também uma Justiça exclusiva para se julgarem uns aos outros, o que lhes faculta infringir suas próprias regras, uma delas a proibição de militares da ativa de fazerem declarações políticas. É proibido, mas fazem. Militares jamais reconhecem que erraram. Qualquer crítica a eles é vista como revanchismo.

Bruno Boghossian - Golpistas na cadeia

Folha de S. Paulo

Alemanha mostrou que é preciso levar a sério investidas contra o sistema democrático

As autoridades da Alemanha mostraram que levam a sério ameaças de golpe de Estado. Nesta quarta (7), a polícia do país prendeu 25 integrantes de um grupo de extrema direita que tramava um ataque armado à sede da Câmara para derrubar o governo e levar ao poder um descendente da família real.

Entre os conspiradores estavam monarquistas e simpatizantes do nazismo. Segundo o Ministério Público, eles eram "unidos por uma profunda rejeição às instituições". Os investigadores se recusaram a tratar os conspiradores como um punhado de radicais e lunáticos. Quase 3.000 policiais foram chamados para fazer as prisões.

O peso da lei é a única resposta possível para o golpismo. Num sistema democrático, qualquer cidadão pode declarar "profunda rejeição" ao resultado de uma eleição, às decisões de um governante ou a um regime político. A tolerância termina quando esse cidadão ameaça o próprio sistema democrático.

No Peru, o presidente Pedro Castillo foi destituído e preso depois de ensaiar uma manobra nos moldes do autogolpe de Alberto Fujimori, há 30 anos. Nesta quarta, o líder esquerdista anunciou a dissolução do Congresso e um governo de exceção.

Thiago Amparo - Orçamento secreto é corrupção

Folha de S. Paulo

O que se questiona é a privatização do dinheiro público para atender interesses pessoais

Superfaturamento de 259% nas compras de tratores e equipamentos agrícolas. Uso de laranjas sem mandato no Congresso como autores de emendas do relator, no montante de 51 milhões de reais no Orçamento de 2022, conforme mostrou a Piauí nesta quarta-feira (7). Inflacionamento no preço de ônibus escolar e ambulância para distritos eleitorais do centrão. Aumentar artificialmente os números do SUS enquanto outros municípios carecem de recursos.

Estes são alguns dos efeitos em carne e osso do orçamento secreto — emendas de relator sem transparência de quem as solicitou, quais os critérios republicanos para elegê-las e quais os favores nelas embutidos. Os efeitos deletérios de quatro anos de terceirização do Orçamento por incompetência de Bolsonaro não são abstratos, são reais: a saúde e educação de milhões de brasileiros estão à mercê de escolhas políticas realizadas às escusas.

William Waack - Ligo pra quem?

O Estado de S. Paulo

Na área da diplomacia a demora em definir nomes já tem consequências

Lula vem protelando a definição de nomes que indicariam rumos centrais de seu governo, que já se iniciou. A consequência, talvez não intencional, é a geração de incertezas.

Acontece em especial na política externa, na qual as opções à disposição são ainda mais claras do que na economia. Basicamente trata-se de um retorno ao antiamericanismo característico dos períodos anteriores do PT no poder ou a adoção de linha de atuação internacional condizente com um contexto geopolítico que sofreu brutal transformação nos últimos 20 anos.

A disputa colocou em campos opostos o senador Jaques Wagner e o ex-chanceler Celso Amorim. Já tem consequências para o vital relacionamento com os Estados Unidos, demonstradas em dois recentes episódios de furiosa luta nos bastidores. E que deixou os americanos com uma dúvida na cabeça: pra quem eu ligo?

Adriana Fernandes - O que o orçamento secreto tem a ver com a vida das pessoas?

O Estado de S. Paulo

Prática atropela a ética e a transparência na gestão da coisa pública

julgamento iniciado ontem no STF sobre o orçamento secreto mexe com os nervos em Brasília. A ansiedade está a mil nos gabinetes das lideranças do Centrão na expectativa da decisão dos ministros da Corte, que podem declarar o mecanismo inconstitucional e deflagrar uma ofensiva de retaliação na pauta de votação do Congresso deste ano e dos primeiros 100 dias do governo Lula 3.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), debita ao presidente eleito a mobilização nessa reta final do ano contra o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. O grau de tensão entre Lira e Lula e o Judiciário será medido a partir do alcance da decisão.

Mas, afinal de contas, o que o orçamento secreto tem a ver com a vida das pessoas e a boa gestão das políticas públicas?

A resposta:

José Serra* - PEC do teto congestiona a transição

O Estado de S. Paulo

Proposta fatalmente levará à permanente revisão constitucional anual do Orçamento, com endividamento público crescente

O pano de fundo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela equipe do presidente eleito – a chamada PEC da Transição – não é a viabilidade fiscal de seu programa de mitigação da pobreza, isto é, a reedição de um Bolsa Família um pouco mais abrangente. O futuro governo pode, se quiser, manter o Auxílio Brasil no ano que vem, via créditos extraordinários, como propõe o senador Renan Calheiros.

Com o objetivo de salvar um regime fiscal mal construído, sem precedentes internacionais, assistimos a um jogo em que defensores do teto de gastos tentam, a qualquer preço, afastar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) do debate. Seu objetivo implícito é deixar o Poder Executivo sem margem de manobra na política fiscal e refém do Congresso.

Vinicius Torres Freire - Expectativa de inflação em alta

Folha de S. Paulo

Projeções de preços e juros para 2023 ficam maiores; Banco Central sobe um pouco de tom

A estimativa de inflação para 12 meses adiante tem subido desde o fim da eleição. Foi de 5,1% para 5,4%. A expectativa para 2023 inteiro passou de 4,94% para 5,08%.

Parece um nada, mas:

1. o aperto monetário, alta de juros, vem desde o começo de 2021, quando a Selic estava em 2% ao ano. Desde agosto deste 2022, está em 13,75%. A esta altura do sufoco, seria conveniente que as expectativas estivessem em baixa. Otimistas esperavam até mesmo que o BC antecipasse o início da redução dos juros, para antes do final do primeiro semestre do ano que vem;

2. em vez disso, pioram também as expectativas de juros para 2023. Até 17 de novembro passado, estimava-se que a Selic, a taxa básica de juros, orientada pelo Banco Central, cairia para ainda horríveis 11,25% ao ano no final de 2023. Agora, baixa apenas para 11,75%.

3. desde a semana em que Luiz Inácio Lula da Silva bateu boca com "o mercado" (um espantalho) sobre déficits e dívida, faz um mês, a taxa de juros para um ano passou de 13,26% para a casa dos 14% ao ano (13,92%, nesta quarta-feira);

O mais importante a reter aqui é que ocorre uma piora de expectativas quando se esperava um começo de alívio, o início de um "círculo virtuoso", mudança de ânimos (e de juros e câmbio, claro) capaz de até elevar confiança e projeções de crescimento para 2023.

Não aconteceu.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula ganha a primeira

O Estado de S. Paulo

Ainda sem a caneta presidencial, mas já de olho na formação de sua base, petista mostra poder de articulação ao fazer avançar sua proposta de aumento de gastos sem grandes concessões

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado foi o primeiro teste político a que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi submetido. Ainda que haja muitas fases de votação até a promulgação do texto, na etapa inaugural, o petista passou. A proposta original de sua equipe permitia a expansão de quase R$ 200 bilhões em gastos no Orçamento de 2023 e retirava as despesas do Bolsa Família do teto por quatro anos. Até o momento, financeiramente Lula perdeu pouco e, politicamente, ganhou muito, algo fundamental para sua governabilidade.

Na CCJ, Lula da Silva garantiu um aumento do teto de R$ 145 bilhões, que pode chegar a R$ 168,9 bilhões se houver receitas extraordinárias para financiar investimentos. Embora não tenha retirado o Bolsa Família do teto, o governo eleito assegurou um prazo de dois anos para a vigência da PEC, suficiente para atravessar as eleições municipais de 2024 sem ter de lidar com novos contratempos de ordem fiscal.

Poesia | Fernando Pessoa - Navegue

 

Música | Zeca Pagodinho - Barracão/ Lata d'água na cabeça