*Hannah Arendt (1906-1975), “A vida do
espírito” p.274. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2009.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 16 de abril de 2022
Opinião do dia - Hannah Arendt*: pensar o futuro
Ricardo Noblat: Como Jair Messias Bolsonaro ameaça o estado de direito no Brasil
Blog do Noblat / Metrópoles
Marine Le Pen, na França, não esconde que
jogará fora das quatro linhas da Constituição
Na última quinta-feira, o jornal Le Monde
estampou em manchete de primeira página: “Como Marine Le Pen ameaça o estado de
direito”. Le Pen é a candidata da extrema direita que disputará o segundo turno
da eleição presidencial francesa com Emmanuel Macron, atual presidente, de
centro-direita.
Em declaração recente, Le Pen deixou claro
o que pretende fazer se eleita. Ela quer governar “livre do controle
constitucional, do Parlamento e de uma parte da Imprensa”. Dito de outra
maneira: ignorando a Constituição, o Congresso e a imprensa que não compartilha
suas ideias claramente antidemocráticas.
Le Pen, pelo menos, é sincera. Não esconde
que jogará fora das quatro linhas da Constituição. Quem votar nela não poderá
dizer depois que votou por engano. A eleição na França será sobre a democracia,
de resto como a do Brasil em outubro próximo. Quando a imprensa, aqui,
estampará isso em suas manchetes?
Cristina Serra: Jornalistas e o ovo da serpente
Folha de S. Paulo
Imprensa não pode repetir em 2022 a fraude
cognitiva dos dois 'extremos' quando só há um
Relatórios publicados recentemente por
entidades do setor jornalístico (Fenaj, Abraji e Abert) revelam uma explosão de
violência contra profissionais da comunicação no Brasil. São insultos, ataques
físicos, atentados, assassinatos, censura e restrições à liberdade de imprensa.
A hostilidade contra jornalistas é estimulada
pelo presidente da República e seus apoiadores. Bolsonaro já
quis dar "porrada" em repórter e mandou jornalistas à
"pqp". A truculência mira os profissionais e também o jornalismo como
atividade essencial à democracia.
Ele não dá entrevistas coletivas formais e
ministérios não se dão ao trabalho de atender à imprensa. É um generalizado
"E daí?". Não há o menor respeito e compromisso com a informação de
interesse público. O presidente se comunica por redes sociais e veículos
patrocinados pelo bolsonarismo.
As milícias digitais fazem o resto. Ao jornalismo
profissional resta reverberar as barbaridades exaladas por uma
máquina de mentiras e mistificações. Tudo isso é método de sabotagem ao papel
da imprensa. Faz parte da estratégia da extrema direita em todo o mundo na
escalada de processos autoritários.
Hélio Schwartsman: Só matemática sofisticada salvaria terceira via
Folha de S. Paulo
Com voto valorativo, candidato que
recebesse pontuações médias teria alguma chance
A esta altura, só um milagre viabilizaria
a chamada
terceira via. Como bom ateu, não acredito em milagres.
Viúvas da terceira via, porém, acertam em alguma coisa ao apontar que há algo
de paradoxal no fato de os dois candidatos mais detestados pelos eleitores
serem os que mais chances têm de conquistar a Presidência. O bom Jean-Jacques
Rousseau nos convenceu de que, para chegar ao nirvana político, bastaria seguir
a vontade geral. Talvez, mas aferir essa tal de "volonté générale"
não é tão simples.
Se há algo que a matemática nos garante é que todos os sistemas de votação são
ruins. O que utilizamos no Brasil, o escrutínio majoritário uninominal (cada
eleitor vota em um candidato e vence quem recebe mais sufrágios), pode levar a
situações como a que vivemos, em que os campeões da rejeição não só se tornam
os favoritos como também conseguem bloquear o surgimento de alternativas.
Alvaro Costa e Silva: O laboratório da corrupção
Folha de S. Paulo
Com tantas denúncias no MEC, Ciro Nogueira
virou especialista no tema
Herdeiro de uma família de larga tradição
política no Piauí e tendo apoiado todos os governos (FHC, Lula, Dilma, Temer)
desde que chegou a Brasília pela primeira vez para atuar como deputado federal,
em 1995, Ciro Nogueira
é especialista em corrupção. Entenda-se: como um cientista em seu
laboratório, ele consegue distinguir e classificar os milhares de tipos da
doença que sufoca o país.
Segundo Nogueira, todo-poderoso ministro da Casa Civil, a corrupção sob
Bolsonaro é "virtual". Ou seja: ela não é real nem pode
ser simulada; sua existência ocorre apenas em teoria; é o resultado de uma
demonstração ou de uma "narrativa" –para usar essa palavra mágica,
capaz de explicar tudo nos dias de hoje.
Demétrio Magnoli: Jornalistas que tuítam
Folha de S. Paulo
O vício do Twitter desmoraliza veículos de
imprensa e os próprios jornalistas
O Estatuto Militar proíbe a participação de
militares da ativa em atos políticos. No Brasil atual, militares
da ativa passam o dia espalhando consignas políticas nas redes sociais.
O New York Times, arrependido de uma
orientação formulada muitos anos atrás, acaba de recomendar
a seus jornalistas que se desintoxiquem do Twitter. No fundo, o memorando
interno do jornal argumenta que o jornalismo profissional é incompatível com a
militância política nas redes sociais.
"Podemos depender demais do Twitter
como ferramenta de reportagem ou feedback —o que é especialmente nocivo quando
nossos feeds se tornam câmaras de eco", diz o memorando.
As redes sociais fragmentaram a Agora. No lugar da antiga praça central do mercado de ideias criada pela imprensa, surgiram incontáveis palanques isolados: bolhas discursivas frequentadas por tribos ideológicas. O jornalista viciado no Twitter comporta-se como qualquer internauta: imagina que a sua bolha representa a "opinião justa" e nutre-se psicologicamente dos aplausos virtuais que obtém.
João Gabriel de Lima: Os cadáveres e os ‘vladimínions’
O Estado de S. Paulo
Discurso pró-Putin se disseminou em grupos
de esquerda apesar do massacre nas ruas de Bucha
A fotografia de crianças em desespero,
fugindo de um bombardeio de napalm, ajudou a mudar a opinião do mundo sobre
a Guerra do Vietnã. O flagrante, de 1972, foi captado por Nick Ut, que
cobria o conflito em Trang Bang, aldeia próxima a Saigon. Ele trabalhava para a
agência Associated Press, responsável por várias outras imagens icônicas do
conflito – entre elas a da execução de um soldado, que foi parar na capa do
jornal The New York Times.
É possível fazer um paralelo entre a foto de Nick Ut e as imagens de cadáveres de civis ucranianos espalhados pelas ruas de Bucha. Em vez de uma aldeia próxima a Saigon, temos um subúrbio de Kiev. No lugar do flagrante estático, imagens em movimento. Elas são tão chocantes que o YouTube exige senha e cadastramento aos usuários que tentam acessá-las.
O exército russo nega ter perpetrado um massacre em Bucha, e a imprensa internacional foi cautelosa nos primeiros relatos sobre o fato. Passadas duas semanas, multiplicam-se as evidências de crimes de guerra. A revista The Economist atesta que em pelo menos nove cadáveres examinados por seus repórteres há indícios flagrantes de execuções: mãos amarradas nas costas, e tiros no peito ou na cabeça.
Carlos Alberto Sardenberg: Como o Brasil pode ficar rico?
O Globo
‘Na
origem de nossa incapacidade de retomar o crescimento está uma avassaladora
captura do Estado por interesses privados, em detrimento do bem comum. Falhamos
em aprimorar as instituições inclusivas, alargando o espaço para o crescimento
de instituições extrativistas. No lugar de cumprir seu papel essencial de
oferecer serviços públicos de qualidade à população, o Estado passou a servir a
interesses e privilégios de grupos que dele se apropriaram.’
Assim começa o denso e oportuno documento
intitulado “Desenvolvimento inclusivo, sustentável e ético”, de autoria de
Affonso Pastore, Cristina Pinotti e Renato Fragelli. Trata-se, acredito, da
mais importante contribuição recente para um debate que pode ser assim
reduzido: como o Brasil pode escapar da armadilha da renda média e se tornar um
país rico?
Tendo em vista uma questão crucial —um Estado a serviço do público —, destaca-se a importância das “instituições contratuais (verticais) que regulam o direito de propriedade, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, políticos e grupos de privilégio corruptos”.
Pablo Ortellado: Demissões voluntárias em alta
O Globo
Numa entrevista para a agência Bloomberg,
em maio de 2021, o professor de gestão Anthony Klotz profetizou que os Estados
Unidos assistiriam a uma “grande recusa”, uma onda de demissões voluntárias em
massa causadas por epifanias dos trabalhadores provocadas pela pandemia: sobre
o tempo que passam com a família, o tempo gasto com transporte e o sentido do
trabalho.
Logo depois, dados sobre demissões
voluntárias começaram a mostrar o tamanho da grande recusa: nos Estados Unidos,
elas saltaram de cerca de 3 milhões por mês no período pré-pandemia para 4,5
milhões em novembro de 2021. O fenômeno foi também detectado na Europa e na
China, e um levantamento recente mostra seu impacto no Brasil. Afinal, por que
os trabalhadores estão voluntariamente abandonando seus empregos?
Segundo levantamento da Lagom Data, com dados do Caged (Ministério do Trabalho e Previdência), as demissões voluntárias dispararam no Brasil a partir de setembro de 2021. Enquanto, no período pré-pandemia, oscilavam abaixo da faixa das 300 mil por mês, desde outubro de 2021 passam de 400 mil e chegaram a 560 mil em janeiro de 2022.
Eduardo Affonso: Indecisos podem decidir
O Globo
Por inapetência, incompetência e
conveniência dos partidos do tal “centro democrático”, vamos nos encaminhando
para as eleições de outubro com a perspectiva (funesta) de um encontro marcado,
no segundo turno, com um ex e um futuro presidiário.
A pesquisa Genial/Quaest (2 mil entrevistas
feitas entre 1º e 3 de abril) mostra, na intenção de votos (espontânea) para
presidente, que 28% preferem Lula, 22% vão de Bolsonaro e 46% estão
“indecisos”.
Talvez haja aí uma sutil questão de nomenclatura —e esses “indecisos”, longe de não saberem em quem votar, estejam duplamente decididos. Seriam os “eles-não”, aqueles a quem ainda não foi oferecida uma alternativa razoável. E que acabarão por votar em branco ou nulo (e seja o que o capiroto quiser) —ou respirar fundo e escolher pelo avesso, conformando-se com o menos pior.
Gustavo Binenbojm*: A festa incompleta da liberdade
O Globo
O Pessach —
a Páscoa judaica — representa a forma viva mais antiga de celebração coletiva
da liberdade. Há cerca de 3 mil anos, judeus espalhados pelo mundo contam a
seus descendentes sobre a amargura da escravidão no Egito e sua longa travessia
para a liberdade na Terra Prometida. Mesmo nas situações mais adversas, como em
guerras, nos campos de concentração e durante pandemias, a comunidade judaica
resistiu e cumpriu o mandamento bíblico de transmitir às crianças o testemunho
de seus antepassados. A Última Ceia de Jesus, retratada por inúmeros artistas,
revela detalhes da liturgia de Pessach,
celebrado numa Jerusalém sob domínio romano, quase como um ato de subversão.
Lembrar o passado era necessário porque a opressão se fazia novamente presente
naquela época.
De certa forma, Pessach representa a incompletude da libertação da humanidade, como uma obra em construção. Se já sabemos como não ser racistas, estamos ainda aprendendo a ser antirracistas. Como disse lindamente o rabino Nilton Bonder: “Liberar-se é deixar de ser escravo; libertar-se é deixar de ser escravo e escravagista”. Não há como deixar de lembrar para que a história não se repita conosco, mas também para que ela deixe de se repetir com outros povos. Quem foi escravizado não pode jamais ser indiferente a pessoas escravizadas. Por isso, ao final de cada Pessach, a porta da casa deve ser aberta à espera daquele que ainda está por vir, daquele para quem a festa ainda não começou. Sua simbologia me parece clara: lembrar aqueles invisíveis aos nossos olhos.
Mano Ferreira*: Vícios e virtudes do liberalismo brasileiro
EA Estado da Arte / O Estado de S. Paulo
“Nossos neoliberais raciocinam como
paleoliberais, saudosistas de uma ordem socioeconômica vitoriana, alheia ao
princípio moderno da economia social do mercado e aos deveres do Estado num
país em desenvolvimento”. O leitor poderia imaginar que as palavras saíram de
uma boca socialista. Em tempos bolsonaristas, de fato não falta fermento no
bolo do socialismo. O autor, contudo, é José Guilherme Merquior, grande liberal
brasileiro, em texto de 1983. Uma grande virtude do pensamento liberal
brasileiro é que suas melhores críticas são autocríticas.
Não se trata de uma novidade. Um século
antes, em 1886, Joaquim Nabuco escrevia que a agenda da abolição “substituiu a
luta das teses constitucionais sem alcance e sem horizonte” do seu Partido
Liberal “pela luta contra os poderosos privilégios de classe, contrários ao
desenvolvimento da nação”; e que, com isso, “pela primeira vez o Partido
Liberal saiu do terreno das discussões escolásticas, que só interessavam à
classe governante, para entrar no terreno das reformas sociais, que afetam as
massas”.
A disputa pelo real significado do liberalismo é tão antiga quanto a relevância política das ideias liberais. A acusação de socialismo disfarçado também. Hoje tratado por todos como legítimo representante do melhor liberalismo brasileiro, Nabuco também foi acusado de socialista. Um de seus acusadores foi Martinho Campos, correligionário do Partido Liberal, para quem a defesa da escravidão seria, em primeiro lugar, uma prova de caridade cristã, como se o senhor de escravos na verdade fizesse um grande favor aos escravizados; e, acima de tudo, uma defesa da propriedade privada, afinal “nenhum (escravo) caiu do céu”, todos haviam sido adquiridos legalmente.
Marcus Pestana*: A hora da verdade para a 3ª. Via
Geralmente, cada eleição tem um vetor claro de continuidade ou mudança. O momento brasileiro não é nada confortável. A instabilidade é grande; as desigualdades aumentaram na pandemia; a inflação, os juros e o desemprego são altos; as principais políticas públicas estão à deriva e a avaliação do governo é negativa. Tudo indicaria um cenário tranquilo para a vitória das oposições. No entanto, Bolsonaro tem se mostrado resiliente e eclipsado os temas centrais com uma permanente cruzada ideológica contra um impensável “fantasma do comunismo”.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
A frente ‘ampla’ que só tem o PT
O Estado de S. Paulo
O mundo político não caiu no engodo petista da tal frente ampla pela democracia. Não é ampla nem democrática. É apenas Lula sendo Lula, com sua pretensão de hegemonia
Segundo o conto lulopetista, Lula da Silva
estaria liderando uma formidável “frente ampla” da sociedade brasileira a favor
da democracia e contra o autoritarismo de Jair Bolsonaro. A realidade, no
entanto, é bem diferente. Chega a ser embaraçosa. Apesar de seu pré-candidato à
Presidência da República aparecer na frente nas pesquisas de intenção de voto,
o PT tem fracassado, até aqui, na empreitada de convencer outras legendas a
aderir ao seu projeto eleitoral. Até o momento, o partido de Lula obteve apenas
os apoios de sempre: PCdoB, PV e PSB.
O panorama não muda muito quando se olham
não os partidos, mas os políticos. Até agora, Lula conseguiu atrair Geraldo
Alckmin. Longe de representar uma tendência, o apoio do ex-governador de São
Paulo tem o tom de “exceção que confirma a regra”. A adesão do ex-tucano é um
bom termômetro do entusiasmo com que foi recebida a tal frente ampla do PT a
favor da democracia. Quais lideranças e setores que embarcaram no engodo
petista? Por ora, apenas Alckmin.
À primeira vista, o fenômeno pode suscitar perplexidade: o líder nas pesquisas de intenção de voto não consegue obter apoio de outros partidos. E, a agravar o caráter paradoxal da situação, essa resistência das legendas ocorre num cenário político-partidário marcado pelo oportunismo, sem especiais pudores de caráter ideológico ou programático. A princípio, era de esperar, portanto, que muitos partidos tivessem total interesse em aliar-se ao PT.