segunda-feira, 31 de julho de 2023

Marcus André Melo* - Dilema institucional

Folha de S. Paulo

Imobilismo e voluntarismo geram ineficiência crônica

Reforma Tributária enviada ao Congresso pelo regime militar, em 4 de novembro de 1965, foi promulgada 26 dias após sua apresentação. A natureza autoritária do regime foi essencial para o desfecho, mas não explica tudo; a Reforma Tributária —como a Previdenciária— do governo Thatcher, também foi aprovada em semanas. Em outros modelos de democracias, as reformas são processos negociados e morosos.

No Reino Unido, a proposta não poderia ter sido substancialmente alterada pelos relatores ou comissões congressuais. A oposição não conta com instrumentos de ação disponíveis em países com Legislativo descentralizado (ex. Brasil, EUA). A obstrução também não poderia vir de membros de coalizões governativas: o voto distrital leva ao bipartidarismo. E, por construção, o primeiro-ministro tem maioria. Tampouco poder-se-ia questionar sua constitucionalidade (não há revisão constitucional) ou recorrer à uma Suprema Corte (porque inexistia tal instituição no país até 2009); o país sequer tem Constituição escrita.

Angela Alonso* - Marielle não celebrou o aniversário

Folha de S. Paulo

Prisões de mandantes, se vierem, poderão aplacar o irremediável das perdas

Este governo demorou meio ano para ferver o que o antecessor congelou por quatro. A semana de avanços na investigação dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes foi a do aniversário dos 44 anos que a vereadora não pôde comemorar.

Em vez de festa, houve luto. A volta à tona do caso que nunca afundou no esquecimento reavivou o drama para pais, filha, irmã, viúva, amigos de uma das vítimas. E certamente afetou a família da outra, embora pouco se saiba disso —a imprensa raramente cobre os enlutados com a morte do motorista.

As prisões de mandantes, se vierem, poderão aplacar, nunca suprimir, o irremediável de ambas as perdas.

O espantoso no desvelamento não foram as lágrimas dos enlutados, mas a frieza dos perpetradores.

O depoimento de Élcio de Queiroz faz lembrar "A Sangue Frio", de Truman Capote. No romance-reportagem, sobre crime no interior do Kansas nos anos 1960, o ato de assassinar não perturba os assassinos. Queiroz expressou a mesma insensibilidade.

Bruno Carazza* - Por que Lula precisa do Centrão no ministério

Valor Econômico

Reforma ministerial busca paz e crescimento de olho em 2026

Foi o último ato do primeiro semestre e ao mesmo tempo a primeira imagem do governo Lula em sua última versão.

Sexta-feira, 7 de julho, 17h30. Depois de ter aprovado na Câmara a reforma tributária e o projeto do Carf, o presidente recebeu no Palácio do Alvorada as principais lideranças dos partidos que integram a sua base no Congresso para comemorar.

Estavam lá José Guimarães (PT-CE), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Aliel Machado (PV-PR), Túlio Gadêlha (Rede-PE), Tabata Amaral (PSB-SP), Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e Luis Tibé (Avante-MG), representantes de partidos da coligação que derrotou Bolsonaro em 2022.

Também se fizeram presentes comandantes do triunvirato de centro-direita que embarcou no governo antes mesmo da posse: Antonio Brito (PSD-BA), Isnaldo Bulhões (MDB-AL) e Elmar Nascimento (União Brasil-BA).

Mas o que chamou a atenção foi o comparecimento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acompanhado dos líderes André Fufuca (PP-MA) e Hugo Motta (Republicanos-PB).

Naquele momento selou-se o pacto entre Lula e o Centrão de Lira.

Gustavo Loyola* - Não perder oportunidades

Valor Econômico

O projeto de reforma sintetiza o anseio na sociedade por um sistema tributário mais racional e equitativo

Roberto Campos teria dito que “infelizmente, o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”. Essa frase cai como uma luva quando tramita no Congresso Nacional um projeto de reforma profunda dos tributos que incidem sobre o consumo, cuja aprovação tem o potencial de impulsionar o crescimento da economia brasileira nas próximas décadas.

Muito embora o projeto em discussão no Legislativo represente uma oportunidade ímpar para se adotar no Brasil um regime de tributação sobre o consumo dos mais avançados no mundo, infelizmente grupos de pressão têm atuado ativamente para levá-lo ao fracasso, claramente colocando interesses regionais e setoriais acima do interesse nacional. Como munição, tais grupos, muitas vezes, não hesitam em lançar mão de falácias, meias verdades ou equívocos técnicos flagrantes.

Felipe Moura Brasil - A independência perdida

O Estado de S. Paulo

As vozes independentes, hoje raras no jornalismo, foram quase extintas na política brasileira

Simone Tebet dá um verniz de “frente ampla” a um governo cada vez mais petista, assim como Sérgio Moro dava um verniz de combate à corrupção a um governo que cada vez mais sabotava esse combate.

Quando Jair Bolsonaro atropelou o então ministro da Justiça e trocou o diretor da Polícia Federal por um amigo de família, Alexandre Ramagem, após manifestar incômodo com investigações sobre filhos e aliados, Moro deixou o governo, porque não quis responder pelos eventuais atos de um indicado político naquele contexto.

Quando Lula atropelou a ministra do Planejamento e Orçamento e trocou o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por um ideólogo do PT, Marcio Pochmann, que atribui a crise econômica decorrente dos governos e esquemas do partido ao “golpe de 2016”, ao “receituário neoliberal” e à Operação Lava Jato, Tebet ficou na pasta, alegando que não se incomoda em ser a “segunda voz” da dupla sertaneja com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que “a mídia não me pauta, companheiros não me pautam, pessoas que me acompanharam na campanha não me pautam”.

Denis Lerrer Rosenfield* - Crédulos e incrédulos

O Estado de S. Paulo

Quando o governo promete o equilíbrio fiscal ou uma reforma tributária que não aumente impostos e tributos, deveríamos considerar tal promessa com especial desconfiança

O novo governo, desde o seu início, mostrou sua inequívoca tendência gastadora, trazendo à tona todas as velhas ideias petistas acerca do aumento do Estado e de suas funções, mostrando uma clara desconfiança em relação à economia de mercado. Sua primeira Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foi certeiramente denominada de PEC da Gastança, à qual se seguiram várias iniciativas, entre as quais o projeto hegemônico petista de aparelhamento do Estado, cuja medida mais recente foi a nomeação do presidente do IBGE; a tentativa malsucedida, felizmente, de desrespeito à Lei do Saneamento, que teria implicado o fortalecimento de empresas públicas estaduais ineficientes; e a suspensão do processo de privatizações. O leque seria grande, tendo todas em comum o mesmo pendor para o fortalecimento do Estado em quaisquer circunstâncias, não estando minimamente propenso a avaliar o mérito de funções e projetos governamentais. Em tal ritmo, ainda segundo essa ótica, só mais gastos se tornam necessários, o que, obviamente, se traduz em mais impostos.

Fernando Gabeira - Xingu, 50 anos à frente

O Globo

As pessoas que menos devastaram o planeta são as que mais sofrem, sobretudo vendo desaparecer a água, seu recurso vital

Escrevo no Xingu, algo que, de certa forma, me parece o coração do Brasil. Um coração com algumas pontes de safena, sangue escasso e contaminado de um belo rio que corre pelas suas artérias. Como o grande coração do cacique Raoni, regido por um marca-passo.

A chamado do próprio Raoni, muitas etnias se reuniram aqui para discutir os problemas dos povos originários. Não são poucos.

Grande pesquisador da Amazônia, Paulo Moutinho me disse algo que não esquecerei: o futuro já chegou ao Xingu, a região está 50 anos adiante quanto aos efeitos do aquecimento global.

De fato, há rios secando, rios que se tornam intermitentes, e o belo Xingu também sofre com hidrelétricas, poluição do garimpo e da extensa plantação de soja.

Miguel de Almeida - Tribunal das redes sociais não perdoa

O Globo

Mesmo declarado inocente por dois diferentes júris, Kevin Spacey ainda corre risco

As duas absolvições de Kevin Spacey — pela Justiça americana, em 2022, e agora pela britânica — poderiam significar um antes e um depois na guerra identitária. Ao menos na fratricida dilapidação de biografias e carreiras. Inocentado em mais de uma dezena de acusações de crimes sexuais, inclusive estupro, a tragédia do ator se soma ao de outros personagens, como Woody Allen e Johnny Depp, também abatidos por denúncias jamais comprovadas.

Mesmo declarado inocente por dois diferentes júris, Kevin Spacey ainda corre o risco de seguir o script vivido por seus companheiros de profissão e infortúnio, qual seja, a Justiça terrena absolve, mas o tribunal das redes sociais, e seus lobbies respectivos, martelam uma condenação sumária. Allen, embora nem sequer haja sofrido um processo formal, pela inconsistência das provas, padece ainda em conseguir financiamento para suas obras, além de sofrer o cerceamento na exibição de seus filmes em alguns países. Depp, outro inocentado, continua marcado como alguém que agredia a ex-mulher, apesar de o júri condená-la a indenizá-lo pelas falsas acusações.

Ricardo Henriques - Juventudes e o bônus demográfico

O Globo

Censo mostra que estamos mais próximos do fim do período em que a estrutura populacional é mais favorável ao crescimento econômico por causa da maior proporção de pessoas em idade ativa, em relação a crianças e idosos que não trabalham

Os primeiros dados do Censo do IBGE mostraram que estamos mais próximos que o previsto do fim do bônus demográfico, período em que a estrutura populacional é mais favorável ao crescimento econômico por causa da maior proporção de pessoas em idade ativa, em relação a crianças e idosos que não trabalham. Infelizmente, deixamos de aproveitar plenamente essa janela.

Avanços insuficientes de oportunidades educacionais, nível insatisfatório de qualificação profissional (técnica e universitária) e, mais recentemente, uma crise quase contínua do mercado do trabalho estão entre os fatores que nos prejudicaram.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mercado de trabalho segue mais forte que o esperado

Valor Econômico

Esse aperto monetário está provocando uma desaceleração da atividade econômica

A economia deu vários sinas de desaceleração no segundo trimestre, depois de um começo de ano muito forte, puxado pelo setor agrícola. Ainda assim, o mercado de trabalho segue com um desempenho melhor do que o esperado. O que é uma boa notícia para o bem-estar da população. Representa, por outro lado, um desafio para o Banco Central baixar a inflação para a meta de longo prazo.

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) na sexta-feira mostram que a taxa de desemprego ficou em 8% no segundo trimestre, o mais baixo percentual para essa época do ano desde 2014. O número surpreendeu todas as 26 instituições financeiras e empresas de consultoria ouvidas pelo Valor Data. O mais otimista esperava que o desemprego ficasse em 8,1%.

Poesia | Aleksandr Pushkin - 'Tudo Passará

 

Música | Patricia Marx & Seu Jorge - Espelhos d'Água