"Chamei o Congresso para governar comigo e deu resultado. As reformas foram fruto desta conjugação"
"Se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados"
Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - Em seu escritório no bairro paulistano do Itaim, o ex-presidente Michel Temer ainda mantém uma rotina de contatos políticos com ex-ministros e articulações internas do MDB, sigla que presidiu por 15 anos e que está representada no primeiro escalão com o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Na última semana, recebeu a visita da senadora Ana Amélia (PP-RS) e do ex-ministro Antonio Imbassahy (PSDB-BA).
No dia em que recebeu o Valor para esta entrevista exclusiva, pediu à secretária que ligasse ao ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Temer contesta em detalhes os argumentos jurídicos que embasaram sua prisão preventiva, em março, e cobra retratação dos procuradores.
O ex-presidente critica excessos de órgãos subordinados aos Três Poderes e prega abertamente a mudança de regime do presidencialismo para o semipresidencialismo, a partir do final do mandato de Jair Bolsonaro, em 2022. Somente um novo regime, em sua visão, poderá evitar "traumas institucionais" como os provocados por impeachment, dos quais ele diz ter sido vítima.
O ex-presidente afirmou que Bolsonaro, na área econômica, pegou uma "estrada asfaltada" e continua políticas iniciadas em seu governo. Ele nega que o atual presidente tenha pendor autoritário, mas pontua que o eleitorado relativiza este fator: "O povo quer é resultado. Lamento dizer: se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados". Segundo o presidente, há um ambiente de "violação institucional" no país.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como foi, na condição de ex-presidente da República, ter sido preso? Qual foi a sensação?
Michel Temer: No plano pessoal, extremamente desagradável. No plano jurídico, foi marcado pelo absurdo. Neste caso não havia sequer processo formado. Já pedi aos senhores procuradores, que fizeram um alarde extraordinário com a prisão, que tenham a dignidade funcional - não digo nem pessoal - de dizer que se equivocaram [nos argumentos de pedido de prisão preventiva]. Não fizeram isso. Vejo como um gesto equivocado juridicamente, punitivista e com objetivo de fazer alarde. É prejudicial evidentemente para mim, no âmbito moral, mas prejudicial para as instituições brasileiras. O que mais temos no Brasil é a violação de natureza institucional.
Valor: O que quer dizer exatamente com violação institucional?
Temer: Quebra da ordem constitucional. Pode parecer pretensioso, mas eu recomendaria que as pessoas, especialmente os que ocupam as mais variadas funções públicas, que leiam a Constituição. Tem que se manter a harmonia entre os Poderes não porque queiramos, mas porque nós somos autoridades constituídas. A única autoridade existente no país chama-se povo. Quando a Constituição diz que "todo poder emana do povo" não é regra de palanque, é regra jurídica. Quando a soberania nacional se manifesta, criando o Estado, como em 5 de outubro de 1988, ela disse: olha, vou criar vocês três. Ajam com independência administrativa, mas harmonia. Ou seja, toda vez em que há uma desarmonia o que há é uma inconstitucionalidade. Em vez de haver um único poder no Estado, como no absolutismo - "L'état est moi", dizia Luiz XIV -, há três órgãos para se exercer o Poder. A partir deles é que há os órgãos inferiores. E esses órgãos inferiores não podem estar em busca de poder. Eles têm que acompanhar o que a estrutura do poder constitucional estabelece, por meio do Legislativo, Executivo e Judiciário. Neste sentido que digo que há equívocos institucionais muito acentuados. Meu dever agora, como de muitos, é tentar compor institucionalmente o país. Mais do que nunca o Brasil precisa de um grande pacto político.
Valor: Que tipo de pacto?
Temer: Político-institucional, entre os Poderes. Um grande concerto nacional para a pacificação do país. Um diálogo do presidente, com os Poderes do Estado, com governadores, com todos presidente de partido. Para não ficar esse permanente embate, sempre essa disputa. Surgiu a ideia, mesmo no plano jurídico, de saber quem é que vai ganhar. E não é isso. Você tem que promover Justiça. E Justiça significa certa harmonia.