O que é politicamente substantivo na negociação em curso entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes? É parceria (ainda que conflitiva) ou é conflito (ainda que entre parceiros)?
Esse parece ser aspecto ao mesmo tempo incerto e crucial para compreendermos melhor como (e se) os dois estão discutindo sua relação. Por enquanto quem não tem acesso íntimo ao suposto diálogo pode apenas especular, a partir das pistas de noticiário, de condutas antecedentes dos jogadores e de uma visão nublada do tabuleiro em que jogam. Especulo, portanto, devidamente advertido pelo pensamento de Wanderley Guilherme dos Santos, autor da expressão que empresta título a esse texto especulativo.
Vejo a relação em causa como conflito de interesses entre dois parceiros de uma parceria que está quase na hora de acabar. Um sinal de desfecho talvez haja quando eles não tiverem nem mais vontade de brigar, ao menos em público. Chegada a hora, aquele que possui mais recursos políticos e também a superioridade hierárquica sacará primeiro e resolverá a seu favor o conflito de interesses. Mas que conflito é esse, afinal? Para tentar responder, prossigo na especulação: Guedes quer entregar resultados ao mercado econômico-financeiro e Bolsonaro quer ofertar mercadorias no mercado político-eleitoral.
Desde que a dupla Lula-Palocci se desfez, a conciliação desses dois interesses não está disponível em qualquer dos dois mercados. A crise de 2008 instalou, em ambos, um "Nós X eles " que só não se tornou visível já na eleição de 2010, pela força política que então possuía o "venha a nós". Mas o "lá eles" já se entrincheirava e se armava, no mercado econômico.
O contexto crítico não é propício à renascença de uma ambiguidade benigna que concilie a lógica dos dois mercados. Há quatro anos, entre duas eleições, o ex-presidente Temer tentou, mas seu paz e amor não deu certo. Más línguas dizem que não deu porque, como protagonista, ele estava mais para vampiro e, ao agradar à plateia do mercado econômico, assustou a do mercado político. Penso mais que não deu porque, às vésperas de 2018, os elencos de ambos os mercados com os quais Temer contracenava levaram suas respectivas plateias a pedirem um bis de 2014. Assim, deixaram o protagonista e seu partido pendurados no pincel. E ficou inviável uma alternativa democrática ao conflito bipolar.