Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Mais dia, menos dia
Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
"Quanto mais distância o governo tiver das relações entre capital e trabalho, melhor", disse o presidente Luiz Inácio da Silva ao Estado a propósito da proposta de Roger Agnelli, presidente da Vale, de suspensão temporária de leis trabalhistas a fim de amenizar os efeitos da crise nos empregos.
Conceitualmente, a posição do presidente combina com a opinião do sindicalista dos anos 80, que pregava a livre negociação entre patrões e empregados. Está totalmente de acordo com um dos primeiros discursos de Lula presidente, em veemente defesa das reformas trabalhista e sindical.
É a linha adotada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, mês passado em seminário na Confederação Nacional da Indústria durante o qual considerou um "erro" a inclusão de direitos trabalhistas na Constituição e defendeu a reformulação da CLT para adequar a legislação ao "mundo novo do trabalho".
As opiniões do presidente da República e do ministro da Justiça só não combinam com as ações do governo nessa área.
"Na Constituição não existem absurdos em termos de direitos trabalhistas. Há um fetiche de que a redução da desregulamentação gera mais emprego, só que não existe experiência mundial que comprove isso", disse o então ministro da Previdência, Ricardo Berzoini (hoje presidente do PT), em 2004 quando sacramentado o abandono da reforma trabalhista.
O argumento era a falta de "tempo hábil" para construir o consenso e negociar a aprovação no Congresso. Passados quatro anos, a crise impõe a retomada de uma discussão que a realidade imporia de qualquer forma, mais dia, menos dia.
Tivesse enfrentado a discussão na hora certa e cumprido a promessa de levar adiante as reformas, o governo muito provavelmente poderia ficar de espectador, como propõe Lula. Mas, como fugiu do problema por receio de entrar em atrito com as centrais sindicais - fontes poderosas e permanentes de apoio político - não há como o governo ignorar o assunto.
Além dos compromissos com as centrais, cuja pressão recai diretamente sobre o Planalto, há a amarra das relações trabalhistas ao Estado.
Portanto, não basta o presidente querer "distância" por vontade e conveniência. Teria sido necessário agir a tempo, enfrentar os contenciosos, mediar as demandas e arbitrar as negociações.
Esse episódio mostra como as coisas têm preço. Foi feita escolha de evitar os embates em todas as reformas, trabalhista, sindical, previdenciária, tributária e política. Como as mudanças não eram palavras de ordem e sim imperativos, não fazê-las permite até o adiamento dos atritos e, com ele, a manutenção do ambiente aparentemente mais agradável a todos.
Mas obriga o governo a se defrontar com a necessidade de providenciar remendos artificiais tão ou mais desgastantes que os consertos verdadeiros.
Motim
O nome da resistência do presidente da Câmara Arlindo Chinaglia, em cumprir a decisão da Justiça sobre fidelidade partidária não é corporativismo.
É desacato à autoridade. Com o qual termina seu mandato menor do que começou.
Ele por ele
Há quem enxergue na tentativa de Garibaldi Alves de se reeleger presidente do Senado um desvio para abrir caminho à candidatura de José Sarney.
Posta a dificuldade, uma corrente pra frente se empenharia na remoção do obstáculo "convencendo" Sarney de que é ele o bem-amado de plantão.
Pode ser e pode não ser. Fato é que Garibaldi havia pensado há meses em ser candidato de novo, mas foi jurídica e politicamente desaconselhado. Isso antes de devolver a MP das Filantrópicas para ira do Planalto.
Na época da primeira ofensiva pró-reeleição, José Sarney pediu a Garibaldi a documentação que ele reunira a respeito. Queria examinar detidamente o assunto.
Eles x Eles
A entrada do deputado Aldo Rebelo em cena para disputar a presidência da Câmara deixa a confusão em torno das eleições das presidências do Congresso cada vez mais parecida com uma briga interna do PMDB.
Aliado de Renan Calheiros, Aldo Rebelo torna a vitória de Michel Temer, presidente do partido, uma possibilidade remota no primeiro turno.
Calheiros é prócer da ala aliada ao presidente Lula desde o primeiro mandato e perdeu muito espaço com a adesão da "turma da Câmara", liderada por Temer e Geddel Vieira Lima.
Quanto mais entraves são criados ao acordo de alternância firmado entre PT e PMDB, mais difícil fica a eleição de Michel Temer e menos poder seu grupo acumula.
Temer e Vieira Lima têm prestígio no tucanato, que, se vitorioso em 2010, não daria guarida a Calheiros. Para o PSDB, é inesquecível a experiência do ministro da Justiça de Fernando Henrique que deixou o cargo atirando no governo.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
"Quanto mais distância o governo tiver das relações entre capital e trabalho, melhor", disse o presidente Luiz Inácio da Silva ao Estado a propósito da proposta de Roger Agnelli, presidente da Vale, de suspensão temporária de leis trabalhistas a fim de amenizar os efeitos da crise nos empregos.
Conceitualmente, a posição do presidente combina com a opinião do sindicalista dos anos 80, que pregava a livre negociação entre patrões e empregados. Está totalmente de acordo com um dos primeiros discursos de Lula presidente, em veemente defesa das reformas trabalhista e sindical.
É a linha adotada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, mês passado em seminário na Confederação Nacional da Indústria durante o qual considerou um "erro" a inclusão de direitos trabalhistas na Constituição e defendeu a reformulação da CLT para adequar a legislação ao "mundo novo do trabalho".
As opiniões do presidente da República e do ministro da Justiça só não combinam com as ações do governo nessa área.
"Na Constituição não existem absurdos em termos de direitos trabalhistas. Há um fetiche de que a redução da desregulamentação gera mais emprego, só que não existe experiência mundial que comprove isso", disse o então ministro da Previdência, Ricardo Berzoini (hoje presidente do PT), em 2004 quando sacramentado o abandono da reforma trabalhista.
O argumento era a falta de "tempo hábil" para construir o consenso e negociar a aprovação no Congresso. Passados quatro anos, a crise impõe a retomada de uma discussão que a realidade imporia de qualquer forma, mais dia, menos dia.
Tivesse enfrentado a discussão na hora certa e cumprido a promessa de levar adiante as reformas, o governo muito provavelmente poderia ficar de espectador, como propõe Lula. Mas, como fugiu do problema por receio de entrar em atrito com as centrais sindicais - fontes poderosas e permanentes de apoio político - não há como o governo ignorar o assunto.
Além dos compromissos com as centrais, cuja pressão recai diretamente sobre o Planalto, há a amarra das relações trabalhistas ao Estado.
Portanto, não basta o presidente querer "distância" por vontade e conveniência. Teria sido necessário agir a tempo, enfrentar os contenciosos, mediar as demandas e arbitrar as negociações.
Esse episódio mostra como as coisas têm preço. Foi feita escolha de evitar os embates em todas as reformas, trabalhista, sindical, previdenciária, tributária e política. Como as mudanças não eram palavras de ordem e sim imperativos, não fazê-las permite até o adiamento dos atritos e, com ele, a manutenção do ambiente aparentemente mais agradável a todos.
Mas obriga o governo a se defrontar com a necessidade de providenciar remendos artificiais tão ou mais desgastantes que os consertos verdadeiros.
Motim
O nome da resistência do presidente da Câmara Arlindo Chinaglia, em cumprir a decisão da Justiça sobre fidelidade partidária não é corporativismo.
É desacato à autoridade. Com o qual termina seu mandato menor do que começou.
Ele por ele
Há quem enxergue na tentativa de Garibaldi Alves de se reeleger presidente do Senado um desvio para abrir caminho à candidatura de José Sarney.
Posta a dificuldade, uma corrente pra frente se empenharia na remoção do obstáculo "convencendo" Sarney de que é ele o bem-amado de plantão.
Pode ser e pode não ser. Fato é que Garibaldi havia pensado há meses em ser candidato de novo, mas foi jurídica e politicamente desaconselhado. Isso antes de devolver a MP das Filantrópicas para ira do Planalto.
Na época da primeira ofensiva pró-reeleição, José Sarney pediu a Garibaldi a documentação que ele reunira a respeito. Queria examinar detidamente o assunto.
Eles x Eles
A entrada do deputado Aldo Rebelo em cena para disputar a presidência da Câmara deixa a confusão em torno das eleições das presidências do Congresso cada vez mais parecida com uma briga interna do PMDB.
Aliado de Renan Calheiros, Aldo Rebelo torna a vitória de Michel Temer, presidente do partido, uma possibilidade remota no primeiro turno.
Calheiros é prócer da ala aliada ao presidente Lula desde o primeiro mandato e perdeu muito espaço com a adesão da "turma da Câmara", liderada por Temer e Geddel Vieira Lima.
Quanto mais entraves são criados ao acordo de alternância firmado entre PT e PMDB, mais difícil fica a eleição de Michel Temer e menos poder seu grupo acumula.
Temer e Vieira Lima têm prestígio no tucanato, que, se vitorioso em 2010, não daria guarida a Calheiros. Para o PSDB, é inesquecível a experiência do ministro da Justiça de Fernando Henrique que deixou o cargo atirando no governo.
Quem conspira contra o habeas corpus?
Maria Inês Nassif
DEU EM VALOR ECONÔMICO
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilberto Mendes, ao discursar na Câmara por ocasião dos 40 anos do malfadado Ato Institucional nº5, um instrumento de força que deu ao regime militar poder de vida e morte sobre os brasileiros, falou contra uma suposta articulação em favor da limitação do habeas corpus, garantia constitucional que o regime ditatorial jogou no lixo. "É fundamental que neste dia em que lembramos do AI-5, ressaltemos a necessidade de preservação do habeas corpus, não a sua limitação. O habeas corpus é a garantia dos direitos judiciais", disse o ministro. Em algum lugar da internet, é possível ler, junto com a "denúncia" de Mendes, a informação de que "no Congresso, parlamentares defenderam silenciosamente a limitação na concessão de habeas corpus depois que Mendes autorizou por duas vezes a libertação do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, durante a Operação Satiagraha".
Vai saber o que é uma "defesa silenciosa" - mas, no final das contas, a "denúncia" de Mendes sugere que se entenda, como se verdade fosse, que ele se insurge contra setores antidemocráticos do Congresso que querem limitar o habeas corpus. Não existe nenhum movimento para reduzir as prerrogativas do STF ou os direitos individuais. O que existe é um grande desconforto em relação às suas "denúncias", decisões, ataques indiscriminados a outros poderes ou mesmo a instâncias inferiores da Justiça e à forma de confrontar autoridades.
Mendes libertou duas vezes o empresário Daniel Dantas, preso por ordem expedida por um juiz de primeira instância, e não pelo poder discricionário de um "estado policial". Antes, com igual eficiência, havia libertado presos das operações Anaconda, Hurricane e Navalha. Soltou os cachorros contra a Polícia Federal e contra o juiz Fausto de Sanctis, da 6Vara Federal Criminal de São Paulo, responsáveis pela prisão de Dantas, em defesa do preso - desqualificou, portanto, o trabalho do juiz e da polícia. Ameaçou punir o juiz. Foi alvo de manifestos nacionais em favor de seu impeachment e de outros tantos protestos contra sua decisão. Daí, muitas decisões depois, todo o mal-estar causado por uma aversão explícita a operações da Polícia Federal que resultaram em prisão de gente mais ou menos graúda é transformado num complô contra o instituto do habeas corpus, e o presidente do Supremo se apresenta como se fosse o único defensor de prerrogativas constitucionais.
Para que não paire qualquer confusão, observe-se o seguinte: setores que se envolveram seriamente na luta pela conquista das liberdades democráticas se insurgiram, sim, contra decisões do ministro Gilmar Mendes, mas por mais que se procure em conversas e arquivos não existe registro de qualquer movimento para reduzir o instituto do habeas corpus, como "denunciou" o presidente do STF. A insurgência foi contra atos seus, não contra o instituto. Não existe uma conspiração contra a democracia. E Mendes está longe de ser o bastião das liberdades democráticas.
Aliás, preocupante é o anúncio do ministro, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de que o órgão de controle do Judiciário estuda uma "resolução para fazer o acompanhamento de modo a ter uma retificação eventual dos fundamentos da prisão preventiva". Nesses tempos bicudos, isso não significa apenas mais uma forma de controle do presidente do Supremo sobre as prisões decretadas por juízes de instâncias inferiores. Significa que Mendes investe mais uma vez para controlar decisões dos juízes.
Para registro para a posteridade, vai em seguida uma pequena lista das "denúncias" e "protestos" do ministro: contra o "aparelhamento" do funcionalismo público (referência a uma suposta partidarização da PF); contra o "independentismo" da Justiça (não o seu, certamente, mas o dos juízes de primeira instância); contra a invasão da reitoria da UnB, em abril; contra o excesso de prisões preventivas; contra a opinião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que a absolvição do fazendeiro que seria o mandante da morte da missionária Dorothy Stang depunha contra o Brasil; contra a "espetacularização" da PF; contra as investigações sigilosas feitas pelo Ministério Público; contra as trocas de partidos por parlamentares; contra a lentidão da Justiça; contra o excesso de edições de medidas provisórias; contra o fato de o ministro da Justiça, Tarso Genro, não ter aprovado a soltura de Dantas ("Ele não tem competência para opinar sobre o assunto", disse); contra o fato de a ministra Dilma Rousseff ter opinado que crime de tortura é imprescritível ("Terrorismo também é imprescritível", afirmou ele, certamente apontando o dedo para a ministra, que militou, na época da ditadura, em um grupo armado); contra o que chamou de "estado policial", comparando-o à KGB; e contra o MST. De outro lado, considerou dentro da normalidade a intervenção do Judiciário em questões onde não houver consenso entre governo e oposição.
A lista de "competências" para opinar que se delega o presidente do Supremo, bem como a sua agressividade, tem colocado os demais poderes na defensiva. Enquanto Executivo e Judiciário recuam diante do presidente do Supremo, este avança sobre assuntos que não são seus. Confia que ninguém vai pagar para ver uma crise institucional.
Que Papai Noel presenteie o Brasil, em 2009, com uma democracia mais equilibrada. Aliás, com mais democracia. Quando um presidente de um poder se julga com mais poder do que tem, isso é subtração de democracia.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
DEU EM VALOR ECONÔMICO
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilberto Mendes, ao discursar na Câmara por ocasião dos 40 anos do malfadado Ato Institucional nº5, um instrumento de força que deu ao regime militar poder de vida e morte sobre os brasileiros, falou contra uma suposta articulação em favor da limitação do habeas corpus, garantia constitucional que o regime ditatorial jogou no lixo. "É fundamental que neste dia em que lembramos do AI-5, ressaltemos a necessidade de preservação do habeas corpus, não a sua limitação. O habeas corpus é a garantia dos direitos judiciais", disse o ministro. Em algum lugar da internet, é possível ler, junto com a "denúncia" de Mendes, a informação de que "no Congresso, parlamentares defenderam silenciosamente a limitação na concessão de habeas corpus depois que Mendes autorizou por duas vezes a libertação do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, durante a Operação Satiagraha".
Vai saber o que é uma "defesa silenciosa" - mas, no final das contas, a "denúncia" de Mendes sugere que se entenda, como se verdade fosse, que ele se insurge contra setores antidemocráticos do Congresso que querem limitar o habeas corpus. Não existe nenhum movimento para reduzir as prerrogativas do STF ou os direitos individuais. O que existe é um grande desconforto em relação às suas "denúncias", decisões, ataques indiscriminados a outros poderes ou mesmo a instâncias inferiores da Justiça e à forma de confrontar autoridades.
Mendes libertou duas vezes o empresário Daniel Dantas, preso por ordem expedida por um juiz de primeira instância, e não pelo poder discricionário de um "estado policial". Antes, com igual eficiência, havia libertado presos das operações Anaconda, Hurricane e Navalha. Soltou os cachorros contra a Polícia Federal e contra o juiz Fausto de Sanctis, da 6Vara Federal Criminal de São Paulo, responsáveis pela prisão de Dantas, em defesa do preso - desqualificou, portanto, o trabalho do juiz e da polícia. Ameaçou punir o juiz. Foi alvo de manifestos nacionais em favor de seu impeachment e de outros tantos protestos contra sua decisão. Daí, muitas decisões depois, todo o mal-estar causado por uma aversão explícita a operações da Polícia Federal que resultaram em prisão de gente mais ou menos graúda é transformado num complô contra o instituto do habeas corpus, e o presidente do Supremo se apresenta como se fosse o único defensor de prerrogativas constitucionais.
Para que não paire qualquer confusão, observe-se o seguinte: setores que se envolveram seriamente na luta pela conquista das liberdades democráticas se insurgiram, sim, contra decisões do ministro Gilmar Mendes, mas por mais que se procure em conversas e arquivos não existe registro de qualquer movimento para reduzir o instituto do habeas corpus, como "denunciou" o presidente do STF. A insurgência foi contra atos seus, não contra o instituto. Não existe uma conspiração contra a democracia. E Mendes está longe de ser o bastião das liberdades democráticas.
Aliás, preocupante é o anúncio do ministro, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de que o órgão de controle do Judiciário estuda uma "resolução para fazer o acompanhamento de modo a ter uma retificação eventual dos fundamentos da prisão preventiva". Nesses tempos bicudos, isso não significa apenas mais uma forma de controle do presidente do Supremo sobre as prisões decretadas por juízes de instâncias inferiores. Significa que Mendes investe mais uma vez para controlar decisões dos juízes.
Para registro para a posteridade, vai em seguida uma pequena lista das "denúncias" e "protestos" do ministro: contra o "aparelhamento" do funcionalismo público (referência a uma suposta partidarização da PF); contra o "independentismo" da Justiça (não o seu, certamente, mas o dos juízes de primeira instância); contra a invasão da reitoria da UnB, em abril; contra o excesso de prisões preventivas; contra a opinião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que a absolvição do fazendeiro que seria o mandante da morte da missionária Dorothy Stang depunha contra o Brasil; contra a "espetacularização" da PF; contra as investigações sigilosas feitas pelo Ministério Público; contra as trocas de partidos por parlamentares; contra a lentidão da Justiça; contra o excesso de edições de medidas provisórias; contra o fato de o ministro da Justiça, Tarso Genro, não ter aprovado a soltura de Dantas ("Ele não tem competência para opinar sobre o assunto", disse); contra o fato de a ministra Dilma Rousseff ter opinado que crime de tortura é imprescritível ("Terrorismo também é imprescritível", afirmou ele, certamente apontando o dedo para a ministra, que militou, na época da ditadura, em um grupo armado); contra o que chamou de "estado policial", comparando-o à KGB; e contra o MST. De outro lado, considerou dentro da normalidade a intervenção do Judiciário em questões onde não houver consenso entre governo e oposição.
A lista de "competências" para opinar que se delega o presidente do Supremo, bem como a sua agressividade, tem colocado os demais poderes na defensiva. Enquanto Executivo e Judiciário recuam diante do presidente do Supremo, este avança sobre assuntos que não são seus. Confia que ninguém vai pagar para ver uma crise institucional.
Que Papai Noel presenteie o Brasil, em 2009, com uma democracia mais equilibrada. Aliás, com mais democracia. Quando um presidente de um poder se julga com mais poder do que tem, isso é subtração de democracia.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
Fora de hora
Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A política anticíclica que o governo vem adotando para tentar superar os efeitos da crise econômica internacional sobre o crédito e o investimento pode até fazer sentido, mas vem fora de hora. Dentro do governo, a idéia foi debatida em diversos momentos, sendo um de seus principais adeptos o senador Aloizio Mercadante, que a continua defendendo. Mas o que se queria, desde 2004, era aumentar o superávit primário nos tempos de crescimento econômico para que, nos momentos difíceis como os de agora, houvesse dinheiro em caixa para o governo neutralizar uma eventual crise, que acabou chegando com toda a força. A política contracíclica pode ter base teórica, mas não foi preparada adequadamente e chega fora de hora numa economia com queda de arrecadação e gastos crescentes.
A adoção de um superávit anticíciclo chegou a ser discutida, embora o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, parecesse mais adepto de um aumento pura e simples do superávit, sem reduzi-lo na crise. A arrecadação maior de impostos justificava a medida, mas em vez dela, o governo aproveitou os anos de bonança para aumentar seus gastos correntes.
Da mesma maneira, a criação de um Fundo Soberano começou a ser discutida quando parecia que a riqueza do pré-sal estava ao nosso alcance dentro de um par de anos. Nos dois casos, a arrecadação maior dos impostos entrava nos cálculos para a formação de um fundo de reserva do governo, que no caso do Fundo Soberano poderia também ser aplicado para financiar empresas brasileiras no exterior.
O problema é que o fundo de investimento soberano existe em países que têm superávit em transações correntes e superávit fiscal, como os países exportadores de petróleo.
Com a queda do preço do petróleo tendo inviabilizado, pelo momento, a exploração do petróleo, e com o déficit em conta corrente, o Brasil não preenche as condições técnicas para a criação de um fundo como o que o governo está tentando aprovar no Congresso. Além do mais, o superávit primário, que já foi de 4,5%, agora foi reduzido para 3,8% para permitir investimentos específicos.
No livro "Como reagir à crise? Políticas econômicas para o Brasil", do IEPE/Casa das Garças, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga analisa essas questões lembrando que, em nosso caso, "há anos os gastos públicos vêm aumentando de forma pró-cíclica", focada em gastos correntes e permanentes.
A alternativa de se expandir o gasto público, alerta Armínio, "poderia ter algum impacto sobre a demanda, mas afetaria negativamente o crédito do Brasil". O ideal, para ele, especialmente quando se espera como agora uma queda na arrecadação, "seria conter a expansão de gastos correntes e focar os recursos que porventura sobrem em gastos de investimento, por definição, temporários".
Além de manter a meta de superávit primário, Armínio Fraga sugere que o governo tenha cuidado "com projetos de lei que ao invés de corrigir os desequilíbrios fiscais de longo prazo (como a previdência) agravam este problema", como a aprovação do fim do fator previdenciário, "um perigoso retrocesso, especialmente num momento de crise".
O ideal, diz ele, seria "caminhar na direção oposta e atacar de frente os problemas estruturais das contas públicas, o que aí sim abriria espaço para alguma flexibilização no curto prazo".
No seu texto, o ex-presidente do Banco Central questiona a política governamental de usar os bancos públicos para expandir o crédito: "Ao contrário do que se vê no exterior, o sistema bancário brasileiro está bem capitalizado e provisionado. Se não toma a dianteira e mantém um crescimento acelerado do fluxo de financiamento é porque teme perder dinheiro".
Ele chama a atenção para problemas com empréstimos ao consumo, que já estariam dando "sinais de exaustão dos tomadores, que vinham se aproximando de seu limite de capacidade de pagamento".
No caso dos financiamentos do investimento, Armínio acha que a política expansionista do BNDES faz sentido, mas adverte que, "caso o governo exagere na dose anticíclica fiscal e creditícia, corre-se o risco de se desperdiçar uma possível, rara e não muito distante oportunidade de redução da taxa de juros".
Esse progresso seria ainda mais impressionante e mais provável, escreve Armínio Fraga, se o Executivo e o Legislativo tiverem a visão e a coragem de abordar de forma definitiva os desequilíbrios de longo prazo do nosso regime fiscal, em especial os da Previdência e do inchaço da máquina pública.
No mesmo livro, os ex-diretores do Banco Central Ilan Goldfajn e Beny Parnes admitem que é "sedutor" reagir à desaceleração doméstica do nível de atividade com uma política expansionista, mas chamam a atenção para o fato de que é preciso "preservar a capacidade de crescimento futuro do Brasil".
Os autores tocam em um ponto interessante: dizem que "apenas num cenário extremo de depressão mundial, onde o ajuste via política monetária não fosse suficiente, recomendaríamos a redução do superávit primário como instrumento contracíclico de política econômica".
Nesse cenário mais pessimista, dizem os autores, a execução da política fiscal deveria ser baseada na redução da meta de superávit primário para:
1 - expansão do investimento público em infra-estrutura de forma a aumentar a oferta agregada e a produtividade total dos fatores;
2 - e/ou redução nos impostos do setor corporativo, melhorando as expectativas de rentabilidade, incentivando a manutenção do emprego, o crescimento do investimento privado e reduzindo a demanda por crédito.
Mantendo os gastos com a máquina pública, e incentivando, no mínimo pelo exemplo, novos e continuados gastos, o governo Lula não pode estar esperando um ambiente tão hostil, em que a "marolinha" vire uma "tsunami".
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A política anticíclica que o governo vem adotando para tentar superar os efeitos da crise econômica internacional sobre o crédito e o investimento pode até fazer sentido, mas vem fora de hora. Dentro do governo, a idéia foi debatida em diversos momentos, sendo um de seus principais adeptos o senador Aloizio Mercadante, que a continua defendendo. Mas o que se queria, desde 2004, era aumentar o superávit primário nos tempos de crescimento econômico para que, nos momentos difíceis como os de agora, houvesse dinheiro em caixa para o governo neutralizar uma eventual crise, que acabou chegando com toda a força. A política contracíclica pode ter base teórica, mas não foi preparada adequadamente e chega fora de hora numa economia com queda de arrecadação e gastos crescentes.
A adoção de um superávit anticíciclo chegou a ser discutida, embora o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, parecesse mais adepto de um aumento pura e simples do superávit, sem reduzi-lo na crise. A arrecadação maior de impostos justificava a medida, mas em vez dela, o governo aproveitou os anos de bonança para aumentar seus gastos correntes.
Da mesma maneira, a criação de um Fundo Soberano começou a ser discutida quando parecia que a riqueza do pré-sal estava ao nosso alcance dentro de um par de anos. Nos dois casos, a arrecadação maior dos impostos entrava nos cálculos para a formação de um fundo de reserva do governo, que no caso do Fundo Soberano poderia também ser aplicado para financiar empresas brasileiras no exterior.
O problema é que o fundo de investimento soberano existe em países que têm superávit em transações correntes e superávit fiscal, como os países exportadores de petróleo.
Com a queda do preço do petróleo tendo inviabilizado, pelo momento, a exploração do petróleo, e com o déficit em conta corrente, o Brasil não preenche as condições técnicas para a criação de um fundo como o que o governo está tentando aprovar no Congresso. Além do mais, o superávit primário, que já foi de 4,5%, agora foi reduzido para 3,8% para permitir investimentos específicos.
No livro "Como reagir à crise? Políticas econômicas para o Brasil", do IEPE/Casa das Garças, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga analisa essas questões lembrando que, em nosso caso, "há anos os gastos públicos vêm aumentando de forma pró-cíclica", focada em gastos correntes e permanentes.
A alternativa de se expandir o gasto público, alerta Armínio, "poderia ter algum impacto sobre a demanda, mas afetaria negativamente o crédito do Brasil". O ideal, para ele, especialmente quando se espera como agora uma queda na arrecadação, "seria conter a expansão de gastos correntes e focar os recursos que porventura sobrem em gastos de investimento, por definição, temporários".
Além de manter a meta de superávit primário, Armínio Fraga sugere que o governo tenha cuidado "com projetos de lei que ao invés de corrigir os desequilíbrios fiscais de longo prazo (como a previdência) agravam este problema", como a aprovação do fim do fator previdenciário, "um perigoso retrocesso, especialmente num momento de crise".
O ideal, diz ele, seria "caminhar na direção oposta e atacar de frente os problemas estruturais das contas públicas, o que aí sim abriria espaço para alguma flexibilização no curto prazo".
No seu texto, o ex-presidente do Banco Central questiona a política governamental de usar os bancos públicos para expandir o crédito: "Ao contrário do que se vê no exterior, o sistema bancário brasileiro está bem capitalizado e provisionado. Se não toma a dianteira e mantém um crescimento acelerado do fluxo de financiamento é porque teme perder dinheiro".
Ele chama a atenção para problemas com empréstimos ao consumo, que já estariam dando "sinais de exaustão dos tomadores, que vinham se aproximando de seu limite de capacidade de pagamento".
No caso dos financiamentos do investimento, Armínio acha que a política expansionista do BNDES faz sentido, mas adverte que, "caso o governo exagere na dose anticíclica fiscal e creditícia, corre-se o risco de se desperdiçar uma possível, rara e não muito distante oportunidade de redução da taxa de juros".
Esse progresso seria ainda mais impressionante e mais provável, escreve Armínio Fraga, se o Executivo e o Legislativo tiverem a visão e a coragem de abordar de forma definitiva os desequilíbrios de longo prazo do nosso regime fiscal, em especial os da Previdência e do inchaço da máquina pública.
No mesmo livro, os ex-diretores do Banco Central Ilan Goldfajn e Beny Parnes admitem que é "sedutor" reagir à desaceleração doméstica do nível de atividade com uma política expansionista, mas chamam a atenção para o fato de que é preciso "preservar a capacidade de crescimento futuro do Brasil".
Os autores tocam em um ponto interessante: dizem que "apenas num cenário extremo de depressão mundial, onde o ajuste via política monetária não fosse suficiente, recomendaríamos a redução do superávit primário como instrumento contracíclico de política econômica".
Nesse cenário mais pessimista, dizem os autores, a execução da política fiscal deveria ser baseada na redução da meta de superávit primário para:
1 - expansão do investimento público em infra-estrutura de forma a aumentar a oferta agregada e a produtividade total dos fatores;
2 - e/ou redução nos impostos do setor corporativo, melhorando as expectativas de rentabilidade, incentivando a manutenção do emprego, o crescimento do investimento privado e reduzindo a demanda por crédito.
Mantendo os gastos com a máquina pública, e incentivando, no mínimo pelo exemplo, novos e continuados gastos, o governo Lula não pode estar esperando um ambiente tão hostil, em que a "marolinha" vire uma "tsunami".
A esquerda está nas ruas
Guy Sorman
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A onda de manifestações de protesto nas ruas de toda a Grécia podem ter muitas causas, porém uma delas, raramente mencionada , é a cisão da esquerda grega em duas vertentes: o tradicional partido socialista de George Papandreou (PASOK) e uma facção cada vez mais radicalizada que recusa qualquer acomodação, seja com a União Européia ou com a economia moderna. Em graus variados, essa cisão está paralisando os partidos socialistas em toda a Europa.
O fato de a esquerda tradicional estar tão inerte em meio à crise econômica atual é mais do que estranho. Em vez de crescer na onda de renovadas dúvidas sobre o capitalismo, os partidos socialistas europeus não conseguiram quaisquer avanços políticos substanciais. Em países onde detêm o poder, como na Espanha, são atualmente bastante impopulares.
Onde estão na oposição, como na França e na Itália, estão desarticulados, assim como os social-democratas na Alemanha, apesar de fazer parte da Grande Coalizão atualmente no poder. Até mesmo os socialistas suecos, fora do governo, e reunidos em um partido dominante no país por um século, não se beneficiaram da crise. O Reino Unido pode ser a exceção, embora o Partido Trabalhista pró-mercado moldado por Tony Blair não possa mais ser contado como partido de esquerda.
Os socialistas europeus não abordaram a crise convincentemente devido a suas divisões internas. Nascidos anticapitalistas, todos esses partidos (em maior ou menor grau) terminaram por aceitar o livre mercado como fundamento da economia. Além disso, desde 1991, com o colapso do sistema soviético, a esquerda ficou desprovida de um modelo claro com o qual possa se contrapor ao capitalismo.
Mas, apesar de ostensivamente defender o mercado, a esquerda européia continua cindida pela contradição interna entre suas origens anticapitalistas e sua recente conversão à economia de livre mercado. Será a crise atual uma crise do capitalismo ou apenas uma de suas fases? Essa controvérsia mantém intelectuais de esquerda, especialistas e políticos ocupados em programas de entrevistas na TV e em debates nos cafés em toda a Europa.
Em conseqüência, irrompeu uma luta por poder. Na França e na Alemanha, uma nova extrema esquerda - composta de trotskistas, comunistas e anarquistas - está erguendo-se das cinzas e tornando-se novamente uma força política. Esses fantasmas rejuvenescidos assumem a forma do partido de esquerda de Oskar Lafontaine na Alemanha, bem como vários movimentos revolucionários na França; um deles recém-denominou-se Partido Anticapitalista. E seu líder, um ex-carteiro, diz que nas atuais circunstâncias, faz parte de uma "resistência", uma palavra alusiva ao embate antifascista na era Hitler. Ninguém sabe qual a efetiva alternativa ao capitalismo que essa extrema-esquerda busca.
Em face desse novo radicalismo, que está atraindo alguns socialistas tradicionais, o que devem fazer os líderes socialistas mais respeitados? Quando inclinam-se para os trotskistas, perdem apoio dos "burgueses"; quando buscam o centro, como o SDP na Alemanha, o partido de esquerda cresce. Em conseqüência desse dilema, os partidos socialistas em toda a Europa parecem paralisados.
E estão. De fato, é difícil encontrar alguma análise convincente da esquerda sobre a atual crise, além de slogans anticapitalistas. Os socialistas culpam financistas gananciosos, mas quem não os culpa? Em termos de corretivos, os socialistas oferecem nada mais do que as soluções keynesianas hoje propostas pela direita.
Desde quando George W. Bush apontou o caminho para estatização de bancos, enormes gastos públicos, operações de salvamento a setores da economia e déficits orçamentários, os socialistas ficaram sem espaço para se mexer. O presidente francês Nicolas Sarkozy tenta reaquecer o crescimento mediante a defesa protecionista de "indústrias nacionais" e enormes investimentos em obras de infra-estrutura pública; assim, o que mais podem os socialistas pedir? Além disso, muitos socialistas temem que gastos públicos excessivos possam provocar uma disparada na inflação, e que suas bases de apoio principais venham a ser suas primeiras vítimas.
Num momento em que a direita passou a ser estatizante e keynesiana, quando os verdadeiros crentes no livre mercado estão marginalizados, e quando o anticapitalismo ao velho estilo parece arcaico, deveríamos nos perguntar: qual o possível significado de socialismo na Europa?
O futuro do socialismo europeu também é tolhido, estranhamente, pela União Européia. É impossível, hoje, construir o socialismo num só país porque todas as economias européias são hoje interdependentes. Último líder a tentar implantar o socialismo isoladamente, o presidente francês François Mitterrand, em 1981, rendeu-se às instituições européias em 1983.
Essas instituições, baseadas em livre-comércio, competição, déficits orçamentários limitados e moeda sólida, são fundamentalmente pró-mercado; há menos margem de liberdade em seu âmbito para um socialismo doutrinário. É por isso que a extrema esquerda é anti-européia.
Os socialistas europeus também estão encontrando dificuldades para se distinguir no terreno das relações exteriores. Eles costumavam ser automaticamente pró-direitos humanos, bem mais do que os partidos conservadores. Mas desde que George W. Bush incluiu essas idéias como parte de suas campanhas de fomento à democracia, os socialistas europeus assumiram maior cautela em relação a essas posições.
Além disso, sem a União Soviética (URSS), os socialistas europeus têm poucas causas internacionalistas que possam abraçar: poucos compreendem a Rússia de Putin, e a atual China totalitária-capitalista é muito distante e demasiado estranha. E desde a eleição de Barack Obama o antiamericanismo deixou de ser maneira viável de reunir apoio. Os velhos dias em que trotskistas e socialistas encontravam terreno comum para atacar os EUA acabaram.
A fragilidade e cisão ideológicas da esquerda, evidentemente, não a excluirá do poder. A esquerda pode manter-se no poder, com estão fazendo José Zapatero na Espanha e Gordon Brown no Reino Unido. A esquerda poderá até mesmo vencer eleições gerais em outros países se a nova direita keynesiana revelar-se incapaz de pôr fim à crise. Mas, seja na oposição ou no poder, os socialistas não têm uma agenda diferenciada.
A lição da Grécia, porém, é que o que os socialistas europeus mais deveriam temer é o gosto e talento da extrema-esquerda para agitação. Pois o esvaziamento do socialismo tem uma conseqüência. Para parafrasear Marx, um espectro ronda a Europa - o espectro do caos.
Guy Sorman, filósofo e economista francês, é o autor de "Empire of Lies"(Império de mentiras). © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A onda de manifestações de protesto nas ruas de toda a Grécia podem ter muitas causas, porém uma delas, raramente mencionada , é a cisão da esquerda grega em duas vertentes: o tradicional partido socialista de George Papandreou (PASOK) e uma facção cada vez mais radicalizada que recusa qualquer acomodação, seja com a União Européia ou com a economia moderna. Em graus variados, essa cisão está paralisando os partidos socialistas em toda a Europa.
O fato de a esquerda tradicional estar tão inerte em meio à crise econômica atual é mais do que estranho. Em vez de crescer na onda de renovadas dúvidas sobre o capitalismo, os partidos socialistas europeus não conseguiram quaisquer avanços políticos substanciais. Em países onde detêm o poder, como na Espanha, são atualmente bastante impopulares.
Onde estão na oposição, como na França e na Itália, estão desarticulados, assim como os social-democratas na Alemanha, apesar de fazer parte da Grande Coalizão atualmente no poder. Até mesmo os socialistas suecos, fora do governo, e reunidos em um partido dominante no país por um século, não se beneficiaram da crise. O Reino Unido pode ser a exceção, embora o Partido Trabalhista pró-mercado moldado por Tony Blair não possa mais ser contado como partido de esquerda.
Os socialistas europeus não abordaram a crise convincentemente devido a suas divisões internas. Nascidos anticapitalistas, todos esses partidos (em maior ou menor grau) terminaram por aceitar o livre mercado como fundamento da economia. Além disso, desde 1991, com o colapso do sistema soviético, a esquerda ficou desprovida de um modelo claro com o qual possa se contrapor ao capitalismo.
Mas, apesar de ostensivamente defender o mercado, a esquerda européia continua cindida pela contradição interna entre suas origens anticapitalistas e sua recente conversão à economia de livre mercado. Será a crise atual uma crise do capitalismo ou apenas uma de suas fases? Essa controvérsia mantém intelectuais de esquerda, especialistas e políticos ocupados em programas de entrevistas na TV e em debates nos cafés em toda a Europa.
Em conseqüência, irrompeu uma luta por poder. Na França e na Alemanha, uma nova extrema esquerda - composta de trotskistas, comunistas e anarquistas - está erguendo-se das cinzas e tornando-se novamente uma força política. Esses fantasmas rejuvenescidos assumem a forma do partido de esquerda de Oskar Lafontaine na Alemanha, bem como vários movimentos revolucionários na França; um deles recém-denominou-se Partido Anticapitalista. E seu líder, um ex-carteiro, diz que nas atuais circunstâncias, faz parte de uma "resistência", uma palavra alusiva ao embate antifascista na era Hitler. Ninguém sabe qual a efetiva alternativa ao capitalismo que essa extrema-esquerda busca.
Em face desse novo radicalismo, que está atraindo alguns socialistas tradicionais, o que devem fazer os líderes socialistas mais respeitados? Quando inclinam-se para os trotskistas, perdem apoio dos "burgueses"; quando buscam o centro, como o SDP na Alemanha, o partido de esquerda cresce. Em conseqüência desse dilema, os partidos socialistas em toda a Europa parecem paralisados.
E estão. De fato, é difícil encontrar alguma análise convincente da esquerda sobre a atual crise, além de slogans anticapitalistas. Os socialistas culpam financistas gananciosos, mas quem não os culpa? Em termos de corretivos, os socialistas oferecem nada mais do que as soluções keynesianas hoje propostas pela direita.
Desde quando George W. Bush apontou o caminho para estatização de bancos, enormes gastos públicos, operações de salvamento a setores da economia e déficits orçamentários, os socialistas ficaram sem espaço para se mexer. O presidente francês Nicolas Sarkozy tenta reaquecer o crescimento mediante a defesa protecionista de "indústrias nacionais" e enormes investimentos em obras de infra-estrutura pública; assim, o que mais podem os socialistas pedir? Além disso, muitos socialistas temem que gastos públicos excessivos possam provocar uma disparada na inflação, e que suas bases de apoio principais venham a ser suas primeiras vítimas.
Num momento em que a direita passou a ser estatizante e keynesiana, quando os verdadeiros crentes no livre mercado estão marginalizados, e quando o anticapitalismo ao velho estilo parece arcaico, deveríamos nos perguntar: qual o possível significado de socialismo na Europa?
O futuro do socialismo europeu também é tolhido, estranhamente, pela União Européia. É impossível, hoje, construir o socialismo num só país porque todas as economias européias são hoje interdependentes. Último líder a tentar implantar o socialismo isoladamente, o presidente francês François Mitterrand, em 1981, rendeu-se às instituições européias em 1983.
Essas instituições, baseadas em livre-comércio, competição, déficits orçamentários limitados e moeda sólida, são fundamentalmente pró-mercado; há menos margem de liberdade em seu âmbito para um socialismo doutrinário. É por isso que a extrema esquerda é anti-européia.
Os socialistas europeus também estão encontrando dificuldades para se distinguir no terreno das relações exteriores. Eles costumavam ser automaticamente pró-direitos humanos, bem mais do que os partidos conservadores. Mas desde que George W. Bush incluiu essas idéias como parte de suas campanhas de fomento à democracia, os socialistas europeus assumiram maior cautela em relação a essas posições.
Além disso, sem a União Soviética (URSS), os socialistas europeus têm poucas causas internacionalistas que possam abraçar: poucos compreendem a Rússia de Putin, e a atual China totalitária-capitalista é muito distante e demasiado estranha. E desde a eleição de Barack Obama o antiamericanismo deixou de ser maneira viável de reunir apoio. Os velhos dias em que trotskistas e socialistas encontravam terreno comum para atacar os EUA acabaram.
A fragilidade e cisão ideológicas da esquerda, evidentemente, não a excluirá do poder. A esquerda pode manter-se no poder, com estão fazendo José Zapatero na Espanha e Gordon Brown no Reino Unido. A esquerda poderá até mesmo vencer eleições gerais em outros países se a nova direita keynesiana revelar-se incapaz de pôr fim à crise. Mas, seja na oposição ou no poder, os socialistas não têm uma agenda diferenciada.
A lição da Grécia, porém, é que o que os socialistas europeus mais deveriam temer é o gosto e talento da extrema-esquerda para agitação. Pois o esvaziamento do socialismo tem uma conseqüência. Para parafrasear Marx, um espectro ronda a Europa - o espectro do caos.
Guy Sorman, filósofo e economista francês, é o autor de "Empire of Lies"(Império de mentiras). © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org
Recados para 2010
Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Pesquisa ontem publicada pelo jornal britânico "The Guardian" contém material de reflexão tanto para o governo Lula como para seus opositores com vistas ao pleito de 2010.
A pesquisa mostra que o Partido Trabalhista, no governo, ganhou sete pontos sobre os conservadores no mês passado, em plena tempestade econômico-financeira.
A interpretação do jornal é a de que David Cameron, o líder conservador, não é visto pelo público como o homem capaz de ressuscitar a economia.
Se se pudesse fazer uma transposição para o Brasil, sou capaz de apostar que o público não veria nenhum líder da oposição como mais capaz de enfrentar a tormenta do que o líder em funções, um certo Luiz Inácio Lula da Silva. Mais ainda, aliás, do que no Reino Unido, posto que ninguém sério pode acusar Lula de responsabilidade pela crise -por ação ou omissão.
Já Brown, por ter sido ministro da Economia e em seguida primeiro-ministro, pode, sim, ser responsabilizado ao menos por parte da crise, já que não soube ou não pôde coibir os excessos que estão na origem dela.
Claro que tudo isso, lá e cá, pode mudar em razão da profundidade da crise. Mas, hoje por hoje, a oposição precisará de muito mais do que torcer pelo agravamento da crise para arranhar Lula.
O recado é também para o governo Lula. A pesquisa britânica é claramente um julgamento pessoal, não partidário. Brown parece mais confiável para tempos de crise do que Cameron.
Mas, se Brown não pudesse ser candidato (pode), não parece haver no horizonte nenhum outro trabalhista que mereça o mesmo teor de confiança.
No Brasil, Lula não pode ser candidato. Seu problema é, pois, transferir a confiança -e, por extensão, os votos- para outro nome da situação. Uma tarefa que é tudo menos trivial.
PMDB segue mantendo os projetos das duas presidências do Congresso
Jarbas de Holanda
Com a formalização, esta semana, do apoio do PSDB e do DEM, foi substancialmente reforçada a candidatura de Michel Temer à presidência da Câmara dos Deputados, reduzindo-se ou se esgotando a dependência inicial dela ao respaldo do PT. E a afirmação da tendência de que esse apoio seja conferido também ao nome que o PMDB indique para a presidência do Senado fortalece simultaneamente o partido nesta disputa. A pretensão do atual presidente Garibaldi Alves de concorrer ao cargo – anunciada com base em pareceres jurídicos segundo os quais isso não configuraria uma busca de reeleição porque ele cumpre um mandato “tampão” de substituto do presidente Renan Calheiros, que renunciou – poderá consolidar-se, ou mais provavelmente ceder lugar, na decisão da bancada a respeito, ao nome de José Sarney, palatável ao presidente Lula e já com menor resistência na oposição. Cabe, aliás, assinalar que a alternativa Sarney foi favorecida pela reação hostil do Palácio do Planalto a Garibaldi, manifestada anteontem pelo líder governista Romero Jucá ao declarar: “...o PMDB pode ter um candidato, mas não pode ser o Garibaldi Alves’.
Até a data prevista para uma decisão final dos senadores peemedebistas, nos meados de janeiro, o esforço do PT para viabilizar seu candidato Tião Vianna se baseará centralmente em um insistente trabalho de persuasão do presidente Lula no sentido de que ele force o PMDB a desistir de candidatura própria, seja por meio da oferta de novos cargos ou de ameaça à perda daqueles que o partido já tem no governo, seja através de pressão sobre Sarney para que recuse a provável indicação. Os passos já dados nessa direção não se têm mostrado produtivos, como foi o caso da tentativa, frustrada, de condicionamento do apoio petista a Michel Temer, na Câmara, à desistência de manutenção pelo PMDB do comando entre os senadores. Mas não pode ser descartada uma alteração do quadro da disputa no Senado se o presidente Lula resolver intervir para valer em favor do (ou de um) candidato petista. Ação que ele poderia, ou poderá desencadear até as vésperas da eleição da mesa, em 2 de fevereiro, mas que não parece inclinado a promover por um cálculo bem lulista: não assumir o risco de transferir uma derrota do PT para o governo e para ele próprio, num confronto com a bancada peemedebista que uma candidatura como a do amigo José Sarney tornaria desnecessário ou assimilável, embora não estivesse, ou esteja, nos seus planos, o comando das duas casas do Congresso pelo pragmatismo centrista desses aliados.
Reiterando avaliação que fiz em texto escrito nos meados de novembro, os projetos do colegiado dirigente do PMDB para o exercício desse duplo comando partiram da vitória do partido nas eleições municipais e de uma releitura das perspectivas da sucessão presidencial de 2010, baseando-se provavelmente nos seguintes pontos:
Com a formalização, esta semana, do apoio do PSDB e do DEM, foi substancialmente reforçada a candidatura de Michel Temer à presidência da Câmara dos Deputados, reduzindo-se ou se esgotando a dependência inicial dela ao respaldo do PT. E a afirmação da tendência de que esse apoio seja conferido também ao nome que o PMDB indique para a presidência do Senado fortalece simultaneamente o partido nesta disputa. A pretensão do atual presidente Garibaldi Alves de concorrer ao cargo – anunciada com base em pareceres jurídicos segundo os quais isso não configuraria uma busca de reeleição porque ele cumpre um mandato “tampão” de substituto do presidente Renan Calheiros, que renunciou – poderá consolidar-se, ou mais provavelmente ceder lugar, na decisão da bancada a respeito, ao nome de José Sarney, palatável ao presidente Lula e já com menor resistência na oposição. Cabe, aliás, assinalar que a alternativa Sarney foi favorecida pela reação hostil do Palácio do Planalto a Garibaldi, manifestada anteontem pelo líder governista Romero Jucá ao declarar: “...o PMDB pode ter um candidato, mas não pode ser o Garibaldi Alves’.
Até a data prevista para uma decisão final dos senadores peemedebistas, nos meados de janeiro, o esforço do PT para viabilizar seu candidato Tião Vianna se baseará centralmente em um insistente trabalho de persuasão do presidente Lula no sentido de que ele force o PMDB a desistir de candidatura própria, seja por meio da oferta de novos cargos ou de ameaça à perda daqueles que o partido já tem no governo, seja através de pressão sobre Sarney para que recuse a provável indicação. Os passos já dados nessa direção não se têm mostrado produtivos, como foi o caso da tentativa, frustrada, de condicionamento do apoio petista a Michel Temer, na Câmara, à desistência de manutenção pelo PMDB do comando entre os senadores. Mas não pode ser descartada uma alteração do quadro da disputa no Senado se o presidente Lula resolver intervir para valer em favor do (ou de um) candidato petista. Ação que ele poderia, ou poderá desencadear até as vésperas da eleição da mesa, em 2 de fevereiro, mas que não parece inclinado a promover por um cálculo bem lulista: não assumir o risco de transferir uma derrota do PT para o governo e para ele próprio, num confronto com a bancada peemedebista que uma candidatura como a do amigo José Sarney tornaria desnecessário ou assimilável, embora não estivesse, ou esteja, nos seus planos, o comando das duas casas do Congresso pelo pragmatismo centrista desses aliados.
Reiterando avaliação que fiz em texto escrito nos meados de novembro, os projetos do colegiado dirigente do PMDB para o exercício desse duplo comando partiram da vitória do partido nas eleições municipais e de uma releitura das perspectivas da sucessão presidencial de 2010, baseando-se provavelmente nos seguintes pontos:
“1) Em fim de mandato, preservando alta popularidade mas sem poder transferi-la a candidatos de seu partido, e tendo à frente um quadro de crise econômica, com previsível desgaste político e social, o presidente Lula passa a depender muito mais de um PMDB fortalecido no pleito municipal e majoritário nas duas casas do Congresso Nacional.
2) A manutenção e até um aumento do papel do partido no governo serão melhor garantidos se ele controlar a presidencia das duas instituições.
3) O exercício desse papel não excluirá a exploração de outras alternativas no pleito sucessório à vista, além da de apoio ao nome indicado pelo presidente Lula: as de aliança em torno da candidatura oposicionista do governador paulista, José Serra, ou da proposta “pós-Lula” do governador mineiro Aécio Neves, se ele vier a ser a escolha – hoje improvável – do PSDB, e a de candidatura própria se Aécio correr o risco de aceitar os reiterados convites do PMDB para troca de legenda”.
O QUE PENSA A MÍDIA
Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1181&portal=
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1181&portal=
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