Ilustríssima / Folha de S. Paulo
[Resumo] Criador
do termo presidencialismo de coalizão, o cientista político Sérgio Abranches
analisa como o modelo político brasileiro entrou em crise nos últimos dez anos,
o que se manifesta agora nas dificuldades que Lula tem enfrentado com o
Legislativo. O número excessivo de partidos, a diminuição das bancadas das
principais siglas, a onda bolsonarista que rompeu o bipartidarismo que vigorou
de 1994 a 2014, a radicalização do jogo político e o fortalecimento do
Congresso, entre outros fatores, deixaram o Executivo fragilizado, ainda mais
dependente de bons resultados na economia e da liberação de verbas e cargos
para conseguir implantar seus projetos.
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O Brasil não
mudou seu modelo político. Ele continua a ser o presidencialismo de coalizão.
O sistema é presidencialista e multipartidário. A federação contém distintos
arranjos partidário-eleitorais. A relação entre o voto presidencial e o voto
para deputados é tênue, dada a diferença entre os colégios eleitorais, nacional
para os presidentes e estadual para parlamentares.
Daí a quase impossibilidade de que o
presidente eleito consiga maioria com o seu partido no Congresso, um dos
elementos que tornam o presidencialismo de coalizão inevitável. Ao contrário do
que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil o presidente não governa sem maioria
na Câmara e no Senado. Logo, precisa
formar uma coalizão de partidos que lhe garanta condições de governar.
Todavia, o fato de um partido ser favorito
na disputa presidencial influencia fortemente sua estratégia para as eleições
parlamentares. Embora a relação seja muito mediada, um partido
"presidencial" tende a ser muito competitivo nas eleições
parlamentares, mas não a ponto de fazer a maioria.
O PSDB cresceu nas vitórias de FHC. O PT
ganhou presença parlamentar robusta nas eleições de Lula. Ficou com a maior
bancada em 2010, quando Dilma ganhou seu primeiro mandato. Manteve esta posição
em 2014, embora perdendo cadeiras. O PSL inchou
na onda Bolsonaro. Os partidos presidenciais estiveram entre as três
maiores bancadas na Câmara durante os mandatos dos governantes que elegeram.
O modelo entrou em crise em razão de
mudanças estruturais e comportamentais na política brasileira. A
ruptura eleitoral de 2018 desestruturou o padrão que formou governo e oposição,
de 1994 a 2014, e equilibrava o processo político.
Esse padrão se assenta em dois eixos
partidários-eleitorais. Um eixo é bipartidário, no qual se disputa a
Presidência da República. O outro é multipartidário, em que os partidos
competem por cadeiras no Congresso, com o objetivo de maximizar seu ativo
parlamentar para ingressar na coalizão governista, dependendo de quem seja
eleito para o Planalto.
Demais candidatos a presidente, quando
chegaram a ser competitivos, não conseguiram ultrapassar os 20% dos votos.
O eixo bipartidário, de vocação presidencial, se rompeu com o estilhaçamento do PSDB pela onda Bolsonaro. O espaço vazio deixado pelo ocaso dos tucanos complica bastante as relações governo-oposição. Não está claro que legenda o substituirá na disputa nacional com o PT. Se esse eixo não se refizer, as eleições presidenciais podem se tornar mais voláteis, com impacto negativo na formação das bancadas, na estabilidade política e na governabilidade.