"Gabeira representa a face mais avançada da esquerda mundial, que não nega a modernidade, não rejeita o mercado nem a globalização e ao mesmo tempo defende as minorias. Ele não ficou embolorado naquela esquerda ultrapassada, albanesa". Gabeira tornou-se um guerrilheiro da lucidez, a materialização das utopias possíveis.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
A encruzilhada de Cesar
Ludmilla de Lima, Luiz Ernesto Magalhães e Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Com fraco desempenho de Solange, base do prefeito se divide entre Paes e Gabeira
Aperspectiva de ficar fora do segundo turno das eleições abriu uma crise no DEM do prefeito Cesar Maia. A insatisfação com o desempenho da candidata Solange Amaral, uma escolha pessoal do prefeito, ganhou voz em reunião na casa do presidente nacional do partido, deputado federal Rodrigo Maia, anteontem. O racha ficou evidente: Cesar e Rodrigo descartaram a possibilidade de apoio a Eduardo Paes (PMDB), primeiro colocado nas pesquisas, enquanto boa parte da bancada na Câmara de Vereadores já optou pelo peemedebista, com quem tem mantido encontros.
A reunião dividiu ainda mais o partido: um grupo defendeu também o apoio velado ao candidato Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS) já na reta final do primeiro turno. Além de irritar os aliados com o veto a Paes, Cesar também os incomodou ao cogitar, num encontro com seu núcleo político no início do mês, na Gávea Pequena, o apoio ao candidato do PRB, Marcelo Crivella. A oposição ao senador une a base do prefeito, que também descarta o apoio à ex-deputada Jandira Feghali (PCdoB), caso seja ela a passar para o segundo turno.
- O clima no encontro é de que foi um erro do prefeito escolher a Solange candidata sem escutar ninguém. Ele vai pagar o preço. Agora é diferente: ao perder o primeiro turno, ele vai ter que dividir decisões com outros atores do partido - afirma um dos participantes da reunião.
Na Câmara do Rio, o interesse por Paes é paroquial. A maioria dos 14 vereadores do DEM está irritada com dificuldades na campanha. Reclamam da falta de apoio da cúpula do partido, que investe em material apenas para poucos candidatos, como o ex-secretário municipal de Obras Eider Dantas e o vereador Carlo Caiado. Paes foi vereador com a maioria deles e manteve o diálogo mesmo ao sair do DEM em 2002, por desavenças pessoais com Cesar e Rodrigo. Há uma queixa ao personalismo do prefeito, que contempla apenas o seu grupo e centraliza as decisões.
- Ninguém anunciou ainda o apoio ao Eduardo temendo perder a legenda por infidelidade partidária. Mas não dá para apoiar o Crivella. Seria suicídio. Além de desagradar a meus eleitores, o senador tem sua base de candidatos nas comunidades. Numa próxima eleição, virariam concorrentes - disse um vereador.
Outro vereador sempre fiel ao prefeito já decidiu o que fazer no segundo turno:
- Os aliados não foram consultados nem em relação a idéias a serem apresentadas no horário eleitoral. A minha opção é pelo Paes. Se quiserem impor outro nome, fico em casa. Ou vou viajar para não ser pressionado.
O discurso é o mesmo de uma vereadora:
- Qualquer escolha do prefeito que não seja o Paes será constrangedora. É melhor viajar para o Paraguai.
"Se meu gabinete falasse...", reage Cesar
No caso de Gabeira, o interesse é dos candidatos com pretensões nacionais de uma aliança em 2010 com o PSDB. Os tucanos no Rio apóiam Gabeira, e uma aliança no segundo turno seria retribuída daqui a dois anos.
O secretário municipal de Transportes, Arolde de Oliveira, confirmou o encontro, mas negou a crise. Ele, no entanto, admitiu uma preocupação com seu futuro político.
- Tenho sete mandatos de deputado federal. Em 2010, sou pré-candidato ao Senado. Mas a precedência é do prefeito Cesar Maia.
O assunto despertou a ira do deputado Rodrigo Maia. Ele nega que na reunião de segunda-feira tenha sido discutido um acordo para o segundo turno no Rio.
- Essa reunião a gente faz toda segunda-feira para traçar a estratégia da semana, o varejo. Não tem a ver com longo prazo. Não é uma reunião da direção do partido, mas de quem ajuda a campanha - disse o filho do prefeito e presidente do DEM, acrescentando que o objetivo do encontro, cujos participantes ele não quis revelar, era decidir o número de placas nas ruas e dividir material de campanha entre os candidatos a vereador.
O prefeito Cesar Maia reconhece as deserções da campanha de Solange. Mas afirma que, como prefeito, também é assediado por candidatos infiéis:
- Probleminhas deste tipo são comuns nas campanhas. O salve-se quem puder proporcional ocorre em todas as eleições. O vereador se aproxima de quem é forte em sua área. Mesmo que tenhamos evitado, isso acontece muito conosco. Vem todo mundo para cima da gente querendo colar. Se há traições, é muito mais em nossa direção. Se meu gabinete falasse...
Todos agora miram no segundo turno
Alessandra Duarte
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Gabeira, Jandira e Crivella comentam supostos apoios e traçam estratégias para chegar lá
O candidato do PV à prefeitura, Fernando Gabeira, abriu ontem caminho para receber, caso vá para o segundo turno, o apoio de aliados de Solange Amaral (DEM) ao dizer que a adesão de "pessoas que têm a memória da administração (municipal)" é bem-vinda. Hoje, Gabeira está em quarto lugar, segundo o Datafolha, empatado tecnicamente com Jandira Feghali (PCdoB): ele tem 11% e ela, 13%.
- Não é aproximação. Eles (Solange e seus aliados) são o setor mais bem informado sobre o curso da eleição. Eles acompanham o processo com um nível de profissionalismo que talvez os outros nem tenham. E eles sabem que eu estou no segundo turno. Eu gostaria muito depois, se estiver realmente, de conversar com todos. A minha idéia é formar uma ampla frente; se eu conseguir integrar, na frente, pessoas que têm a experiência e a memória da administração, vai potencializar meu trabalho muito.
Gabeira afirmou, porém, que não fará "o trabalho do voto útil".
- Não vamos fazer o trabalho do voto útil, porque achamos que o voto de consciência vai nos levar ao segundo turno. Respeitamos a candidatura dela (Solange) e não vamos fazer qualquer empenho para que ela saia do seu rumo - disse Gabeira, antes de um debate ontem, no colégio Santo Inácio, com os candidatos Alessandro Molon (PT) e Chico Alencar (PSOL).
Na escola onde estuda Marco Antônio, filho do governador Sérgio Cabral, aliado de Eduardo Paes (PMDB), Gabeira foi cercado por alunos na saída do debate, posou para fotos de celulares e distribuiu autógrafos.
Jandira Feghali (PCdoB), cujo partido já apoiou os governos Moreira Franco e Garotinho, disse que um suposto apoio de aliados de Solange a Gabeira no segundo turno só confirmaria o que chamou de incoerências da campanha do candidato do PV.
- Essa questão do DEM só confirma as incoerências dessa campanha e suas más companhias. Armínio Fraga e Marcello Alencar já chamam atenção e não correspondem a qualquer mudança. É tudo pelo voto - atacou ela.
Integrantes do PSDB (coligado ao PV) dizem que a estratégia da campanha de Gabeira para tentar derrotar Marcelo Crivella (PRB) ou Jandira na disputa por uma vaga no segundo turno é focar nos eleitores indecisos da classe média, onde o verde tem grande potencial de crescimento.
Outra estratégia para a reta final, segundo o próprio Gabeira, é a de não mais ir a debates, para intensificar as agendas nas ruas, pois "a partir desta semana não posso mais encontrar só 50 pessoas, tenho que encontrar 50 mil".
Já Crivella disse que o prefeito deverá convencer seu partido de que apoiá-lo é o caminho mais viável para derrotar Paes no segundo turno:
- Cesar Maia, um homem com experiência política, vai concluir e convencer o seu partido que a viabilidade para ganhar do PMDB é o Crivella - disse o senador, acrescentando que está "flertando com todos": - Espero que estejamos juntos no segundo turno para derrotarmos o PMDB, que quer ser no nosso estado uma hegemonia. Neste momento, a procura pode ser mal interpretada. Pode ser interpretado como desmerecimento das campanhas. Este é o momento de namoro. Casamento, só no segundo turno. Estou namorando, estou flertando com todos, procurando apoios.
Para Solange, a discussão é "intriga da oposição":
- Toda semana tem reunião, desde maio. Essa discussão é intriga da oposição, nota plantada. Eu vou para o segundo turno.
No debate no Santo Inácio, Chico repetiu o discurso de Gabeira, de que a cidade do Rio "precisa de um líder, não de um síndico ou de uma dona-de-casa". Depois, Chico disse que não se tratou de apoio a Gabeira, só da "convergência de opiniões" entre os dois.
COLABORARAM Ludmilla de Lima e Sérgio Duran
Já Crivella disse que o prefeito deverá convencer seu partido de que apoiá-lo é o caminho mais viável para derrotar Paes no segundo turno:
- Cesar Maia, um homem com experiência política, vai concluir e convencer o seu partido que a viabilidade para ganhar do PMDB é o Crivella - disse o senador, acrescentando que está "flertando com todos": - Espero que estejamos juntos no segundo turno para derrotarmos o PMDB, que quer ser no nosso estado uma hegemonia. Neste momento, a procura pode ser mal interpretada. Pode ser interpretado como desmerecimento das campanhas. Este é o momento de namoro. Casamento, só no segundo turno. Estou namorando, estou flertando com todos, procurando apoios.
Para Solange, a discussão é "intriga da oposição":
- Toda semana tem reunião, desde maio. Essa discussão é intriga da oposição, nota plantada. Eu vou para o segundo turno.
No debate no Santo Inácio, Chico repetiu o discurso de Gabeira, de que a cidade do Rio "precisa de um líder, não de um síndico ou de uma dona-de-casa". Depois, Chico disse que não se tratou de apoio a Gabeira, só da "convergência de opiniões" entre os dois.
COLABORARAM Ludmilla de Lima e Sérgio Duran
A utopia existe
Roberto DaMatta
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Se você é um neoliberal relativamente descrente das utopias, saiba que elas estão mais vivas do que nunca. Onde? Na propaganda eleitoral, é claro, onde um enlouquecido sistema de proporções que desafia o bom senso é compensado.
Vendo-a, você se questiona por que todos esses projetos maravilhosos jamais foram realizados. Mas você logo percebe que - tirando as exceções de praxe - o que os candidatos oferecem são promessas. São planos ideais, musicados em samba, falados ao sabor da empatia e do sorriso, sem nenhuma avaliação de sua exeqüibilidade. E, como o candidato sabe que, uma vez "empossado", ninguém vai cobrar-lhe, porque, afinal, "aquilo foi por conta da campanha eleitoral", aquele instante de fantasias cívicas e sociais, começando pelas alianças partidárias, não é exagero ligar eleição e carnaval.
Aproximar esses momentos é o direito à licenciosidade. É o fato de o candidato (tanto quanto o folião) poder criticar o poder estabelecido sem levar troco. Quanto menor for o prestígio do candidato e quanto mais alto é o cargo que pleiteia, mais carnavalizada será a sua campanha. Como é que esse "pé-rapado-analfabeto" quer ser presidente, governador, deputado, prefeito ou vereador? Como é que esse "joão-ninguém" ousa demonstrar esse rasgo de igualdade e tem o desplante de criticar a pessoa que ocupa um cargo obviamente "superior" e que tem sido possuído por uma autoridade - "alguém" que, bem ou mal, "entende" alguma coisa? Eneas, Deus o tenha, foi um formidável exemplo. Lula foi outro, daí o seu imenso peso simbólico, pólo no qual se assenta uma estrondosa capacidade para tudo dramatizar, logo traduzida em popularidade. Lula é a figura que ousou desafiar a elite brasileira e hoje tem o poder de fazê-la lamber-lhe os pés e beijar-lhe a mão. Quem não se lembra dos avisos desavisados de catástrofe que a sua eleição iria trazer para o sistema?
Em diferentes níveis, outros ilustres desconhecidos caem na mesma plataforma simbólica, provando como, no Brasil, a desigualdade é um valor. De fato, se nossa vida social fosse fundada na igualdade, não "causaria espécie" um desconhecido disputar qualquer cargo público. Mas como conciliar essa liberdade que eventualmente se iguala com um sistema que também se pensa como graduado e constituído de pessoas maiores e menores? Uma sociedade segmentada entre pessoas que podem e indivíduos que não podem?
Entre os poderosos e os que pretendem entrar nesse campo que a todos abre as portas da elitização aristocrática, essa nobreza política - baseada no "quem foi rei, sempre é majestade" -, é preciso cautela. Daí esse estilo de "ser candidato" abusando de promessas, mentindo sobre realizações pessoais ou simplesmente expondo programas políticos realistas. Opção menos rotineira, mas que vai ganhando corpo em cada disputa eleitoral.
Penso que os jingles em ritmo de samba de breque, na voz bem marcada de um sambista que acompanha os candidatos, exprime bem a dificuldade de levar a campanha para o terreno mais sério e desafiador do civismo, fazendo que ela fique no terreno intermediário: entre projetos e promessas inconseqüentes. Ademais, entendo que não deve ser fácil fazer uma campanha eleitoral marcando posições políticas, mas preservando o lado pessoal e os eventuais laços de família ou de amizade que ligam os candidatos entre si. O nosso estilo aristocrático de vida, que logo transforma o candidato pobre, renunciante do mundo, num sofisticado baronete intoxicado de amor por si mesmo, não tem muitas afinidades com o espírito crítico que necessariamente permeia a campanha eleitoral num sistema liberal. Daí o velho dilema: como apresentar o programa e, radicalizá-lo, sem falar em nomes e pessoas? Não é por outra razão que esse momento se caracteriza pela eventual violência alimentada do desequilíbrio entre o programático (sempre, crítico, denunciador, acusatório e fantasioso) e o pessoal (sempre ponderado, realista e concreto). A saída, como estamos sendo obrigados a assistir no "horário eleitoral", é uma mistura de programas de conteúdo cívico sério, que atacam os problemas da cidade ou do estado e de candidaturas messiânicas e carnavalescas que prometem tudo realizar. Nos Estados Unidos, eles - pasmem com quem viu e vê - rezam e cantam o hino nacional; aqui, a invocação carnavalesca relembra que a troca de lugar só pode mesmo ocorrer num tempo extraordinário, provavelmente para, depois da tempestade de votos, tudo continuar como está.
Daí, a combinação estranha de programas e promessas, tocadas ao familiar sambão que emoldura o postulante no esforço de ligá-lo ao único festival brasileiro nacionalmente popular, mas que ninguém, exceto algum antropólogo maluco, deve levar a sério.
PS: Quem achar que sou vago e estou obviamente errado, recorra aos economistas e contorno que, nos últimos dias, descobriram que o responsável pelas tais "leis imutáveis do mercado" é mesmo o estado nacional. Seria bom intercalar Hayek com Polanyi e Hirschman.
ROBERTO DaMATTA é antropólogo.
Uma anistia polêmica
Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A crise econômica internacional já está incentivando a criatividade do mundo financeiro e faz crescer a pressão para a volta à discussão dentro do governo de um tema polêmico: a anistia para o repatriamento de dinheiro hoje no exterior, onde se calcula que existam entre US$100 bilhões e US$250 bilhões pertencentes a brasileiros, sem o registro oficial na Receita Federal. Um volume de dinheiro que pode equivaler às nossas reservas internacionais. Esse montante está à procura de uma legalização, diante das dificuldades cada vez maiores para ser movimentado, devido à legislação internacional mais rígida tanto para coibir a lavagem de dinheiro quanto o financiamento ao terrorismo internacional.
E, com as investigações da Polícia Federal atingindo potencialmente a todos no Brasil, inclusive com escutas telefônicas, não apenas a movimentação desse dinheiro tornou-se perigosa, mas até mesmo falar sobre ele. Na definição de um banqueiro brasileiro, a maior parte desse valor está "esterilizada" no exterior. Se apenas metade do dinheiro que está fora regressar, as reservas cambiais brasileiras ganhariam reforço de US$50 bilhões a US$100 bilhões.
A previsível escassez de financiamentos nos próximos anos já faz com que haja uma ampla movimentação de setores financeiros tentando convencer o governo de que a repatriação desse enorme volume de dólares de brasileiros poderá suprir as necessidades do país nos anos difíceis que se avizinham.
Ao mesmo tempo, poder aplicar no mercado financeiro de emergentes, especialmente o brasileiro, parece ser uma perspectiva mais atrativa do que o mercado internacional.
Já hoje estima-se que boa parte desse dinheiro que está entrando em investimentos nos mercados internos é de brasileiros, que investem oficialmente como se fossem estrangeiros, através de uma off-shore. O que torna o investimento duplamente ilegal quando feito através de fundos que não podem ter investidores brasileiros, como o que o banqueiro Daniel Dantas dirigia e está sendo investigado.
Quando o ministro da Fazenda era Antonio Palocci, a anistia a esse dinheiro enviado e mantido de maneira ilegal no exterior chegou a ser estudada, mas a CPI do Banestado, em 2003, onde as contas CC-5 criadas pelo Banco Central da gestão de Gustavo Franco foram demonizadas, criou um ambiente político refratário ao tema.
O fato é que parte desse dinheiro saiu durante a campanha eleitoral de 2002, com medo de uma vitória de Lula, que já se dissipou completamente, mas não apenas isso. O Brasil, até 1994, teve uma fase sem regras do jogo estáveis, havia sempre o receio de um choque, e as pessoas tinham medo, principalmente em início de governo.
E esse receio já foi muito maior, desde a primeira disputa presidencial de Lula, em 1989. Quem não se lembra do então líder empresarial Mário Amato, que disse que milhares de empresários fugiriam do país caso Lula vencesse?
Os milhares de empresários não fugiram, mas muitos milhões de dólares certamente sim, e curiosamente escaparam do confisco promovido pelo Plano Collor.
São recursos que saíram do país ao longo do tempo, e em muitos casos tiveram origem honesta, mas foram enviados para paraísos fiscais de forma ilegal.
Quanto maior o controle cambial, maior a percepção da fragilidade da economia e maior a evasão de divisas, as leis econômicas ensinam, alegam os defensores da abertura dos mercados financeiros. Por isso, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso existe uma tendência de o Banco Central liberar a circulação de dinheiro.
O objetivo final seria a conversibilidade do real, dar transparência às operações financeiras e tranqüilidade ao investidor, uma demonstração de que a política econômica caminha na direção da liberação e não do controle do câmbio.
Várias medidas foram tomadas ao longo do tempo para liberar a circulação de dinheiro, e as contas CC-5, objeto de investigação daquela CPI, são um canal legal para as remessas ao exterior.
O Banco Central considera que tem condições de controlar esse fluxo de capital e, segundo o governo, existem mecanismos de fiscalização suficientes para garantir que eventuais utilizações de instrumentos legais para enviar ao exterior dinheiro sujo sejam coibidas.
O governo aceitaria a reinternação do dinheiro sem que fosse necessário explicar a origem, e anistiaria o pagamento do imposto de renda devido, cobrando uma multa que poderia ser de cerca de 5%. Muito dinheiro sujo seria legalizado dessa maneira, admitem os defensores da medida, mas alegam que os benefícios para o país seriam compensadores.
O Brasil, em 1964, Itália e Alemanha, mais recentemente, fizeram também esse movimento, e autoridades brasileiras estudaram os mecanismos usados nos outros países.
No governo Castelo Branco, em 1964, foi decretada uma anistia geral durante quatro meses, através do artigo 82 da lei 4.506, que criou a correção monetária. Naquela ocasião, o ministro da Fazenda era Roberto Campos e o do Planejamento, Octávio Gouvêa de Bulhões, e a anistia dispensou a multa, mas cobrou Imposto de Renda do dinheiro que retornou.
A Itália fez o mesmo em 2001 na operação chamada "escudo fiscal", que cobrou 2,5% de imposto de renda para o capital repatriado e lucros futuros. Entre 60 e 80 bilhões de euros entraram no país no período de um ano.
Hoje no Brasil, a grande preocupação é a validade das anistias, que podem ser contestadas na Justiça, dentro da própria Receita Federal, onde o sindicato dos auditores fiscais já se manifestou contrário à medida quando foi estudada em 2003, e pelo Ministério Público, que pode entrar com uma ação contra a decisão do governo.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. A crise econômica internacional já está incentivando a criatividade do mundo financeiro e faz crescer a pressão para a volta à discussão dentro do governo de um tema polêmico: a anistia para o repatriamento de dinheiro hoje no exterior, onde se calcula que existam entre US$100 bilhões e US$250 bilhões pertencentes a brasileiros, sem o registro oficial na Receita Federal. Um volume de dinheiro que pode equivaler às nossas reservas internacionais. Esse montante está à procura de uma legalização, diante das dificuldades cada vez maiores para ser movimentado, devido à legislação internacional mais rígida tanto para coibir a lavagem de dinheiro quanto o financiamento ao terrorismo internacional.
E, com as investigações da Polícia Federal atingindo potencialmente a todos no Brasil, inclusive com escutas telefônicas, não apenas a movimentação desse dinheiro tornou-se perigosa, mas até mesmo falar sobre ele. Na definição de um banqueiro brasileiro, a maior parte desse valor está "esterilizada" no exterior. Se apenas metade do dinheiro que está fora regressar, as reservas cambiais brasileiras ganhariam reforço de US$50 bilhões a US$100 bilhões.
A previsível escassez de financiamentos nos próximos anos já faz com que haja uma ampla movimentação de setores financeiros tentando convencer o governo de que a repatriação desse enorme volume de dólares de brasileiros poderá suprir as necessidades do país nos anos difíceis que se avizinham.
Ao mesmo tempo, poder aplicar no mercado financeiro de emergentes, especialmente o brasileiro, parece ser uma perspectiva mais atrativa do que o mercado internacional.
Já hoje estima-se que boa parte desse dinheiro que está entrando em investimentos nos mercados internos é de brasileiros, que investem oficialmente como se fossem estrangeiros, através de uma off-shore. O que torna o investimento duplamente ilegal quando feito através de fundos que não podem ter investidores brasileiros, como o que o banqueiro Daniel Dantas dirigia e está sendo investigado.
Quando o ministro da Fazenda era Antonio Palocci, a anistia a esse dinheiro enviado e mantido de maneira ilegal no exterior chegou a ser estudada, mas a CPI do Banestado, em 2003, onde as contas CC-5 criadas pelo Banco Central da gestão de Gustavo Franco foram demonizadas, criou um ambiente político refratário ao tema.
O fato é que parte desse dinheiro saiu durante a campanha eleitoral de 2002, com medo de uma vitória de Lula, que já se dissipou completamente, mas não apenas isso. O Brasil, até 1994, teve uma fase sem regras do jogo estáveis, havia sempre o receio de um choque, e as pessoas tinham medo, principalmente em início de governo.
E esse receio já foi muito maior, desde a primeira disputa presidencial de Lula, em 1989. Quem não se lembra do então líder empresarial Mário Amato, que disse que milhares de empresários fugiriam do país caso Lula vencesse?
Os milhares de empresários não fugiram, mas muitos milhões de dólares certamente sim, e curiosamente escaparam do confisco promovido pelo Plano Collor.
São recursos que saíram do país ao longo do tempo, e em muitos casos tiveram origem honesta, mas foram enviados para paraísos fiscais de forma ilegal.
Quanto maior o controle cambial, maior a percepção da fragilidade da economia e maior a evasão de divisas, as leis econômicas ensinam, alegam os defensores da abertura dos mercados financeiros. Por isso, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso existe uma tendência de o Banco Central liberar a circulação de dinheiro.
O objetivo final seria a conversibilidade do real, dar transparência às operações financeiras e tranqüilidade ao investidor, uma demonstração de que a política econômica caminha na direção da liberação e não do controle do câmbio.
Várias medidas foram tomadas ao longo do tempo para liberar a circulação de dinheiro, e as contas CC-5, objeto de investigação daquela CPI, são um canal legal para as remessas ao exterior.
O Banco Central considera que tem condições de controlar esse fluxo de capital e, segundo o governo, existem mecanismos de fiscalização suficientes para garantir que eventuais utilizações de instrumentos legais para enviar ao exterior dinheiro sujo sejam coibidas.
O governo aceitaria a reinternação do dinheiro sem que fosse necessário explicar a origem, e anistiaria o pagamento do imposto de renda devido, cobrando uma multa que poderia ser de cerca de 5%. Muito dinheiro sujo seria legalizado dessa maneira, admitem os defensores da medida, mas alegam que os benefícios para o país seriam compensadores.
O Brasil, em 1964, Itália e Alemanha, mais recentemente, fizeram também esse movimento, e autoridades brasileiras estudaram os mecanismos usados nos outros países.
No governo Castelo Branco, em 1964, foi decretada uma anistia geral durante quatro meses, através do artigo 82 da lei 4.506, que criou a correção monetária. Naquela ocasião, o ministro da Fazenda era Roberto Campos e o do Planejamento, Octávio Gouvêa de Bulhões, e a anistia dispensou a multa, mas cobrou Imposto de Renda do dinheiro que retornou.
A Itália fez o mesmo em 2001 na operação chamada "escudo fiscal", que cobrou 2,5% de imposto de renda para o capital repatriado e lucros futuros. Entre 60 e 80 bilhões de euros entraram no país no período de um ano.
Hoje no Brasil, a grande preocupação é a validade das anistias, que podem ser contestadas na Justiça, dentro da própria Receita Federal, onde o sindicato dos auditores fiscais já se manifestou contrário à medida quando foi estudada em 2003, e pelo Ministério Público, que pode entrar com uma ação contra a decisão do governo.
Lula, a idéia certa, tarde demais
Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou no diagnóstico, mas errou no "timing", em seu discurso de ontem na ONU.
Lula disse que "chegou a hora da política". Sempre foi hora da política, mas os políticos, inclusive Lula, demitiram-se da tarefa de pensar e executar políticas públicas que contrariassem os mercados, ainda que minimamente. Logo, a proposta chega tarde. Sugerir que a ONU se incumba de "uma resposta vigorosa" à crise é, de novo, uma tese generosa e eventualmente correta. Mas inviável.
Basta lembrar que, no ano passado, na cúpula do G8, a Alemanha queria discutir alguma resposta (modesta) à desregulamentação dos mercados financeiros, mas os Estados Unidos vetaram.
Lula, que participou do último dia daquela cúpula, não foi nem ouvido nem cheirado. Supor que, agora, os Estados Unidos (e os demais grandes) se dignem a sentar pacientemente com os 191 outros países-membros da ONU para ouvi-los e chegar a uma resposta "vigorosa" é acreditar em Papai Noel.
Além disso, se algum governante -de país rico, de país pobre ou de país emergente- tivesse alguma proposta "vigorosa" a apresentar, já o teria feito ou, ao menos, teria a obrigação de tê-la feito nos incontáveis foros internacionais que se sucedem uns aos outros e produzem toneladas de palavras e nenhuma ação, nenhuma. Por falar nisso, qual é a proposta de Lula?
Vamos ser francos: ninguém sabe direito o que está acontecendo e, por extensão, não pode saber que proposta apresentar para pôr ordem na bagunça. Não foram só as grandes financeiras que foram para o brejo. Junto com elas foram o FMI, o Banco Mundial, o G8 e cia limitada.
Você tem lido alguma idéia, uma que seja, vinda dessas instituições antes onipresentes nas crises?
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou no diagnóstico, mas errou no "timing", em seu discurso de ontem na ONU.
Lula disse que "chegou a hora da política". Sempre foi hora da política, mas os políticos, inclusive Lula, demitiram-se da tarefa de pensar e executar políticas públicas que contrariassem os mercados, ainda que minimamente. Logo, a proposta chega tarde. Sugerir que a ONU se incumba de "uma resposta vigorosa" à crise é, de novo, uma tese generosa e eventualmente correta. Mas inviável.
Basta lembrar que, no ano passado, na cúpula do G8, a Alemanha queria discutir alguma resposta (modesta) à desregulamentação dos mercados financeiros, mas os Estados Unidos vetaram.
Lula, que participou do último dia daquela cúpula, não foi nem ouvido nem cheirado. Supor que, agora, os Estados Unidos (e os demais grandes) se dignem a sentar pacientemente com os 191 outros países-membros da ONU para ouvi-los e chegar a uma resposta "vigorosa" é acreditar em Papai Noel.
Além disso, se algum governante -de país rico, de país pobre ou de país emergente- tivesse alguma proposta "vigorosa" a apresentar, já o teria feito ou, ao menos, teria a obrigação de tê-la feito nos incontáveis foros internacionais que se sucedem uns aos outros e produzem toneladas de palavras e nenhuma ação, nenhuma. Por falar nisso, qual é a proposta de Lula?
Vamos ser francos: ninguém sabe direito o que está acontecendo e, por extensão, não pode saber que proposta apresentar para pôr ordem na bagunça. Não foram só as grandes financeiras que foram para o brejo. Junto com elas foram o FMI, o Banco Mundial, o G8 e cia limitada.
Você tem lido alguma idéia, uma que seja, vinda dessas instituições antes onipresentes nas crises?
Afagos de resultados
Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Regra geral, o presidente Luiz Inácio da Silva poderia ser menos áspero no uso das palavras. Mas não deixa de ter razão quando chama de “hipócritas” e “oportunistas” os políticos que fazem oposição para as câmeras das emissoras do Congresso e, na hora de ir às ruas pedir votos, são lulistas desde criancinhas.
Se o presidente não estivesse nadando de braçada na avaliação popular, os que hoje se aconchegam para tirar proveito da situação certamente estariam procurando manter dele uma prudente e amazônica distância.
Como de resto parte permaneceu no ataque durante o primeiro mandato até depois da crise do mensalão, quando ainda não era claro se haveria mais quatro anos de Lula outra vez, e parte deixou para mudar de opinião na hora de subir no primeiro palanque da campanha municipal.
Caso a situação venha a se inverter e, por exemplo, um candidato da oposição se converta na expectativa mais viável de poder, Lula voltará a ter os defeitos de sempre.
Por enquanto é um homem perfeito, espontâneo, patrono do idioma do povo, um gênio. Político não briga com pesquisa nem afronta o poderoso, principalmente se há perspectiva de ficar ainda mais poderoso.
É o que se observa na ofensiva dos correligionários do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando acusam o oponente Gilberto Kassab de fatos sobre os quais sequer teve ingerência. Ou pelo menos não exclusiva.
O nome que ninguém ousa pronunciar é o do governador José Serra, protegido dos ataques pela dianteira nas pesquisas para a eleição de 2010 e a perspectiva de voltarem todos juntos com ele ao poder central. Na impossibilidade de atirar para o alto, o tucanato atira para os lados.
O líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal, por exemplo. Deu anteontem duas entrevistas acusando Kassab e o secretário de Governo municipal, Clóvis Carvalho, de quererem destruir o partido e criar “uma zona de sombra” para levar o eleitorado a acreditar que a administração municipal é do PSDB.
“Não é, é do DEM”, diz o deputado, em franca luta livre com os fatos. Quais sejam: Kassab comanda equipe montada por Serra à imagem e semelhança do PSDB na proporção de 80%, não dá um passo fora do roteiro herdado e transfere veleidades de autonomia para quando, e se, for eleito com os próprios votos.
No deserto
Os pretendentes aos cargos de prefeito e seus encorpados padrinhos deixaram a Associação dos Magistrados Brasileiros falando sozinha sobre os candidatos fichas-sujas.
A AMB já divulgou três listas de postulantes com contas em aberto na Justiça. Pesquisou mais de 1.400 nomes de postulantes nas grandes cidades e chegou à conta de 113 processados.
As informações estão na internet, mas o assunto é ignorado até por parte daqueles que abraçaram com vigor a tese da melhor ética no exame da vida pregressa de candidatos.
Sem a indução dos políticos, o debate não prospera. Com isso, ficam desperdiçados o espaço, os instrumentos (inclusive públicos) e a visibilidade que poderiam ser usados para elevar o grau de educação política do eleitor.
Por oportunismo e auto-referência, preferem se esforçar para mostrar o quanto são amigos do presidente Lula do que estreitar genuínos laços de amizade com o eleitorado.
Régua e compasso
Em julho, o governador do Rio, Sérgio Cabral, qualificou de “imbecis” e “débeis mentais” os policiais que confundiram com traficante e mataram um menino de três anos.
Agora, diz que são “safados” e “vagabundos” os cinco médicos que faltaram ao plantão deixando um hospital público sem atendimento no fim de semana.
Todos provavelmente merecem os adjetivos, mas a população merece mais.
Cabral, que já havia tomado emprestado do governador Aécio Neves o figurino mundano cuidadosamente mantido no limite da responsabilidade, vai incorporando o modelo adotado pelo presidente Lula de tratar questões de governo em termos inflamados, quase como um discurso de oposição.
Lula faz sucesso com essa maneira esperta de escapar das cobranças desviando o foco para a “denúncia” dos problemas como se não tivesse sido eleito exatamente para solucioná-los. É um jeito de demonstrar permanente “preocupação” e, assim, manter acesa a chama da identificação popular.
A fórmula seria perfeita, não fora o senão devidamente estabelecido por Abraham Lincoln em sua célebre frase sobre o caráter perecível e a amplitude restrita da ilusão.
Detalhe
Se o PSDB não consegue administrar uma disputa municipal em condições razoáveis, terá trabalho para convencer o eleitor de que está apto a administrar o País de maneira minimamente aceitável.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Regra geral, o presidente Luiz Inácio da Silva poderia ser menos áspero no uso das palavras. Mas não deixa de ter razão quando chama de “hipócritas” e “oportunistas” os políticos que fazem oposição para as câmeras das emissoras do Congresso e, na hora de ir às ruas pedir votos, são lulistas desde criancinhas.
Se o presidente não estivesse nadando de braçada na avaliação popular, os que hoje se aconchegam para tirar proveito da situação certamente estariam procurando manter dele uma prudente e amazônica distância.
Como de resto parte permaneceu no ataque durante o primeiro mandato até depois da crise do mensalão, quando ainda não era claro se haveria mais quatro anos de Lula outra vez, e parte deixou para mudar de opinião na hora de subir no primeiro palanque da campanha municipal.
Caso a situação venha a se inverter e, por exemplo, um candidato da oposição se converta na expectativa mais viável de poder, Lula voltará a ter os defeitos de sempre.
Por enquanto é um homem perfeito, espontâneo, patrono do idioma do povo, um gênio. Político não briga com pesquisa nem afronta o poderoso, principalmente se há perspectiva de ficar ainda mais poderoso.
É o que se observa na ofensiva dos correligionários do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando acusam o oponente Gilberto Kassab de fatos sobre os quais sequer teve ingerência. Ou pelo menos não exclusiva.
O nome que ninguém ousa pronunciar é o do governador José Serra, protegido dos ataques pela dianteira nas pesquisas para a eleição de 2010 e a perspectiva de voltarem todos juntos com ele ao poder central. Na impossibilidade de atirar para o alto, o tucanato atira para os lados.
O líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal, por exemplo. Deu anteontem duas entrevistas acusando Kassab e o secretário de Governo municipal, Clóvis Carvalho, de quererem destruir o partido e criar “uma zona de sombra” para levar o eleitorado a acreditar que a administração municipal é do PSDB.
“Não é, é do DEM”, diz o deputado, em franca luta livre com os fatos. Quais sejam: Kassab comanda equipe montada por Serra à imagem e semelhança do PSDB na proporção de 80%, não dá um passo fora do roteiro herdado e transfere veleidades de autonomia para quando, e se, for eleito com os próprios votos.
No deserto
Os pretendentes aos cargos de prefeito e seus encorpados padrinhos deixaram a Associação dos Magistrados Brasileiros falando sozinha sobre os candidatos fichas-sujas.
A AMB já divulgou três listas de postulantes com contas em aberto na Justiça. Pesquisou mais de 1.400 nomes de postulantes nas grandes cidades e chegou à conta de 113 processados.
As informações estão na internet, mas o assunto é ignorado até por parte daqueles que abraçaram com vigor a tese da melhor ética no exame da vida pregressa de candidatos.
Sem a indução dos políticos, o debate não prospera. Com isso, ficam desperdiçados o espaço, os instrumentos (inclusive públicos) e a visibilidade que poderiam ser usados para elevar o grau de educação política do eleitor.
Por oportunismo e auto-referência, preferem se esforçar para mostrar o quanto são amigos do presidente Lula do que estreitar genuínos laços de amizade com o eleitorado.
Régua e compasso
Em julho, o governador do Rio, Sérgio Cabral, qualificou de “imbecis” e “débeis mentais” os policiais que confundiram com traficante e mataram um menino de três anos.
Agora, diz que são “safados” e “vagabundos” os cinco médicos que faltaram ao plantão deixando um hospital público sem atendimento no fim de semana.
Todos provavelmente merecem os adjetivos, mas a população merece mais.
Cabral, que já havia tomado emprestado do governador Aécio Neves o figurino mundano cuidadosamente mantido no limite da responsabilidade, vai incorporando o modelo adotado pelo presidente Lula de tratar questões de governo em termos inflamados, quase como um discurso de oposição.
Lula faz sucesso com essa maneira esperta de escapar das cobranças desviando o foco para a “denúncia” dos problemas como se não tivesse sido eleito exatamente para solucioná-los. É um jeito de demonstrar permanente “preocupação” e, assim, manter acesa a chama da identificação popular.
A fórmula seria perfeita, não fora o senão devidamente estabelecido por Abraham Lincoln em sua célebre frase sobre o caráter perecível e a amplitude restrita da ilusão.
Detalhe
Se o PSDB não consegue administrar uma disputa municipal em condições razoáveis, terá trabalho para convencer o eleitor de que está apto a administrar o País de maneira minimamente aceitável.
Não se ganha de véspera
Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Serra e Aécio, à frente dos governos de São Paulo e Minas, se mantêm como pólos alternativos de poder, apesar do enorme prestígio de Lula
Governo bem avaliado, popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas alturas. Nada, porém, está decidido em relação à sucessão de 2010. Pesquisas de opinião mantêm o favoritismo do governador paulista José Serra (PSDB) para as eleições presidenciais. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), a preferida de Lula, ainda não decolou como possível candidata oficial.
Transferência
É ilusão pensar, porém, que o presidente Lula não tem capacidade de transferência de voto. Tem o suficiente para consolidar e impor o nome de Dilma às lideranças petistas, que relutam em apoiar um quadro sem experiência eleitoral, nem tradição de militância partidária. E também para convencer os aliados dessa opção, deslocando a candidatura do deputado Ciro Gomes(PSB), que continua sendo o nome de maior densidade eleitoral na base governista para disputar a sucessão de Lula. Entretanto, a pesquisa do instituto Sensus, divulgada na segunda-feira, mostra a chefe da Casa Civil atrás de todos os demais possíveis candidatos, do governador mineiro Aécio Neves (PSDB) à ex-senadora Heloísa Helena (PSol).
Vamos aos números: na simulacão espontânea, Lula obteve 23,4% das indicações. Seria o nome imbatível do PT, mas não pode concorrer ao terceiro mandato e já manifestou a intenção de não permitir que a lei seja alterada com esse objetivo. Em segundo lugar, apareceu o governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, com 6,7%. Outro tucano, Aécio Neves, chegou a 3,3%. Dilma surgiu em quarto lugar, com apenas 1,9%. É muito pouco para quem vem tendo tanto apoio do governo para se projetar eleitoralmente.
Como Lula não pode ser candidato, ficou fora da pesquisa induzida. O resultado confirmou a tendência que vem se mantendo desde a reeleição do atual presidente da República. Seu prestígio é ascendente, o governo bomba, mas os nomes mais competitivos para a sucessão presidencial continuam sendo os da oposição. Serra permanece na liderança, com índices entre 37% e 45%, a depender de quais sejam os adversários. Quando o nome do PSDB é Aécio, o governador mineiro obtém índices entre 18% e 22%. Dilma fica atrás de Ciro Gomes (PSB) e Heloísa (PSol) em todas as simulações. Mas seu desempenho melhorou. No início do ano, mal passava de 1% das indicações. Nesta pesquisa, variou entre 8% e 12%, dependendo do cenário. É o tal poder de transferência de Lula, que tende a consolidar a candidatura da sua ministra, mas por si só não garante a vitória. Isso dependerá da pegada eleitoral da candidata oficial.
Expectativa
Esse resultado, porém, mina a expectativa de poder que Lula pretende criar em torno de Dilma, para transformá-la numa candidata imbatível. Em contrapartida, os tucanos Serra e Aécio, à frente dos governos de São Paulo e Minas, se mantêm como pólos alternativos de poder, apesar do enorme prestígio de Lula. É aí que entra em cena o desfecho das eleições municipais e os cenários que estão sendo construídos nas urnas para as eleições de 2010.
O resultado das eleições de Belo Horizonte é um vetor importante. Aécio e o prefeito petista Fernando Pimentel, contrariando a cúpula do PT e o Palácio do Planalto, têm possibilidades reais de eleger Márcio Lacerda (PSB), uma invenção política de ambos que deu certo. Se esse resultado se consolidar, a estratégia “pós-Lula” de Aécio para ser o candidato tucano ganha fôlego. É a velha política de conciliação e união nacional mineira renascendo como uma fênix.
Outro vetor é São Paulo, cuja eleição é eletrizante. Se Marta Suplicy (PT) voltar à prefeitura da capital, a candidatura de Serra estará em xeque. Se o vitorioso for o ex-governador Geraldo Alckmin, também. O contencioso criado pela preferência do governador paulista pela candidatura de Gilberto Kassab (DEM) rachou os tucanos paulistas. A melhor alternativa para Serra, portanto, é resolver a disputa interna logo, reelegendo o atual prefeito de São Paulo. Mas essa é uma estratégia de muita fricção, que desgasta o atual governador.
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Serra e Aécio, à frente dos governos de São Paulo e Minas, se mantêm como pólos alternativos de poder, apesar do enorme prestígio de Lula
Governo bem avaliado, popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas alturas. Nada, porém, está decidido em relação à sucessão de 2010. Pesquisas de opinião mantêm o favoritismo do governador paulista José Serra (PSDB) para as eleições presidenciais. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), a preferida de Lula, ainda não decolou como possível candidata oficial.
Transferência
É ilusão pensar, porém, que o presidente Lula não tem capacidade de transferência de voto. Tem o suficiente para consolidar e impor o nome de Dilma às lideranças petistas, que relutam em apoiar um quadro sem experiência eleitoral, nem tradição de militância partidária. E também para convencer os aliados dessa opção, deslocando a candidatura do deputado Ciro Gomes(PSB), que continua sendo o nome de maior densidade eleitoral na base governista para disputar a sucessão de Lula. Entretanto, a pesquisa do instituto Sensus, divulgada na segunda-feira, mostra a chefe da Casa Civil atrás de todos os demais possíveis candidatos, do governador mineiro Aécio Neves (PSDB) à ex-senadora Heloísa Helena (PSol).
Vamos aos números: na simulacão espontânea, Lula obteve 23,4% das indicações. Seria o nome imbatível do PT, mas não pode concorrer ao terceiro mandato e já manifestou a intenção de não permitir que a lei seja alterada com esse objetivo. Em segundo lugar, apareceu o governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, com 6,7%. Outro tucano, Aécio Neves, chegou a 3,3%. Dilma surgiu em quarto lugar, com apenas 1,9%. É muito pouco para quem vem tendo tanto apoio do governo para se projetar eleitoralmente.
Como Lula não pode ser candidato, ficou fora da pesquisa induzida. O resultado confirmou a tendência que vem se mantendo desde a reeleição do atual presidente da República. Seu prestígio é ascendente, o governo bomba, mas os nomes mais competitivos para a sucessão presidencial continuam sendo os da oposição. Serra permanece na liderança, com índices entre 37% e 45%, a depender de quais sejam os adversários. Quando o nome do PSDB é Aécio, o governador mineiro obtém índices entre 18% e 22%. Dilma fica atrás de Ciro Gomes (PSB) e Heloísa (PSol) em todas as simulações. Mas seu desempenho melhorou. No início do ano, mal passava de 1% das indicações. Nesta pesquisa, variou entre 8% e 12%, dependendo do cenário. É o tal poder de transferência de Lula, que tende a consolidar a candidatura da sua ministra, mas por si só não garante a vitória. Isso dependerá da pegada eleitoral da candidata oficial.
Expectativa
Esse resultado, porém, mina a expectativa de poder que Lula pretende criar em torno de Dilma, para transformá-la numa candidata imbatível. Em contrapartida, os tucanos Serra e Aécio, à frente dos governos de São Paulo e Minas, se mantêm como pólos alternativos de poder, apesar do enorme prestígio de Lula. É aí que entra em cena o desfecho das eleições municipais e os cenários que estão sendo construídos nas urnas para as eleições de 2010.
O resultado das eleições de Belo Horizonte é um vetor importante. Aécio e o prefeito petista Fernando Pimentel, contrariando a cúpula do PT e o Palácio do Planalto, têm possibilidades reais de eleger Márcio Lacerda (PSB), uma invenção política de ambos que deu certo. Se esse resultado se consolidar, a estratégia “pós-Lula” de Aécio para ser o candidato tucano ganha fôlego. É a velha política de conciliação e união nacional mineira renascendo como uma fênix.
Outro vetor é São Paulo, cuja eleição é eletrizante. Se Marta Suplicy (PT) voltar à prefeitura da capital, a candidatura de Serra estará em xeque. Se o vitorioso for o ex-governador Geraldo Alckmin, também. O contencioso criado pela preferência do governador paulista pela candidatura de Gilberto Kassab (DEM) rachou os tucanos paulistas. A melhor alternativa para Serra, portanto, é resolver a disputa interna logo, reelegendo o atual prefeito de São Paulo. Mas essa é uma estratégia de muita fricção, que desgasta o atual governador.
A segunda divisão
Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Muitos vaticinam o fim do DEM nas eleições municipais de 2008, ganhando ou perdendo a Prefeitura de São Paulo. O partido, que se renovou, entregou-se às mãos de políticos mais jovens, definiu uma estratégia oposicionista firme no Congresso e vinha tentando se consolidar desta forma, tem análises que asseguram que vai, sim, minguar, mas não desaparecerá do mapa. Há quatro anos, quando, na oposição e caracterizando-se como adversário de um presidente da República já à época com recordes de popularidade, o DEM elegeu 735 prefeitos Brasil afora e ainda se considerava na primeira divisão da política, formando entre os quatro partidos integrantes desta classe, PMDB, PT, PSDB e DEM.
Hoje, avaliações mais realistas do próprio partido indicam que poderá cair para a segunda divisão, se ficar com um perfil parecido ao do PSB, por exemplo, ou ao do PDT. Óbvio que não em ideologia, estratégia política ou método de ação. Mas em tamanho, organização e desempenho. Mais ao PSB que ao PDT.
Além de sobreviver em um patamar onde muitos partidos estão, e continuam fazendo a sua luta política, o DEM vê suas condições para as disputas eleitorais de 2010 de uma forma bastante favorável, a partir da insistência em permanecer na disputa de 2008. O Rio era uma base forte do DEM, mas uma candidata a prefeita sem carisma e um líder-prefeito exaurido, depois de vários mandatos, tiraram as chances do partido este ano. Contudo, e este é o raciocínio que se faz no DEM, não é possível decretar que Cesar Maia seja um peso morto para 2010. Pode liderar a votação do partido no Estado.
O mesmo ocorre em São Paulo, onde, se ganhar, Gilberto Kassab recoloca o DEM na política nacional, mas se perder reúne mesmo assim um tal número de votos que dá ao partido uma outra situação para 2010.
Pelo que conseguiu até agora, Kassab já justificou sua permanência na disputa, considerada absurda quando o adversário Geraldo Alckmin estava em primeiro lugar, com mais de 40%. Numa cidade importante do interior, como Ribeirão Preto, o DEM está em primeiro com 65% numa disputa em que o segundo tem 13%.
Em Curitiba o partido deu a volta na resistência de seus líderes locais e fez a irresistível aliança com Beto Richa (PSDB). Em Florianópolis, disputa uma vaga no segundo turno, ou seja, terá uma votação que pode ter significado no futuro. Porto Alegre é a capital onde o DEM vai pior. O vice-governador Paulo Feijó, que transformou-se em algoz da governadora Ieda Crusius, desfez todo o esforço partidário para dar visibilidade nacional a Ônix Lorenzoni, que não consegue chegar aos dois dígitos na preferência do eleitorado.
Em Belo Horizonte o partido não se intimidou com a força eleitoral do governador e do prefeito e os está desafiando com um candidato para fazer qualquer número de votos, além de disputar cidades, como Uberlândia, em boas condições de vitória.
No Norte, o partido só está competitivo em Belém. O Nordeste é um caso à parte: apenas o PT conseguiu ficar bem em toda a região. O PMDB, que dominava o Maranhão, por exemplo, perdeu o controle do Estado. No Recife, onde governador e prefeito duelam para ver quem vai controlar Pernambuco politicamente, o partido aguarda decisões judiciais que acredita poderem levá-lo a uma melhor situação na disputa agora e para o futuro. Em Salvador, está em primeiro lugar, com chances de vencer. Em Teresina tem a liderança de um dos seus principais políticos da velha guarda, Heráclito Fortes, e em Palmas, bem como no interior do Tocantins, a senadora Kátia Abreu está trabalhando muito para ampliar as bases do partido, com perspectivas de bons resultados. No Ceará há um "outsider" do DEM, Moroni Torgan, que é popular, tem seu eleitorado e não deixa o partido desaparecer no Estado.
O DEM fazia mais coligações antes, hoje está diretamente na briga em 12 capitais e dezenas de grandes cidades. Se confirmar-se a previsão de que vai se reduzir drasticamente, mas vencer em São Paulo, o DEM evitará o rebaixamento à segunda divisão.
Tucano-petismo
Uma antiga impressão sobre a índole política do PSDB deve sofrer agora mudança de rumo. Era evidência incontestável que o PSDB, com a boca torta de oito anos no poder federal, não sabia fazer oposição, e só por isso teria deixado correr solto o governo do PT. Melhor, além de não se opor, namorou o partido lulista em ocasiões especiais, furtivas ou não. O diretório paulista está mostrando que, quando se trata de oposição a si mesmo, o PSDB sabe, sim, fazer muito bem. O palavreado, os movimentos, as chantagens e ameaças dos dois grupos em disputa de poder é uma atividade frenética de oposição, a si mesmo.
É possível que o grupo de Geraldo Alckmin, em que o maior expoente é agora José Aníbal, líder na Câmara, leve adiante as conversas que vinha mantendo com a ministra Dilma Rousseff. O grupo pode somar sua interlocução, também, às estratégias da aliança PSDB-PT em Minas e PSDB-PSB no Ceará, formando um exército partidário com possibilidade, inclusive, de formação de uma nova legenda.
Seja qual for o desenlace, dificilmente o grupo de José Serra permitirá que o grupo de Geraldo Alckmin, minoritário em São Paulo, imponha novamente sua vontade aos demais, ainda que permaneçam todos no PSDB.
Federalização
Seis anos depois de iniciar sua gestão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera concluir, após as eleições municipais, uma proposta de reforma do ensino médio, grau da educação formal sempre rico em diagnósticos terríveis e pobre em soluções, em sucessivos governos.
A federalização - o ensino médio é, constitucionalmente, de competência dos Estados - é o que se vislumbra como uma das principais saídas para resolver o problema.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Muitos vaticinam o fim do DEM nas eleições municipais de 2008, ganhando ou perdendo a Prefeitura de São Paulo. O partido, que se renovou, entregou-se às mãos de políticos mais jovens, definiu uma estratégia oposicionista firme no Congresso e vinha tentando se consolidar desta forma, tem análises que asseguram que vai, sim, minguar, mas não desaparecerá do mapa. Há quatro anos, quando, na oposição e caracterizando-se como adversário de um presidente da República já à época com recordes de popularidade, o DEM elegeu 735 prefeitos Brasil afora e ainda se considerava na primeira divisão da política, formando entre os quatro partidos integrantes desta classe, PMDB, PT, PSDB e DEM.
Hoje, avaliações mais realistas do próprio partido indicam que poderá cair para a segunda divisão, se ficar com um perfil parecido ao do PSB, por exemplo, ou ao do PDT. Óbvio que não em ideologia, estratégia política ou método de ação. Mas em tamanho, organização e desempenho. Mais ao PSB que ao PDT.
Além de sobreviver em um patamar onde muitos partidos estão, e continuam fazendo a sua luta política, o DEM vê suas condições para as disputas eleitorais de 2010 de uma forma bastante favorável, a partir da insistência em permanecer na disputa de 2008. O Rio era uma base forte do DEM, mas uma candidata a prefeita sem carisma e um líder-prefeito exaurido, depois de vários mandatos, tiraram as chances do partido este ano. Contudo, e este é o raciocínio que se faz no DEM, não é possível decretar que Cesar Maia seja um peso morto para 2010. Pode liderar a votação do partido no Estado.
O mesmo ocorre em São Paulo, onde, se ganhar, Gilberto Kassab recoloca o DEM na política nacional, mas se perder reúne mesmo assim um tal número de votos que dá ao partido uma outra situação para 2010.
Pelo que conseguiu até agora, Kassab já justificou sua permanência na disputa, considerada absurda quando o adversário Geraldo Alckmin estava em primeiro lugar, com mais de 40%. Numa cidade importante do interior, como Ribeirão Preto, o DEM está em primeiro com 65% numa disputa em que o segundo tem 13%.
Em Curitiba o partido deu a volta na resistência de seus líderes locais e fez a irresistível aliança com Beto Richa (PSDB). Em Florianópolis, disputa uma vaga no segundo turno, ou seja, terá uma votação que pode ter significado no futuro. Porto Alegre é a capital onde o DEM vai pior. O vice-governador Paulo Feijó, que transformou-se em algoz da governadora Ieda Crusius, desfez todo o esforço partidário para dar visibilidade nacional a Ônix Lorenzoni, que não consegue chegar aos dois dígitos na preferência do eleitorado.
Em Belo Horizonte o partido não se intimidou com a força eleitoral do governador e do prefeito e os está desafiando com um candidato para fazer qualquer número de votos, além de disputar cidades, como Uberlândia, em boas condições de vitória.
No Norte, o partido só está competitivo em Belém. O Nordeste é um caso à parte: apenas o PT conseguiu ficar bem em toda a região. O PMDB, que dominava o Maranhão, por exemplo, perdeu o controle do Estado. No Recife, onde governador e prefeito duelam para ver quem vai controlar Pernambuco politicamente, o partido aguarda decisões judiciais que acredita poderem levá-lo a uma melhor situação na disputa agora e para o futuro. Em Salvador, está em primeiro lugar, com chances de vencer. Em Teresina tem a liderança de um dos seus principais políticos da velha guarda, Heráclito Fortes, e em Palmas, bem como no interior do Tocantins, a senadora Kátia Abreu está trabalhando muito para ampliar as bases do partido, com perspectivas de bons resultados. No Ceará há um "outsider" do DEM, Moroni Torgan, que é popular, tem seu eleitorado e não deixa o partido desaparecer no Estado.
O DEM fazia mais coligações antes, hoje está diretamente na briga em 12 capitais e dezenas de grandes cidades. Se confirmar-se a previsão de que vai se reduzir drasticamente, mas vencer em São Paulo, o DEM evitará o rebaixamento à segunda divisão.
Tucano-petismo
Uma antiga impressão sobre a índole política do PSDB deve sofrer agora mudança de rumo. Era evidência incontestável que o PSDB, com a boca torta de oito anos no poder federal, não sabia fazer oposição, e só por isso teria deixado correr solto o governo do PT. Melhor, além de não se opor, namorou o partido lulista em ocasiões especiais, furtivas ou não. O diretório paulista está mostrando que, quando se trata de oposição a si mesmo, o PSDB sabe, sim, fazer muito bem. O palavreado, os movimentos, as chantagens e ameaças dos dois grupos em disputa de poder é uma atividade frenética de oposição, a si mesmo.
É possível que o grupo de Geraldo Alckmin, em que o maior expoente é agora José Aníbal, líder na Câmara, leve adiante as conversas que vinha mantendo com a ministra Dilma Rousseff. O grupo pode somar sua interlocução, também, às estratégias da aliança PSDB-PT em Minas e PSDB-PSB no Ceará, formando um exército partidário com possibilidade, inclusive, de formação de uma nova legenda.
Seja qual for o desenlace, dificilmente o grupo de José Serra permitirá que o grupo de Geraldo Alckmin, minoritário em São Paulo, imponha novamente sua vontade aos demais, ainda que permaneçam todos no PSDB.
Federalização
Seis anos depois de iniciar sua gestão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera concluir, após as eleições municipais, uma proposta de reforma do ensino médio, grau da educação formal sempre rico em diagnósticos terríveis e pobre em soluções, em sucessivos governos.
A federalização - o ensino médio é, constitucionalmente, de competência dos Estados - é o que se vislumbra como uma das principais saídas para resolver o problema.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
A carapuça de Lula na medida do ministro
Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL
E m outros tempos e cos- tumes, a esta altura o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, estaria com o pedido de demissão pronto e assinado para entregar ao presidente Lula assim que puder ser recebido no gabinete do Palácio do Planalto.
Lá é verdade que o ministro pode sair pela tangente, alegando que se enrolou num quiproquó por desinformação e que um pedido de desculpas, com o presidente boiando nas águas mansas da felicidade com a escalada dos seus índices de popularidade, a bater recordes que parecem que podem chegar à lua da virtual unanimidade, pode ser e deve ser a saída pela porta dos fundos, olhando para os lados para conferir se os abelhudos não estão na tocaia para badalar o seu momento de infortúnio.
Acontece que Lula pegou pesado e aumentou o constrangimento do ministro. O caso começa com a matéria publicada pela Folha de S.Paulo anun ciando que o governo estava examinando a proposta, apoiada pela União Geral de Trabalhadores (UGT), da liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de ações da Petrobras.
Em cima do laço, o ministro Carlos Lupi, do Trabalho, bateu o martelo confirmando, em entrevista à Rádio CBN, que era favorável à medida que estava sendo examinada pelo governo.
Lula desembarcou em Nova York para o discurso inaugural na Assembléia das Nações Unidas (ONU) sufocado pela irritação com a notícia lida nos jornais durante a viagem e desabafou, sem medir palavras, com extrema violência: "O governo não está preparando no- vas ações da Petrobras. Em momento de crise, a gente não pode tomar nenhuma medida precipitada".
No crescendo foi às nuvens: "Eu acho abominável fazerem manchete irresponsável sobre esse assunto, sem nunca terem conversado comigo, sem que eu tivesse sequer pensado nessa idéia". Na marcha batida, piorou o soneto: "Isso é uma coisa que eu nunca falei. Para dizer que o presidente pensa alguma coisa dessa magnitude deveriam ter a responsabilidade de me consultar, ou de consultar o ministro da Fazenda, ou o presidente do Banco Central ou o ministro do Trabalho".
Mas se o episódio é curioso ao expor o bastidor do governo e as dificuldades de entendimento do maior ministério de todos os tempos, com 38 ministros e secretários batendo cabeça nos corredores superlotados do palácio na Esplanada dos Ministérios, certamente deixará seqüelas, com a UGT estimulada a ativar a mobilização para pressionar o governo a apoiar o ministro do Trabalho, que bate em retirada fugindo da conversa...
Por enquanto, com o vento a favor, Lula passará por cima do incidente, mais para o cômico do que para sério, nas asas tão confiáveis como as do Aerolula do recorde de popularidade em 77.7%. Está com a casa arrumada, dono e senhor do governo e do PT.
Na exemplar competência da entrevista emoldurada na seção Coisas da Política do JB de ontem, o jornalista Tales Faria extraiu do presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), o roteiro óbvio do segundo maior partido do país, que abandonou o muro para cair nos braços do governo. Em acordo aberto, com a participação negociada às claras no toma-lá-dá-cá. E com a exigência sem novidade, além da sua confirmação pelo presidente do partido: o PMDB quer a vice-presidência na chapa da ministra-candidata Dilma Rousseff.
O que depende de Lula e de mais ninguém. O PT queimou os seus quadros no fogaréu dos escândalos do mensalão e do caixa 2. Os demais aspirantes do segundo escalão já se recolheram aos seus lugares. Não há novidades arranhando a porta. Lula jogará pesado para viabilizar a sua candidata. Antes de conhecidos os resultados da eleição de 5 de outubro para prefeitos e vereadores, qualquer especulação não irá além do palpite. E palpite, como pode confirmar o ministro Carlos Lupi, às vezes queima a língua.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
E m outros tempos e cos- tumes, a esta altura o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, estaria com o pedido de demissão pronto e assinado para entregar ao presidente Lula assim que puder ser recebido no gabinete do Palácio do Planalto.
Lá é verdade que o ministro pode sair pela tangente, alegando que se enrolou num quiproquó por desinformação e que um pedido de desculpas, com o presidente boiando nas águas mansas da felicidade com a escalada dos seus índices de popularidade, a bater recordes que parecem que podem chegar à lua da virtual unanimidade, pode ser e deve ser a saída pela porta dos fundos, olhando para os lados para conferir se os abelhudos não estão na tocaia para badalar o seu momento de infortúnio.
Acontece que Lula pegou pesado e aumentou o constrangimento do ministro. O caso começa com a matéria publicada pela Folha de S.Paulo anun ciando que o governo estava examinando a proposta, apoiada pela União Geral de Trabalhadores (UGT), da liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de ações da Petrobras.
Em cima do laço, o ministro Carlos Lupi, do Trabalho, bateu o martelo confirmando, em entrevista à Rádio CBN, que era favorável à medida que estava sendo examinada pelo governo.
Lula desembarcou em Nova York para o discurso inaugural na Assembléia das Nações Unidas (ONU) sufocado pela irritação com a notícia lida nos jornais durante a viagem e desabafou, sem medir palavras, com extrema violência: "O governo não está preparando no- vas ações da Petrobras. Em momento de crise, a gente não pode tomar nenhuma medida precipitada".
No crescendo foi às nuvens: "Eu acho abominável fazerem manchete irresponsável sobre esse assunto, sem nunca terem conversado comigo, sem que eu tivesse sequer pensado nessa idéia". Na marcha batida, piorou o soneto: "Isso é uma coisa que eu nunca falei. Para dizer que o presidente pensa alguma coisa dessa magnitude deveriam ter a responsabilidade de me consultar, ou de consultar o ministro da Fazenda, ou o presidente do Banco Central ou o ministro do Trabalho".
Mas se o episódio é curioso ao expor o bastidor do governo e as dificuldades de entendimento do maior ministério de todos os tempos, com 38 ministros e secretários batendo cabeça nos corredores superlotados do palácio na Esplanada dos Ministérios, certamente deixará seqüelas, com a UGT estimulada a ativar a mobilização para pressionar o governo a apoiar o ministro do Trabalho, que bate em retirada fugindo da conversa...
Por enquanto, com o vento a favor, Lula passará por cima do incidente, mais para o cômico do que para sério, nas asas tão confiáveis como as do Aerolula do recorde de popularidade em 77.7%. Está com a casa arrumada, dono e senhor do governo e do PT.
Na exemplar competência da entrevista emoldurada na seção Coisas da Política do JB de ontem, o jornalista Tales Faria extraiu do presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), o roteiro óbvio do segundo maior partido do país, que abandonou o muro para cair nos braços do governo. Em acordo aberto, com a participação negociada às claras no toma-lá-dá-cá. E com a exigência sem novidade, além da sua confirmação pelo presidente do partido: o PMDB quer a vice-presidência na chapa da ministra-candidata Dilma Rousseff.
O que depende de Lula e de mais ninguém. O PT queimou os seus quadros no fogaréu dos escândalos do mensalão e do caixa 2. Os demais aspirantes do segundo escalão já se recolheram aos seus lugares. Não há novidades arranhando a porta. Lula jogará pesado para viabilizar a sua candidata. Antes de conhecidos os resultados da eleição de 5 de outubro para prefeitos e vereadores, qualquer especulação não irá além do palpite. E palpite, como pode confirmar o ministro Carlos Lupi, às vezes queima a língua.
A reta final
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Ínstituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS
Talvez seja hora de olharmos as eleições municipais pela sua própria importância, não pelo que “querem dizer” a respeito das eleições presidenciais
Daqui a 10 dias, o evento político mais importante do ano estará em seus momentos finais. No próximo dia 5, à noite, na imensa maioria das cidades brasileiras, os resultados da eleição municipal serão conhecidos, salvo em um ou outro lugar onde a apuração estiver atrasada. Algumas ficarão para o último domingo de outubro, quando termina o segundo turno, mas serão poucas.
São mesmo importantes as eleições municipais? Parece uma pergunta de resposta óbvia, mas não é. Vale a pena discutir o porquê.Existe um tipo de importância que elas não têm. Ao contrário do que insistem em especular muitos analistas e observadores, as eleições municipais pouco ou nada impactam nos resultados das eleições presidenciais que a elas se seguem em nosso calendário eleitoral.
Já fizemos seis eleições municipais desde a redemocratização, quatro depois que voltamos a ter eleições presidenciais pelo voto direto. Não são muitas, mas são suficientes para aprender algumas coisas com elas.
Vimos partidos saírem grandes de algumas e nem conseguirem lançar candidato próprio a presidente dois anos depois. Vimos partidos médios, em termos do número de prefeitos eleitos, fazerem presidentes. Vimos lideranças receberem sua consagração no plano local e nada significar nacionalmente. Chegamos a ver um derrotado em disputa de prefeito virar presidente. Não foram poucas as tendências de uma eleição municipal que não tiveram qualquer conseqüência.
O que essas eleições mostraram são coisas que todo mundo sabe: que os governos estaduais quase sempre se saem vitoriosos, arrebanhando a maior parte das prefeituras; que elas cimentam o caminho de lideranças emergentes, seja em carreiras parlamentares ou no executivo nos estados; que nelas os partidos tendem a fazer combinações ditadas por lógicas estritamente locais, o que torna quase impossível contabilizar vencedores e vencidos no plano nacional.
As deste ano estão sendo assim, apesar da insistência de alguns em procurar nelas significados e projeções sobre o que pode acontecer em 2010. É mania que não dura muito, porém, pois logo estaremos discutindo os cenários da próxima eleição presidencial em seu lugar adequado.
Perde-se, contudo, algo relevante quando as eleições municipais são avaliadas dessa maneira. É como se elas só interessassem se tivessem um hipotético “significado nacional”, sem o qual se tornariam irrelevantes.
Note-se que os eleitores não pensam assim, pelo que se pode ver nas pesquisas. Muito ao contrário, as pessoas comuns olham as eleições locais com atenção e interesse. Maior, quanto mais intenso seu relacionamento com os serviços públicos municipais, como os de educação e saúde. Os eleitores de menor renda são os que mais sabem quanto é relevante o prefeito ou prefeita de suas cidades, assim como quem os vai representar nas Câmaras de Vereadores.
Talvez seja hora de olharmos as eleições municipais como esses eleitores, pela sua própria importância, não pelo que “querem dizer” a respeito das eleições presidenciais. É pura conseqüência do centralismo de nosso sistema político, em que a figura solar do presidente ofusca nossa visão a respeito de seu todo, cada parte do qual é relevante na democracia.
Sábias são as pessoas comuns, que, quando votam para prefeito, escolhem apenas os prefeitos.
Sociólogo e presidente do Ínstituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS
Talvez seja hora de olharmos as eleições municipais pela sua própria importância, não pelo que “querem dizer” a respeito das eleições presidenciais
Daqui a 10 dias, o evento político mais importante do ano estará em seus momentos finais. No próximo dia 5, à noite, na imensa maioria das cidades brasileiras, os resultados da eleição municipal serão conhecidos, salvo em um ou outro lugar onde a apuração estiver atrasada. Algumas ficarão para o último domingo de outubro, quando termina o segundo turno, mas serão poucas.
São mesmo importantes as eleições municipais? Parece uma pergunta de resposta óbvia, mas não é. Vale a pena discutir o porquê.Existe um tipo de importância que elas não têm. Ao contrário do que insistem em especular muitos analistas e observadores, as eleições municipais pouco ou nada impactam nos resultados das eleições presidenciais que a elas se seguem em nosso calendário eleitoral.
Já fizemos seis eleições municipais desde a redemocratização, quatro depois que voltamos a ter eleições presidenciais pelo voto direto. Não são muitas, mas são suficientes para aprender algumas coisas com elas.
Vimos partidos saírem grandes de algumas e nem conseguirem lançar candidato próprio a presidente dois anos depois. Vimos partidos médios, em termos do número de prefeitos eleitos, fazerem presidentes. Vimos lideranças receberem sua consagração no plano local e nada significar nacionalmente. Chegamos a ver um derrotado em disputa de prefeito virar presidente. Não foram poucas as tendências de uma eleição municipal que não tiveram qualquer conseqüência.
O que essas eleições mostraram são coisas que todo mundo sabe: que os governos estaduais quase sempre se saem vitoriosos, arrebanhando a maior parte das prefeituras; que elas cimentam o caminho de lideranças emergentes, seja em carreiras parlamentares ou no executivo nos estados; que nelas os partidos tendem a fazer combinações ditadas por lógicas estritamente locais, o que torna quase impossível contabilizar vencedores e vencidos no plano nacional.
As deste ano estão sendo assim, apesar da insistência de alguns em procurar nelas significados e projeções sobre o que pode acontecer em 2010. É mania que não dura muito, porém, pois logo estaremos discutindo os cenários da próxima eleição presidencial em seu lugar adequado.
Perde-se, contudo, algo relevante quando as eleições municipais são avaliadas dessa maneira. É como se elas só interessassem se tivessem um hipotético “significado nacional”, sem o qual se tornariam irrelevantes.
Note-se que os eleitores não pensam assim, pelo que se pode ver nas pesquisas. Muito ao contrário, as pessoas comuns olham as eleições locais com atenção e interesse. Maior, quanto mais intenso seu relacionamento com os serviços públicos municipais, como os de educação e saúde. Os eleitores de menor renda são os que mais sabem quanto é relevante o prefeito ou prefeita de suas cidades, assim como quem os vai representar nas Câmaras de Vereadores.
Talvez seja hora de olharmos as eleições municipais como esses eleitores, pela sua própria importância, não pelo que “querem dizer” a respeito das eleições presidenciais. É pura conseqüência do centralismo de nosso sistema político, em que a figura solar do presidente ofusca nossa visão a respeito de seu todo, cada parte do qual é relevante na democracia.
Sábias são as pessoas comuns, que, quando votam para prefeito, escolhem apenas os prefeitos.
A procriação precoce
José de Souza Martins*
DEU EM O SÃO PAULO
É destes dias a constatação, por meio de pesquisa, da precocidade da iniciação sexual de meninas e meninos da classe média. Uma pesquisa com mais de 6 mil alunos de escolas particulares, entre 13 e 16 anos de idade, mostrou que 22% já haviam tido a primeira relação. Nesse grupo, 72% dos adolescentes tinham tido mais de uma parceira; e 44% das adolescentes tinham tido mais de um parceiro. Embora a pesquisa se circunscreva à classe média, as indicações indiretas sugerem que o cenário se repete em relação às outras categorias sociais, ainda que com intensidades diferentes.
A implicação imediata desses resultados é a de que a cultura da sexualidade está mudando rápida e intensamente. Mas é, também, a de que a concepção de casamento e família está sendo profundamente afetada, bem como a de procriação. As muitas evidências de procriação irresponsável, não raro precoce, sugerem um problema social fora de controle, com tendência a agravar-se. Há um número provavelmente crescente de crianças que nascem condenadas a uma socialização mutilada, seja por falta de maturidade social e econômica dos pais, seja pela ausência do pai ou mesmo da mãe.
Estamos em face de um claro processo de desagregação do grupo social tradicional de referência para o nascimento e a primeira socialização das crianças, que é a família. Esse processo pode, eventualmente, ser contido, mas não há como revertê-lo em relação ao já ocorrido, ainda que muitos jovens enfrentem madura e corajosamente as conseqüências da sexualidade antecipada.
Um dos principais fatores dessas mudanças está no amadurecimento desigual das novas gerações: mais cedo na sexualidade e mais tarde no plano econômico e produtivo. O abismo é preenchido por uma sociabilidade nova e improvisada, até criativa, que discrepa da fundada na família. O jovem, hoje, flutua nessa cultura intermediária e indefinida, sem uma base institucional própria de apoio. No passado recente, amadurecia-se por igual, de modo que o amadurecimento sexual acompanhava o amadurecimento econômico (e a autonomia) e a constituição de família própria. A sociedade se desenvolvia, em termos pessoais e sociais, em ritmos iguais, nos seus vários planos. O desencontro dos planos e dos ritmos da mudança social responde por comportamentos que se tornam problemáticos porque ocorrem fora do contexto apropriado e de apropriadas relações sociais, como é o caso de ser mãe ou pai sem ter condições de constituir família.
*José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003;A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008) e A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008).
DEU EM O SÃO PAULO
É destes dias a constatação, por meio de pesquisa, da precocidade da iniciação sexual de meninas e meninos da classe média. Uma pesquisa com mais de 6 mil alunos de escolas particulares, entre 13 e 16 anos de idade, mostrou que 22% já haviam tido a primeira relação. Nesse grupo, 72% dos adolescentes tinham tido mais de uma parceira; e 44% das adolescentes tinham tido mais de um parceiro. Embora a pesquisa se circunscreva à classe média, as indicações indiretas sugerem que o cenário se repete em relação às outras categorias sociais, ainda que com intensidades diferentes.
A implicação imediata desses resultados é a de que a cultura da sexualidade está mudando rápida e intensamente. Mas é, também, a de que a concepção de casamento e família está sendo profundamente afetada, bem como a de procriação. As muitas evidências de procriação irresponsável, não raro precoce, sugerem um problema social fora de controle, com tendência a agravar-se. Há um número provavelmente crescente de crianças que nascem condenadas a uma socialização mutilada, seja por falta de maturidade social e econômica dos pais, seja pela ausência do pai ou mesmo da mãe.
Estamos em face de um claro processo de desagregação do grupo social tradicional de referência para o nascimento e a primeira socialização das crianças, que é a família. Esse processo pode, eventualmente, ser contido, mas não há como revertê-lo em relação ao já ocorrido, ainda que muitos jovens enfrentem madura e corajosamente as conseqüências da sexualidade antecipada.
Um dos principais fatores dessas mudanças está no amadurecimento desigual das novas gerações: mais cedo na sexualidade e mais tarde no plano econômico e produtivo. O abismo é preenchido por uma sociabilidade nova e improvisada, até criativa, que discrepa da fundada na família. O jovem, hoje, flutua nessa cultura intermediária e indefinida, sem uma base institucional própria de apoio. No passado recente, amadurecia-se por igual, de modo que o amadurecimento sexual acompanhava o amadurecimento econômico (e a autonomia) e a constituição de família própria. A sociedade se desenvolvia, em termos pessoais e sociais, em ritmos iguais, nos seus vários planos. O desencontro dos planos e dos ritmos da mudança social responde por comportamentos que se tornam problemáticos porque ocorrem fora do contexto apropriado e de apropriadas relações sociais, como é o caso de ser mãe ou pai sem ter condições de constituir família.
*José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003;A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008) e A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008).
O que pensa a mídia
Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1096&portal=
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1096&portal=
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