quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Merval Pereira - O ‘pato manco’

O Globo

O presidente Bolsonaro já não governa mais. Os vetos derrubados nos últimos dias o consolidam na posição de presidente mais derrotado pelo Congresso nos últimos 20 anos. Na questão dos preços da Petrobras para gasolina, óleo diesel e gás, Bolsonaro tenta há meses encontrar uma maneira de reduzir os aumentos constantes. E agora tem de enfrentar o general Silva e Luna, colocado por ele na presidência da estatal no lugar de Roberto Castello Branco justamente para estancar a alta dos preços.

O general interventor assumiu completamente a tese técnica da Petrobras e, apesar das reclamações de Bolsonaro, anunciou nos últimos dias mais aumentos, na mesma direção da diretoria anterior. A autonomia do Banco Central foi outra “derrota” do governo, embora tenha sido dele a proposta. O presidente Roberto Campos Neto, usando a liberdade que lhe deu a legislação, ficou mais à vontade para criticar a política econômica do governo. Como quando, recentemente, disse que se percebe “o aumento da incerteza do momento presente”, referindo-se à crise deflagrada pelo presidente nos atos de 7 de setembro.

Malu Gaspar – Jogando na confusão

O Globo

Enquanto parte do país oscilava entre o estarrecimento com as revelações do caso Prevent Senior e a irritação com as cenas patéticas do depoimento de Luciano Hang, os dois principais postulantes à Presidência da República em 2022 passaram bem longe da CPI da Covid e voltaram suas baterias para a alta dos combustíveis.

Jair Bolsonaro põe a culpa no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quer que o Congresso aprove uma lei estabelecendo alíquota fixa e uniforme em todo o país para o imposto, que hoje varia de estado para estado.

"Peço a Deus para que ilumine os parlamentares durante a semana para que aprovem esse projeto na Câmara e depois no Senado. Esse é o problema do dia", afirmou o presidente num palanque do Nordeste.

Estava com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez coro. "O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 e o gás a R$ 120".

Bruno Boghossian - Moro devolve seu nome ao baralho

Folha de S. Paulo

Existe espaço para candidatura do ex-juiz após Vaza Jato e rompimento com Bolsonaro?

Sergio Moro devolveu seu nome ao baralho da eleição de 2022. O ex-juiz se reuniu com aliados na semana passada e discutiu a possibilidade de uma candidatura no ano que vem. No encontro, ele pediu que os participantes evitassem comentar seus planos para evitar problemas com o escritório americano onde ele trabalha como consultor.

Foi o sinal mais explícito do interesse de Moro na disputa desde que ele assinou com a Alvarez & Marsal, no fim do ano passado. O potencial conflito com a firma só existe porque ele continua no jogo.

Dirigentes do Podemos querem fazer de Moro mais um candidato ao Planalto com pretensão de furar o domínio de Lula e Jair Bolsonaro nas pesquisas. Não é um plano simples: assim como outros nomes que reivindicam o tal rótulo da terceira via, o ex-juiz não chega a 10% das intenções de voto em sondagens feitas por institutos e partidos.

Maria Hermínia* - Anatomia de uma crise

Folha de S. Paulo

Os meandros da crise na Capes podem ser obscuros, mas as suas causas são claras

Completados mil dias no Planalto, Jair Bolsonaro não conseguiu fazer o que mais queria: destruir a democracia. No mínimo, seu fracasso dá a esperança de que tenha perdido de vez o bonde que imaginava conduzir pela contramão da história.

Isso não apequena o desastre que seu desgoverno vem provocando com a mistura tóxica de ignorância, incompetência e má-fé. Os exemplos são muitos, nem todos visíveis a olho nu. É o caso do progressivo desmanche da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Subordinada ao Ministério da Educação, é peça central daquilo que o estudioso americano Jonathan Rauch chama “Constituição do conhecimento” —por fixar as instituições e normas da ciência.

Ruy Castro - Assembleia de araras

Folha de S. Paulo

Luciano Hang fez de seu interrogatório na CPI um show de som e fúria significando nada

Um político é um político, mas, às vezes, tem de ser também um ator. As duas profissões exigem ênfase, eloquência e expressão, o que inclui gesticulação, postura, extensão de voz. Mas cada qual tem o seu palco, e o dos atores é a ribalta; o dos políticos, a tribuna. O problema é quando os palcos e papéis se confundem: a tribuna, onde os políticos deveriam exercer o recato e a razão, transforma-se no palanque de que eles são originários. E, no palanque, vale tudo —arroubos, destemperos, estrebuchos. Como ator, todo político é um canastrão.

Uma comissão parlamentar de inquérito deveria combinar a sobriedade de um debate no Parlamento não com um histrionismo de caçamba de caminhão, mas com a objetividade de uma entrevista jornalística. Afinal, seus membros estão ali para inquirir pessoas sobre assuntos cuja elucidação é importante, ou a dita comissão não teria sido instituída. É natural que essas pessoas sejam recalcitrantes e se esquivem das respostas —mais um motivo para que se façam perguntas eficientes.

Luiz Carlos Azedo - O espetáculo na pandemia

Correio Braziliense

Os líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e não perder o foco. O objetivo não é promover um carnaval midiático

Ninguém tem dúvida de que a CPI da Covid no Senado tornou-se o epicentro da disputa política entre governo e oposição na conjuntura marcada pelo novo coronavírus. Entretanto, a pandemia está sendo domada, na medida em que a vacinação avança, enquanto o desemprego e a alta da inflação, dos juros e da cotação do dólar começam a ser os fatores de maior repercussão na vida da população. Ou seja, a urgência política está mudando e a comissão começa a perder o protagonismo que tinha, apesar de o elevado número de óbitos por covid-19 ter se tornado um trauma que enluta mais de 600 mil famílias. É muita gente.

O depoimento do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, ontem, na CPI, ilustra a nova situação, na sequência das espantosas revelações da advogada Bruna Morato, na terça-feira, cujo relato da rotina de ameaças a médicos da operadora de saúde Prevent Senior durante a pandemia foi estarrecedor. Enquanto Morato denunciou a falta de autonomia dos profissionais, a exigência da prescrição de remédios ineficazes e o envolvimento da empresa em um “pacto” com o chamado “gabinete paralelo” do Palácio do Planalto, Hang fez de seu depoimento um case de marketing político e comercial ao confrontar a CPI, porque sustentou as posições negacionistas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, e ainda aproveitou para fazer propaganda de sua cadeia de lojas de departamentos.

Maria Cristina Fernandes - Luciano Hang lidera bolsonarismo contra o Leviatã

Valor Econômico

Enquanto dono da Havan explora revolta contra poder do Estado na pandemia, Bolsonaro cuida de manter o espetáculo na outra ponta com carimbo sobre wi-fi e microcrédito

O depoimento do dono das lojas Havan à CPI da Covid no Senado mostrou que a oposição ainda está despreparada para enfrentar o bolsonarismo na sucessão presidencial de 2022. Levou quatro horas para Luciano Hang começar a falar o que, de fato, importava para sua vinculação com o gabinete paralelo da pandemia e o financiamento das “fake news”.

Até lá, Hang teve palco para se apresentar como representante daquela fatia do eleitorado que está mais fechada com o presidente Jair Bolsonaro. Até vídeo-propaganda de sua empresa teve oportunidade de exibir. O Datafolha chama de empresários e o Atlas de empreendedores, mas os dois institutos convergem na constatação de que este é o segmento em que o presidente colhe seu melhor desempenho, com 48% de aprovação.

Entre eles não se incluem grandes empresários e banqueiros que se mobilizam por uma terceira via, mas donos de restaurantes e botecos, feirantes, cabeleireiras e empreendedores de toda ordem que se multiplicaram com a epidemia do desemprego. Eles se identificam com Bolsonaro porque seu negócio faliu ou foi severamente afetado pelas medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos.

Cristiano Romero - A mais difícil e a mais urgente das reformas

Valor Econômico

Todos querem mudança tributária há trinta anos

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sepultaram a possibilidade de aprovação da reforma tributária nesta legislatura, mas inovaram ao indicar que o tema, por bem ou por mal, será apreciado até dezembro. Como ocorreu nos últimos 30 anos, a reforma institucional mais demandada pelos agentes econômicos _ inclusive, os contribuintes pessoas físicas _ pode não sair do papel. E a razão é uma só: é impossível conciliar todos os interesses envolvidos nesse tema.

Razões para justificar mudanças no regime tributário brasileiro não faltam. O sistema taxa mais o consumo do que a renda, na contramão das economias avançadas. No 8º país que mais concentra renda no planeta, onde existem mais de 50 milhões de pessoas miseráveis (dependentes de programas de transferência de renda para sobreviver) e a maioria da população é pobre, essa regra ajuda a perpetuar uma de nossas maiores chagas.

William Waack - Nunca foi tão bom

O Estado de S. Paulo

Em 2005 o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (1930-2020), insistia com a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para que ela realizasse uma promessa feita pelo presidente Lula. “O que o presidente me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo. É essa que eu quero”, foi a célebre frase de Severino, empenhado em colocar um afilhado na Petrobras.

Para os herdeiros políticos de Severino Cavalcanti o mundo melhorou muito nesses últimos 16 anos. Depois de um mensalão, uma Lava Jato, um impeachment e uma onda disruptiva (com a promessa de que tudo ia mudar), o cargo de presidente da Câmara que ele ocupou equivale hoje ao de um primeiro-ministro. Com poderes para vociferar, ao mesmo tempo, contra a Petrobras, os governadores e mantendo a faca no pescoço do presidente da República.

Foi o caso no “show” armado pelo atual presidente da Câmara, Arthur Lira, em torno da política de preços da Petrobras. Não se tratou apenas do costumeiro espetáculo eleitoreiro de políticos preocupados com o efeito corrosivo do formidável aumento dos preços de combustíveis sobre a popularidade de quem disputa votos. Foi uma manifestação eloquente de como as forças unidas do Centrão ditam hoje a agenda política, além de mandar no Orçamento.

Adriana Fernandes - A gravidade da crise de energia

O Estado de S. Paulo

Todos os sinais são de formação de uma crise global no mercado de energia, mas no Brasil as autoridades insistem no jogo diário de empurrar a culpa uns para os outros.

O problema é grave e exige, mais do que nunca, uma resposta organizada porque o horizonte atual é de continuidade dos preços altos de combustíveis e gás depois da pandemia da covid-19, com repercussões macroeconômicas gigantescas.

Um gabinete de crise com governo federal, Estados e – por que não? – caminhoneiros.

O que é mais recomendável é uma abordagem ampla, com a visão de que se trata de uma crise que não é só brasileira, mas global.

O que chama atenção no debate político de Brasília é que as pessoas não estão se dando conta do ambiente hostil no mundo. O tema não foi trazido com a relevância e a seriedade necessárias. O foco na disputa com governadores em cima das alíquotas elevadas do ICMS não reflete a gravidade do problema, que elevou as preocupações do mercado com os gargalos de oferta que comprometem a recuperação econômica global.

Míriam Leitão - O mundo piora, o Brasil patina

O Globo

Tudo começou a acontecer ao mesmo tempo na economia internacional. A China está em desaceleração — desta vez é sério — por causa do gargalo energético e o colapso de uma grande empresa imobiliária. O governo dos Estados Unidos, de novo, bateu no teto da dívida. Haverá muita turbulência política até aprovar um novo teto e há ainda uma instabilidade institucional inédita no Fed. Há uma crise de oferta dentro da indústria, setor que está puxando a recuperação. Essa é a explicação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, para a turbulência desta semana. No Brasil ele diz que há muitas dúvidas entre os economistas sobre a condução da política fiscal pelo governo Bolsonaro e isso se reflete no dólar, na bolsa e no mercado de juros.

Mário Mesquita foi diretor de política econômica do Banco Central e trabalhou no FMI. Recentemente ele fez um forte movimento de revisão do cenário para o ano que vem, derrubando de 1,4% para 0,5% a projeção para o PIB. E acha que se houver racionamento de energia pode ir a zero. Esse cenário é de um ano difícil, com aumento do desemprego. A alta da Selic este ano terá impacto na economia no ano que vem. Ele acredita que em comparação com 2020 e 2021 o governo gastará menos, mesmo sendo período eleitoral. Ou seja, haverá aperto fiscal e monetário.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro mente mais sobre gás

Folha de S. Paulo

Presidente promete cortar valor pela metade usando dados falsos e medidas impossíveis

Jair Bolsonaro disse que o preço do botijão de gás vai cair pela metade, “pode ter certeza, se Deus quiser”.

Se Deus quiser baixar o dólar para R$ 2,70, pode ser. Mas Deus também teria de garantir que o preço do gás no Golfo do México parasse de aumentar.

Se o “Mito” subsidiar o gás de cozinha, também dá, mas só para os muito pobres. Com uns R$ 8 bilhões por ano dá para cortar pela metade o preço do botijão de 13 kg para uns 15 milhões de famílias que recebem Bolsa Família, se essas casas consumirem um botijão por mês. O governo de Bolsonaro poderia tentar arrumar esse dinheiro, que por ora não tem, mas não sabe trabalhar e nem está muito interessado.

Essa conversa é maluca, pois é um diálogo com Bolsonaro, um mentiroso dos mais perversos e ignorantes. Mais uma vez, isso que por convenção se chama de presidente da República atribuiu o preço alto do gás ao imposto estadual, ao ICMS. Mentira.

Cora Rónai – Ninguém sonha com exílio

O Globo

Descobri recentemente Hakim. E fiquei contente por os três volumes já estarem publicados; teria sido aflitivo esperar o desenrolar da história

Não gosto do termo graphic novel. Ele define, em tese, histórias em quadrinhos com pretensões literárias, mas essa definição não funciona, a começar pela expressão “pretensões literárias”. Graphic novels não têm “pretensões literárias”. Elas são uma outra forma de arte, em que o desenho tem peso tão ou mais importante do que as palavras. Elas não precisam ser o que não são para brilhar no mundo.

Infelizmente não posso jogar fora o termo porque ainda não existe outro para definir graphic novels, que são histórias em quadrinhos que vão além das HQs clássicas como as conhecemos das bancas e dos jornais — seja em tamanho, seja em profundidade filosófica; histórias em quadrinhos com um ou dois pés no romance, na História, na ficção científica ou na autobiografia; histórias em quadrinhos, pois, com... pretensões literárias?

(Entra aqui aquele emoji de olhinhos virados para cima, que desistiu de buscar lógica no mundo. Estão vendo como a arte visual é importante para a comunicação?)

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Alta da gasolina não é culpa dos governadores

O Globo

Há exatamente um ano, para encher o tanque de um carro popular, como o Onix, com gasolina comum no Rio, o dono do veículo gastava R$ 211, de acordo com pesquisa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis em postos da cidade. Hoje o mesmo motorista precisa desembolsar R$ 288. Há um ano, o valor gasto atualmente para encher três tanques era suficiente para pagar por quatro e ainda sobravam uns trocados. A alta de 36% em tão curto espaço de tempo assusta os proprietários de automóveis, alimenta a inflação e tira o sono do presidente Jair Bolsonaro, ciente de que essa é uma das principais causas da queda em sua popularidade a cerca de um ano das eleições de 2022.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), num discurso em Alagoas na terça-feira, mostrou estar acompanhando o tema ao dizer que “ninguém aguenta mais o combustível alto”. Quando uma autoridade da República dá sinais de que também se interessa pelo que acontece aos cidadãos nas ruas, merece aplausos. Lira parece, contudo, mais preocupado com o custo político para o governo que com o bolso dos motoristas.

Em seu discurso, ele deu provas de que não sabe — ou não quer — mirar no alvo. De forma retórica, perguntou: “Sabe o que faz o combustível ficar caro?”. Em seguida, deu a resposta: “São os impostos estaduais. Os governadores têm de se sensibilizar”. Lira prometeu debater um projeto sobre a incidência do ICMS, um tributo estadual. É o mesmo argumento falacioso usado pelo governo Bolsonaro para transferir a responsabilidade para seus adversários políticos.

Poesia | Nicolás Guillén (1902-1989) - Como não ser romântico e século XIX

Como não ser romântico e século XIX,
sinto muito,
como não ser Musset
olhando-a esta tarde
tendida quase exangue,
falando longe,
muito longe do fundo de si mesma,
de coisas leves, suaves, tristes.

Os shorts bem shorts
permitem ver suas coxas escondidas
mais fortes,
a enferma blusa pulmonar
convalescente
tanto como seu queixo-fino-Modigliani,
tanto como seu pé-margarida-trigo-claro,
Margarida de novo (é preciso),
naquela cadeira ocasional tendida
ocasionalmente usando o telefone,
me devolvem um busto transparente
(Nada mais que um pouco cansado).

É sábado na rua, mas em vão.
Ai, como amá-la de maneira
que não me quebre
de tão espumado tão soneto e madrigal.
Me vou. Não quero vê-la.
De tão Musset e século XIX
como não ser romântico.

Música | Orquestra Buena Vista Social Club /Omara Portuondo & Eliades Ochoa - Candela

 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Martin Wolf* - A estranha morte da democracia americana

Valor Econômico

Os republicanos já cruzaram seu Rubicão

“Um ‘cesarismo’ americano agora tomou corpo”. Escrevi isso em março de 2016, antes mesmo de Donald Trump se tornar o candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos. Hoje, a transformação da república democrática em uma autocracia avançou. Em 2024 ela poderá ser irreversível. Se isso de fato acontecer, mudará quase tudo no mundo.

Ninguém descreveu esse perigo de forma mais convincente do que Robert Kagan. Seu argumento pode ser reduzido a dois elementos principais. Primeiro, o partido Republicano é definido não pela ideologia, e sim por sua lealdade a Trump. Segundo, o amadorístico movimento “parem de roubar” da última eleição se transmutou em um projeto bastante avançado. Uma parte desse projeto é remover autoridades que barraram o esforço de Trump de reverter os resultados das eleições. Mas seu principal objetivo é transferir a responsabilidade de decisão dos resultados eleitorais para legislaturas controladas pelos republicanos.

Se o ciclo normal da política der aos republicanos o controle da Câmara e do Senado, Trump estará protegido e servido pelo Congresso a partir de 2022. Ele detém uma grande maioria na Suprema Corte. Os republicanos controlam todos os níveis de poder em 23 Estados

Vera Magalhães - Prevent Senior e a síntese do horror

O Globo

Foi uma experiência excruciante assistir ao depoimento da advogada Bruna Morato à CPI da Covid. Dolorida, incômoda, nauseante. Não tenho parentes segurados pela operadora Prevent Senior e até aqui tive a sorte, rara no Brasil do biênio 2020-2021, de não ter perdido familiares próximos para o novo coronavírus. Assim, não consigo imaginar a dor de pessoas que estejam nessas situações e tenham assistido ao relato do horror sem antessala.

Bruna representa um grupo de ex-médicos da Prevent que assinou a denúncia de um leque inenarrável de irregularidades cometidas pela operadora e a encaminhou ao Ministério Público e à CPI. Provavelmente, caberá ao primeiro esmiuçar esse caso a fundo e imputar crimes, caso eles sejam comprovados.

Mas a CPI encontrou, nos experimentos e nas práticas denunciados pelos médicos e pela advogada, a materialidade que ainda lhe faltava para as muitas evidências de que houve um conluio entre o governo e a Prevent, diante do qual a agência reguladora dos planos de saúde e os conselhos de medicina foram absolutamente omissos, se não cúmplices, para empurrar literalmente goela abaixo de pacientes um tratamento para Covid-19 sabidamente ineficaz e propagandeá-lo publicamente como forma de desencorajar as pessoas de seguir os protocolos sanitários e a necessidade de distanciamento social ou até de lockdown.

Elio Gaspari - Há uma bomba-relógio no TSE

O Globo / Folha de S. Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelou que nas próximas semanas julgará o processo de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Parece falta de assunto, mas é bom que se diga: trata-se de uma iniciativa retardatária e inoportuna, caso clássico de tapetão.

É retardatária porque não faz sentido cassar uma chapa três anos depois da campanha durante a qual teriam ocorrido flagrantes transgressões da lei. Tudo indica que as ilegalidades ocorreram, mas, se o Judiciário levou três anos para decidir julgar o caso, deveria reconhecer que sua morosidade causou danos ao bem público semelhantes aos das malfeitorias cometidas. Se o caso envolvesse uma autoridade conduzida a um cargo vitalício, tudo bem, mas cassar uma chapa a um ano do fim do mandato é uma excentricidade.

É inoportuna, porque o país ainda não se livrou da tensão institucional manipulada por Bolsonaro nos seus confrontos verbais com o Judiciário. Uma nova encrenca nesse quintal é coisa desnecessária.

Bruno Boghossian - Asfalto e fé

Folha de S. Paulo

Portfólio limitado do governo leva presidente a recalibrar plataforma da reeleição

Jair Bolsonaro aproveitou as cerimônias dos mil dias de governo para testar uma plataforma eleitoral para 2022. Com a gestão desastrosa da pandemia e a condução torta da economia, o presidente tenta turbinar um pacote modesto de obras, transferir responsabilidades para adversários políticos e ampliar o apelo a uma retórica conservadora.

Pela manhã, Bolsonaro voou até o sul da Bahia para lançar um centro esportivo e entregar cinco títulos de propriedade rural. O evento também marcou a inauguração simbólica de meros 9,5 km de estradas federais duplicadas –uma extensão que não cobre nem metade da distância entre o Palácio da Alvorada e a base aérea de Brasília, de onde ele havia decolado horas antes.

Mariliz Pereira Jorge - Mil dias de pesadelo

Folha de S. Paulo

Para a doença causada por ele já há remédio na Constituição

Um assunto que bomba mais no meu WhatsApp do que política são as drogas. Aquelas vendidas em farmácia, teoricamente controladas, para o sistema nervoso central. Que está todo mundo meio mal, não há dúvida. E parece uma óbvia vitória que doenças mentais deixem aos poucos de ser tabu, mas o lado sinistro dessas discussões é que não há pudor em trocar impressões sobre tratamentos, medicamentos, efeitos colaterais.

Reportagem da jornalista Claudia Collucci, nesta Folha, mostra que a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor tem aumentado sem parar. Em 2019, 12%. No ano seguinte, 17%. Nos primeiros cinco meses de 2021 a alta já foi de 13%.

Hélio Schwartsman - Mundo precisa de mais vacinas

Folha de S. Paulo

Mais do que nunca, é preciso ampliar a produção dos imunizantes

As vacinas já mostraram que reduzem drasticamente a morbidade e a mortalidade pela Covid-19, além de diminuir a circulação do vírus. Desenvolvidos em menos de um ano, quase todos os biofármacos que chegaram à fase 3 de testes funcionaram —alguns com eficácia de mais de 90%—, o que é muito mais do que sonhavam os infectologistas no início da pandemia. A má notícia é que a imunidade conferida pelas vacinas parece cair em alguns meses.

Um sinal eloquente disso vem de Israel, que, no fim de agosto, após experimentar um recrudescimento da epidemia, começou a oferecer uma terceira dose da Pfizer a todos os que já haviam recebido a segunda ao menos cinco meses antes. Trabalho recém-publicado no "NEJM" envolvendo mais de 1,1 milhão de israelenses de mais de 60 anos mostrou que, 12 dias ou mais após o reforço, a probabilidade de apresentar uma infecção era 11,3 vezes menor no grupo que recebeu a dose extra do que no que estava com o esquema padrão de duas doses. A chance de desenvolver um quadro severo era 19,5 vezes menor. Isso para a Pfizer.

Vinicius Torres Freire - Crise mundial vai encarecer sua gasolina

Folha de S. Paulo

Motivo mais imediato da crise é a falta de gás na Europa, que contagia outros mercados

Falta energia no mundo. A crise pode ser transitória, em parte resolvida em parte com arranjos políticos até o final do ano, mas encarece combustíveis, como a sua gasolina, e a produção de algumas indústrias e serviços, quando não a paralisa. A inflação mundial vai aumentar um pouco mais. Com algum azar e sem arranjos, a crise pode se prolongar até bem entrado o verão do Hemisfério Sul e o inverno do Norte. Nesse caso, haverá mais dificuldades do que preços algo maiores.

O problema mais novo e imediato é a falta de gás natural, retirado das profundezas do chão. Em um ano, o preço do gás mais do que dobrou nos Estados Unidos e quadruplicou, mais ou menos, na Europa —estão nos níveis mais altos em cerca de sete anos.

A Europa depende em parte de gás para fazer eletricidade e para aquecimento doméstico. Fábricas de metais, fertilizantes e materiais de construção do mundo inteiro usam gás. Com o preço do produto nas alturas, começa-se a recorrer mais a óleo combustível, o que pressiona ora marginalmente e ainda mais o preço do barril de petróleo. A produção dos poços por ora está limitada por decisão do cartel dos grandes produtores, a Opep.

Luiz Carlos Azedo - O jogo é jogado

Correio Braziliense

O jogo eleitoral de 2022 começou com uma “folha seca”, a derrubada do veto à formação de frentes partidárias, que mitigando o fim das coligações proporcionais

A frase “treino é treino, jogo é jogo” é de autoria de Valdir Pereira da Silva, mais conhecido como Didi, bicampeão mundial de futebol (1958-1962). O craque não gostava de exercícios físicos e enrolava nos treinos, se prevalecendo de sua reconhecida habilidade com a bola, algo impensável hoje em dia, mesmo para Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar. Didi foi um dos melhores e mais elegantes meio-campistas da história. Inventou a “folha seca”, um chute de bico de pé, de fora pra dentro, com a região dos três dedos, no meio da bola parada, que surpreendia os goleiros pela sua trajetória enviesada e a repentina descaída ao se aproximar do gol.

A “folha seca” entrou para a história do futebol aos 27 minutos do segundo tempo do jogo da nossa seleção contra o Peru, classificando o Brasil nas eliminatórias sul-americanas para a Copado Mundo da Suécia, em 1958. Resulta de dois efeitos aerodinâmicos: a “força ascensorial”, a mesma provocada pela curvatura da asa do avião, ao fazer o vento se deslocar mais rapidamente pela superfície superior do que pela inferior, o que faz com que se sustente no ar enquanto há impulsão; e o “efeito Magnus”, no qual a velocidade de giro da bola sobre o próprio eixo, por sua superfície áspera, provoca uma trajetória elíptica, como nos gols de escanteio. Essa combinação torna impossível prever e interceptar o percurso da bola.

O jogo eleitoral de 2022 começou com uma “folha seca”, a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à formação de frentes partidárias nas eleições, mitigando o fim das coligações proporcionais. Com isso, duas ou mais siglas com afinidade ideológica e programática poderão se unir para atuar de maneira uniforme em todo o país, sem que seja necessário fundir os diretórios. Entretanto, a união precisa durar quatro anos. A decisão pode facilitar a sobrevivência dos pequenos partidos, mas foi uma jogada das grandes legendas, como o PT e o PSD, interessados em formar amplas alianças nas eleições do próximo ano.

Eliane Cantanhêde - Desvantagem de gaúcho pode se tornar virtude para 2022

O Estado de S. Paulo

O maior empenho do governador Eduardo Leite (RS) para vencer as prévias do PSDB em novembro e viabilizar sua candidatura à Presidência da República em 2022 é transformar sua grande desvantagem na sua principal vantagem: o fato de ser jovem, uma novidade e inusitado para um empreendimento tão audacioso.

Quando lhe perguntam se não é cedo para disputar a Presidência, depois de ter passado apenas pela prefeitura de Pelotas e estar no primeiro mandato no governo do Rio Grande do Sul, Leite sorri: “Bem... É mais do que o Jair Bolsonaro, a Dilma Rousseff, o Lula e o próprio Fernando Henrique tinham quando viraram presidentes”.

E não é que ele tem razão? Apesar dos 28 anos de Parlamento de Bolsonaro, de um ministério e uma secretaria estadual de Dilma, da liderança política e sindical de Lula e da sólida carreira acadêmica de FHC, nenhum dos ex-presidentes teve experiência administrativa numa prefeitura ou num governo estadual, muito menos num governo relevante como o que Leite ocupa.

Rosângela Bittar - Mil noites obscuras

O Estado de S. Paulo

Não se trata do que Bolsonaro fez ou deixou de fazer, mas do que simplesmente destruiu

A tentativa de se aplicar a régua dos mil dias para celebrações demonstrou o que se esperava. O governo Jair Bolsonaro nada tem a festejar. Não há fatos, inspiração relevante ou oscilação dos gráficos que não sejam lamentáveis.

Os historiadores, um dia, se ocuparão do legado de Bolsonaro, suas ações e omissões. Os brasileiros, hoje, se ocupam de sobreviver entre os escombros a que o País está sendo reduzido.

Bolsonaro provocou a deterioração de setores e atividades que até então resistiam ao pessimismo. A começar pela política externa, reduzida a improvisações circenses.

Sua visão reacionária caracteriza a política ambiental, renega os conceitos científicos da saúde, desestabiliza o sistema educacional e inibe as manifestações da cultura.

José Nêumanne* - Populismo contra o povo do mentiroso preguiçoso

O Estado de S. Paulo

Expoente da direita estúpida ajudou a tornar Lula elegível por prever que o derrotará

Em 8 de abril de 2020, Jair Bolsonaro traçou, em cadeia de rádio e TV, as linhas gerais de sua conduta no comando do combate à pandemia da covid-19: receitou cloroquina ineficaz, pregou reabertura do comércio, condenou o uso de máscaras, inculpou prefeitos e governadores por medidas de restrição à circulação de pessoas como forma de evitar o contágio da doença e ainda citou o que o diretor da Organização Mundial da Saúde, de fato, não disse.

Em 18 meses de guerra da Pátria, que ele nunca provou amar, contra o contágio do vírus, chegando perto de 600 mil baixas, muitas delas que poderiam ter sido evitadas, presidiu o populismo contra o povo. Daí 53% dos entrevistados pelo Ipec terem achado sua gestão “ruim ou péssima”. Apesar de bater recorde e ultrapassar a metade, o índice não reflete a dimensão de seu desastre. Após ter festejado a previsão de retomada da economia, pálida, segundo a previsão do Focus (mais 1,88%), a nova fica abaixo de 1%. Enquanto países desenvolvidos crescem aproveitando o êxito de isolamento, uso de máscara e vacina, o tríduo desprezado por seu negacionismo de resultados arrebanha fanáticos seguidores, calculados em 11% da população pelo diretor do Datafolha, Mauro Paulino.

Cristian Klein - A fusão de aflitos entre PSL e DEM

Valor Econômico

União de partidos indica projeto para evitar decadência

Duas premissas da fusão entre o PSL e o DEM são de que eles formarão um megapartido e que a agremiação terá um projeto independente, de terceira via, na eleição presidencial do ano que vem. Nem um nem outro resultado é garantido.

Em termo quantitativo, o primeiro ponto a se considerar é que a nova legenda perderá a ala mais radical de deputados ligados a Jair Bolsonaro. Espera-se que cerca de 25 parlamentares do PSL, na Câmara, rumem para a sigla que o presidente escolher.

A debandada dos “bolsonaristas roxos” praticamente anula o peso com que a bancada de 28 deputados do DEM contribui para a formação da legenda. Entre esses parlamentares, no entanto, também há expectativa de saídas. Como no Rio, onde o DEM é controlado pelo deputado Sóstenes Cavalcante, ligado ao pastor Silas Malafaia, outro ultrabolsonarista, ambos insatisfeitos com a perda da máquina partidária e a suposta independência que a sigla terá em relação ao governo federal.

Paulo Sternick* - Paradoxos suspeitos

O Globo

Atordoar e intimidar o inimigo é uma das táticas necessárias à guerra. A linguagem militar já nos atravessa, e a lógica rasteira da caserna avança sobre a cultura. Mas, na política, ver adversário como inimigo é um inquietante sinal. E a confusão produzida por Bolsonaro parece proposital: visa a não identificar sua estratégia —ou a falta dela. Nem é possível distingui-la de um caráter perturbado. Talvez nem ele saiba exatamente como agir para alcançar o desejo de um poder absoluto e vazio.

O ultraje sofrido pela maioria dos brasileiros com essa trama macabra justifica a criação de um novo mote: “Bolsonaro nunca mais”. O sono da democracia produziu um monstro. É preciso acordar do pesadelo e começar a pensar em 2023, na reconstrução do nosso orgulho abatido, na renovação da esperança e da alegria, na crença real num futuro suave. É preciso dar emprego e melhorar a renda. Reabilitar o Estado e dar-lhe condições de voltar a investir.

Roberto DaMatta - Um brasileiro em Nova York

O Globo / O Estado de S. Paulo

1.Nascido no gigante adormecido, Jair Bolsonaro foi à cidade que jamais dorme para fazer um discurso na ONU.

O resultado foi um discurso pífio e um patético flagrante do Supremo Mandatário e de sua comitiva desamparados, comendo pizza numa calçada. É claro, como já mencionei aqui, Bolsonaro se acha acima das normas e da biologia, embora tenha contraído a doença. Superiores não se vacinam e, irresponsavelmente, esquecem o caráter exemplar de seus cargos. Você pode ser individualista, mas o vírus é coletivista.

Bolsonaro é uma extremada ambivalência ambulante, essa marca dos poderosos nacionais. Pois — com raríssimas exceções — ter poder no Brasil é “ter a faca e o queijo nas mãos”, é ignorar normas. Seja porque os “superiores” não lhes obedecem; ou porque estão convencidos de que são seus donos. Afinal, eles as inventam e, se têm esse poder, não precisam segui-las. Elas são feitas para o “povo”. As elites legislativas (que estão em todo lugar) relativizam tudo com o “você sabe com quem está falando?”.

Só que, em Nova York, as regras valem para todos. Um presidente pode declarar uma guerra, mas não acaba com o ataque viral... Recusando fazer em Roma como os romanos, Bolsonaro viu sua teimosia virar pizza.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A dilapidação do Orçamento

O Estado de S. Paulo

Enquanto o Legislativo não cria regras de transparência para as emendas de relator, é urgente que órgãos de controle se debrucem sobre essas destinações

A Câmara dos Deputados organizou, no dia 23 de setembro, um debate com especialistas em gestão e direito público sobre os Impactos das Emendas de Relator no Orçamento Federal. Sintomaticamente, o debate foi promovido não pela Comissão do Orçamento, mas pela Frente Ética Contra a Corrupção. “Eu vejo uma corrupção sistêmica orquestrada por dois Poderes para fraudar o Orçamento público”, denunciou o professor de Direito Financeiro Heleno Taveira Torres. “É uma espécie de mensalão por dentro. A diferença é de meios: o que antes era feito com recursos estranhos ao Orçamento agora está sendo feito por dentro do Orçamento. O resultado é o mesmo: a compra de apoio de base parlamentar.”

Como apontou o diretor da Instituição Fiscal Independente, Felipe Salto, “o Orçamento público deveria ser o ápice do processo democrático, porque se trata de discutir a melhor alocação de recursos”. Com vistas à colaboração entre os Poderes eleitos para esse processo, a Constituição previu a possibilidade de emendas parlamentares na proposta orçamentária anual encaminhada pelo Executivo ao Congresso. Por meio delas, os parlamentares e suas bancadas poderiam orientar os recursos às necessidades da população.

Poesia | Ferreira Gullar - No mundo há muitas armadilhas

No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Música - Zélia Duncan - Jura

 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Merval Pereira - Dilemas legais

O Globo

O bom-mocismo do presidente Jair Bolsonaro tem a ver, sobretudo, com a proximidade do julgamento de alguns dos processos que podem atingi-lo e do encerramento da CPI da Covid, que discute internamente como encaminhar o relatório final de maneira que tenha consequências práticas. Há questões técnicas que podem obrigar a CPI a fazer dois ou três relatórios, cada um endereçado a um órgão próprio, como sugere o professor e jurista Aurélio Wander Bastos, que alertou a comissão de que não cabe ao Ministério Público Federal dar seguimento a acusações de crime de responsabilidade.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz, acha que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não pode simplesmente “matar no peito” e não dar seguimento ao relatório, mas a legislação pode ajudá-lo a não acusar o presidente da República, como temem os membros da CPI. A Constituição brasileira, ao definir as competências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), estabelece que ela tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, devendo suas conclusões, se for o caso, ser encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal.

Míriam Leitão - Ideias de Leite, além das prévias

O Globo

O governador Eduardo Leite acha que nenhuma reforma deve ser feita no governo Bolsonaro, sob o risco de o país “queimar as boas pautas” ao vê-las transformadas em projetos ruins. Leite defende que o país faça um programa de transferência de renda que tenha como foco as 17 milhões de crianças que vivem abaixo da linha da pobreza. O governador gaúcho concorre às prévias do PSDB e disse que só a existência dessa disputa já mostra uma mudança no partido, porque antes, em apenas uma eleição, o candidato saiu de São Paulo. “Estou otimista, tenho muitos apoios, inclusive aqui em São Paulo”. Leite estava na capital paulista quando conversei com ele, no domingo.

O senador Tasso Jereissati estava ontem indo para Brasília onde pretende hoje anunciar a desistência da candidatura. “É um movimento de partido em favor de Eduardo Leite”, me disse um integrante da sua assessoria. Além de Eduardo Leite, disputam as prévias o governador de São Paulo, João Doria, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. O governador gaúcho está em campanha nessa disputa interna, mas acha que, além de ter ideias para as prévias, precisa pensar com que propostas o partido deve lançar candidato. Na sua visão, o PSDB precisa ter um programa que some forte política de combate à pobreza, muito investimento em educação e também reformas. Ele citou duas, tributária e administrativa. Ponderei a ele que são as mesmas que o governo Bolsonaro está tentando fazer:

Carlos Andreazza - O bode dos precatórios

O Globo

Os que acreditam na vinda súbita do meteoro certamente creem no compromisso pela preservação do teto de gastos, esse donzelo por cuja pureza se concertam candidatos à reeleição que constituíram poderosas empresas familiares dentro do Estado; inclusive e sobretudo Jair Bolsonaro, antigo defensor da responsabilidade fiscal. Não é o meu caso. Vejo incompetência, desde 2020 o Ministério da Economia prevenido — e inerte a advocacia estatal — sobre a projeção da fatura para 2022. E vejo oportunismo, acionado o botão que abre o dispositivo solar, por onde serão dependurados os fundos — todos, claro, exceções. Dirá o cínico que é exceção o ano eleitoral; e que o importante é dissimular: tirar o bode da sala e então vender que poderia ser pior.

O meteoro é instrumento para chantagem. Recebido todo o seu impacto, inviabilizará o país. Há que fazer algo! Já ouvimos o ministro da Economia declarar que, sem um jeito no monstrengo, faltariam dinheiros para pagar salários dos servidores, embora seja muito provável que, com o jeitinho, o governo encontre granas para dar aumento salarial em 22; a PEC Emergencial, a do fiscalismo do amanhã, foi feita sob medida para isso — o leitor anote.

Há que fazer algo! Mas não o sugerido pelo deputado Marcelo Ramos, por retirar todos os quase R$ 90 bilhões do teto de gastos. Não! Por uma solução menos pior, ora, reuniram-se Paulo Guedes, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Recebido todo o seu impacto, o meteoro inviabilizará o ano eleitoral que vem; e há que financiar o ano eleitoral que vem. De todos. Não apenas de Bolsonaro. A ordem é unida.

Luiz Carlos Azedo - Mil e uma noites no poder

Correio Braziliense

Ninguém pense que Bolsonaro está jogando a toalha. Apesar das dificuldades eleitorais, não se sente estrategicamente derrotado. Constrói um cenário imaginário

Os 1.000 dias do governo Bolsonaro foram comemorados pelo governo sem muita pompa, não houve nenhuma entrega espetacular para marcar a data. Afinal, são 600 mil mortes por covid-19, 14 milhões de desempregados e 35 milhões de brasileiros na miséria. “Nada não está tão ruim que não possa piorar”, disse o presidente Jair Bolsonaro, agourento, durante a efeméride no Palácio do Planalto. Diante de ministros e parlamentares, arrematou: “Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4? Ou menos? O dólar R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte. É uma realidade. E tem um ditado que diz: ‘Nada não está tão ruim que não possa piorar’. Nós não queremos isso.”

Lembrei-me de uma passagem de um clássico da literatura universal, As Mil e Uma Noites (Editora Brasiliense), uma coletânea de histórias de origem persa narradas por sua principal personagem, a princesa árabe Xerazade, esposa do rei Xariar. “Você vai morrer!”, disse o monarca, “você morreria nem se fosse apenas para eu ouvir sua cabeça falar depois de separada do corpo”.

Andrea Jubé - Previsão do tempo: dias de sol na política

Valor Econômico

Planalto pressiona por sabatina logo após 12 de outubro

Por ironia, a cena política desanuviou justamente quando o tempo fechou em Brasília, com o início das chuvas. O clima de deserto adicionava um ingrediente a mais à longeva crise de nervos dos atores políticos na capital.

Na primeira de semana do mês não bastasse a tensão com o imprevisível 7 de setembro, o calor era de secar o espelho d’água do Congresso.

Com as entranhas expostas, auxiliares presidenciais e líderes da cúpula do Centrão não disfarçavam a irritação com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que na avaliação do grupo, não agia para distensionar o ambiente político.

“Ele é candidato a presidente [da República] e está misturando propostas de interesse do Brasil com política”, reclamou à coluna, em caráter reservado, um importante líder do Centrão.

Na véspera, 1º de setembro, o Senado havia rejeitado a Medida Provisória (MP) 1.045, que promovia uma minirreforma trabalhista. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusaram os senadores de descumprir acordo para aprovar a matéria.

Fabio Graner - Auxílio salva quase 6% do PIB até 2040

Valor Econômico

Política beneficiou todos os estratos de renda, diz estudo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG

O auxílio emergencial não só evitou que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tivesse uma queda adicional de 2,4 pontos porcentuais no ano passado (a retração foi de 4,1%), como deve impedir quase 6% de perdas acumuladas para a soma das riquezas produzidas pelo país até 2040. Os cálculos são do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, em estudo obtido pelo Valor.

“A retração da economia sem o auxílio seria de 6,52% no PIB em 2020.... Até 2040, os efeitos da ausência do auxílio gerariam um desvio acumulado negativo de 5,84%”, diz o trabalho.

O programa de R$ 291 bilhões em 2020 impediu também uma queda adicional de 5,5 pontos no consumo das famílias naquele ano e de 10,4% até 2040. “Para o investimento, sem o auxílio, essa variável desviaria negativamente 4,07% da sua taxa de crescimento observada em 2020 (-0,8%). Em 2040, os efeitos acumulados de sua ausência gerariam um desvio negativo acumulado de 11,3%.”

Joel Pinheiro da Fonseca - Um país intoxicado

Folha de S. Paulo

É tarde para recuperar vidas que se perderam, mas não para encerrar a carreira de Bolsonaro

 “A cloroquina curou meu tio.” Mereceria um Nobel da Paz quem conseguisse persuadir o grande público de que esse tipo de evidência anedótica não serve para nada. Via de regra, contudo, qualquer cura mágica, medicina alternativa ou crença infundada permanece um fenômeno marginal, que pouco interfere na saúde pública.

Com a cloroquina foi diferente. O furor na defesa desse remédio tomou o país. Ficou inclusive difícil para instituições médicas sérias testarem seus efeitos, pois os pacientes passaram a tomar por conta própria. Houve plano de saúde distribuindo o kit de presente para os associados. O médico não receitou? O paciente procurava outro médico até que algum receitasse, ou simplesmente tomava sem receita.

Vi amigos meus dizendo que não apoiar a cloroquina era falha moral. Houve quem fizesse “caridade” distribuindo kits para os pobres. O país enlouqueceu na cloroquina (e mesmo assim está no top 10 mundial em mortes por milhão de habitantes; ou seja, realmente não funciona).

Por que se criou um movimento, uma torcida organizada, uma militância, ao redor deste remédio? A resposta, como a de tantas outras tragédias recentes, é Bolsonaro. O presidente da República virou garoto-propaganda do remédio. Gastou milhões de reais para produzir, comprar, distribuir e promover uma cura falsa. E não foi a primeira vez que se fez de charlatão —enquanto deputado, aprovou projeto para incentivar a “pílula do câncer” (que, como você pode imaginar, não funciona).