segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques*

Curiosamente, ou nem tanto, para a construção desses mecanismos é imprescindível a presença ativa dos conservadores clássicos. Eis um elo – a contribuição dos conservadores – que é preciso considerar para manter viva a corrente da democracia. Há muito que conservar nas nossas sociedades, mesmo que a História não tenha acabado e se vislumbre um longo e indefinido caminho de mudanças que só descobriremos à medida que o palmilharmos em liberdade.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil. “Além dos pequenos nacionalismos”, O Estado de S. Paulo, 16/8/2020.

Entrevista | Jan-Werner Müeller: ‘Está surgindo uma arte populista de governança’, diz cientista político

Líderes autoritários que se preocupam com gestão podem usar pandemia para ter mais poderes, analisa alemão Jan-Werner Müeller

Guilherme Evelin, O Estado de S.Paulo

Líderes populistas “inteligentes” e preocupados com a gestão de seus governos, e não só com “guerras culturais” podem aproveitar a pandemia do novo coronavírus para concentrar poderes e reforçar seu autoritarismo, à maneira do que está fazendo Viktor Órban na Hungria. O alerta é do cientista político alemão Jan-Werner Müeller, uma das principais referências mundiais no debate sobre a ascensão de líderes considerados populistas e que chegaram ao poder surfando ondas de revolta contra o sistema político, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil.

Depois de escrever O que é populismo?, lançado no mesmo ano da eleição de Trump, Müeller, professor da Universidade Princeton, está fazendo pesquisa para um novo livro. Nele, vai discutir propostas para revigorar os partidos políticos e a imprensa – dois pilares cruciais, segundo Müeller, das democracias liberais, mas ambos em crise. Em entrevista, por e-mail, ao Estadão, ele discutiu possíveis efeitos da pandemia para líderes populistas.

• A pandemia do coronavírus vai levar a mudanças ou reforçará tendências em andamento, como a ascensão de líderes populistas autoritários?

Acho que isso dependerá de muitas variáveis e os contextos nacionais ainda são muito importantes. Líderes populistas inteligentes, com conhecimento de governo e de administração – como Viktor Orbán, na Hungria – estão aproveitando a situação para consolidar seu poder. Mas populistas interessados principalmente na guerra cultural e profundamente desinteressados das questões de governo e da administração – como Trump e Bolsonaro – não estão indo bem.

• A resposta à pandemia ditará quais líderes populistas permanecerão no governo e quais vão concentrar mais poder?

Os populistas experientes usaram o momento para aumentar seus poderes – não há dúvida sobre isso. Mas não há garantia de que, apesar de toda a repressão, eles vão se manter. Estamos apenas começando a ver o início das consequências econômicas da pandemia. E os cidadãos podem ficar muito insatisfeitos com líderes que dizem que lutam por “pessoas comuns”, mas operam, na realidade, como cleptocratas e apenas reforçam ainda mais as políticas neoliberais.

Fernando Gabeira - A metamorfose do mito

- O Globo

Aparentemente, caminho de Bolsonaro é sem pedras. Congresso dá apoio em troca de cargos, eleitores gratos ao novo benfeitor

Se a frase não tivesse uma conotação tão negativa para ele e seus seguidores, diria que Bolsonaro saiu do armário. Melhor então dizer que mostrou sua face e, se quiserem imagem mais antiga, rasgou a fantasia.

Creio que um marco temporal da metamorfose foi a prisão de Fabrício Queiroz. Uma dose de criptonita na veia do mito de milhões de brasileiros que contavam com sua força para derrubar o velho regime e acabar com a corrupção.

Naquele manhã, Bolsonaro despertou não como o personagem de Kafka, sentindo-se uma barata. Percebeu que era apenas mais um animal na floresta de Brasília. Não era do mesmo tipo dos que se financiam com dinheiro de empresas. Mas sabia que seu esquema ficaria evidente para qualquer analista político, independentemente do grau de miopia.

Vários mandatos na família, pouco mais de uma centena de funcionários, uma boa parte fantasma, e estava resolvido o problema financeiro de campanha e melhoria de vida, capitalizando em negócios imobiliários. Era preciso reencontrar o Centrão, um grupo do qual nunca esteve distante. Seus partidos ao longo dos 28 anos de mandato sempre foram fisiológicos. E o Centrão não significa apenas garantia contra impeachment. Há ali toda uma sabedoria de como se dotar de uma pele de elefante para se escudar das críticas.

Rosiska Darcy de Oliveira - Os vivos e os mortos

- O Globo

Convivemos com o horror esterilizado em estatísticas

Mais de cem mil mortos. Como uma bomba atômica, em Hiroshima. Não são mera estatística. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas, dizem os médicos. Não se trata então de mortes, e sim de crimes. Há responsáveis que um dia terão que responder por elas. Eles sabem o que fizeram. Ninguém fala pelos mortos, eles falam por si. Resta saber quem vai ouvi-los.

Convivemos com o horror esterilizado em estatísticas diárias, mesmo se a mídia combate a epidemia com informação e mantém viva a indignação. Todos perdemos a existência real, não só os mortos transformados em números e enterrados em covas rasas.

Também os sobreviventes, uma população incorpórea, bustos que se encontram no zoom encenando uma falsa normalidade. Essa vida imaterial cria uma distância entre nós e a realidade, improviso de sobrevivência que, por um lado, nos salva, uma salvação precária que logo se esfuma, por outro, amplia a dor da perda do convívio e a nostalgia do momento em que, passado o perigo, reencarnados, cairemos nos braços uns dos outros.

Cacá Diegues - Um cinema para o país

- O Globo

Temos que enfrentar um governo contra a nossa própria existência

Sempre fui um cinéfilo febril. Acho que nunca perdi nenhuma novidade dos três cinemas de Botafogo, onde moravam meus pais, no Rio de Janeiro. Acho que muita coisa do que sei hoje, comecei a aprender com os filmes que vi no Nacional, no Star e no Guanabara. E ainda tive, até o fim de minha adolescência, as férias de verão em Maceió, entre a turma da Avenida da Paz, os fins de semana no cinema São Luiz e as sessões semanais no clube Fênix Alagoana, onde podíamos ver filmes franceses permitidos para maiores acima de minha idade. Depois é que eu ia consultar outras fontes, como livros, mestres e amigos que entendiam das coisas mais do que eu.

O cinema sempre foi, para mim, não apenas uma fonte prazerosa de entretenimento, como também um indispensável instrumento de cultura, capaz de revelar desde a geografia até os costumes, os modos de vida, a ética dos tempos em que vivíamos. A partir das duas primeiras décadas do século XX, o cinema se tornou o pai fundador, o avozinho de uma família de audiovisual que gerou a televisão, o VHS e o DVD, o digital, a internet, o videogame e o streaming, tanta coisa que rola e ainda vai rolar por aí.

Antes de tudo, o cinema é um modo original de contar histórias e de registrar movimentos de formas, cores e sons, esteja tudo isso fora ou dentro de nós mesmos. Quando fazemos um filme, seja ele uma baita produção ou modesta selfie com nosso celular, ele é sempre, ao mesmo tempo, o registro do que existe no mundo e de um mundo que existe dentro de nós. As melhores obras audiovisuais são sempre aquelas capazes de ser essas duas coisas.

Marcus André Melo* - 27 pandemias

- Folha de S. Paulo

Como explicar o aumento da popularidade presidencial à luz do horror sanitário e da recessão econômica?

"La vittoria trova cento padri, e nessuno vuole riconoscere l'insucesso" (a vitória encontra cem pais, e o fracasso não é reconhecido por ninguém), notou Conde Ciano, ministro do exterior e genro de Mussolini. A disputa em torno de quem é o responsável —que merece crédito ou deve ser punido— é ubíqua na política; mas ela se agudiza onde há tensões na separação horizontal e vertical de Poderes.

A estratégia de Bolsonaro para a pandemia consistiu em atribuir responsabilidade aos governadores pelo horror sanitário e pelo colapso da economia. A expectativa era dupla: se suas ações gerassem resultados positivos, tratava-se, como alegou, "de uma gripezinha". Caso contrário, seria a confirmação de que acabariam piorando a situação, como havia alertado.

Seu receio maior era uma conflagração que viesse a desestabilizar o governo. Se inicialmente o auxílio emergencial foi pensado como o melhor remédio para o colapso, seu enorme potencial político foi percebido "ex-post", quando o Congresso elevou seu valor de $190 para $500. O aumento para $600 pelo presidente buscou torpedear a estratégia congressual para desgastá-lo, caso o vetasse, e capturar o crédito político.

Celso Rocha de Barros* - Teremos um populismo puro-sangue?

- Folha de S. Paulo

Teremos um populismo puro-sangue de conservadorismo moral e intervencionismo econômico?

Enquanto o golpe não voltar ao cardápio, não vai ter jeito: Bolsonaro vai ter que dar uma trabalhada pelos pobres, justo ele, que nunca gostou, nem de pobre, nem de trabalhar.

Para pensar os dilemas atuais do bolsonarismo, pode ser útil ler um ótimo livro que saiu recentemente nos Estados Unidos, “Let Them Eat Tweets”, dos cientistas políticos Jacob Hecker e Paul Pierson. O título —“Que Comam Tweets”— é uma brincadeira com o “Que comam brioches”, atribuído a Maria Antonieta.

A ideia é que, em vez de fazer concessões materiais aos pobres como a direita moderada, “populistas plutocráticos” como Donald Trump tentam satisfazer o eleitorado pobre com conservadorismo moral, racismo, homofobia e teorias da conspiração, enquanto dão aos ricos os cortes de impostos insustentáveis que eles querem.

Se isso não funcionar para sempre, há o risco de os conservadores se voltarem contra a democracia, como vem ocorrendo nos esforços para enviesar ainda mais o sistema norte-americano a favor de áreas de predomínio branco.

Leandro Colon - Sem pudor, Bolsonaro só pensa em 2022

- Folha de S. Paulo

Presidente movimenta peças para reeleição enquanto adversários buscam um rumo

A eleição presidencial de 2022 começou, as ruas já flertam com a reeleição de Jair Bolsonaro e alguém precisa contar para a oposição.

A agenda do impeachment, por ora, inexiste no Congresso, não vai prosperar no cenário atual. Tende a ser ineficaz insistir nela.

Não há sinais de que Bolsonaro corre risco até o fim de seu mandato por mais que razões possam ter (e não são poucas) para a abertura de um processo de afastamento.

Uma ação de impeachment precisa, além de ambiente político favorável, de um empurrão de fora que sustente a derrubada.

O Datafolha mostra que Bolsonaro está forte. Atingiu sua melhor avaliação no mandato, com 37% dos brasileiros considerando seu governo ótimo ou bom.

Ruy Castro* - A morte e a morte de Eric Bentley

- Folha de S. Paulo

Pode acontecer de um obituário ter sido escrito por alguém que também já morreu

A morte de Eric Bentley, talvez o ensaísta mais importante da história do teatro, no dia 5 último, em Nova York, não mereceu uma linha na imprensa brasileira. Bentley era inglês, radicado nos EUA e estava com 103 anos. Foi o homem que divulgou, traduziu e explicou Bertolt Brecht para o público americano. Produziu também o maior corpo crítico sobre Bernard Shaw e, em 1971, juntou os interrogatórios do macarthismo num livro de 992 páginas, “Thirty Years of Treason”.

Bentley veio ao Brasil em 1988 e entrevistei-o para o Estadão. Brecht, segundo ele, era importante como encenador, não como teórico, o que explicava que, já então, suas peças tivessem “perdido o gume político”. As de Bernard Shaw, ao contrário, continuavam “uma homenagem à inteligência”. Mas, para Bentley, Shaw não ficava bem na Broadway, porque os atores americanos eram fracos nas falas longas: “Não sabem dizer parágrafos, só frases. Tendem a pôr um ponto nas passagens que foram escritas entre vírgulas”.

O obituário de Bentley no New York Times saiu no dia seguinte à sua morte e é uma aula de resumo biográfico e analítico de sua vida e carreira. Foi assinado por Christopher Lehmann-Haupt, antigo editor de obituário do jornal. No pé do texto, uma informação: Lehmann-Haupt morreu em 2018.

Ricardo Noblat - Medo do impeachment contém ímpeto de Bolsonaro por mais gastos

- Blog do Noblat | Veja

No momento, é claro...

O que mais deixou Jair Bolsonaro furioso com o ministro Paulo Guedes, da Economia, foi Guedes ter dito em público que a pressão por mais gastos com obras de infraestrutura e o desrespeito à lei que limitou o crescimento de despesas poderiam provocar a abertura de um processo de impeachment contra ele.

Pois o ministro, em conversas reservadas com o presidente na semana passada, voltou a adverti-lo para o perigo se enveredar por tal caminho. O nervo exposto de Bolsonaro é justamente esse: ainda não contar com número seguro de votos confiáveis no Congresso para derrotar um pedido de impeachment.

Lembre-se do que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, insistiu Guedes com Bolsonaro. Para gastar mais ou para disfarçar gastos que já fizera, Dilma acabou pedalando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como, de resto, presidentes que a antecederam haviam feito. Deu no que deu.

Tudo bem que presidente com popularidade em alta dificilmente é alvo da abertura de um processo de impeachment. Dilma, e antes dela Fernando Collor, só começaram a cair quando a avaliação positiva dos seus governos oscilou entre 10% a 15%. A de Bolsonaro está longe disso, e sobe. Mas…

Denis Lerrer Rosenfield* - Estatizando o posto Ipiranga

- O Estado de S.Paulo

O Brasil precisa de segurança e reformas capazes de transmitir confiança e esperança

Quem lê o noticiário fica com a impressão de que as eleições presidenciais serão realizadas em outubro deste ano, ou o mais tardar em nova data no primeiro semestre do próximo. É disso que se fala quando o atual governo tem apenas um ano e meio de duração e parece, na verdade, estar em seu final. O projeto que o elegeu, se é que se pode utilizar essa palavra, sinaliza para o seu esgotamento, com a pauta liberal saindo de cena.

O presidente só pensa em sua reeleição, atento à melhora de sua popularidade com iniciativas sociais como a bolsa pandemia, como se o Brasil não necessitasse de reformas, imerso que está numa crise fiscal, sanitária, social (desemprego) e econômica. É como se vivêssemos em dois mundos, o precocemente eleitoral e o do Brasil com mais de 105 mil mortos. É como se o descaso e a irresponsabilidade fossem coisas da vida!

Em vez de privatizações, estamos presenciando a estatização do posto Ipiranga. Pouco foi feito no atual governo, enquanto governos que não tinham projetos privatizantes, como o do ex-presidente Fernando Henrique, muito mais fizeram. Nesse sentido, não dá para entender ataques aos tucanos, pois estatizantes não foram. O discurso governamental é de privatizações, mas nada se traduziu em realidade. É, na verdade, um imenso desserviço prestado ao liberalismo, que perde uma chance histórica. Talvez demore para se recuperar se algo não for feito.

José Goldemberg* - As teorias conspiratórias e o meio ambiente

- O Estado de S.Paulo

Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia

Apelar para teorias conspiratórias é uma arma usada frequentemente para desacreditar adversários, até mesmo governos.
Alguns exemplos mais recentes de teorias conspiratórias são os seguintes:

• O governo americano oculta até hoje a existência de discos voadores que trouxeram seres extraterrestres para nosso planeta.

• O lançamento de astronautas à Lua em 1969 foi uma montagem de Hollywood e nunca houve voos espaciais.

• O atentado terrorista que destruiu as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, foi orquestrado pelo serviço secreto americano para justificar a “guerra ao terror” e a invasão do Iraque e do Afeganistão.

• O assassinato de John F. Kennedy foi promovido pelo governo de Cuba ou por grupos políticos americanos preocupados com as políticas liberais do presidente, e não por um assassino isolado como Lee Oswald.

Característica comum de todas elas – por mais inverossímeis que pareçam – é que são baseadas em suposições que contrariam os fatos ou a compreensão dominante dos eventos históricos e são imunes a argumentos racionais: uma verdadeira questão de fé. Só para dar um exemplo, existem estimativas do número de pessoas que teriam de fazer parte da conspiração de que o homem não pousou na Lua: cerca de 400 mil, contando os cineastas envolvidos, técnicos da Nasa, jornalistas e políticos de todo tipo e outros.

Bruno Carazza* - Perdido em campo

- Valor Econômico

Entre jogar pra torcida e defender a meta, o dilema brasileiro

Ser convocado para a seleção era a realização do seu maior sonho. Desde as categorias de base era apontado como um dos mais habilidosos de sua geração. Passou por vários clubes, inclusive no exterior, e ganhou muito dinheiro em transações milionárias. Algumas vezes teve a convicção de que seria escalado, mas os técnicos da ocasião escolheram outros para a sua posição - falta de sorte fazer parte de uma safra tão talentosa no futebol brasileiro.

Sabia que essa seria sua última chance de vestir a camisa 10 amarelinha e calar os críticos que diziam que ele estava em fim de carreira. Tinha certeza que ainda não era a hora de pendurar as chuteiras - tinha visão de jogo, sabia combinar raça e técnica, seu chute ainda era potente.

O momento da sua convocação não poderia ser mais propício. A seleção vinha de uma série de fracassos nos últimos anos e o povo queria mudança. O novo comandante prometia fazer tudo diferente e precisava de alguém com experiência para organizar o meio-de-campo e partir pra cima dos adversários. Nas coletivas para a imprensa, o técnico estreante sempre dizia que o escrete nacional seria ele e mais dez.

Logo na primeira preleção recebeu a braçadeira de capitão e pôde sugerir nomes para reforçar o time. Convenceu o chefe de que o ideal seria mesclar a base montada pelo treinador anterior - que mesmo interino havia feito boas escolhas - com ex-companheiros que compartilhavam de sua filosofia de jogo.

Nas entrevistas, esbanjava otimismo. A tática seria jogar na pressão os 90 minutos - “pra frente, Brasil”, como se dizia nos bons tempos em que éramos imbatíveis. Prometia goleadas e títulos. O brasileiro voltaria a sentir orgulho de seu país.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Uma nova fase da crise econômica

- Valor Econômico

Estimativa para o PIB no 2º trimestre de 2020 tem números melhores dos que os estimados anteriormente

Os trinta dias decorridos desde minha última coluna no Valor revelam, de maneira mais clara, o roteiro que vamos seguir em nossa difícil estrada para a recuperação econômica em 2022. Uma primeira informação importante que agora dispomos é que está sendo impossível aos governos nacionais - no Brasil e em vários outros países - seguir o roteiro original em que o isolamento social só seria abandonado quando o controle da pandemia estivesse assegurado e o achatamento da curva da doença atingido. Inclusive nos países em que o controle teve sucesso inicial, acabou ocorrendo aceleração da abertura da economia, mesmo que ao custo de vidas humanas.

No Brasil - como nos Estados Unidos - o controle social radical foi abandonado com volta do crescimento da economia se impondo como valor político inadiável. Mas a avaliação sobre acertos e erros na evolução do relaxamento - ou mesmo de seu total abandono - vai ser feito no futuro.

Com este novo protocolo na busca da normalização da economia, podemos trazer nossa atenção para sua dinâmica ao longo dos próximos meses. A China voltou ao nível de sua atividade econômica de antes da covid-19 como prêmio pela dureza e eficiência com que tratou o controle da pandemia. Em segundo lugar nesta disputa pela volta ao normal, contrariando as expectativas dos analistas, está a zona do Euro. Mesmo aos trancos e barrancos ao longo dos primeiros noventa dias a grande maioria de seus países membros controlaram a covid 19 com certo sucesso e iniciaram, ainda no segundo tri, um processo gradativo de relaxamento do controle social e já estão colhendo os primeiros frutos de ter saído do chamado fundo do poço.

A crise social e o desafio do Estado – Editorial | O Estado de S. Paulo

A crise econômica e social causada pela pandemia tem levado mais famílias a recorrer aos serviços públicos - e o Estado tem de dar uma resposta à altura

A pandemia de covid-19 tem imposto uma série de desafios na área da medicina, de forma especial para o Sistema Único de Saúde (SUS). Mas não é apenas em relação à saúde que o novo coronavírus acrescenta demandas para o poder público que, na maioria das vezes, tem dificuldades para atender satisfatoriamente a população mesmo em circunstâncias normais. A crise econômica e social causada pela pandemia tem levado mais famílias a recorrer aos serviços públicos – e o Estado tem de dar uma resposta à altura.

No mês de julho, por exemplo, houve aumento de 73% de pedidos de matrícula de crianças de 4 a 6 anos nas escolas municipais de São Paulo em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2019, 981 crianças pediram vaga em julho; agora, 1,7 mil. Dos pedidos feitos neste ano, 400 ainda não foram atendidos.

Atípica para esse período do ano, a demanda por vagas na rede pública de educação infantil é uma consequência da migração de alunos de pré-escolas particulares. A corroborar esse diagnóstico, bairros com população de mais baixa renda – com menos crianças matriculadas na rede particular em tempos normais – tiveram menor aumento de pedidos de matrícula.

No mês passado, verificou-se também aumento dos pedidos de vagas nas creches, para crianças de 0 a 3 anos. As matrículas para essa faixa etária têm uma dinâmica diferente, já que ocorrem ao longo de todo o ano. Mesmo assim, cresceram 44% em relação ao mesmo mês de 2019, agravando o problema da falta de vagas nas creches. Na cidade, há 22 mil crianças à espera de uma vaga na creche.

A Lei Geral de Licenciamento Ambiental – Editorial | O Estado de S. Paulo

Passa da hora de o Congresso avançar com um projeto que já tramita há 16 anos

Há nada menos do que 16 anos tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 3.729/2004, que trata de uma nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental. É um projeto de suma importância para o País. Tanto é assim que, recentemente, passou a tramitar em regime de urgência, ou seja, a deliberação em plenário será feita sem que o projeto passe por novas comissões temáticas. Entre muitas idas e vindas, o projeto ganhou novo impulso há cerca de um ano e meio, quando o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) foi designado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), relator de um texto substitutivo.

Desde então, o deputado Kim Kataguiri coordenou uma série de reuniões de trabalho envolvendo ambientalistas, empresários do agronegócio e parlamentares, entre outros atores, com o objetivo de chegar a um consenso que permita a conclusão do relatório sem o fatiamento do PL 3.729/2004, vale dizer, sem que os interesses de cada setor sejam contemplados em projetos apartados. A estratégia é correta. Afinal, trata-se de uma proposta de lei geral. Ao mesmo tempo, a concertação de todos esses interesses, por vezes colidentes, tem sido o maior desafio para o avanço de um projeto que está há tanto tempo em discussão.

Em defesa do teto – Editorial | Folha de S. Paulo

Déficit e dívida, não o limite constitucional, impedem expansão do gasto público

O país parece próximo de reafirmar ou abandonar uma escolha crucial. Enquanto sua dívida dispara com as providências essenciais para mitigar o impacto da pandemia, o governo flerta com a ruptura do teto para os gastos públicos inscrito na Constituição.

Ao minar a credibilidade da principal referência de controle das contas públicas, o presidente Jair Bolsonaro pensa menos no país e mais em sua reeleição —e, até nisso, de forma equivocada.

Na última semana, apesar das juras de fidelidade ao ministro Paulo Guedes, da Economia, deu voz à ala dita desenvolvimentista do governo, apontando a necessidade de investimentos. Apelou até ao patriotismo dos mercados, sempre o último recurso dos gastadores.

O presidente revela má compreensão do impacto da emenda constitucional 95, que restringiu a expansão das despesas federais à variação da inflação até 2026.

A regra teve impacto positivo na economia. Ao sinalizar um ajuste orçamentário de longo prazo, que dependeria também de outras reformas, viabilizou uma queda recorde dos juros e dos custos de rolagem da dívida pública.

Freio aos dossiês – Editorial | Folha de S. Paulo

Em boa hora, STF firma entendimento sobre inteligência, com recado a Bolsonaro

Toda decisão de fornecimento de informações à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deve ser motivada pelo interesse público e formalizada em procedimento administrativo; sua legalidade pode vir a ser controlada pelo Poder Judiciário, em especial quando a Constituição protege o sigilo.

Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal na quinta-feira (13), ao reafirmar os parâmetros das atividades de inteligência do Estado. Estava em jogo a constitucionalidade do trecho da legislação que regula desde 1999 o compartilhamento de dados entre os órgãos desse setor.

De forma salomônica, fez bem o STF em não derrubar a norma, impondo a ela interpretação alinhada à Carta Magna. Limites republicanos, portanto.

Ganha ainda mais relevância o caso num momento em que o sistema de inteligência brasileiro passa por uma reestruturação.

Necessária assertividade na defesa do teto de gastos – Editorial | Valor Econômico

As prioridades do país seguem sendo o combate à pandemia e a manutenção da atividade econômica sem que se coloque em risco a solvência do Brasil

A última semana ficará marcada, quando se fizer uma retrospectiva da administração Jair Bolsonaro, como um dos momentos mais tensos na disputa entre a ala liberal e o grupo desenvolvimentista que cercam o presidente da República. E os próximos dias devem ser tão ou mais esclarecedores sobre os rumos do governo e seu compromisso com o teto de gastos. Deles também se poderá depreender o tamanho da força política que o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá para implementar o programa defendido na campanha eleitoral e consagrado nas eleições de 2018.

A divisão entre desenvolvimentistas e liberais ocorreu em praticamente todos os governos que antecederam o atual. No entanto, acreditava-se, no início do mandato de Bolsonaro, que ela seria mais tênue na atual gestão. Não por causa do perfil do presidente, mas sim porque o ministro da Economia conseguira levar adiante seu projeto de criação de uma superpasta. Os ministérios da Fazenda e do Planejamento, normalmente o ponto de atrito mais visível entre as duas alas, ficou sob o comando de um economista de inegável perfil liberal e histórico de defesa da responsabilidade fiscal.

A expectativa era que Guedes tivesse total respaldo do Palácio do Planalto. Afinal, durante a campanha, o então candidato Jair Bolsonaro se esquivava de perguntas sobre economia e sempre as remetia a Guedes. Deu a entender que assim agiria se “chegasse lá”, ao Palácio do Planalto.

Sem transparência, partidos abusam do dinheiro público – Editorial | O Globo

Ano eleitoral triplica recursos das agremiações, que operam como empresas subsidiadas pelo Tesouro

Trinta e três partidos vão às urnas em novembro, na disputa por cargos de prefeito e vereador em 5.570 municípios. Ainda é possível identificar diferenças entre eles, mas elas esmaecem a cada eleição, porque as organizações partidárias se transformaram em máquinas eleitorais, descoladas da realidade e dos interesses do eleitorado. Crescem na dependência do Estado e manipulam o dinheiro público com transparência rarefeita.

Custaram R$ 1 bilhão aos cofres públicos no ano passado. Prevê-se que o custo para a sociedade seja triplicado neste ano eleitoral, num país onde a economia há tempos patina em ciclo recessivo, agravado pelos efeitos da pandemia. Os R$ 3 bilhões previstos para 2020 equivalem a um terço do gasto efetivamente realizado pelo Ministério da Saúde em ações de mitigação da Covid-19, entre janeiro e julho.

O centro do problema é que os partidos políticos passaram a operar como empresas, subsidiadas pelo Tesouro Nacional. Têm receita média acima de R$ 50 milhões anuais. Os maiores (PT, PSL, MDB e PSDB) recebem, cada um, mais de R$ 150 milhões por ano.

Julgamento de Dallagnol reflete o clima para implodir a Lava-Jato – Editorial | O Globo

Argumentos contra procurador nas denúncias são frágeis, mas as circunstâncias são negativas

A Operação Lava-Jato tentará amanhã desarmar mais um mecanismo implantado pelo procurador-geral Augusto Aras para implodi-la. Afastado do governo o ex-juiz Sergio Moro — que ajudou Jair Bolsonaro a se eleger envolto na bandeira anticorrupção —, chega a hora de Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa original e outro símbolo da operação, encarar o impacto das articulações para atingi-lo e a todo o sistema de investigações montado a partir de Curitiba.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) deverá decidir sobre três reclamações contra Dallagnol, a mais importante delas da senadora Kátia Abreu (PP-TO), que pede o afastamento dele da Lava-Jato. Outra acusação se fundamenta na entrevista coletiva concedida pela força-tarefa em Curitiba sobre o processo do triplex do Guarujá, em que o ex-presidente Lula era apresentado como o chefe da “organização criminosa” do petrolão no centro de um PowerPoint.

O terceiro processo administrativo na pauta tem a assinatura do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Usa contra Dallagnol tuítes que ele distribuiu em 2019, contra a reeleição de Renan à presidência do Senado, sob o argumento de que, com ele no cargo, o combate à corrupção enfrentaria dificuldades para avançar. Renan perdeu.

A argumentação contra Dallagnol é frágil. Resume-se a acusações baseadas nas opiniões dele. Na reclamação de Kátia Abreu — como Renan e Lula, atingida por delações premiadas da Lava-Jato —, ela relaciona processos disciplinares contra o procurador. Cita a controvertida iniciativa da Lava-Jato de usar R$ 2,5 bilhões, da repatriação de dinheiro desviado da Petrobras e enviado ao exterior, numa fundação anticorrupção. O Supremo barrou a ideia. Dallagnol também é acusado de se valer da popularidade da Lava-Jato para faturar com uma empresa de palestras.

Música | Moyseis Marques e Moacyr Luz e Samba do Trabalhador - Meu canto é pra valer

Poesia | Mario Benedetti - Em pé

Continuo em pé
por pulsar
por costume
por não abrir a janela decisiva
e olhar de uma vez a insolente
morte
essa mansa
dona da espera

continuo em pé
por preguiça nas despedidas
no fechamento e demolição
da memória

não é um mérito
outros desafiam
a claridade
o caos
ou a tortura

continuar em pé
quer dizer coragem

ou não ter
onde cair
morto