domingo, 7 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Não faz sentido decretar lockdown em todo o país – Opinião / O Globo

O bloqueio ou fechamento de todas as atividades econômicas, conhecido em inglês como “lockdown”, vem sendo defendido como solução para a explosão de casos de Covid-19 no Brasil. Cientistas de renome têm falado num lockdown nacional como única resposta razoável para a escalada de mortes provocadas pelo novo coronavírus. Não se trata, contudo, de decisão simples nem óbvia.

Não há como contestar a eficácia do lockdown e das medidas de restrição de contatos para deter a transmissão do vírus. Estudos do início da pandemia, quando diversos países implementaram quarentenas rigorosas, avaliaram que elas haviam evitado 140 milhões de infecções até junho e salvado pelo menos 3 milhões de vidas até maio. Quanto mais cedo houvesse sido implementado o lockdown, mais vidas eram salvas.

Do ponto de vista científico, portanto, não há dúvida de que um lockdown nacional de algumas semanas teria um efeito dramático no contágio. Foi o que aconteceu no Reino Unido. O bloqueio total decretado em 4 de janeiro resultou em queda brusca nas mortes que vinham subindo. Em Portugal, a quarentena rígida adotada no final de janeiro fez as mortes despencarem de 303 para 42, na média de sete dias. Na Nova Zelândia, bastou um único caso de transmissão comunitária para Auckland entrar em lockdown por sete dias no final de fevereiro.

Fernando Henrique Cardoso* - A epidemia e a política

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Como disse o senador Jereissati, é preciso gritar alto um ‘basta’ e dar nome aos bois

Primeiro é bom ressaltar que a “crise” (usa-se tão amiúde o vocábulo que ele acaba por perder o significado) começou a se manifestar antes do maldito vírus ter sido percebido entre nós. Nisso me refiro à “crise econômica”, não à política, que parece ser permanente em nosso caso. Mas o certo é que o mar tranquilo em que navegaram os governos de Lula e, parcialmente, de Dilma perdeu-se no passado, antes da pandemia, apesar dos esforços corretos do governo Temer.

Com isso não quero dizer que o governo Bolsonaro seja “o” responsável pelos descaminhos por que passa a economia brasileira. A questão é mais complicada, depende de vários fatores, alguns internacionais. Tampouco seria correto imaginar que a pandemia seja “a causa” do fraco desempenho da economia. Este a antecedeu.

Mas, convenhamos, é muita má sorte do País ter de enfrentar, além da epidemia, uma economia trôpega, com exceção apenas do setor agrícola. Este já ia bem e assim continua, ao menos quanto às exportações. Pior, aos maus ventos anteriores somou-se o apego popular a um líder que não chega a ser populista, mas parece haver-se sentado numa cadeira na qual não se sente bem, ou não foi preparado para ela, apesar dos anos de Câmara. Os tempos de “baixo clero” fazem custar-lhe a se adaptar a situações novas. Coisas da democracia.

Os mais inquietos só veem uma saída, o impeachment. Eu, que já vi de perto dois, sou cauteloso: é alto o custo político de uma intervenção congressual no que foi popularmente decidido. Às vezes não há outro jeito. Mas tal desiderato depende mais das ações (ou inações) de quem foi eleito do que, como comumente se diz, da “vontade política”. É melhor ir devagar com o andor.

Melhor aguentar quem hoje manda – o quanto seja possível – e preparar candidatos para as próximas eleições que possam bem desempenhar a função presidencial. Enquanto isso não ocorre, aproveitemos o tempo para treinar civicamente o eleitorado. Ingenuidade? Talvez. Mas sem certa dose de otimismo corre-se o risco de jogar fora não só a água do banho, mas a criança, a democracia.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Ciência e política, amantes do possível

O possível não é um dado. É um tesouro a ser encontrado. Quem acusa de inação os buscadores do possível engana-se, ou tenta despistar. O possível está num futuro que depende das circunstâncias do presente. Ele não tem compromisso prévio com a correção de erros do passado nem com a realização de intenções das mentes dos atores sociais. O possível não é conservador nem progressista, ele apenas será o resultado, sempre incerto, de um encontro, ou desencontro, entre a razão e a experiência. Dessa alternativa depende boa parte do que será felicidade ou tragédia, nesse futuro possível. 

A busca do possível requer um passo prévio: reconhecer o impossível para fazer dele uma baliza, em vez de objetivo da busca. Substituir um prévio intento pela aposta em nova possibilidade que reanima e contenta é dar um passo além, não só da impotência que nos incute culpa, como da resignação, que frustra e deprime. Falando assim pode parecer um convite a um passeio, mas a decisão por essa busca é processo dilacerante quando se dá em meio a uma situação crítica, que pode se tornar agonística.

O Brasil vive intensamente nada menos que duas dessas situações críticas. Parafraseando Jobim, não é para amadores lidar com Bolsonaro e Covid ao mesmo tempo. Os dois infortúnios se retroalimentam e isso pode nos fazer crer que um é causa do outro. Mas não é assim. Com ou sem Bolsonaro teríamos que recorrer à ciência para lidar com a pandemia. Com ou sem ela, teríamos que recorrer à política para lidar com Bolsonaro. Política não é vacina contra o vírus. E a ciência não derrotará Bolsonaro. A saída de cena de um não nos livra, necessariamente, do outro. Ciência e política, cada qual deve fazer sua parte. Para isso não precisam, nem devem brigar. E podem atuar de modo complementar.

A ciência, nesse caso, obteve um assombroso sucesso quando ofereceu ao mundo vacinas seguras em tempo recorde contra um vírus desconhecido. A humanidade vê aumentar sua dívida para com ela. O sentido de urgência da ação mais complexa foi atendido porque, desde logo, a comunidade da ciência compreendeu que não havia a solução simples de medicamentos que atalhassem o tratamento. A busca do possível não foi adiada porque se detectou e afastou o impossível do horizonte. A má notícia, acolhida com realismo, em vez de desespero ou depressão, produziu ação. No mundo todo, incluído o Brasil, que, graças à ciência que aqui também habita, está, sob forte tempestade, produzindo vacina.

Merval Pereira - Guerra é guerra

- O Globo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem se mostrado competente na análise prospectiva de nossa economia, embora de nada isso lhe valha para evitar os fracassos que prenuncia. Disse que se fizéssemos muita besteira, o dólar chegaria a R$ 5,00. Chegamos a R$ 5,53 no fim de semana sem que o ministro tenha evitado. Recentemente, disse que poderíamos virar uma Argentina, ou quem sabe uma Venezuela, em poucos anos, se caminharmos para “o lado errado”.

Mais uma vez está certo, e nada indica que consiga frear essa caminhada célere para o abismo que o presidente Bolsonaro lidera. Bolsonaro sabe o que eu penso, eu sei o que ele pensa, disse Guedes durante a crise gerada pela intervenção presidencial nos preços da Petrobras. Só nós não sabemos por que Guedes não sai do governo se não consegue conter os ímpetos intervencionistas do chefe.

Por que, então, não nos transformamos em um Paraguai pelo menos por alguns dias, meses, e não saímos nas ruas até tirarmos Bolsonaro da presidência da República, cargo que ele não merece exercer pela falta de compostura, a incapacidade administrativa, e, sobretudo, a impossibilidade de enfrentar a pior pandemia em um século no Brasil e no mundo?  

“Estamos em guerra”, anunciou o Secretário de Saúde de São Paulo Jean Gorinchteyn. E se estivéssemos em guerra contra outro país, e não contra um vírus, como nos comportaríamos tendo à frente um líder como Bolsonaro, incapaz de oferecer a seus compatriotas “sangue, suor e lágrimas”?

Dorrit Harazim - Medos múltiplos

- O Globo

No fundo, foram falas de poltrão. Cuspidas pelo presidente da República em tom estudadamente espontâneo esta semana, os disparates não precisam ser repetidos aqui — já ofenderam o suficiente a nesga de autoestima que ainda resiste no país. A necessidade de recorrer a falas tão odientas sugere que Jair Bolsonaro está com medo. Medo de que caia a casa ostentação comprada pelo filho Flávio, medo de seu pacto de morte com a Covid-19, medo de a rua pressionar o Congresso, medo de chegar lanhado em 2022 — ou de nem sequer chegar até lá. Agora está prisioneiro do descaminho escolhido, que não tem volta: por meio da retórica (e da política) sanhosa, procura apenas manter a fidelidade de rebanho dos que o elegeram.

Bolsonaro não foi o único a tratar a Covid-19 com nonchalance suicida. De início, por interesse eleitoral ou estupidez, uma parte do Brasil envergando paletó ou farda, toga ou chinelo de dedo, também não quis ver o tamanho do perigo. Quase sempre correndo atrás do atraso e adotando políticas ciclotímicas de abre/fecha, autoridades estaduais e municipais foram tateando. Hoje 1.703 prefeitos aprendem a formar consórcios para a compra de vacinas. O Congresso, que por um ano se fingiu de adormecido, por fim acorda algo sobressaltado.

Bernardo Mello Franco - A mansão de Flávio Bolsonaro e a profecia de Dom Bosco

- O Globo

Na noite de 30 de agosto de 1883, o padre italiano Giovanni Bosco sonhou que fazia uma viagem pela América do Sul. Entre os paralelos 15 e 20, ele vislumbrou uma “enseada bastante longa e larga, que partia de um ponto onde se formava um lago”. Uma voz divina assoprava em seu ouvido: “Quando vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.

Dom Bosco morreu em 1888, virou santo em 1934 e inspirou os fundadores de Brasília em 1960. A cidade foi erguida entre as coordenadas geográficas do sonho e à beira de um lago artificial, o Paranoá. O sacerdote se tornou onipresente no Planalto Central: batiza igreja, colégio, farmácia e pizzaria. Agora seu santo nome também está associado aos negócios da família presidencial.

Flávio Bolsonaro virou morador do Setor de Mansões Dom Bosco, uma das áreas mais valorizadas da capital. O senador comprou uma casa de 1.100 m² de área construída, com quatro suítes, oito vagas de garagem, piso de mármore e piscina aquecida. Com salário líquido de R$ 24 mil, ele arrematou o imóvel por R$ 6 milhões.

Luiz Carlos Azedo - As tardes com Huck

- Correio Braziliense

O apresentador já é uma personalidade política, mas precisa escolher o eixo de sua atuaçao: o mundo do entretenimento ou a disputa pelo poder

O filme Uma noite em Miami (One Night in Miami) narra o encontro secreto de Malcolm X com o campeão de boxe Cassius Clay, o rei do soul, Sam Cooke, e o astro do futebol americano Jim Brow, na noite de 24 de fevereiro de 1964. Dirigido por Regina King, é uma adaptação da peça de Kemp Powers, lançada em 2013, na qual o líder negro convence seus amigos a ultrapassarem a condição de celebridades e ingressarem como ativistas na luta pela igualdade de direitos para os afro-americanos. Clay comemorava a conquista do título mundial dos pesos-pesados, aos 22 anos de idade, com os três grandes amigos, num modesto quarto de motel na Flórida, que aceitava negros.

Clay (Eli Goree) lutara contra um adversário branco, debaixo de vaias e xingamentos; Cooke (Leslie Odom Jr.) acabara de ser hostilizado pela plateia branca na célebre boate Copacabana; e Brown (Aldis Hodge) fora humilhado por um torcedor rico e fanático do seu time, o Cleveland. Esse é o contexto dos tensos diálogos do filme, que chegam à beira do confronto físico. Há grandes diferenças de temperamento, modo de vida e visão de mundo entre eles, mas a conversa foi um catalizador da ruptura que fizeram em suas vidas.

Ricardo Noblat - Bolsonaro, o arquiteto bem-sucedido do caos que o país vive

- Blog do Noblat / Veja

Criadas as condições para a tempestade perfeita

Na noite de 17 de março de 2019, em sua primeira viagem aos Estados Unidos como presidente da República, Jair Bolsonaro ofereceu um jantar na embaixada do Brasil em Washington para oito expoentes da direita americana, e mais o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru dos seus filhos e dele também.

Bolsonaro apresentou-se aos seus convidados como o brasileiro ungido pela “vontade de Deus” para estancar a suposta caminhada do Brasil para “o socialismo, o comunismo”. Reiterou o lema bíblico de sua campanha eleitoral: “Conheças a verdade e a verdade te libertará”, do capítulo 8 do Evangelho de São João.

E, em seguida, antecipou o que pretendia fazer ao longo do seu primeiro mandato, porque desde já, embora não tenha dito isso na ocasião, já pensava no segundo: “Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois começarmos a fazer”. Destruir “o sistema” era seu principal objetivo, diria mais tarde.

Dois anos e três meses depois, o sistema continua de pé. Bolsonaro a ele aderiu com medo de combatê-lo e de ser derrubado. Concentrou sua força destruidora em setores com menor capacidade de resistência – saúde, meio ambiente, educação, cultura, direitos humanos e relações exteriores.

Janio de Freitas – O terror do mundo

- Folha de S. Paulo

Brasil passou a ser visto como imenso vírus assassino

O Brasil é um perigo para o mundo. Assim está posta a opinião das autoridades, do jornalismo e dos mais informados mundo afora. Não é Bolsonaro, não é o governo militarizado e desatinado, mas o Brasil. E está certo: é o país que, dividido entre os voltados para seus interesses, os acovardados e a grande massa dos pobres de conhecimento, permite um governo que se alia à morte em massa, constrói por sabotagens a calamidade social e atraiçoa os objetivos do país como trai a população.

O Brasil, visto do mundo, é um imenso vírus assassino, composto pela infinidade de vírus letais que correm, livres, de um brasileiro a outro. E deste seu paraíso deixam-se levar, pelos meios mais insidiosos, para frustrar países que lutam contra a ferocidade pandêmica.

Esse capítulo faltava na história da incivilização brasileira. O seu fim desconhecido, caso não seja abreviado, contém hipóteses terríveis. Uma delas, por exemplo: a contaminação, já com novas e mais perigosas variantes do vírus, continuará aumentando, com reflexo direto nas restrições internacionais ao Brasil.

O medo de contaminação de produtos brasileiros não será surpreendente, resultando em caos alimentar interno e cortes arruinantes de exportações, com desarticulação de toda a economia. O que aí pareça exagero e pessimismo é uma possibilidade já considerada entre técnicos mais lúcidos.

Hélio Schwartsman - Enigmas da pandemia

- Folha de S. Paulo

Países riquíssimos sofrem, enquanto nações pobres se saem (até aqui) bem

Normalmente, quanto mais pobre um país, pior ele se sai em epidemias. A Covid-19 não é normal. Estamos vendo países riquíssimos, como os EUA e vários membros da União Europeia, comendo o pão que o diabo amassou, enquanto nações muito mais pobres, como o Vietnã e Burundi, se saem (até aqui) bem.

Não estamos falando de diferenças de 300% ou 400% na taxa de mortalidade, mas de variações de milhares de vezes. Na Bélgica, a Covid-19 matou, até aqui, 1.930 de cada milhão de habitantes. No Burundi, cujo PIB per capita é 1/177 do belga, essa taxa é de 0,26. E isso não ocorre porque os países mais pobres foram poupados do vírus. Estudos de soroprevalência mostram que muitos deles foram tão atingidos quanto os ricos.

Bruno Boghossian – O preço político da crise

- Folha de S. Paulo

Presidente passa a trabalhar quase exclusivamente para conter efeitos sobre popularidade

O aumento da gritaria contra o fechamento do comércio e a investida sobre a Petrobras revelam o que inquieta Jair Bolsonaro no pior momento da pandemia. O presidente sentiu o impacto dos choques da economia e passou a trabalhar exclusivamente para reduzir os efeitos dessa crise sobre sua popularidade.

Sem o amortecedor do auxílio emergencial, os efeitos da inflação e o tropeço da atividade econômica passaram a ter um custo político maior. Embora Bolsonaro se esforce desde os primeiros dias da pandemia para fugir das responsabilidades nessa área, a conta costuma ficar com os presidentes das República.

Os números já apareceram em pesquisas feitas nos primeiros meses de 2021. A reprovação ao governo Bolsonaro cresceu à medida que a população começou a dar sinais crescentes de desconforto em relação aos rumos da economia.

Jim Tankersley - Tática para retomada econômica geral é ajudar os mais pobres

- NYT / O Estado de S. Paulo

O plano de Joe Biden é mais do que uma proposta de estímulo. É uma declaração de sua política econômica – que captura o princípio que democratas adotaram na última década: a melhor maneira de estimular um crescimento econômico mais rápido é de baixo para cima.

A decisão de Biden de adotar essa abordagem está em total contraste com o ex-presidente Donald Trump, cujo esforço inicial no Congresso, em 2017, foi um pacote de redução de impostos que beneficiou amplamente as corporações e os americanos mais ricos. O plano de Biden traz benefícios diretos mais generosos para os americanos de baixa renda do que as rodadas de estímulo aprovadas no ano passado sob Trump, embora chegue em um momento em que as estatísticas econômicas e de vacinas contra o coronavírus sugiram que a economia geral está equilibrada para levantar voo. O plano está mais focado nas pessoas do que nas empresas e espera-se que ajude as mulheres e as minorias em particular, porque elas sofreram um grande baque na recessão pandêmica.

Pesquisadores preveem que o projeto pode se tornar uma das leis mais eficazes para combater a pobreza na última geração. O Centro de Pobreza e Política Social da Universidade de Columbia calcula que as disposições do plano, incluindo uma expansão generosa dos créditos fiscais para americanos de baixa renda com filhos, reduziriam a taxa de pobreza em mais de um quarto para adultos e cortariam a taxa infantil pela metade.

Senado americano aprova pacote de estímulo de US$ 1,9 trilhão

Em votação mais longa da história moderna dos EUA, parlamentares encaminharam auxílio a cidadãos, estados e cidades afetados pela pandemia do novo coronavírus

Beatriz Bulla / O Estado de S. Paulo

WASHINGTON - O Senado dos Estados Unidos aprovou neste sábado o pacote de socorro de US$ 1,9 trilhão (cerca de R$ 10,8 trilhões) proposto pelo governo de Joe Biden para oferecer alívio aos americanos que sofrem as consequências econômicas da pandemia de coronavírus. Promessa de campanha do democrata, o projeto oferece uma nova rodada de pagamentos diretos às famílias e injeta recursos nos Estados, negócios e na distribuição das vacinas contra covid-19.

"Eu prometi para o povo americano que a ajuda estava a caminho. Hoje tomamos um passo gigante para entregar essa promessa", comemorou Biden, em pronunciamento na Casa Branca após a votação no Senado.

Biden chegou à Casa Branca com o histórico de um político hábil na construção de consensos bipartidários, mas seu primeiro teste no Congresso foi aprovado sem o voto de apoio do partido republicano. Na votação mais longa da história moderna americana, os 50 democratas no Senado votaram a favor do pacote e os 49 republicanos presentes, contra. Um senador republicano estava ausente. 

O placar é um sinal de que o governo Biden precisará manter o partido unido durante os quatro anos de mandato para emplacar seus projetos no Congresso, onde a maioria democrata é apertada. Para isso, o presidente precisou concordar com ajustes no texto inicial, que atenderam a ala moderada do partido.

Vinicius Torres Freire – Bolsonaro precisa ser interditado

- Folha de S. Paulo

 Falha na vacinação vai matar milhares de idosos; calendário é em parte ficção

O atraso da Fiocruz e da importação de vacinas da Índia vai deixar o Brasil sem 15,2 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford em março. Seria o bastante para vacinar 7,5 milhões de pessoas do grupo de mais de 60 anos, no qual morrem mais de 74% das vítimas de Covid-19. Levando em conta o número diário de mortes recente, esse buraco de um mês na vacinação vai ameaçar a vida de uns 7.400 idosos. Nem todos seriam salvos, pois a vacina leva tempo para fazer efeito. Mas milhares morrerão porque faltaram essas vacinas.

É um exemplo aritmético do terror, que pode ficar pior. É preciso instalar uma espécie de governo de salvação nacional da saúde, uma articulação de governadores, prefeitos e Congresso capaz de aprovar medidas legais e administrativas a fim de garantir vacinas e providências epidemiológicas coordenadas. Jair Bolsonaro está em campanha contra a República Federativa e contra a segurança nacional sanitária. Como não será impichado, precisa ser neutralizado.

Míriam Leitão - Velhos temores que nos rondam

- O Globo

A inflação ronda a economia. O temor até dentro do governo é que ela não caia depois de chegar a 7% em junho. Bolsonaro piora tudo. Ele produz incerteza, isso pressiona o dólar que, num círculo vicioso, atinge os preços. A inflação de alimentos fechou em 11% no ano passado e alguns produtos industriais estão em falta, como papelão e aço. Há outros fantasmas. A dívida é alta e ficará mais cara. Os juros futuros e o risco-país aumentaram e a Selic terá que subir. A equipe finge acreditar que há ajuste fiscal na PEC aprovada no Senado. Ela nada economiza a curto prazo, cria mais rigidez, fragiliza a Receita Federal e propõe a médio prazo o que não conseguirá fazer.

Bolsonaro é a crueldade ostentação. O “vai chorar até quando?” ou o “vai comprar vacina na casa da mãe” foram lançados no rosto de um país que enterra quase dois mil mortos por dia. Ele gostaria de desviar a atenção posta sobre a mansão do filho. O mundo vê, registra e quer distância de nós. Esta semana, dois grandes jornais, um americano e um britânico, fizeram editoriais dizendo que somos fator de risco sanitário global.

Celso Ming - Razões de governo e direito ao luto

- O Estado de S. Paulo

Quando afirma que a comoção provocada pelas mortes em decorrência da covid-19 não passa de “frescura e mimimi”, Bolsonaro renega o direito ao luto e incorre em impiedade e desrespeito à humanidade

O presidente Jair Bolsonaro pode ter lá suas razões de governo para julgar “frescura e mimimi” a prostração dos brasileiros pelos mais de 260 mil mortos pela covid-19. Mas, em assim agindo e em assim se manifestando, contraria leis multimilenares, que existem desde que o homem é homem.

A mais representada das tragédias gregas em todos os tempos é a sempre atual Antígona, de Sófocles, encenada pela primeira vez em 441 antes de Cristo. Trata do conflito entre razões de governo e direitos de família.

Creonte, o então todo-poderoso de Tebas, decretou que Polinices, filho de Édipo, não poderia ser sepultado na cidade, por considerá-lo traidor. Seu cadáver teria de ser exposto às intempéries e à ação dos cães e das aves carniceiras. Antígona, irmã de Polinices, se rebelou contra essa determinação “desumana e contrária aos deuses”. Em segredo, recobriu o cadáver do irmão com a veste dos mortos, fez as abluções devidas e o sepultou de acordo com os rituais sagrados. “As tuas determinações não têm força” – justificou-se depois diante de Creonte – “para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis.”

José Roberto Mendonça de Barros - Totalmente sem rumo

- O Estado de S. Paulo

A ausência, por quase 3 meses, dos pagamentos do auxílio amplia a fraqueza da demanda

Estamos perdidos no meio de uma tempestade. Antes de tudo, pelo que aconteceu no ano passado. Desde que a pandemia mostrou sua força, mergulhamos numa crise humanitária, com elevado sofrimento e número de mortos, que nos jogou numa forte recessão. 

Pior que tudo, o negacionismo do presidente da República e a explosiva mistura de arrogância e incompetência de seu terceiro ministro da Saúde tornaram as coisas mais difíceis, com apelo a poções mágicas e negligência na compra de vacinas, a única forma de combater o coronavírus nos dias de hoje.

Além disso, pego de surpresa, o ministro da Economia começou uma longa corrida atrás dos fatos, desde que declarou que “com R$ 5 bi nós matamos o bicho”. Foi o Congresso que desenhou todas as regras e a estrutura do auxílio emergencial (depois apropriado pelo Executivo), que, a partir de junho, elevou a demanda de consumo e resultou numa melhora da atividade no segundo semestre.

Nesta semana, soubemos que a queda do PIB foi de “apenas” 4,1%, e não os 6% a 8% que se anteviam por volta de junho. 

Nesse resultado, merece menção que, do lado da oferta, cresceram apenas o setor financeiro, a agropecuária, os serviços imobiliários e a extrativa mineral. 

Do lado da demanda, a queda foi universal, destacando-se o consumo das famílias. 

O pior é que não se projeta continuidade da recuperação rumo a um crescimento mais sustentável, como mostra a precariedade da taxa de investimento (que ficou abaixo de 16%, quando se corrige o impacto das importações fictas de plataforma de petróleo), a queda abrupta das expectativas de todos os agentes econômicos neste início de ano e as consequências da desastrada intervenção na Petrobrás.

Elio Gaspari - Flávio Bolsonaro desconsiderou Tancredo

- O Globo / Folha de S. Paulo

Senador descumpriu uma norma, explicitada por Neves em 1963: “É norma ética consabida que o governante não compra nem vende nada”

Flávio Bolsonaro comprou uma casa de R$ 5,9 milhões, com R$ 3,1 milhões financiados pelo Banco de Brasília, cujo maior acionista é o governo do Distrito Federal. Com uma renda familiar declarada de R$ 37 mil mensais brutos, deverá aguentar uma mensalidade de R$ 18 mil. Poderá viver sem pedir auxílio emergencial.

O doutor ganhou fama de empreendedor com uma casa de chocolates da Kopenhagen e, em 16 anos, fez 20 transações imobiliárias, muitas delas quitando parte dos pagamentos em dinheiro vivo. Filho do capitão Jair Bolsonaro, elegeu-se deputado estadual no Rio em 2002, aos 21 anos, e senador em 2018.

Flávio Bolsonaro descumpriu uma norma, explicitada por Tancredo Neves em 1963:

 “É norma ética consabida que o governante não compra nem vende nada.”

Era pura sabedoria. Lula deu-se mal porque usufruiu o sítio de Atibaia e discutiu a compra de um apartamento no Guarujá. Juscelino Kubitschek foi muito mais longe, adquirindo um apartamento na avenida Vieira Souto.

Na “nova política” dos Bolsonaro, faltam os pilares da cultura histórica de Tancredo. Nela, abunda aquilo que o presidente americano Joe Biden acaba de chamar de “pensamento de Neandertal”. Rachadinhas podem ser coisas da Idade da Pedra.

A repórter Malu Gaspar mostrou que na “nova política” acontecem também golpes da modernidade, como a utilização de informações vindas do coração do governo para se ganhar um dinheirinho fácil no mundo do papelório.

Cacá Diegues - Contradições democráticas

- O Globo

O Brasil tem sido, pro nosso cinema, uma terra sempre em transe. Nossa história é contada como se não existisse, cheia de equívocos e erros grosseiros

Meu coração quase parou quando li, no Estadão de 27 de fevereiro, o título da matéria: “Livro conta como o ex-censor Roberto Farias dirigiu um filme censurado em plena ditadura”. O filme censurado em plena ditadura todos nós conhecemos. Era “Pra frente, Brasil”, de 1982, com Reginaldo Farias como um homem comum que, no ambiente político da época, se torna vítima de bárbara tortura. Um filme premiado no rigoroso Festival de Berlim e consagrado no nosso Gramado. Deu o que falar. Mas e o “ex-censor”?

O Brasil tem sido, pro nosso cinema, uma terra sempre em transe. Nossa história é contada como se não existisse, cheia de equívocos e erros grosseiros. Por exemplo, esse. Roberto Farias nunca trabalhou no Departamento de Censura de Diversões Públicas, como está no jornal. Desde sempre, ele só trabalhou e se empregou na atividade cinematográfica. E jamais praticou qualquer tipo de censura a filmes, mesmo quando teve poder para isso.

De 1974 a 1979, Roberto foi presidente da Embrafilme, empresa de economia mista que ele transformou numa das companhias de produção e distribuição de filmes mais bem-sucedidas da América Latina, disputando o mercado pau-a-pau com as majors americanas. Ele foi nomeado para o cargo pelo governo Ernesto Geisel. O seu era um dos nomes indicados por sindicatos e associações de cineastas que produziram, a pedido do governo, uma lista de três candidatos. Os ministros João Paulo dos Reis Velloso, do Planejamento, e Ney Braga, da Educação e Cultura, foram os intermediários da operação política, sob o argumento, trazido por eles, de que a abertura democrática anunciada por Geisel devia começar pela cultura. O cinema brasileiro nunca teve, a seu lado, um ministro que nos desse tanta condição de trabalho quanto Reis Velloso.

Cristovam Buarque* - Insanidade e falta de lucidez

- Blog do Noblat / Veja

Pobre Brasil

Esta semana comprovou que o presidente não é sano e que a oposição não é lúcida.

Em um gesto irresponsável, de voluntarismo e capricho infantil, o Presidente da República demitiu o presidente da Petrobrás, com a clara intenção de interferir nos preços dos combustíveis. Demonstrou o despreparo de quem não tem ideia das consequências de seu ato em uma economia já sofrendo forte escassez do fator Confiança e em uma empresa com capital no mercado aberto. Na mesma semana, no momento mais dramático da epidemia, repete apologia de desprezo às medidas protetoras e assusta os pais dizendo que a máscara prejudica às crianças.

Na mesma semana em que o presidente e seu governo demonstram insanidade, dois de seus principais opositores para 2022 demonstram falta de lucidez ao trombarem entre si. Ciro dizendo que seu papel é derrotar Lula, o que passa a ideia de que derrotar Bolsonaro é secundário, e como se ele fosse capaz de vencer a eleição sem o apoio de Lula e do PT. Haddad, por sua vez, responde dizendo que Ciro é de direita, como um adjetivo de desqualificação para enfrentar Bolsonaro, como se os dois fossem a mesma coisa.

George Gurgel de Oliveira* - Brasil Insustentável - um ano de pandemia

O Brasil, após um ano de pandemia, vive um momento trágico da sua realidade política, econômica e social.

Porque chegamos a esta situação?

Qual a responsabilidade de cada um de nós frente a esta tragédia que estamos vivendo?

Qual a responsabilidade dos que governam, da cidadania e da sociedade em geral?

A maneira como o Brasil enfrentou e está enfrentando a pandemia é causa e/ou consequência da sociedade brasileira historicamente construída ou é responsabilidade dos atuais governantes da Federação?

São estas as questões a ser enfrentadas por cada um e por todos nós se quisermos efetivamente superar a trágica realidade vivida atualmente, em plena pandemia, por toda a sociedade brasileira.

Desde o início da pandemia, a sociedade brasileira foi desafiada a mudar a sua maneira de viver, de se comportar nas suas relações políticas, econômicas e sociais frente aos desafios colocados para o enfrentamento da pandemia, causada pelo Covid 19.

Então, a atuação governamental e os resultados obtidos até agora no combate à pandemia no Brasil ficaram muito a desejar: não estão comprometidos com as agendas sociais, econômicas e ambientais necessárias para o enfrentamento dos desafios trazidos pela pandemia à sociedade brasileira, particularmente na área da saúde.

Ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação confiável, com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilize e passe confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia – caso explícito da compra de vacinas: as evidências demonstram que o Governo Federal foi e está sendo negligente – não planejou a compra, e o processo de vacinação em curso é a mais completa tradução da tragédia.  O ritmo de vacinação continua lento por falta de vacinas, diferente da situação de muitos países da América Latina, cuja população já tem disponibilidade de vacinas de diferentes países, inclusive da China e da Rússia.

Assim, a ideologização da questão e a falta de planejamento caminharam juntos, com consequências graves para a sociedade brasileira.  Aqui a maior responsabilidade é do Governo Federal, que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, desde o início da pandemia. Some-se a isto a desconstrução e as inúmeras mudanças acontecidas nesse período na área de saúde, inclusive com a nomeação de três Ministros no período, o que retrata a maneira como o Governo Federal enfrentou e está enfrentando a situação. O comportamento bipolar de Bolsonaro, no dia-a-dia no exercício da Presidência, vem agravando a situação.

Vagner Gomes de Souza - Apagão da Oposição

- Blog Voto Positivo

Não estamos na “segunda onda” da Pandemia, mas apenas num possível começo de um “Tsunami” de contaminações de COVID19. O Ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta já alertava para essa possibilidade há semanas atrás.  Então, vieram os números do PIB de 2020 com o terceiro maior tombo da nossa história recente. O desemprego em níveis de 14 milhões não sugere que vai recuar. O retorno às aulas presenciais se faz como se o conteúdo fosse o mais importante para inúmeros jovens em elevado índice de vulnerabilidade (abrem-se as escolas sem que se abram as mentes para essa reflexão). A vacinação é lenta e praticamente as doses são racionadas enquanto que o Ministro da Saúde anuncia uma “chuva de vacinas” para depois de julho. Não temos ainda um Orçamento Federal para o ano de 2021 aprovados. E o valor de R$ 250 para o auxílio emergencial nos faria questionar: o que melhorou nesse cenário para que se defenda a queda de R$ 350 do valor anterior? Ainda mais diante de uma carestia dos produtos da cesta básica em que muitos mencionam a situação do bolso caro.

Muitos analistas sugeririam que esse seria um momento favorável a Oposição ao Governo Federal. Então, por que não se observa a consolidação do programa de oposição? Em primeiro lugar, não nenhum programa de oposição consensual que possa motivar a ascensão da pluralizada opinião refratária ao Presidente Bolsonaro. Há uma autonomeada “oposição responsável” que é refém de uma “agenda liberal” fiscalista observando um Ministro da Economia politicamente esvaziado. Esse segmento é tímido ao combate aos impactos da pandemia em seus governos locais porque deseja disputar uma base “radicalizada” do Governo, por exemplo, no tema das atividades religiosas como essencial (curioso serem isentos no pagamento de impostos que poderiam ser investidos na saúde pública). Por outro lado, se abriu uma busca do melhor nome para derrotar o mandatário federal. A fulanização da política favoreceu ao mesmo, pois sempre consolida seu grupo de fieis apoiadores. Enquanto isso, a oposição se definha em debates internos e ressentimentos que não priorizam salvar as vidas.

Eliane Cantanhêde - Em guerra

- O Estado de S. Paulo

Brasil tem um capitão destrambelhado no comando e um general muito ruim até de conta na Saúde.

Brasil, que atraía a curiosidade do mundo pela trajetória de redemocratização, combate à inflação, modernização e enfrentamento frontal das suas mazelas históricas. Um país que, nesse processo, degrau por degrau, chegou a superar o Reino Unido como sexta maior economia no final de 2011. Foi fugaz. Desde então, o Brasil anda para trás em todas as direções e virou um pária internacional.

Dilma Rousseff, um desastre, deixou recessão e escombros. Michel Temer, que tentou recolocar as coisas nos trilhos, foi atropelado por Rodrigo Janot-J&F. Jair Bolsonaro, um retrocesso, foi potencializado pela pandemia. E aqui chegamos. O Brasil nem está mais entre as dez maiores economias do mundo. O sonho virou pesadelo.

Para o compreensivelmente otimista Paulo Guedes, está tudo muito bem, o desempenho brasileiro na economia é equivalente ao de EUA, China e Coreia do Sul. E, afinal, uma queda de 4,1% no PIB em 2020, primeiro ano da pandemia, que não tem prazo para terminar, nem é um tombo tão doído assim. Ok.

Música | Paulinho da Viola - Coração leviano

 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Domingo

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.