EDITORIAIS
As manifestações contra Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Foram muito significativas as manifestações
do sábado passado contra o presidente Jair Bolsonaro, não somente em razão da
dimensão – houve passeatas em quase todas as capitais e no Distrito Federal,
além de cidades menores – e da numerosa participação, mas principalmente pela
realização, em si mesma, do protesto.
Afinal, não é trivial ir às ruas para
expressar descontentamento com o governo em meio a uma pandemia, que dá todos
os sinais de um novo recrudescimento. Até agora, as ruas eram uma espécie de
monopólio da militância radical bolsonarista, desde sempre à vontade para
desafiar as orientações sanitárias para demonstrar seu apreço por Bolsonaro e
sua hostilidade às instituições democráticas.
Já a oposição ao presidente, com a fundada
preocupação de que aglomerações poderiam contribuir para a disseminação ainda
maior do vírus, demorou a mobilizar os muitos descontentes com Bolsonaro;
afinal, não era uma decisão fácil ir às ruas depois de passar meses criticando
os bolsonaristas e o presidente por incentivarem ajuntamentos irresponsáveis.
Como resultado dessa hesitação, os bolsonaristas investiram na narrativa
segundo a qual as manifestações promovidas por eles – sem nenhuma resposta da oposição,
salvo inócuos panelaços – provavam que o “povo” estava com o presidente.
Mas isso agora mudou. A detalhada exposição
pública, na CPI da Pandemia, da irresponsabilidade do governo Bolsonaro na
condução da crise certamente encheu muitos brasileiros de vergonha. Ao mesmo
tempo, o presidente mais uma vez causou indignação ao participar ativamente de
um comício no Rio de Janeiro em que a pandemia foi ignorada, coadjuvado pelo
sorridente ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, símbolo da desídia na administração
da pandemia.
Essa caracterização explícita do desprezo
bolsonarista pelos brasileiros em geral parece ter sido a gota d’água que levou
parte dos grupos de oposição a Bolsonaro a deixar de lado a prudência e
convocar manifestações de rua.