sábado, 4 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

"Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais.”

(Antonio Gramsci, do livro ´Os intelectuais e a organização da cultura” – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1966.)

O complexo de vira-lata

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

O grande escritor Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro é "um narciso às avessas, que cospe na própria imagem". Ele cunhou como complexo de vira-lata a "inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo". Mas há o "complexo de vira-lata" ao contrário, o que se encanta com a pompa dos cerimoniais do primeiro mundo, especialmente quando se trata de uma monarquia, e infla o ego por qualquer gesto de aceitação. Pois esse complexo novamente aflorou diante do sucesso do presidente Lula em sua viagem a Londres para a reunião do G-20. Bastou que ele aparecesse sorridente na foto oficial, sentado à esquerda da rainha Elizabeth II, para que muitos de seus áulicos atribuíssem sua colocação à evidência de que nunca antes este país recebeu tanta consideração por parte dos países do primeiro mundo.

Muita tinta foi derramada para elogiar a posição incomparável que o país alçara na era Lula. A explicação para a posição privilegiada de Lula, porém, é a mais prosaica possível: no cerimonial do Palácio de Buckingham, antiguidade é posto.

Por ser o chefe de Estado mais antigo no cargo no momento, Lula ficou bem na foto. É verdade que nem o próprio presidente, embora transparecesse na fisionomia toda a alegria de que foi possuído por estar em posição tão destacada, nem o Itamaraty deixaram transparecer oficialmente sinal de deslumbramento.

Mas as informações "de bastidor" ressaltavam a suposta evidência do destaque à figura de Lula. O presidente brasileiro também reagiu com bastante equilíbrio diante da demonstração de admiração pública do presidente americano, Barack Obama, atribuindo a uma gentileza sua os elogios que fez. Nesse caso, aliás, Lula tinha razão para estar convencido de que os elogios eram sinceros, e não apenas agrados diplomáticos.

Seu primeiro encontro com o presidente americano em Washington foi bastante cordial, conforme relatos internos, a tal ponto que o brasileiro sentiu-se confiante, ao final, para perguntar se poderia dar dois conselhos a Obama.

O primeiro foi para que acompanhasse com atenção a América Latina e o processo de democratização da região. Lula pediu a Obama que não se impressionasse com a retórica de Hugo Chávez na Venezuela, e olhasse a região como um todo, que precisa do apoio dos Estados Unidos.

Em seguida, preocupado com a presença maciça de assessores de Bill Clinton na administração Obama, o que indicaria, no seu modo de ver, uma influência grande na avaliação da América Latina e do Brasil, pediu que o presidente americano ouvisse "seu coração" sempre que estivesse em dúvida sobre que ação tomar.

Segundo versões de assessores de Lula, Obama ficou emocionado com a abertura de Lula, abraçou-o e chamou-o de "um verdadeiro amigo".

O relato, sem entrar no mérito das considerações políticas, é coerente com a efusão e a intimidade com que o presidente Barack Obama recebeu Lula, chamando-o de "o cara".

Lula, no entanto, deixou-se levar pela vaidade quando, em uma entrevista, perguntou se não era "chique" emprestar dinheiro para o FMI, dizendo que queria entrar para a história nessa condição, depois de ter passado a vida pedindo "Fora, FMI" nas passeatas e manifestações.

Foi uma "liberdade poética" dispensável do presidente, pois não apenas o Brasil não vai "emprestar" ao FMI, como, sendo sócio daquele organismo internacional, sempre teve dinheiro nele, mesmo quando pegava empréstimos.

O que o Brasil poderá fazer, juntamente com outros países, é aumentar sua participação no FMI, numa política global de combate à crise econômica.

Uma questão que não está ainda resolvida, e é fundamental para a recuperação do sistema financeiro internacional, é a dos chamados "ativos podres".

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor de mercados internacionais do Banco Central e atualmente trabalhando em Nova York, lembra que a questão está no valor residual de mercado dos papéis podres.

Estamos acostumados, diz ele, com valores em torno a 30% ou menos do valor de face, mas, dado que uma boa parte dos ativos podres nos Estados Unidos são AAA, e de gerações antigas, por exemplo, de antes de 2006-5, com apreciação real do valor dos imóveis, muita gente acha que eles "valem" 60-65% do valor de face.

Como estão "marcados" a 90-95%, o "golpe" no balanço seria de 30%. Se é esse o tamanho do rombo, diz Paulo Vieira da Cunha, é concebível que o plano de resgate funcione, ainda que inicialmente seja muito pequeno.

A ideia é que, "limpos", os bancos conseguiriam atrair capital privado - ou, alternativamente, o "resíduo" de aporte do governo seria tolerável.

Se o desconto dos papéis, no entanto, for maior, digamos de 50%, o custo do PPIP seria enorme. Se, por hipótese, os papéis valerem apenas 30%, neste caso não haveria outra forma senão o governo nacionalizar os bancos, comenta o economista Paulo Vieira da Cunha.
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Quando assumi a coluna, em junho de 2003, escrevi que o espírito de repórter, essa caça diária da notícia, era o que me aproximava do antigo ocupante deste espaço, o jornalista Marcio Moreira Alves, "que já marcou sua presença na política e no jornalismo brasileiros".

Marcito continuou escrevendo na página 7 do jornal, para onde levou seus "sábados azuis", que se transformaram em "domingos azuis".

Marcio Moreira Alves, depois que teve que parar de escrever mesmo aos domingos devido à doença, continuou defendendo que se escrevesse mais assiduamente sobre políticas públicas, que foi a base de sua proposta de coluna para o jornal, voltada para a política no sentido mais amplo, e não apenas o dia a dia de Brasília.

Minha homenagem ao político, ao homem público, ao jornalista e ao amigo, cuja luta terminou ontem.

Tipo exportação

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Senado iniciou o ano legislativo paralisado nas cordas, pego de calças curtas sem explicações convincentes para a existência de tantas e tão esquisitas botijas, mas, quando votou, convenhamos, caprichou: aprovou a criação de uma nova bancada na Câmara dos Deputados que teria de quatro a sete vagas para representantes de brasileiros residentes no exterior.

Emenda à Constituição, a proposta precisou de quórum qualificado e obteve votação expressiva, 59 senadores a favor. Nem todos, porém, entenderam direito o que votaram e, no dia seguinte, já prometiam mudar de posição no segundo turno a fim de evitar que a emenda passe ao exame da Câmara.

Levaram um susto quando perceberam que haviam aprovado o aumento do número de deputados, a ampliação da estrutura, a elevação de despesas e muito provavelmente a criação de mais um motivo para críticas contra o Poder Legislativo.

"Votamos por indicação dos líderes. Mas não é hora de aumentar o número de parlamentares, não estamos com crédito junto à opinião pública", reagiu o senador Demóstenes Torres, um dos que votaram na véspera sem entender o quê.

"Isso parece piada! Se for assim (aumentar o número de deputados), voto contra no segundo turno", reclamou o senador Pedro Simon, que também emprestou seu nome ao placar sem saber por quê.

"Essa proposta não pode prosperar. A menos que se faça um debate sobre reforma política e redução da representação parlamentar", ponderou o senador Álvaro Dias, impondo suas condições para manter seu apoio à criação de uma nova bancada com vistas a representar o cidadão brasileiro habitante de terra estrangeira.

Estabeleça-se, na preliminar, que os três senadores citados fazem parte do grupo dos mais qualificados. Não são suplentes sem votos, não têm atuação folclórica nem são afetos a maus combates ou frequentadores de escândalos. Um é procurador experiente, o segundo é o mais antigo senador em exercício, o terceiro já foi governador.

Ainda assim, materializam nesse singelo exemplo a evidência de que o problema do Parlamento não é a quantidade de congressistas, mas a qualidade do serviço prestado. Quando três senadores reconhecidamente habilitados são posteriormente alertados sobre o conteúdo do voto dado no dia anterior, algo de muito errado anda acontecendo com a representação parlamentar do brasileiro.

A proposta originalmente apresentada por outro senador de boa cepa, Cristovam Buarque, pode ser bem-intencionada, mas, na atual conjuntura em que se posiciona o Poder Legislativo, soa equivocada.

Em tese não há como discordar do senador quando ele advoga que os 3 milhões de brasileiros residentes no exterior tenham quem os defenda no Congresso. Já o argumento de que o voto parlamentar seria um estímulo para elevar o número de eleitores registrados nos consulados, é questionável.

Hoje são 133.825 os brasileiros aptos para escolher o presidente da República. Ora, se a participação é ínfima na eleição que mais mobiliza, por que haveria o cidadão de se sentir estimulado a escolher deputados com os quais provavelmente nunca mais terá contato?

Ou a ideia seria uma bancada de viajantes para consultas periódicas às bases nas Américas, Europa, Ásia, África e Oceania?

Por força do sistema proporcional de votação da excessiva referência do Congresso no Poder Executivo, deputados são figuras de um modo geral distanciadas do eleitorado durante o exercício do mandato. Isso, representantes e representados morando no mesmo país. Separados por continentes, aí mesmo é que não haveria, na prática, a representação tal como utopicamente imagina em sua proposta o senador Cristovam.

Ademais, se a preocupação é o brasileiro no exterior, as bancadas já existentes podem perfeitamente designar um parlamentar para se dedicar ao assunto. Assim como há os que atuam primordialmente em áreas específicas (agricultura, energia, economia, direitos humanos etc.), haveria os especialistas nas questões dos "estrangeiros".

Antes de pensar em assegurar representatividade congressual ao eleitor que está lá fora, o Congresso precisaria representar a contento o eleitorado aqui de dentro. Se não cuida deste, não atenderá às demandas daquele.

A questão, obviamente, não é o custo de três, cinco ou sete deputados novos. É o prejuízo causado pela falta de noção da maioria dos atuais 594 congressistas sobre o conceito da representação pública.

Voz do dono

Gilberto Carvalho na presidência do PT é Lula no comando do partido, de fato e de direito. A escolha do secretário particular elimina qualquer risco de desvios na trilha traçada com a régua do Planalto para o processo de sucessão presidencial.

Corre a versão de que Lula não quer liberar o secretário para comandar o PT. Realmente. Espera que o partido diga, repita e, de preferência insista, que esse é o maior desejo dos petistas.

Dos olhos azuis ao líder mais popular

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Da rata recordista ao responsabilizar os países ricos pela crise na economia mundial, com a alegação de que nunca conheceu banqueiro negro ou índio, mas todos de cabelos louros e olhos azuis, para a volta por cima em menos de uma semana, com o desempenho solto e desembaraçado no encontro com o presidente Nicolas Sarkozy em Paris e do G-20 em Londres, quando pousou na foto oficial no Palácio de Buckingham sentado ao lado da rainha Elizabeth II, o presidente Lula percorreu um longo caminho.

A simpatia desembaraçada com que trata os líderes do mundo, com a mesma simplicidade com que se entende com a turma do PT, não apenas degelou as possíveis restrições, como as que surpreenderam Gordon Brown, segundo a versão que transmitiu ao presidente Barack Obama, presidente dos Estados Unidos: "Quando eu era sindicalista, eu culpava o governo, quando era da oposição culpava o governo, quando virei governo culpei a Europa e os Estados Unidos".

Nada mais espanta depois de tais proezas. O presidente Barack Obama aparece na foto que está na primeira página de todos os jornais, de pé, exatamente atrás de Lula, ao lado da rainha Elizabeth II. E, quando surgiu em meio à entrevista coletiva do premier britânico, o presidente Barack Obama saudou Lula com o "Este é o cara! Adoro este cara, que é o líder mais popular do planeta".

Lula estava com a melhor tese, a mais popular, ao criticar "o mundo real que investe no setor produtivo e uma economia que acaba de esconder o dinheiro do crime organizado, do narcotráfico na lavagem do dinheiro". E a aragem de otimismo que se espalhou pelo mundo com as decisões do G-20 chega ao Brasil sem alterar a crise doméstica da decadência ética do Legislativo.

Para a retaguarda política em tempo de crise e de campanha política atropelando os prazos constitucionais, Lula mandou o recado que acaricia o orgulho da população: "O Brasil não vai agir como se fosse um paizinho pequeno e sem importância", mas está pronto para injetar dinheiro no Fundo Monetário Internacional, o FMI de antigas e ásperas desavenças, e foguetes quando o governo liquidou a sua dívida histórica.

Mas necessita conservar reservas de bom humor para contornar os desafios domésticos, com sinais claros de alerta no atalho da sua sucessão. A ministra-candidata Dilma Rousseff, na medida em que se consolida como a candidata única do esquema governista, cutuca as reações dos desajustados e descontentes e, na contramão, desperta a oposição para os sinais de um racha na até aqui improvável acomodação dos governadores José Serra, de São Paulo, e do mineiro Aécio Neves numa chapa única, que é a única com possibilidades, ainda não conferidas, de enfrentar a candidata lulista.

A esfarrapada dissimulação das viagens semanais do presidente com a ministra a tiracolo para fiscalizar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não resiste à galhofa oposicionista. O discreto senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, teceu a carapuça com lã grossa: "Roupa de campanha, cara de campanha, cabelo de campanha, discurso de campanha, e não é campanha!". Na mosca. Numa frase a série de evidências, que mistura a elegância da ministra-candidata depois de severa dieta, a plástica que esticou as rugas no rosto remoçado e sorridente e o discurso que vai sendo polido na campanha que não é campanha.

Não param aí os aborrecimentos. Ao contrário, é o que não falta. Não é oportuno, pois chega com atraso de décadas a derrubada da caduca Lei de Imprensa, promulgada em 1967, no endurecimento da ditadura militar do rodízio dos cinco generais-presidentes e que agoniza no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), com os votos dos dois dos 11 ministros a favor da sua extinção, defendida pela ação do PDT carioca, assinada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que sustentou da tribuna a revogação de todos os artigos do monstrengo.

Parece inevitável o fim da Lei de Imprensa, um filhote da ditadura, coerente na defesa da censura. Governo gosta de censura. E de imprensa a favor, mesmo da oficial, generosamente fortalecida.

Viria mesmo a calhar para o governo uma nova rodada de pesquisas sobre intenção de voto com o salto da ministra-candidata para a faixa das duas dezenas. Uma queda faria soar as sirenes do alarme.

Crise atinge prefeituras

EDITORIAL
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A cidade e seu espaço ampliado, o município, constituem a unidade e o elo mais importantes da Federação, mas também o mais fraco, devido a uma concepção imperial e unitarista dos nossos pais fundadores e dos políticos que se lhes seguiram nos 120 anos seguintes de República. É na cidade que o cidadão reside, trabalha, se relaciona. É dali que ele parte para o mundo. Alguns lembrarão que com a internet, o mundo tornou-se uma cidade só. É bem verdade. Mas, por mais cidadão do mundo que uma pessoa seja, precisa sempre de um ponto de referência, uma residência, um pied-à-terre como dizem os franceses. As primeiras experiências de vida e de cidadania a gente tem na cidade: o lar, a escola, o parque de diversões, as casas dos amigos. Não faz sentido que, entre nós, a cidade valha tão pouco para os legisladores, para o Estado, para a União.

No Brasil, praticamente tudo depende de Brasília, do governo central, apesar de o Império unitário ter tido fim há tanto tempo. Somos, na contramão da história, uma República imperial e uma Federação centralista. É nesse contexto que abordamos a chegada da crise financeira mundial às prefeituras. São muitos os municípios que têm como principal fonte de receita, às vezes única, os repasses federais oriundos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Isso confirma a nossa posição contrária à emancipação injustificável de distritos que formam novos municípios sem a mínima sustentabilidade, e ainda prejudicam a consistência daqueles de que foram desmembrados.

A contenção de despesas do governo, uma das armas contra a crise, estendeu-se aos repasses do FPM, o que causa dificuldades a muitas prefeituras pelo País afora. Na Região Metropolitana do Recife, algumas prefeituras estão paralisando obras, demitindo pessoal e não sabem até quando poderão pagar os vencimentos do funcionalismo. A merenda escolar também está ameaçada. Acrescente-se os transtornos causados por administrações anteriores irresponsáveis, como em Jaboatão dos Guararapes. O FPM é formado por 22,5% da arrecadação do IPI e do IR, e encolheu porque tais tributos desde novembro registram queda devido ao esfriamento de atividades produtivas.

Mas, além disso, a maioria dos municípios não se empenha em criar recursos alternativos, conter despesas, cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Eles não cobram competentemente os impostos municipais, como o ISS e o IPTU, passam por longe do enxugamento da máquina pública, ao contrário molhando-a ainda mais com secretarias e outros órgãos desnecessários, contratação de mais funcionários sem concurso. Araçoiaba, por exemplo, é um município que não arrecada nem R$ 1 mil por mês. Mas tem 390 servidores e uma folha de pagamento de pessoal de R$ 450 mil. Não só os mais pobres, mas municípios grandes e com receita maior e diversificada, como Jaboatão dos Guararapes, também estão tendo de se adaptar à nova fase da economia.

Sem gerar receitas, municípios ficam à mercê exclusivamente de Brasília, que faz questão de respeitar compromissos impostos pela ortodoxia monetarista do Banco Central, usando contingenciamentos e cortes lineares, e agora se vê às voltas com a crise mundial. Uma unidade federativa dependendo tão exageradamente da União não faz sentido. E a ânsia de criar novos municípios, basicamente por motivos eleitoreiros, de política menor, só faz piorar a situação. Mas o bem público não interessa a políticos menores. Há prefeitos que não cobram o IPTU porque acham que é uma medida impopular. E ainda é preciso considerar os rotineiros desvios de verbas e apropriações criminosas, que fazem muitas fortunas às custas do atraso das comunidades.

A crise das prefeituras tem um aspecto pedagógico, positivo. Pode ensinar os prefeitos a não onerar tanto suas folhas de pessoal e a ir atrás dos devedores de impostos municipais. Quanto a dar-lhes lições de ética, isso vai depender da força de pressão dos cidadãos e contribuintes, da conscientização política do eleitorado, que o levará a opções eleitorais de acordo com a consciência e as exigências do bem comum, a ver sua cidade, não como pedinte, mas como uma unidade da Federação.

O real e o simbólico

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A crise continuará, nos próximos meses, fazendo suas vítimas, e os ecos da reunião de Londres parecerão distantes. As bolsas podem logo esquecer a alegria desta semana. Mas a reunião do G-20 foi um desses raros momentos de sucesso no conteúdo e no simbólico. Tudo pode se perder na execução, mas os líderes mundiais marcaram o terreno para continuar a caminhada.

O FMI tem que estrear sua nova estrutura de poder em janeiro de 2011. Parece um longo tempo, mas aquele mamute já está mudando, de outra forma, quando cria modalidades de empréstimos sem aqueles estreitos monitoramentos, onde mais se procurava o número não cumprido do que a essência do avanço de cada país.

Mudar a regulamentação financeira dos países e do mundo será um enorme trabalho, em que se caminhará numa fronteira tênue: o sistema bancário tem que ter transparência, tem que prestar contas, precisa de limites, mas, ao mesmo tempo, ele não pode ser tão amarrado a ponto de não conseguir fazer circular o dinheiro. Há diferenças enormes entre os países. Nos Estados Unidos, a fiscalização sempre foi descentralizada, o banco central é balcanizado, com várias agências fazendo o trabalho que em outros países é feito por um único órgão, há milhares de bancos regionais, locais. Os países precisam se organizar sob um guarda-chuva de novos princípios, mas cada um fará sua própria reorganização. Um forte ato simbólico: o vetusto Fundo Monetário venderá parte do seu ouro, vejam só, para ajudar os países pobres.

O tema do combate aos paraísos fiscais é fascinante. É fundamental que os países tenham tomado esse caminho, mas ele é difícil ser trilhado. Como informou o jornalista Assis Moreira, do "Valor Econômico", houve reação da China, que não queria abrir mão dos seus paraísos, Hong Kong e Macau. Dobrada por intervenção de Barack Obama, a resistência chinesa à troca de informações fiscais pode voltar. Mas, por enquanto, quem comemora vitória é a França, que conseguiu o compromisso de se fazer uma lista dos que não quiserem aderir ao combate aos paraísos fiscais. A propósito: no Brasil, há uma tensão entre Receita Federal e Banco Central sobre até que ponto o BC pode compartilhar informações que tem, sujeitas a sigilo bancário, com os fiscais dos impostos.

Mas o que o primeiro-ministro Gordon Brown disse é que "acabou a era do segredo bancário". Como será que dentro dos países vai se organizar esse fim de era? Cada país passará a discutir isso, inclusive o Brasil. A grande vantagem para nós é ter uma arma a mais para enfrentar o flagelo da corrupção crescente e que usa os paraísos fiscais como o perfeito biombo para esconder o fruto do crime.

Foi uma vitória para Obama - e todos os que se preocupam com o futuro do planeta - a inclusão, no acordo, do princípio de que a recuperação econômica tem que ser verde. Para tirar isso do papel é preciso exigir contrapartidas ambientais aos setores que receberem ajuda governamental de qualquer espécie. Aqui, lá, em todo lugar, porque o planeta é um só. O presidente americano não está na questão ambiental apenas para surfar numa onda simpática.

Ele tem sido de uma consistência absoluta: no que faz, fala, negocia, escreve e escolhe, Obama tem incluído a questão ambiental e climática. O ar continua poluído, os gases estufa continuam sendo emitidos para a nossa tênue atmosfera, mas já se pode respirar um pouco melhor com a esperança de que o mundo seja racional, e que essa racionalidade apareça na grande reunião de Copenhague do fim do ano, sobre mudança climática.

O poder continuará concentrado no mundo, haverá países mais e menos influentes sempre.

Nada foi equalizado. Mas, hoje, o Brasil é mais relevante do que foi no passado e sabe disso. A China é candidata a potência mundial, a despeito dos vários desequilíbrios que tem. A África do Sul é a economia mais forte de um continente sempre esquecido.

O Brasil, particularmente, tem de tomar cuidado com a ordem de relaxamento fiscal e monetário. Esta semana houve uma péssima notícia por aqui: os gastos públicos aumentaram num momento de queda de arrecadação, mas não são gastos feitos para que amanhã haja mais crescimento e, portanto, mais arrecadação. O que mais subiu foi o gasto com pessoal, os gastos com o custeio da máquina, e não os investimentos. Um país já tão escaldado de crises passadas sabe o que o gasto descontrolado pode causar. Numa entrevista que fiz na Globonews com os economistas Yoshiaki Nakano, da FGV São Paulo, e Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, eles alertaram para o risco de que, ao fim da tempestade, o Brasil entre na conhecida crise fiscal que já teve em outros momentos. Tudo o que não pode nos acontecer, alertou Nakano, é, depois de tudo, termos uma crise de desconfiança em nossa capacidade de pagar a dívida.

A foto foi feita, o Brasil está bem nela, o grupo parece unido e as mensagens foram fortes e objetivas. Não se podia esperar mais. Os próximos dias e meses serão do lento e doloroso desenrolar da crise que destruirá empregos, empresas e crescimento. Mas, por algum tempo, será bom ter a sensação que o desgovernado avião da Terra tem comandantes e eles são racionais.

Nova etapa do capitalismo?

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

HÁ DOIS CONSENSOS sobre a crise econômica. 1) O complexo dos derivativos financeiros foi se descolando da economia real. A cada novo andar de derivativos, maior a fragilidade dos lastros, até que os andares de cima começaram a desmoronar.

2) A torre dos derivativos, mesmo gerando riqueza falsa, estimulou a demanda e o forte ciclo econômico dos últimos anos. O Banco de Compensações Internacionais (BIS), no último relatório, mensura em US$ 543 trilhões este mercado no último trimestre de 2008 (quase 15 PIBs dos EUA), caindo para US$ 408 trilhões neste início de 2009.

Essa relação entre o volume de derivativos e a demanda global sinaliza que após a crise o PIB mundial estará em um novo piso, menor que o anterior. E a dinâmica econômica será retomada sem a mesma impulsão da riqueza falsa. Uma nova etapa do capitalismo, dizem os marxistas.

Esta seria a quinta etapa do capital bancário/financeiro. A primeira, nos séculos 16 e 17, foi a dos grandes banqueiros flamengos, florentinos, boêmios..., financiadores das coroas, das guerras e do comércio. A associação destes com o comércio abriu espaços ao mercantilismo.

Nos séculos 18 e 19, o grande capital bancário concentrou-se no financiamento das atividades econômicas (incluindo a indústria) e dos governos. Com a expansão do capitalismo desde fins do século 19, o capital bancário estreita suas relações de associação com o industrial, e não apenas de financiamento, dando origem ao que Hilferding estudou em seu clássico "O Capital Financeiro" (1910).

A quarta etapa é viabilizada pela revolução eletrônica dos 70 e pela especulação em tempo real, no mundo todo, por meio de meros registros. Esse mercado global, virtual, de registros eletrônicos, eliminou as fronteiras e os controles estatais -e de forma radical nos paraísos fiscais, "off-shores". Trata-se de um capitalismo pós-financeiro, onde o capital financeiro vai financiar a si mesmo, junto com os novos andares agregados à torre dos derivativos.

Krugman afirma, em artigo recente, que, "depois de 1980, surgiu um sistema financeiro muito diferente, e a banca à moda antiga foi cada vez mais substituída pela especulação em grande escala. O novo sistema era muito maior que o antigo regime: à véspera da crise atual, finanças e seguros representavam 8% do PIB, mais que o dobro de sua participação nos anos 60".

Entramos numa quinta etapa com menos andares na torre, com uma menor distância entre a economia real e a virtual e com os controles e restrições governamentais ampliados. Que características terá? Virá a superação ou a acomodação? Aguarda-se a presença de novos Hilferdings neste século 21.

Fracasso, sucesso e tóxicos

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


LONDRES - Ainda bem que sou o inimigo número 1 de teorias conspiratórias. Não fosse assim, acharia que os números sobre o desemprego nos Estados Unidos em março (8,5%, o mais alto índice em 26 anos) saíram um dia depois da cúpula do G20 apenas para demonstrar que o grande circo de Londres foi um fracasso.

Bobagem, claro. O jogo do desemprego estava jogado antes da cúpula, e só algum maluco poderia esperar que ela salvasse ao menos um emprego, onde fosse. Mas o dado sobre o desemprego serve para lembrar aos incautos que a crise global ainda vai piorar mais antes de começar a melhorar (algum dia vai melhorar, acho). Para o leitor que ficou eventualmente confuso ao verificar que, no mesmo jornal, há quem grite "fracasso" e há quem cante "sucesso", não se preocupe. A situação é suficientemente confusa para que tanto um como outro estejam certos e errados. Não estivesse cansado demais pelo trabalho de tentar entender onde houve fracasso, onde houve sucesso e onde não houve nada, inventaria algo mais criativo do que dizer que é a velha história de copo meio cheio, meio vazio.

Olhemos então o copo vazio: o ponto a ser observado com atenção é o andamento da limpeza dos tais ativos tóxicos que entopem o sistema financeiro e impedem o seu normal funcionamento. É a preliminar para que as más notícias comecem a secar. Como a preliminar ainda não está sendo jogada (e o G20 omitiu-se), permito-me citar Kazuo Kodama, porta-voz do primeiro-ministro japonês, Taro Aso, que lembrou que o Japão levou uns dez anos para livrar-se de problema parecido nos anos 90. "Lidar com a crise bancária de hoje pode levar bastante tempo.

Não estou dizendo que vai levar dez anos, mas há esse risco", afirmou. É esse o aspecto do jogo ao qual se deve prestar atenção. Mas o Brasil não entra nesse torneio.

CIDADÃOS ANTI-RACISTAS CONTRA AS LEIS RACIAIS

Excelentíssimo Sr. Ministro:

Duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 3.330 e ADI 3.197) promovidas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), a primeira contra o programa PROUNI e a segunda contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das universidades estaduais do Rio de Janeiro, serão apreciadas proximamente pelo STF.

Os julgamentos terão significado histórico, pois podem criar jurisprudência sobre a constitucionalidade de cotas raciais não só para o financiamento de cursos no ensino superior particular e para concursos de ingresso no ensino superior público como para concursos públicos em geral. Mais ainda: os julgamentos têm o potencial de enviar uma mensagem decisiva sobre a constitucionalidade da produção de leis raciais.

Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.

Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si". O Artigo 208 dispõe que: "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um". Alinhada com os princípios e garantias da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, no seu Artigo 9, § 1º, determina que: "Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição".

As palavras da Lei emanam de uma tradição brasileira, que cumpre exatos 120 anos desde a Abolição da escravidão, de não dar amparo a leis e políticas raciais. No intuito de justificar o rompimento dessa tradição, os proponentes das cotas raciais sustentam que o princípio da igualdade de todos perante a lei exige tratar desigualmente os desiguais. Ritualmente, eles citam a Oração aos Moços, na qual Rui Barbosa, inspirado em Aristóteles, explica que: "A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade." O método de tratar desigualmente os desiguais, a que se refere, é aquele aplicado, com justiça, em campos tão distintos quanto o sistema tributário, por meio da tributação progressiva, e as políticas sociais de transferência de renda. Mas a sua invocação para sustentar leis raciais não é mais que um sofisma.

Os concursos vestibulares, pelos quais se dá o ingresso no ensino superior de qualidade "segundo a capacidade de cada um", não são promotores de desigualdades, mas se realizam no terreno semeado por desigualdades sociais prévias. A pobreza no Brasil tem todas as cores. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, entre 43 milhões de pessoas de 18 a 30 anos de idade, 12,9 milhões tinham renda familiar per capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo mais pobre, 30% classificavam-se a si mesmos como "brancos", 9% como "pretos", e 60% como "pardos". Desses 12,9 milhões, apenas 21% dos "brancos" e 16% dos "pretos" e "pardos" haviam completado o ensino médio, mas muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando depois disso. Basicamente, são diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior.

Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:

As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como "negro" a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como "branco", mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como "negros".

As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos "raciais" polares, gerando uma desigualdade "natural" num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como "negros" que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como "brancos" e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.

A PNAD de 2006 informa que 9,41 milhões de estudantes cursavam o ensino médio, mas apenas 5,87 milhões freqüentavam o ensino superior, dos quais só uma minoria de 1,44 milhão estavam matriculados em instituições superiores públicas. As leis de cotas raciais não alteram em nada esse quadro e não proporcionam inclusão social. Elas apenas selecionam "vencedores" e "perdedores", com base num critério altamente subjetivo e intrinsecamente injusto, abrindo cicatrizes profundas na personalidade dos jovens, naquele momento de extrema fragilidade que significa a disputa, ainda imaturos, por uma vaga que lhes garanta o futuro.

Queremos um Brasil onde seus cidadãos possam celebrar suas múltiplas origens, que se plasmam na criação de uma cultura nacional aberta e tolerante, no lugar de sermos obrigados a escolher e valorizar uma única ancestralidade em detrimento das outras. O que nos mobiliza não é o combate à doutrina de ações afirmativas, quando entendidas como esforço para cumprir as Declarações Preambulares da Constituição, contribuindo na redução das desigualdades sociais, mas a manipulação dessa doutrina com o propósito de racializar a vida social no país. As leis que oferecem oportunidades de emprego a deficientes físicos e que concedem cotas a mulheres nos partidos políticos são invocadas como precedentes para sustentar a admissibilidade jurídica de leis raciais. Esse segundo sofisma é ainda mais grave, pois conduz à naturalização das raças. Afinal, todos sabemos quem são as mulheres e os deficientes físicos, mas a definição e delimitação de grupos raciais pelo Estado é um empreendimento político que tem como ponto de partida a negação daquilo que nos explicam os cientistas.

Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas "raças" humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes!
Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: "O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das 'raças' deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de 'raças'." ("Receita para uma humanidade desracializada", Ciência Hoje Online, setembro de 2006).

Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O "racismo científico" do século XIX acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar "científico" de sustentação da ideologia da "missão civilizatória" dos europeus, que foi expressa celebremente como o "fardo do homem branco". Os poderes coloniais, para separar na lei os colonizadores dos nativos, distinguiram também os nativos entre si e inscreveram essas distinções nos censos. A distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda perduram. Na África do Sul, o sistema do apartheid separou os brancos dos demais e foi adiante, na sua lógica implacável, fragmentando todos os "não-brancos" em grupos étnicos cuidadosamente delimitados. Em Ruanda, no Quênia e em tantos outros lugares, os africanos foram submetidos a meticulosas classificações étnicas, que determinaram acessos diferenciados aos serviços e empregos públicos. A produção política da raça é um ato político que não demanda diferenças de cor da pele.

O racismo contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial – e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência de raça. Nos Estados Unidos, modelo por excelência das políticas de cotas raciais, a abolição da escravidão foi seguida pela produção de leis raciais baseadas na regra da "gota de sangue única". Essa regra, que é a negação da mestiçagem biológica e cultural, propiciou a divisão da sociedade em guetos legais, sociais, culturais e espaciais. De acordo com ela, as pessoas são, irrevogavelmente, "brancas" ou "negras". Eis aí a inspiração das leis de cotas raciais no Brasil.

"Eu tenho o sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo de seu caráter". Há 45 anos, em agosto, Martin Luther King abriu um horizonte alternativo para os norte-americanos, ancorando-o no "sonho americano" e no princípio político da igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a nação. Mas o desenvolvimento dessa visão pós-racial foi interrompido pelas políticas racialistas que, a pretexto de reparar injustiças, beberam na fonte envenenada da regra da "gota de sangue única". De lá para cá, como documenta extensamente Thomas Sowell em Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico (Univer Cidade, 2005), as cotas raciais nos Estados Unidos não contribuíram em nada para reduzir desigualdades mas aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a sociedade norte-americana.

"É um impasse racial no qual estamos presos há muitos anos", na constatação do senador Barack Obama, em seu discurso pronunciado a 18 de março, que retoma o fio perdido depois do assassinato de Martin Luther King. O "impasse" não será superado tão cedo, em virtude da lógica intrínseca das leis raciais. Como assinalou Sowell, com base em exemplos de inúmeros países, a distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais tende a retroalimentar as percepções racializadas da sociedade – e em torno dessas percepções articulam-se carreiras políticas e grupos organizados de pressão.

Mesmo assim, algo se move nos Estados Unidos. Há pouco, repercutindo um desencanto social bastante generalizado com o racialismo, a Suprema Corte declarou inconstitucionais as políticas educacionais baseadas na aplicação de rótulos raciais às pessoas. No seu argumento, o presidente da Corte, juiz John G. Roberts Jr., escreveu que "o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação baseada na raça". Há um sentido claro na reiteração: a inversão do sinal da discriminação consagra a raça no domínio da lei, destruindo o princípio da cidadania.

Naquele julgamento, o juiz Anthony Kennedy alinhou-se com a maioria, mas proferiu um voto separado que contém o seguinte protesto: "Quem exatamente é branco e quem é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar!". Nos censos do IBGE, as informações de raça/cor abrigam a mestiçagem e recebem tratamento populacional. As leis raciais no Brasil são algo muito diferente: elas têm o propósito de colar "um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar" e, no caso das cotas em concursos vestibulares, associam nominalmente cada jovem candidato a uma das duas categorias "raciais" polares, impondo-lhes uma irrecorrível identidade oficial.

O juiz Kennedy foi adiante e, reconhecendo a diferença entre a doutrina de ações afirmativas e as políticas de cotas raciais, sustentou a legalidade de iniciativas voltadas para a promoção ativa da igualdade que não distinguem os indivíduos segundo rótulos raciais. Reportando-se à realidade norte-americana da persistência dos guetos, ele mencionou, entre outras, a seleção de áreas residenciais racialmente segregadas para os investimentos prioritários em educação pública.

No Brasil, difunde-se a promessa sedutora de redução gratuita das desigualdades por meio de cotas raciais para ingresso nas universidades. Nada pode ser mais falso: as cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada. Há um programa inteiro de restauração da educação pública a se realizar, que exige políticas adequadas e vultosos investimentos. É preciso elevar o padrão geral do ensino mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural. O direcionamento prioritário de novos recursos para esses espaços de pobreza beneficiaria jovens de baixa renda de todos os tons de pele – e, certamente, uma grande parcela daqueles que se declaram "pardos" e "pretos".

A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.

A sociedade brasileira não está livre da chaga do racismo, algo que é evidente no cotidiano das pessoas com tom de pele menos claro, em especial entre os jovens de baixa renda. A cor conta, ilegal e desgraçadamente, em incontáveis processos de admissão de funcionários. A discriminação se manifesta de múltiplas formas, como por exemplo na hora das incursões policiais em bairros periféricos ou nos padrões de aplicação de ilegais mandados de busca coletivos em áreas de favelas.

Por certo existe preconceito racial e racismo no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista.
Depois da Abolição, no lugar da regra da "gota de sangue única", a nação brasileira elaborou uma identidade amparada na idéia anti-racista de mestiçagem e produziu leis que criminalizam o racismo. Há sete décadas, a República não conhece movimentos racistas organizados ou expressões significativa de ódio racial. O preconceito de raça, acuado, refugiou-se em expressões oblíquas envergonhadas, temendo assomar à superfície. A condição subterrânea do preconceito é um atestado de que há algo de muito positivo na identidade nacional brasileira, não uma prova de nosso fracasso histórico.

"Quem exatamente é branco e quem é não-branco?" – a indagação do juiz Kennedy provoca algum espanto nos Estados Unidos, onde quase todos imaginam conhecer a identidade "racial" de cada um, mas parece óbvia aos ouvidos dos brasileiros. Entre nós, casamentos interraciais não são incomuns e a segregação residencial é um fenômeno basicamente ligado à renda, não à cor da pele. Os brasileiros tendem a borrar as fronteiras "raciais", tanto na prática da mestiçagem quanto no imaginário da identidade, o que se verifica pelo substancial e progressivo incremento censitário dos "pardos", que saltaram de 21% no Censo de 1940 para 43% na PNAD de 2006, e pela paralela redução dos "brancos" (de 63% para 49%) ou "pretos" (de 15% para 7%).

A percepção da mestiçagem, que impregna profundamente os brasileiros, de certa forma reflete realidades comprovadas pelos estudos genéticos. Uma investigação já célebre sobre a ancestralidade de brasileiros classificados censitariamente como "brancos", conduzida por Sérgio Pena e sua equipe da Universidade Federal de Minas Gerais, comprovou cientificamente a extensão de nossas miscigenações. "Em resumo, estes estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelaram que a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (mais de 60%) é ameríndia ou africana" (PENA, S. "Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?", Estudos Avançados 18 (50), 2004). Especificamente, a análise do DNA mitocondrial, que serve como marcador de ancestralidades maternas, mostrou que 33% das linhagens eram de origem ameríndia, 28% de origem africana e 39% de origem européia.

Os estudos de marcadores de DNA permitem concluir que, em 2000, existiam cerca de 28 milhões de afrodescendentes entre os 90,6 milhões de brasileiros que se declaravam "brancos" e que, entre os 76,4 milhões que se declaravam "pardos" ou "pretos", 20% não tinham ancestralidade africana. Não é preciso ir adiante para perceber que não é legítimo associar cores de pele a ancestralidades e que as operações de identificação de "negros" com descendentes de escravos e com "afrodescentes" são meros exercícios da imaginação ideológica. Do mesmo modo, a investigação genética evidencia a violência intelectual praticada pela unificação dos grupos censitários "pretos" e "pardos" num suposto grupo racial "negro".Mas a violência não se circunscreve à esfera intelectual. As leis de cotas raciais são veículos de uma engenharia política de fabricação ou recriação de raças. Se, individualmente, elas produzem injustiças singulares, socialmente têm o poder de gerar "raças oficiais", por meio da divisão dos jovens estudantes em duas raças polares. Como, no Brasil, não sabemos quem exatamente é "negro" e quem é "não-negro", comissões de certificação racial estabelecidas pelas universidades se encarregam de traçar uma fronteira. A linha divisória só se consolida pela validação oficial da autodeclaração dos candidatos, num processo sinistro em que comissões universitárias investigam e deliberam sobre a "raça verdadeira" dos jovens a partir de exames de imagens fotográficas ou de entrevistas identitárias. No fim das contas, isso equivale ao cancelamento do princípio da autodeclaração e sua substituição pela atribuição oficial de identidades raciais.

Na UnB, uma comissão de certificação racial composta por professores e militantes do movimento negro chegou a separar dois irmãos gêmeos idênticos pela fronteira da raça. No Maranhão, produziram-se fenômenos semelhantes. Pelo Brasil afora, os mesmos candidatos foram certificados como "negros" em alguma universidade mas descartados como "brancos" em outra. A proliferação das leis de cotas raciais demanda a produção de uma classificação racial geral e uniforme. Esta é a lógica que conduziu o MEC a implantar declarações raciais nominais e obrigatórias no ato de matrícula de todos os alunos do ensino fundamental do país. O horizonte da trajetória de racialização promovida pelo Estado é o estabelecimento de um carimbo racial compulsório nos documentos de identidade de todos os brasileiros. A história está repleta de barbaridades inomináveis cometidas sobre a base de carimbos raciais oficialmente impostos.

A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.

A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de "raças oficiais" e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.

Ao julgar as cotas raciais, o STF não estará deliberando sobre um método de ingresso nas universidades, mas sobre o significado da nação e a natureza da Constituição. Leis raciais não ameaçam uma "elite branca", conforme esbravejam os racialistas, mas passam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres. Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia da igualdade fracassou – e que, no seu lugar, o máximo que podemos almejar é uma trégua sempre provisória entre nações separadas pelo precipício intransponível das identidades raciais. É esse mesmo o futuro que queremos?

21 de abril de 2008

Adel Daher – Diretor do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e MSAdelaide Jóia – Socióloga e Mestre em Educação Infantil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Adriana Atila – Doutora em Antropologia Cultural, IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Aguinaldo Silva – Jornalista, telenovelista
Alba Zaluar – Titular de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), colunista da Folha de S. Paulo
Almir Lima da Silva – Jornalista, Centro de Cultura Negra de Macaé-RJ
Alzira Alves de Abreu – Pesquisadora do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
Amâncio Paulino de Carvalho – Professor da Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Ana Maria Machado – Escritora, membro da Academia Brasileira de Letras
Ana Teresa A. Venancio – Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Ângela Porto – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo CruzAntonio Cicero – Poeta e ensaísta
Antonio Risério – Antropólogo
Arlindo Belo da Silva – Conselheiro Fiscal da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico (CNQ–CUT)
Bernardo Lewgoy – Professor Adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Bernardo Sorj – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bernardo Vilhena – Poeta
Bila Sorj – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bolivar Lamounier – Cientista Político
Caetano Veloso
Carlos A. de L. Costa Ribeiro
– Professor e Consultor em Ciências do Meio Ambiente
Carlos Pio – Professor da Universidade de Brasília (UNB)
Carlos José Serapião – Professor Titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor Titular da Universidade da Região de Joinville–SC
Celso Castro – Antropólogo, professor do CPDOC da Fundação Getulio Vargas
César Benjamin – Editor
Charles Pires – Diretor do Sindicato dos Funcionários Publicos Municipais de Florianópolis e membro da Executiva da CUT-SC
Cremilda Medina – Jornalista e professora Titular da Universidade de São Paulo (USP)
Cynthia Maria Pinto da Luz – Advogada, Conselheira Nacional do Movimento Nacional em Defesa dos Direitos Humanos
Claudia Travassos – Pesquisadora Titular, Fundação Oswaldo Cruz
Darcy Fontoura de Almeida – Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Demétrio Magnoli – Sociólogo, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Diomédes Matias da Silva Filho – Diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Pernambuco
Domingos Guimaraens – Poeta e artista plástico
Edmar Lisboa Bacha – Economista
Eduardo Giannetti – Economista
Eduardo Pizarro Carnelós – Advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
Elizabeth Balbachevsky – Professora Associada do Departamento de Ciência Política e pesquisadora sênior do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
Esteffane Emanuelle Ferreira – Estudante, Coordenação do DCE da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Eunice Durham – Professora Emérita da FFLCH da Universidade de São Paulo (USP)Fernando Gomes Martins – Associação de Moradores do Parque Bandeirantes e Movimento Hip Hop Sumaré-SP
Ferreira Gullar – Poeta
Flávio Rabelo Versiani – Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UNB)
Francisco João Lessa – Advogado, Direção do PT-SC
Francisco Johny Rodrigues Silva – Coordenador do Fórum Afro da Amazônia (FORAFRO)
Francisco Martinho – Professor do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Francisco Mauro Salzano – Professor Emérito do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
George de Cerqueira Leite Zarur – Professor Internacional da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO)
Gerald Thomas – Dramaturgo, criador e diretor da Companhia de Ópera Seca
Gilberto Horchman – Pesquisador, Fundação Oswaldo Cruz
Gilberto Velho – Professor Titular de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira de Ciências
Gilda Portugal – Professora de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Gilson Schwartz – Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cidade do Conhecimento
Glaucia Kruse Villas Bôas – Professora Associada de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Gursen De Miranda – Professor Adjunto da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias
Helda Castro de Sá – Coordenadora da Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia
Helena Severo – Cientista social, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas (NEP) do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro
Helga Hoffmann – Economista, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP)
Heloisa Helena T. de Souza Martins – Professora aposentada de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Isabel Lustosa – Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa
João Rodarte – Empresário
João Ubaldo Ribeiro – Escritor
José Álvaro Moisés – Professor Titular do Departamento de Ciência Política e Diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
José Arbex Jr. – Jornalista e professor do Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
José Augusto Guilhon Albuquerque – Professor Titular (aposentado) de Relações Internacionais da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP)
José Carlos Miranda – Coordenador Nacional do Movimento Negro SocialistaJosé Goldemberg – Ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP)
José de Souza Martins – Professor Titular (aposentado) de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
José Roberto Pinto de Góes – Historiador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Karina Kuschnir – Antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Leão Alves – Presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
Leonel Munhoz Coimbra – Analista de Controle Externo, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Escola Nacional de Administração Pública
Lourdes Sola – Presidente da Associação Internacional de Ciência Política e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP)
Luciana Villas-Boas – Diretora do Grupo Editorial Record
Luciene G. Souza – Mestre em Saúde Pública, Fundação Nacional de Saúde
Luiz Alphonsus – Artista Plástico
Luiz Fernando Dias Duarte – Professor Associado do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Luiz Werneck Vianna – Professor Titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)
Lya Luft – Escritora
Manolo Garcia Florentino – Professor do Departamento de Historia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Marcelo Hermes-Lima – Professor de Bioquímica Médica da Universidade de Brasília (UNB)
Marcos Chor Maio – Pesquisador da da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
Margarida Cintra Gordinho – Editora
Maria Alice Resende de Carvalho – Socióloga
Maria Cátira Bortolini – Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Maria Conceição Pinto de Góes – Professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Herminia Tavares de Almeida – Cientista Política
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti – Professora Associada do Instituto de Filosofia e Ciencias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Maria Sylvia Carvalho Franco – Professora Titular da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Mariza Peirano – Professora Titular, Antropologia, Universidade de Brasília (UNB)
Maurício Soares Leite – Professor Adjunto, Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Moacyr Góes – Diretor de teatro e cineasta
Monica Grin – Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Nelson Motta – Produtor musical, jornalista e escritor
Patrícia Vanzella – Professora Adjunta, Departamento de Música daUniversidade de Brasília (UNB)
Pedro Paulo Poppovic – Empresário
Peter Henry Fry – Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Reinaldo Azevedo – Jornalista, articulista da revista VEJA e editor do "Blog do Reinaldo Azevedo"
Renata Aparecida Vaz – Coordenação do Movimento Negro Socialista–SP
Renato Lessa – Professor Titular de Teoria Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Presidente do Instituto Ciência Hoje
Ricardo Ventura Santos – Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e Professor Adjunto do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Roberta Fragoso Menezes Kaufmann – Procuradora do Distrito Federal, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UNB) e Professora de Direito Constitucional
Roberto Romano da Silva – Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Rodolfo Hoffmann – Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Ronaldo Vainfas – Professor Titular da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Roque Ferreira – Coordenação da Federação Nacional de Trabalhadores de Transporte sobre Trilho–CUT
Ruth Correa Leite Cardoso – Antropóloga
Serge Goulart – Secretário da Esquerda Marxista do PT
Sergio Danilo Pena – Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Simon Schwartzman – Pesquisador do Instituto de Estudos do Tabalho e Sociedade (IETS)
Simone Monteiro – Pesquisadora Associada, Fundação Oswaldo Cruz
Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista Político
Wilson Trajano Filho – Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB)
Yvonne Maggie – Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

''Forçar inclusão é política populista e demagógica''

Roldão Arruda
Entrevista Simon Schwartzman
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO (ontem)

Simon Schwartzman: sociólogo e cientista político; debate no Congresso sobre cotas sociais e raciais nas universidades é desserviço e não resolve problemas, diz analista

O debate que se trava no Congresso sobre a criação de cotas sociais e raciais nas universidades brasileiras é um desserviço, porque desvia a atenção dos problemas reais da educação brasileira. Essa é a opinião do sociólogo e cientista político Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, no Rio de Janeiro, e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1994 e 1998.

Na quarta-feira, ao participar de uma audiência pública no Senado, organizada pela Comissão de Constituição e Justiça, que analisa o projeto de cotas, Schwartzman afirmou que seria mais interessante discutir o estrangulamento que está ocorrendo no ensino médio - o que reduz de fato as chances de estudantes de escolas públicas atingirem a universidade.

Em entrevista ao Estado, o especialista também rebateu o argumento da "dívida social" que o Brasil teria com a população negra, após quase três séculos de regime escravagista: "O argumento da dívida social é complicado. Quem deve pagá-la? Os portugueses escravocratas que já morreram? Os filhos de imigrantes japoneses, italianos e alemães que vieram para o Brasil na miséria e não tiveram nada com essa história do passado? Essa maneira de pensar em direitos e dívidas coletivas é difícil de sustentar."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em seu depoimento na Comissão de Constituição e Justiça, onde está sendo debatido o projeto de lei que cria cotas raciais e sociais em universidades públicas, o senhor disse ser contrário à aprovação. Por quê?

Na exposição que fiz, eu argumentei que a legislação proposta só beneficia um número pequeno de pessoas, prejudicando outras, e não altera o quadro de desigualdade social no ensino superior. Na medida em que o ensino superior se amplia, a inclusão por renda, cor e escola de origem vem crescendo, sem precisar de políticas de cotas para isso. Para haver uma política de inclusão efetiva, ela deveria se basear em critério de renda, que é socialmente o mais justo, e não de raça ou de escola do ensino médio. Isso seria uma discriminação contra brancos pobres e famílias pobres que investiram na educação média particular. Forçar a inclusão, sem saber se o estudante vai concluir o curso, é uma política populista e demagógica.

Pelo que o senhor diz, o foco da discussão não deveria ser o das cotas.

Sim. O foco quase exclusivo da atenção sobre política de cotas desvia a atenção sobre os problemas reais da educação brasileira. O principal estrangulamento ao acesso é o ensino médio, que está diminuindo seu ritmo de crescimento, ainda longe de atingir a universalização. Com a ampliação recente do ensino superior, o acesso de pessoas de baixa renda e de não brancos tem aumentado, sobretudo no setor privado. Em minha exposição, também disse que o número de vagas no ensino superior já é maior, hoje, do que o número de pessoas concluindo o ensino médio.

O senhor é contrário às políticas compensatórias?

O fundamental é a igualdade de oportunidades - e ela depende da qualidade da educação básica, assim como da educação pré-escolar. Políticas compensatórias, quando isoladas, têm resultados duvidosos.

Como acha que se poderia dar mais apoio aos estudantes carentes?

Com bolsas, créditos educativos e programas especiais de recuperação e capacitação, para que possam entrar no ensino superior em igualdade de condições. Por outro lado deveríamos cobrar o ensino público de estudantes que podem pagar.

No passado, os Estados Unidos adotaram políticas compensatórias, ações afirmativas com bons resultados. Por que elas não podem funcionar aqui?

Em relação aos Estados Unidos, é bom lembrar que lá havia uma situação diferente, de apartheid racial, que no Brasil não existe. Além do mais, os americanos têm um sistema em que as universidades escolhem as pessoas individualmente - o que permitiu no passado discriminações negativas, e, depois, positivas. Mas hoje, nos Estados Unidos, as cotas não existem mais, estão proibidas.

Os defensores das cotas raciais afirmam que o Brasil, após três séculos de escravidão, não criou políticas de apoio à população negra. Não se fez, por exemplo, uma reforma agrária, que permitisse o acesso dos ex-escravos à terra. Existiria, portanto, uma dívida social a ser paga. Como vê isso?

O argumento da dívida social é complicado. Quem deve pagá-la? Os portugueses escravocratas que já morreram? Os filhos de imigrantes japoneses, italianos e alemães que vieram para o Brasil na miséria, e não tiveram nada com essa história do passado? Acho que essa maneira de pensar em direitos e dívidas coletivas é muito difícil de sustentar. Existe uma situação de desigualdade social que afeta a pretos, pardos, brancos e todo tipo de gente, e são elas, pelo que ocorre hoje, e não pelo que ocorreu com seus antepassados, que precisam de políticas para dar-lhes melhores condições de vida.

E como se faz isso?

Como já disse, com melhores escolas, melhores empregos etc, e não por cotas.

Se o projeto for aprovado, na forma em que está, ele pode afetar de alguma maneira a vida nas universidades?

Sim. Ao forçar a inclusão de estudantes sem qualificação prévia, a lei pode criar grandes problemas para os cursos superiores públicos de melhor qualidade.

Como o senhor vê o Prouni, que distribui bolsas de estudo para estudantes carentes em universidades particulares?

Comparado com o projeto de cotas, o Prouni é um programa mais adequado e efetivo de inclusão, por incluir critérios de renda, desempenho e qualidade das instituições.

Simon Schwartzman estudou sociologia, ciência política e administração pública. É pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, no Rio de Janeiro. Presidiu, entre 1994 e 1998, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Foi diretor para o Brasil, entre 1999 e 2002, do American Institutes for Research.

REQUIEM

Amadeus Mozart
Maestro Karl Bohm
Vale a pena ver o vídeo

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Um defensor da democracia e da liberdade

Márcio Moreira Alves
Aydano André Motta
DEU EM O GLOBO

A defesa intransigente da democracia, mesmo diante de todos os solavancos institucionais do Brasil, marcou a trajetória de Marcio Moreira Alves até garantir a ele um lugar na história política nacional. Desde o fim da adolescência, o jornalista - e colunista do GLOBO por dez anos - dedicou-se à luta pela liberdade no país e no exterior. A postura corajosa foi o tempero do célebre discurso feito no plenário da Câmara dos Deputados no qual ele, deputado eleito pela Guanabara, conclamava o povo a um "boicote ao militarismo". Coube a Marcio o sinal de que o Congresso não se calaria diante do endurecimento do regime militar iniciado em 1964.

"Quando o Exército não será um valhacouto de torturadores?", desafiava, veemente, no dia 2 de setembro de 1968, da tribuna da Câmara. O motivo do protesto era o fechamento da Universidade Federal de Minas Gerais e a invasão, dias antes, da Universidade de Brasília pela Polícia Militar do Distrito Federal, que ainda espancou diversos estudantes. Vivia-se a antevéspera da era de truculência que começaria em dezembro.

O deputado conclamava o povo a não participar dos festejos do Dia da Independência, boicote "que pode passar também às moças, às namoradas, àquelas que dançam com os cadetes e frequentam os jovens oficiais". As palavras explodiram nos círculos militares, como "ofensivas aos brios e à dignidade das Forças Armadas". Pelos quartéis do Brasil, circularam cópias do discurso, que provocaram reações iradas de oficiais de diversas patentes.

Para calar Marcio, "uma monstruosidade jurídica"

O governo entrou com um pedido de cassação do deputado no Supremo Tribunal Federal pelo "uso abusivo do direito de livre manifestação e pensamento e injúria e difamação das Forças Armadas". Nas palavras do jornalista Elio Gaspari em "A ditadura envergonhada" - primeiro volume da aclamada série "As ilusões armadas", sobre o regime militar -, "a proposição era uma monstruosidade jurídica, visto que a essência da imunidade parlamentar está na inviolabilidade das palavras, opiniões e votos dos deputados e senadores".

A óbvia negativa da Câmara à licença para o processo criou o ambiente de radicalização sonhado pela corrente mais bruta dos à época donos do poder - entre eles, o ministro do Exército, general Aurélio de Lyra Tavares, e o chefe do Gabinete Militar, Jayme Portella, além do próprio presidente, marechal Arthur da Costa Silva. Estava pronto o cenário para a decretação, em 13 de dezembro de 1968, do rosário de truculências que passou à História como o Ato Institucional nº 5.

Radicalizada a ditadura, 11 deputados federais foram cassados - e Marcio Moreira Alves encabeçava a lista. O Brasil deixava de ser lugar para democratas, e o jornalista seguiu para o exílio, deixando o país clandestinamente em direção ao Chile, onde permaneceu até 1971. Durante esse período, ele percorreu Venezuela, Argentina, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, México e Estados Unidos, para realizar concorridas palestras em mais de 40 universidades.

Em 1971, foi para a França, onde fez doutorado pela Fundação Nacional de Ciências Políticas, de Paris. Três anos depois, mudou-se para Portugal, para ser professor do Instituto Superior de Economia de Lisboa. Enquanto isso, no Brasil, era julgado à revelia - e absolvido pela 2ª Auditoria da Marinha. Em dezembro de 1976, no entanto, o Superior Tribunal Militar (STM) condenou Marcio a dois anos e três meses de reclusão pelo discurso famoso.

O jornalista só voltaria ao Brasil com a anistia, em 1979, quando filiou-se ao MDB para tentar recuperar, pelo voto, seu lugar na Câmara na eleição de 1982. Ficou apenas com uma suplência. As atividades profissionais estavam concentradas em artigos para o jornal "Tribuna da Imprensa".

Em 1987, Marcio assumiu a subsecretaria de Relações Internacionais do governo Moreira Franco, no Rio, destacando-se pela mobilização para conseguir recursos no exterior destinados a ajudar as vítimas das enchentes que castigaram o Rio e Petrópolis, matando 55 pessoas, em fevereiro de 1988. Dois anos depois, deixou o cargo, para montar uma consultoria para assuntos políticos, em sociedade com o cientista político Sérgio Abranches.

No mesmo ano, decidiu mergulhar definitivamente no que fazia melhor - o ofício de jornalista.

Desligou-se do PMDB e reiniciou suas colaborações, desta vez com o "Jornal do Brasil" e "O Estado de S.Paulo". Em agosto de 1993, O GLOBO e o "Estadão" firmaram parceria para enviá-lo a Brasília, onde ficaria encarregado da cobertura da revisão da Constituição promulgada cinco anos antes. A partir daí, tornou-se colunista de política do GLOBO, consolidando estilo inovador, que não ficou preso ao cotidiano de Brasília. Marcio tratava também de aspectos da vida brasileira, das capitais ao interior mais remoto.

Fôlego de jovem repórter na série "Brasil profundo"

Nem o prestígio de uma das colunas mais lidas do jornalismo brasileiro o fez abdicar do trabalho de repórter, como prova a série "Brasil profundo", que apresentou aos leitores um país desconhecido dos grandes centros urbanos. "O Brasil profundo, que busco para contar as suas histórias, não precisa ser pobre nem estar longe do Rio e de São Paulo. Basta ser invisível para a mídia nacional. O ofício de repórter também anda meio esquecido, desde que os melhores passaram a ocupar cargos administrativos e a comandar redações imensas. Como é o ofício que aprendi adolescente e que nunca deixei de amar, tratarei de exercê-lo ao longo das próximas semanas. Espero que gostem das histórias que vou contar", escreveu Marcio, na primeira página do GLOBO de 15 de março de 2003, quando a série começou a ser publicada.

Era o mesmo repórter que, com apenas 20 anos, foi enviado pelo "Correio da Manhã" para cobrir a disputa de ingleses e egípcios pelo Canal de Suez. Ou que foi baleado num tiroteio entre deputados na Assembleia Legislativa de Alagoas, em setembro de 1957. Mesmo ferido, Marcio enviou a reportagem ao jornal, num trabalho de arrojo consagrado com a conquista do Prêmio Esso daquele ano.

O carioca Marcio Moreira Alves, ou Marcito como o chamavam os amigos, morreu ontem, aos 72 anos, de complicações decorrentes de um acidente vascular cerebral. Deixa viúva Madalena, com quem se casou em maio de 2004, e três filhos. O corpo será velado a partir de 9h na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Às 14h, seguirá para o Crematório no Cemitério do Caju.

'Marcio Moreira Alves nunca deixou de ser repórter'

DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Políticos de todos os partidos destacaram a importância do trabalho e da atuação política em defesa da democracia de Marcio Moreira Alves. Em nota, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou a atuação destemida do ex-deputado contra o regime militar:

"O Brasil perde um grande democrata que exerceu com dignidade a profissão de jornalista e o mandato parlamentar. Sendo filho de família tradicional, poderia ter se acomodado, mas não se omitiu. Pela sua atuação destemida contra o regime militar, Marcio será reconhecido pela história não só como um grande jornalista mas, sobretudo, como um homem de coragem, que não se curvou ao autoritarismo e lutou com paixão pela democracia. Aos familiares e amigos, dirijo meus sentimentos de profundo pesar e consternação.

Em nota, o vice-presidente José Alencar disse que recebeu com muita tristeza a notícia da morte do jornalista, a quem chamou de "querido amigo Marcito". Afirmou que, desde o início da amizade dos dois, passou a admirar a inteligência, o caráter e a coragem do jornalista para defender os seus ideais. "As circunstâncias quase o tiraram da vida pública nacional, mas ele teve a sabedoria de encontrar caminhos que lhe permitiram continuar participando da construção do nosso país", disse Alencar.

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), lembrou o papel de Marcito na luta pelos direitos humanos.

- Marcio era culto e estudado, um intelectual que nunca deixou de ser principalmente um grande repórter. Tinha dois requisitos essenciais para tanto: além de saber escrever muito bem , era curioso e bom observador dos fatos. Infelizmente, era totalmente desleixado em matéria de atenção à sua própria saúde. Por isso mesmo, foi-se prematuramente: da profissão, já faz alguns anos, e agora, da vida. Uma pena. Eu o conheci pessoalmente no Chile, no fim dos anos 60, quando viramos colegas de exílio - disse Serra. - Três aspectos de sua personalidade na época me chamaram a atenção: tendência ao engajamento em boas causas, uma certa, e sadia, ingenuidade na ação política e uma enorme facilidade para estabelecer teias de relações pessoais e políticas. Ao lado de vários outros brasileiros, como o Almino Affonso e o Plínio Sampaio, trabalhamos junto às organizações internacionais de direitos humanos para deter a escalada da tortura no Brasil.

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), disse que os gestos corajosos de Marcito contribuíram para a abertura democrática do país:

- Marcio Moreira Alves foi um provocador democrático. Foi em razão de seus gestos corajosos que mais tarde se promoveu a abertura democrática no país. Foi um jornalista preocupado com as boas causas, que deixa uma lacuna impreenchível.

Para o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), ele foi um exemplar combatente da ditadura:

- Tinha coragem para enfrentar os militares. Ele teve um papel importante como jornalista e se destacou pela contundência com que combatia a ditadura. Destacaria o papel dele como jornalista e combatente da ditadura.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) lembrou da amizade e do convívio que teve com ele.

- É uma perda muito grande pra todos. Além de jornalista competente, era uma figura humana excepcional. No trabalho, tinha grande independência. Muitas vezes fazia críticas, mas eram críticas carinhosas.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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