sábado, 2 de janeiro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Espectros e esfinges: a esquerda na estrada até 2022

Dois dos temas mais carregados de incerteza na política brasileira atual são o rumo da oposição de esquerda até 2022 e sua sorte nas eleições presidenciais do mesmo ano.  Quem quiser ser radical na recusa a especulações, deve ser igualmente radical em não escrever sobre qualquer dos dois temas. Sobre o segundo, a incerteza desestimula até conjecturas. Entre a irrelevância que profetizam os espíritos desejosos de varrê-la do mapa político, a confirmação de uma posição de coadjuvante, desenhada nas eleições municipais de 2020 e a possibilidade de protagonismo polarizador, cavalgando uma crise econômica e social de proporções ainda maiores que a atual, há várias gradações possíveis para a sorte eleitoral da esquerda que é chamada por esse nome.  Seria exaustivo e sempre insuficiente tentar antecipá-las aqui. Já sobre o primeiro tema, como amante da moderação, desisti do excesso de cautela e resolvi me aventurar.

Um dos poucos consensos entre analistas é que, no interior desse campo onde se movimentam PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL, REDE e outros partidos menos cotados – e do qual se exclui uma esquerda que, no subsolo em que se viu colocada pela confrontação ideológica, já opera em interação com o campo liberal-democrático - , está em curso um realinhamento de forças, quiçá uma renovação de estratégias, métodos e programas, que poderá dar cabo da longeva hegemonia do PT sobre ele.

Evidenciada nas eleições municipais, essa possível tendência ainda precisa passar pelo teste de uma eleição nacional. Até lá, têm sido comentadas e interpretadas, nessa direção, as várias alianças eleitorais bem sucedidas que PDT e PSB celebraram - entre si e com partidos do centro e da centro direita - em muitas cidades relevantes, alianças das quais estavam ausentes o PT e o PSOL, com o PCdoB flutuando. Aponta para a mesma tendência (de realinhamento) a maioria dos comentários sobre a campanha de Guilherme Boulos em São Paulo, em cujo desfecho relativamente vistoso, os mais afoitos veem um tendencia do PSOL a substituir o PT como partido-polo de uma frente de esquerda e, os mais realistas, um movimento de Boulos em direção ao legado lulista, partindo da premissa de que o PSOL não é Boulos e Boulos não é o PSOL (assunto futuro para outra coluna).

São realinhamentos com sentido político diverso. Pelo primeiro, puxado pelo PDT e PSB, essa parte da centro-esquerda integraria, em 2022, uma frente ampla cujo epicentro estaria fora do seu campo. No segundo caso, haveria uma atualização da antiga ideia de pura frente de esquerda. Esses dois movimentos podem vir a ser contraditórios, de modo a um prevalecer e anular o outro - ou complementares.

O paralelismo de duas frentes anti bolsonaristas, uma de esquerda, outra ancorada ao centro, mas com participação de setores da centro-esquerda e ambas convergindo, num segundo turno, para se contrapor à reeleição de Bolsonaro, delineia-se como um possível e benigno desdobramento lógico das alianças que se firmaram para as eleições de 2020. Trata-se, entretanto, de conjectura destituída de caráter de predição. Por outro lado, é possível ver três modos pelos quais poderia prevalecer um dos dois tipos de realinhamento, anulando-se o outro.

Modo um seria a eventual frente ampla conseguir atrair o eleitorado de esquerda e anular a competitividade eleitoral de uma frente esquerdista, repetindo-se, no pleito nacional, o que se assiste, no momento, na campanha de Baleia Rossi à sucessão de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados. Como os eleitorados dos dois pleitos são completamente diferentes, a hipótese só não é delirante se a frente tiver um candidato mais à esquerda (Ciro Gomes, por exemplo), reeditando a fórmula de FHC, de um nome de esquerda sem um programa de esquerda, ou até contraposto ao dela, como ao da extrema direita. Ou se o centro construir um nome que dialogue com o andar de baixo do eleitorado nacional (pode ser, por exemplo, Luiz Mandetta] a ponto de fazer a centro-esquerda calcular que vale a pena.

Modo dois seria se Boulos conseguisse fazer do Brasil um imenso São Paulo e, por gravidade, atraísse PSB e PDT para uma frente de esquerda, tirando o chão da candidatura de Ciro Gomes, ou aliando-se com ela, murasse a outra frente, cujo arco se restringiria, assim, ao centro e à centro-direita.  Modo três seria a reinvenção da polarização direita-esquerda com fragmentação do centro político. Fala-se aqui do espectro de 2018 assombrar o processo político, por provocação de algum fator externo oposto à lógica moderadora do sistema político-partidário.

Marcus Pestana* - O Gambito da Rainha

As séries veiculadas pelas plataformas de streaming viraram verdadeira febre. Entre tantas opções de sucesso como “A Casa de Papel” ou “The Crown”, uma recentemente se destacou: “O Gambito da Rainha”. Já se tornou a série mais assistida da história da Netflix. Ao mergulhar no milenar e complexo universo do xadrez, através da trajetória de Elizabeth Harmon, a jovem órfã e brilhante enxadrista, evoca a arte de traçar estratégias, ativar manobras, montar artimanhas para vencer o adversário. Às vezes entregando uma de suas próprias peças.  

Sempre associei a política ao xadrez. A verdadeira política deve ter a sutileza, a astúcia e a inteligência do xadrez. Infelizmente, ela tem se assemelhado mais a uma luta de UFC ou a uma partida de rúgbi.

Entramos em 2021 com a política brasileira dividida entre quatro grandes campos: o bolsonarista, o do “centrão”, o polo democrático e a esquerda.

O bolsonarismo galvanizou nas últimas eleições presidenciais a rejeição à chamada “velha política” tradicional. Cacifado pelo voto popular, abriu mão do “presidencialismo de coalização” e tentou governar sem maioria parlamentar e através de uma política de confrontação com o Congresso e o STF. Agora, tendo jogado o lavajatismo ao mar, e preocupado com a instabilidade política excessiva, o bolsonarismo tenta dar um freio de arrumação tecendo aliança política com o que há de mais representativo da mesma “velha política” tão condenada em 2018. O gambito da rainha de Bolsonaro seria sacrificar o discurso renovador para derrotar a oposição democrática e de esquerda.

O “centrão” é formado por um conjunto de partidos que têm historicamente postura pragmática, patrimonialista e não ideológica. Funcionam como um pêndulo de governabilidade. Podem servir a governos díspares como os de Sarney, FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro, desde de que tenham acesso a verbas, cargos e espaços políticos. Aproveitam a fragilidade do governo Bolsonaro para recuperar espaços perdidos.

Merval Pereira - Despertar para a realidade

- O Globo

O ano que começou será conhecido como o do réveillon que não aconteceu com festas oficiais nem multidões nas ruas, especialmente no Rio de Janeiro, que já se tornou o ponto turístico internacional desse tipo de acontecimento. Mas o senso de urgência no combate à COVID-19 que marcou a posse dos prefeitos não evitou que festas clandestinas e demonstrações explícitas de irresponsabilidade acontecessem.

No Rio e no litoral paulista, praias lotadas e bares repletos evidenciaram que muita gente ainda não despertou para a gravidade da situação em que nos encontramos, especialmente diante da perspectiva sombria de não sabermos quando teremos vacinação. Mais uma vez o próprio presidente Bolsonaro estimulou comportamentos contrários às normas de segurança sanitária.

Em férias na Praia Grande, litoral paulista, mais uma vez provocou uma aglomeração de entusiastas que, ao gritos de “mito”, cercaram-no quando se aproximou da praia nadando, vindo de um barco em que passeava.

Os prefeitos das principais cidades do país e, mesmo aqueles, como Eduardo Paes, do Rio, que não estão em oposição ao governo federal por absoluta impossibilidade financeira, marcaram posição oposta à do presidente Jair Bolsonaro no tratamento da pandemia.

Ao contrário do governo federal, que nunca colocou o combate à pandemia entre suas prioridades, os novos prefeitos, e outros, reeleitos, como o de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que tomou posse virtualmente, colocaram suas cidades em alerta contra o novo coronavírus.

Míriam Leitão - Acertos iniciais dos prefeitos

- O Globo

Nas três maiores cidades do país, os prefeitos assumiram com discursos claros em defesa da diversidade, da democracia, e da saúde. Em São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas e Alexandre Kalil já estavam no cargo, por isso a atenção ficou mais concentrada no Rio. Eduardo Paes quis marcar a mudança radical de estilo de gestão com sua chuva de decretos e medidas emergenciais. Das três cidades, a situação do Rio é a mais dramática em todos os sentidos, do colapso fiscal ao descalabro administrativo.

Nem todas as cidades estão em situação de penúria fiscal porque as transferências diretas do governo federal, para compensar a queda de arrecadação e a suspensão temporária do pagamento da dívida com o Tesouro permitiram a várias capitais chegar ao fim do ano passado com dinheiro em caixa e capacidade de investir. Não é o caso do Rio. As capitais em geral são menos endividadas do que os estados, e a cidade de São Paulo foi a mais beneficiada pela renegociação de dívida feita no governo Dilma, que permitiu a troca de indexador, inclusive com efeito retroativo. Isso reduziu fortemente a dívida da capital paulista. Foi possível trocar o IGP-M mais 6% por IPCA mais 4%, ou por Selic, o que fosse menor. Imagina se não tivesse havido essa troca? O IGP-M em 2020 deu 23%. As dívidas estão sendo corrigidas pela Selic de 2%.

Ricardo Noblat - Bolsonaro reafirma seu desprezo pela vida dos outros

- Blog do Noblat / Veja

Não se lhe negue coerência

O desprezo pela vida alheia e o achincalhe à reputação dos seus adversários políticos marcaram o primeiro ato público do presidente Jair Bolsonaro à entrada de 2021.

Cercado por bons nadadores, ele se meteu no mar de Praia Grande, em São Paulo, provocou aglomerações e ouviu satisfeito o coro dos banhistas mandar o governador João Doria tomar no cu.

Que presidente da República do Brasil já fez algo semelhante? Não há registro. Bolsonaro, o boca podre, não só fez como postou nas redes sociais o vídeo com o insulto de baixo calão.

Sabe-se da fixação dele nas partes baixas do corpo humano por onde são expelidos os excrementos. E da sua perseguição ao governador de São Paulo a quem trata como inimigo.

Na véspera do Natal, Bolsonaro assim referiu-se a Doria: “Isso não é coisa de homem. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime”.

Repetiu a dose em sua última live de 2020 no Facebook: “Tu não sabe o que é povo. Não sabe o que é sentir o cheiro do povo, nunca sabe o que é cheiro do povo. Eu sei”.

Novos prefeitos defendem união contra pandemia e crise econômica

Em capitais como Rio, São Paulo, Fortaleza e Salvador, os novos chefes do Executivo defenderam a vacinação e citaram, como prioridades, a abertura de leitos hospitalares e a retomada da economia

Guilherme Caetano, Manoel Ventura e Bernardo Mello / O Globo

SAO PAULO, BRASÍLIA R RIO — Em um ano que se inicia com patamar ainda elevado de casos da Covid-19, a posse de prefeitos pelo Brasil foi marcada, ontem, por discursos de combate à pandemia e pela preocupação com seu impacto econômico e social. Em capitais como Rio, São Paulo, Fortaleza e Salvador, os prefeitos empossados defenderam a vacinação e citaram, como prioridades, a abertura de leitos hospitalares e a retomada da economia. Em Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre, os eleitos também pregaram a necessidade do diálogo e respeito às diferenças.

O prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), afirmou no discurso de posse que a pandemia “exige união”, e que o “vírus do ódio e da intolerância precisa ser banido”. Covas disse ainda que a capital paulista “está pronta para vacinar em massa”.

— Política não é terreno para intolerância e lacradores de redes sociais. Política é a arte de fazer junto, de construir pontes para o futuro, de superar a divergência cega dos que acreditam que a solução virá dos extremos — declarou Covas.

Além de citar a abertura de leitos para Covid-19 como “prioridade urgente” e o trabalho para o retorno seguro das aulas na rede municipal, Covas disse que sua administração precisará “diminuir as desigualdades sociais”. O prefeito, que terá orçamento mais enxuto — R$ 67,5 bilhões, 2% a menos que no ano passado — e maior oposição na Câmara de Vereadores, inicia o mandato sob críticas após sancionar um aumento de 46% do próprio salário. Por outro lado, o ano começa com medidas de redução de gastos, como a redução de 10% no número de servidores em cargos comissionados, além de renegociação de contratos, convênios e parcerias.

Assim como Covas, os prefeitos empossados em Fortaleza, Sarto Nogueira (PDT), e Salvador, Bruno Reis (DEM), falaram em garantir a vacinação contra a Covid-19 em seus municípios. Reis afirmou que a capital baiana estará “na linha de frente” da imunização. Sarto disse que “não há tempo nem espaço para negacionismo”.

Oscar Vilhena Vieira* - Erosão do governo das leis

- Folha de S. Paulo

Os próximos dois anos serão determinantes para o futuro de nossa democracia

Apesar da insidiosa ofensiva populista, a democracia constitucional brasileira, aos trancos e barrancos, sobreviveu a mais um ano. E isso não é nada trivial. O mal afamado “presidencialismo de coalizão” impôs ao Executivo algumas derrotas importantes no Congresso Nacional, limitando o avanço de uma agenda legislativa mais regressiva e obscurantista. Nossa “supremocracia”, com todas suas idiossincrasias, também deu sua contribuição para que o negacionismo pandêmico e a ofensiva deliberada contra estruturas democráticas, grupos vulneráveis e bens coletivos —como o meio ambiente— encontrassem alguma resistência na letra da Constituição. A sociedade civil e a imprensa livre fizeram a sua parte, denunciando abusos e cobrando responsabilidades.

Esses esforços, por mais importantes que sejam, não foram evidentemente capazes de impedir algum grau de degradação da vida institucional brasileira. Populistas, por definição, são inimigos de todas as instituições que estabeleçam limites às suas ambições. Como aponta a experiência de outros países em que o populismo alcançou o poder, o processo de erosão da democracia e do Estado de Direito se agrava na medida que o tempo passa. Quando o avanço populista não é interrompido por eleições, como nos Estados Unidos, por pressão parlamentar, como na Itália, ou por vigilância judicial, a corrosão institucional vai fragilizando o sistema de freios e contrapesos e minando a energia e vitalidade de setores independentes do Estado, da sociedade e da economia.

Demétrio Magnoli* - Limites da quarentena

- Folha de S. Paulo

As sociedades não podem ser reduzidas a curvas de gráficos epidemiológicos

No feriado natalino, 20 cidades amotinaram-se contra a determinação estadual que colocou São Paulo na “fase vermelha”.

Simultaneamente, manifestações de comerciantes em Manaus obrigaram o Governo do Amazonas a cancelar o decreto de fechamento dos setores “não essenciais” e, dias antes, em Búzios (RJ), verificaram-se protestos populares contra a decisão judicial de fechar o município aos turistas.

Milhões tomaram o rumo das praias no Réveillon. As quarentenas vergam, aos poucos, sob o peso conjugado da tensão social e da anomia política.

No começo de tudo, delineou-se uma corrente de epidemiologistas que, hipnotizados por modelos estatísticos, preconizaram estritas quarentenas sem fim, até o extermínio do vírus.

Depois, quando desistiram do sonho impossível, alguns deles clamaram por rígidos lockdowns de um mês, garantindo que o congelamento absoluto interromperia a pandemia, uma profecia desmentida pelas experiências práticas de inúmeros países. Hoje, ainda imunes às lições recentes, mas imitados por hordas de “influenciadores digitais” fantasiados de santos, lamentam terem sido ignorados e retomam o antigo discurso.

Hélio Schwartsman - As palavras do presidente

- Folha de S. Paulo

Ainda bem que elas não valem muito

Todas as vezes em que se viu politicamente acuado, o presidente Jair Bolsonaro reagiu —em geral com um chilique, como se viu no dia em que fez ameaças pouco veladas ao STF.

Não há motivos para crer que ele vá mudar esse padrão apenas porque está agora sob a proteção do centrão. Pelo contrário, há elementos para temer que, nessa nova condição, arroubos presidenciais se tornem potencialmente mais destrutivos.

O problema de fundo é que as perspectivas para Bolsonaro não são das mais animadoras. Ele mostrou notável resiliência nas pesquisas de popularidade, mas os números brutos escondem uma mudança importante. O presidente perdeu apoio entre os mais ricos e mais instruídos e ganhou entre as classes populares, muito provavelmente por causa do auxílio emergencial.

Cristina Serra - 'Quem ama não mata'

- Folha de S. Paulo

Permanece atualíssimo o lema do movimento feminista mineiro, lançado há 40 anos

A lei do feminicídio foi resultado de uma CPI do Congresso que investigou a violência contra mulheres. A comissão fora instalada em 2012 sob o impacto de um estupro coletivo na Paraíba. No caso, conhecido como a "Barbárie de Queimadas", cinco mulheres foram atraídas para uma festa de aniversário e estupradas por dez homens. Duas foram assassinadas porque reconheceram alguns dos criminosos.

A lei entrou em vigor em 2015, e a partir da tipificação do crime —quando envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à mulher— foi possível dimensionar uma carnificina. Estatísticas mostram que uma mulher é morta a cada nove horas no Brasil. O fim do ano registrou mais um banho de sangue, com seis feminicídios na véspera e no dia de Natal.

João Gabriel de Lima - Resolução: combater crimes contra mulheres

- O Estado de S. Paulo

Abusos podem levar a episódios que constituem o prelúdio dos assassinatos

Em plena véspera de Natal, as manchetes das plataformas de notícias estampavam um crime revoltante: o assassinato da juíza carioca Viviane do Amaral Arronenzi. Ela foi esfaqueada pelo ex-marido na frente das três filhas, quando levava as crianças para passar o Natal com o pai. Viviane vinha sofrendo ameaças desde que terminou o casamento com o engenheiro Paulo Arronenzi. Chegou a andar com escolta, mas acabou por dispensar os guardas. O feminicídio é um crime tristemente comum no Brasil – só no Rio foram registrados 67 casos em 2020. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 88% dos feminicídios no País são praticados por ex-cônjuges.

Notícias de violência contra a mulher marcaram o final de 2020. Uma deputada de São Paulo e uma atriz e roteirista de televisão foram vítimas de assédio sexual – por parte, respectivamente, de um colega de plenário e de um diretor de programas humorísticos. O que todos esses crimes têm em comum, além de as vítimas serem mulheres, é que em geral andam encadeados. Abusos podem levar a episódios de violência, que muitas vezes constituem o prelúdio dos assassinatos. Por isso, é necessária tolerância zero em todos os passos da escalada.

A luta contra esse tipo de crime começa na seara da cultura. De acordo com a cientista política Manoela Miklos, personagem do minipodcast da semana, apenas punir exemplarmente os criminosos não resolve. “A Lei Maria da Penha é boa, mas os incentivos para que uma vítima não recorra à Justiça são enormes”, diz ela. “Os processos são custosos e demorados, e a mulher tem que repetir sua história várias vezes para que acreditem nela, reforçando o estigma de vítima. As mulheres que procuram a Justiça buscando algum tipo de reparação têm que dedicar muito tempo aos processos, e acabam desistindo.” Como lembrou Eliane Cantanhêde em sua coluna no Estadão, há também agentes da Justiça que ofendem as vítimas: “A mulher maltratada, abusada e ameaçada pede socorro ao Estado e é maltratada, abusada e ameaçada pelo agente do Estado. Estarrecedor”.

José Márcio Camargo* - Um ano sem escolas

- O Estado de S. Paulo

No longo prazo, diferença entre escolas privadas e estatais na pandemia aumentará a desigualdade

Um ano sem escola. Esse é o saldo da pandemia de covid-19 para milhares de alunos das escolas estatais brasileiras. Em todos os níveis de ensino. Das creches às universidades. Isso se tivermos vacinas no começo de 2021. Afinal, os sindicatos de professores dessas escolas decidiram que somente voltarão ao trabalho quando tivermos vacinas para todos.

Por outro lado, uma parte importante das escolas privadas conseguiu manter as aulas com a utilização de tecnologia digital. Ainda que se possa questionar se as escolas conseguiram ou não manter a qualidade dos cursos presenciais, essa dicotomia terá um efeito extremamente importante sobre a desigualdade da distribuição da renda no País no longo prazo.

Isso é particularmente importante para as creches. Como mostrei em meu último artigo neste espaço, o auge do desenvolvimento da capacidade de aprendizagem do ser humano ocorre entre os seis meses de gravidez e os 5 ou 6 anos de idade. Como o estoque de capital humano acumulado pelos membros adultos das famílias está diretamente relacionado ao desenvolvimento da capacidade de aprendizado das crianças (os adultos são fundamentais para ajudar as crianças no desenvolvimento de capital humano) e ao nível de renda das famílias, uma das principais funções das creches e dos primeiros anos de escola é exatamente compensar, ao menos em parte, esse diferencial de estoque de capital humano das famílias. Como resultado desta diferença de comportamento entre as escolas privadas e as estatais durante a pandemia, a disparidade de capital humano acumulado vai aumentar nas próximas gerações, aumentando a desigualdade no longo prazo.

Miguel Reale Júnior* - Lei marcial cabocla

- O Estado de S. Paulo

Qual a razão de Bolsonaro pregar contra a imprensa livre para policiais militares?

Artigo de lei de 2015 que fixava a obrigatoriedade de impressão do voto foi, em liminar do plenário do STF de 2018, considerado inconstitucional. Tal decisão foi confirmada em setembro passado por unanimidade (ADI 5.889). Após as recentes eleições municipais, o ministro Barroso, presidente do TSE, declarou: “Jamais se comprovou qualquer aspecto fraudulento no sistema, que até hoje se revelou imune à fraude”.

Apesar das decisões do STF, em 29 de novembro, Bolsonaro voltou a insistir na necessidade do voto impresso como garantia de fidedignidade. Agora, nas férias de Natal, em Santa Catarina, Bolsonaro disse: “Se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição”.

Trata-se de ameaça grave. Como esquecer a eleição de 2022 se não houver voto impresso, já tido por inconstitucional pelo STF? Qual a intenção de Bolsonaro? Prepara-se para contestar derrota em 2022, antecipando a acusação de fraude, como tentou Trump?

Se juntarmos a acusação infundada de fraude em urnas eletrônicas, sem a mínima comprovação, com a principal atividade desenvolvida por Bolsonaro, então se acende a luz amarela do perigo.

E qual é essa atividade? O presidente tem comparecido a solenidades de graus inferiores das Forças Armadas (sargentos da Marinha) e das Polícias Militares, como se deu recentemente ao ir à formatura de soldados da PM do Rio de Janeiro. Nessa solenidade de pequeno relevo, Bolsonaro disse que soldados arriscam a vida na proteção a todos, enquanto a imprensa defende canalhas. E completou: “A imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês”.

O presidente coloca a imprensa como inimiga dos soldados, pois “está sempre contra a lei e a verdade”. Qual a razão de prestigiar cerimônias de soldados da Polícia Militar pregando contra a imprensa livre, esteio da democracia?

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O PIB das cidades – Opinião | O Estado de S. Paulo

Estudos revelam que o Brasil está se atrofiando. Como o governo não tem projeto claro e definido para os dois anos que lhe restam, as próximas edições desses estudos poderão, infelizmente, apresentar dados ainda piores

Elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa intitulada Classificação Nacional das Atividades Econômicas (Cnae), que aferiu o Produto Interno Bruto (PIB) das cidades brasileiras em 2018, é mais um retrato dos problemas estruturais do País. 

O levantamento revela que, em quase metade dos 5.570 municípios brasileiros, o setor público continua sendo a principal atividade geradora de riqueza e emprego. A maioria dessas cidades se concentra nos Estados do Acre, Roraima e Amapá, situados na Região Norte, a menos desenvolvida do País; no Piauí e na Paraíba, na Região Nordeste; e no entorno do Distrito Federal, na Região Centro-Oeste.

Segundo a pesquisa, ¼ do PIB brasileiro de 2018 veio de apenas oito municípios – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Porto Alegre e Osasco. Só a cidade de São Paulo foi responsável por 10,2% do PIB do País, naquele ano. Além disso, em todo o Estado de São Paulo apenas 9,6% dos municípios apresentaram dependência do setor público, como gerador de riqueza e emprego. Já no Acre, Roraima, Amapá e Piauí, o índice foi superior a 90%.

Em termos absolutos, 2.739 cidades de todas as regiões do País estavam nessa situação em 2018. Quando o estudo do IBGE exclui a administração pública da análise, o setor de serviços é o principal gerador de riqueza e de emprego em 3.832 municípios, dos quais se destaca São Paulo. A cidade concentrou 29,6% das atividades de setor em todo o País, em 2018. Em seguida vem a agricultura, da qual dependem 862 municípios situados nas Regiões Sul e Centro-Oeste, onde se concentra a produção de soja, algodão e arroz. O levantamento mostrou ainda que os 71 municípios que alcançaram os maiores PIBs, cuja soma equivale a metade do PIB total do País, concentram pouco mais de 1/3 da população brasileira, estimada em 211 milhões de habitantes. Na outra ponta, as 1.346 cidades que registram os menores PIBs, cuja soma equivale a apenas 1% do PIB total, concentram 3,1% da população. 

Música | Abrigo de vagabundo (Adoniran Barbosa)

 

Poema | Graziela Melo - Menina triste

Triste olhar
e uma dor
sem nome...

menina pobre
que não conhece
o amor

mas dia
após dia,
sente a dor
da fome!!!

Todos
os dias
a vejo
na esquina!

Volto
para casa
e não consigo
esquecer

o olhar
da menina!!!