domingo, 21 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

Uma coisa é preciso reconhecer: a retórica petista costuma ser muito bem ensaiada e orquestrada quando se trata de tentar impor uma “verdade” à opinião pública. Agora, o mantra parece um só: “A eleição acabou, é preciso descer do palanque.” É o que ouvimos, dia após dia, de políticos e autoridades ligados ao partido, numa tentativa de desqualificar a voz da oposição. Mas, afinal, o que incomoda tanto essas pessoas?

A eleição acabou, de fato, há quase dois meses. Apesar da utilização maciça de métodos pouco éticos, o grupo petista conquistou o direito de permanecer no comando do país. Outro resultado que merece o mesmo respeito é a constatação de que há uma oposição referendada por 51 milhões de brasileiros. O tamanho da derrota do PSDB parece incomodar profundamente o PT

Na lógica do PT, só têm o direito de ocupar as ruas os movimentos que defendem o partido. Para tentar tirar a legitimidade de milhões de brasileiros, de forma desrespeitosa, tentam associar todos os opositores a defensores de ditaduras. É importante que o partido aprenda a conviver com esse novo protagonista da cena política — o cidadão que democraticamente protesta e não se cala. Pois, ao lado dele, a oposição também não vai se calar.

A vitória deu ao PT a oportunidade de corrigir erros que não foram poucos, mas não lhe garantirá salvo-conduto para continuar atentando contra a ética e a inteligência dos brasileiros.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB. O lugar da oposição. O Globo, 20 de dezembro de 2014

Petrobrás freia busca por novos poços

• Com problemas de caixa, estatal focou na produção de poços existentes; medida está provocando o desmonte da cadeia de perfuração

Alexa Salomão - O Estado de S. Paulo

MACAÉ (RJ) - Com problemas de caixa, a Petrobrás optou por cortar investimentos, principalmente na perfuração novos poços, que consomem muito capital, e concentrou-se na produção de poços já existentes. Segundo executivos do setor, que não querem ter os nomes revelados, a medida pegou de surpresa fornecedores: provocou prejuízo em empresas que fizeram grandes investimentos, levou a demissões de profissionais qualificados e está desmantelando a ampla cadeia de negócios voltada à prospecção de novos poços.

A freada na perfuração fica clara quando se acompanha as sondas em alto mar - também chamadas de plataformas offshore. Os relatórios de operação das sondas de perfuração, divulgados pela Petrobrás e obtidos pelo Estado, mostram que 20 chegaram a perfurar novos poços de petróleo em janeiro de 2013. Na semana que passou, apenas 7 estavam nessa atividade. A maioria das sondas, 37 delas, atuavam na chamada completação, atividade que prepara o poço para produzir.

No relatório, constata-se que o número total de sondas de perfuração vem caindo. Chegaram a ser 80 em janeiro de 2013. Agora são 60. Muitas atuam em “outras operações”, designação genérica que, para especialistas, sinaliza que elas podem estar paradas. Na semana passada, 14 faziam “outras operações”.

Para a Petrobrás, manter os equipamentos parados pode ser uma boa economia. Por dia, apenas o aluguel da sonda varia de US$ 300 mil (para equipamentos mais antigos) a quase US$ 1 milhão (no caso de navios sondas mais modernas). Quando estão operando, os custos dobram. Para o prestador de serviço, porém, a locação pura e simples não é boa. Na maioria dos casos, o contrato prevê que o equipamento deve equivaler a 20% dos custos. Assim, se a sonda parar, o prestador de serviço fica sem 80% do valor previsto.

Pujança. A perfuração, principalmente em alto mar, é um dos segmentos mais dinâmicos do setor de petróleo. Inclui fabricantes e fornecedores de grandes equipamentos e centenas de pequenas peças, como brocas, válvulas, mangueiras e bombas, além de uma ampla estrutura de transporte, operação e manutenção das sondas.

A Petrobrás chegou a sinalizar a intenção de perfurar mil poços no País e atraiu as maiores do setor, como Schlumberger, Baker Hughes, Halliburton e NOV, que fizeram investimentos milionários, tiveram prejuízo e passaram a demitir. Ninguém previu que a estatal restringiria um setor de tamanha pujança. “Não sei se foi por planejamento ou falta dele, mas Petrobrás e governo - porque a decisão não foi técnica, mas política - está desmobilizando a cadeia de perfuração”, diz Vandré Guimarães, secretário de Desenvolvimento Econômico de Macaé, município símbolo do setor de petróleo e que agora sente a retração da atividade.

A estratégia de focar na produção e frear a perfuração teve início em meados de 2012. Na época, o lucro líquido da Petrobrás caía e a estatal já sentia os efeitos do congelamento do preço do combustível, iniciado em 2011. De lá para cá, expectativas de contratos se frustraram e licitações foram adiadas. “Funcionários da Petrobrás explicam que é preciso produzir o máximo para fazer caixa com a venda de petróleo e trocar o óleo cru por gasolina”, diz um executivo com 30 de atuação na área.

A estatal, de fato, elevou a produção, mas os indicadores financeiros não melhoraram e o futuro da cadeia está em xeque. “Sondas foram enviadas a outros países, pessoal qualificado está migrando e a Petrobrás perdeu credibilidade: vai ser mais difícil e caro remontar a cadeia no futuro”, diz um executivo.

Emprego. No setor, estima-se que mais de 5 mil tenham sido demitidos na área de perfuração. O Sindicato dos Trabalhadores Offshore do Brasil não consolidou os dados, mas faz 20 rescisões por dia. Entre os demitidos mais qualificados, sair do Brasil é uma opção. Um deles diz que há consenso entre os colegas que o escândalo da Lava Jato vai retardar a recuperação do setor e tenta uma vaga em Houston, no Texas.

Em nota, a Petrobrás informou que aumentou a demanda por serviços de intervenção em poços, “compensando eventual redução cíclica dos serviços utilizados para as atividades de investimentos da produção (perfuração e completação de poços).” Destacou que o plano de negócios de 2014 a 2018 prevê investimento de US$ 23,5 bilhões na atividade exploratória e de US$ 130,4 bilhões no desenvolvimento da produção.

Bancos seguram dinheiro bloqueado na Lava Jato

• Juiz pediu a medida para privar investigados de usufruir do 'produto do crime'

• Instituições dizem que resgate antecipado de investimentos gera prejuízo para outros correntistas

Leonardo Souza – Folha de S. Paulo

RIO - Bancos privados têm criado dificuldades para transferir para contas judiciais recursos milionários bloqueados na Operação Lava Jato, de acordo com documentos obtidos pela Folha.

O juiz do caso, Sergio Moro, adotou a medida para privar os investigados de usufruir "do produto de suas atividades criminosas". O bloqueio atinge executivos de construtoras, doleiros, lobistas e ex-dirigentes da Petrobras, entre outros.

A Polícia Federal estima que o grupo do qual fazia parte o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, ambos presos na Lava Jato, tenha movimentado aproximadamente R$ 10 bilhões.

Boa parte dessa quantia foi desviada de obras da estatal petrolífera com suspeitas de fraudes e, posteriormente, aplicada nos bancos.

Para o juiz Sergio Moro, não importa se o dinheiro sujo foi misturado a recursos de origem lícita. "Considerando os valores milionários dos supostos crimes", o magistrado decretou o bloqueio das contas de todos os investigados até o montante de R$ 20 milhões para cada um deles.

Após o bloqueio, os recursos têm de ser transferidos para contas judiciais, na Caixa Econômica Federal.

Mas, sob o argumento de que o dinheiro está em aplicações de longo prazo, as instituições financeiras têm solicitado a Moro que aguarde o vencimento dos títulos, para evitar grandes descontos na venda dos papéis.

Entre as modalidades de investimento bloqueadas, há exemplos com prazo até 2026.

Os recursos mantidos em CDB (Certificado de Depósito Bancário) e fundos de investimento, por exemplo, geram comissões para os bancos, como taxas de administração.

As instituições financeiras temem causar impacto na rentabilidade destes fundos, já que os valores envolvidos são muito altos, e com isso afetar clientes que nada têm a ver com os escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras.

Um dos casos que chamaram a atenção dos investigadores foi o do vice-presidente da construtora Engevix, Gerson Almada, preso na sétima fase da Lava Jato.

Somente no BNP Paribas, instituição financeira de origem francesa, Almada tinha R$ 19,3 milhões aplicados em mais de duas dúzias de investimentos.

No dia 20 de novembro, a Justiça determinou a transferência desse dinheiro para uma conta judicial.

No dia 25 do mesmo mês, o BNP enviou uma carta ao juiz Sergio Moro, falando que os valores não podem ser resgatados antes do prazo

"Como Vossa Excelência pode presumir, os valores entregues a esta instituição pelo mencionado cliente foram, assim que recebidos, investidos em ativos financeiros [...]. Todos esses ativos possuem vencimento futuro [...], que, em parte, não podem ser resgatados antes do respectivo vencimento", diz um trecho da correspondência.

Carta
O Banco Fator, onde Almada também mantém recursos aplicados, mandou carta com o mesmo tipo de observação para o juiz.

No dia 24 do mês passado, os advogados de Almada entraram com recurso para tentar reverter o bloqueio nas contas de seu cliente, que atingiu o valor de R$ 28 milhões --superando o teto de R$ 20 milhões.

Outro investigado com recursos em aplicações de longo prazo é o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, apontado por Paulo Roberto Costa e outros depoentes da Lava Jato como beneficiário de propina do esquema de desvios na estatal.

Num extrato dos investimentos de Duque encaminhado para a 13ª Vara Federal de Curitiba, o Santander listou um fundo de longo prazo com R$ 897 mil de saldo.

No dia 12 deste mês, o Ministério Público Federal enviou para Sergio Moro ofício relatando questionamentos feitos pelos bancos sobre a extensão do bloqueio.

De acordo com o documento enviado ao juiz, alguns bancos tentaram evitar que a medida atingisse, por exemplo, fundos de previdência complementar.

No ofício, os procuradores defenderam que todos os valores investidos, até mesmo os da previdência complementar, deveriam ser alcançados. A única exceção seriam verbas alimentares.

Lava-Jato já conta com 12 acordos de delação

• Colaborações são fundamentais para o sucesso da investigação. Cinco nomes ainda são sigilosos

Carolina Benevides e Leticia Fernandes – O Globo

RIO - Responsável por investigar o esquema de corrupção na Petrobras, a força-tarefa da Operação Lava-Jato não conseguiu apenas identificar desvios de, pelo menos, R$ 286 milhões na estatal, mas também, pela primeira vez, amarrar mais de uma dezena de acordos de delação premiada. Dado inédito do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná mostra que, até semana passada, foram firmados 12 acordos.

Trata-se da maior quantidade de delações premiadas numa investigação de um grande caso de corrupção recente. Os primeiros acordos — fechados com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e com o doleiro Alberto Youssef — são tidos como fundamentais para o sucesso da investigação e levaram a novas colaborações. Uma vez incriminados, não restou a alguns dos acusados relatar o que sabiam em troca de uma possível redução de pena.

Além deles, os empresários Julio Camargo e Augusto Mendonça, ambos da Toyo Setal; Pedro Barusco, ex-gerente da diretoria de Serviços da Petrobras; Carlos Alberto Pereira da Costa, gestor de empresas de Youssef; e Luccas Pace Júnior, assistente da doleira Nelma Kodama, já fizeram acordo. Os demais cinco nomes são sigilosos. Mas não é só. Empresas do grupo Toyo Setal, seis no total, firmaram acordos de leniência com o MP, pelos quais se comprometem a colaborar para tentar evitar punições como a de serem proibidas de firmar novos contratos públicos.

Costa delatou 28 políticos
Procurador que encabeça a força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol (leia entrevista na pág. 4), de 34 anos, é direto ao explicar a importância da delação:

- A gente não teria chegado aos resultados alcançados sem as colaborações.

Para se ter uma ideia do impacto que os acordos podem ter, apenas Costa delatou 28 nomes de políticos. Segundo o ex-diretor, eles teriam se beneficiado do esquema montado na diretoria de Abastecimento da estatal.

A lista entregue por ele deve embasar três dezenas de inquéritos, a serem abertos em fevereiro, quando o Judiciário retonar do recesso. Na lista do delator, constam os ex-ministros Antonio Palocci (PT-SP), Gleisi Hoffmann (PT-SC) e Mário Negromonte (PP-BA); o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN); o atual ministro Edison Lobão, da pasta de Minas e Energia; os ex-governadores Eduardo Campos (PSB), morto em acidente de avião, e Sérgio Cabral (PMDB-RJ); o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra, já falecido; além de senadores e deputados.

Ainda pouco difundida no Brasil, a delação premiada é prevista em lei desde a década de 90, quando a redução de pena do delator passou a figurar na Lei de Crimes Hediondos. No entanto, foi em agosto do ano passado que a delação foi institucionalizada na Lei das Organizações Criminosas. Assim, pela 1ª vez, falou-se em termo de colaboração por escrito e, com isso, foi permitida maior eficácia nas investigações.

Banestado, mensalão do DEM, Alston
O doleiro Youssef já havia lançado mão desse instrumento em 2003, quando foi investigado na Operação Farol da Colina, da Polícia Federal. À época, a força-tarefa, que também incluía o procurador Dallagnol, apurou remessas ilegais de dinheiro ao exterior envolvendo agências do Banestado. No acordo, Youssef se comprometeu a abandonar atividades relacionadas à movimentação financeira clandestina. O juiz Sérgio Moro, hoje à frente da Lava-Jato, trabalhou nesse caso. Em 2009, Durval Barbosa, secretário do governo do Distrito Federal, tornou-se o delator da Operação Caixa de Pandora. O caso ficou conhecido como mensalão do DEM e tornou-se notório em razão dos vídeos feitos por Durval, em que aparecia entregando maços de dinheiro a integrantes do governo, entre eles o então governador, José Roberto Arruda.
- Sem esse modelo (de colaboração premiada), não teria sido possível (avançar tanto). Era um sistema de corrupção acobertado por aparência de legitimidade - lembra o juiz Alvaro Ciarlini, destacando que a delação premiada “é uma tendência inexorável em casos que envolvem organizações criminosas”:

- Mas tem uma questão ética. Para ter o perdão judicial, o delator tende a fazer a acusação. O juiz tem que medir o grau de confiança verificando se o depoimento, em tese, está conectado com os demais elementos de provas. Tem que levar em consideração se o delator confessa espontaneamente ou se confessa porque as provas são consistentes, depois de ter sido obstinado em mentir o quanto pôde.

No Brasil, além de Youssef e Barbosa, o ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer se tornou delator do Caso Alstom, deflagrado no ano passado. A Alstom é acusada de ter pago R$ 23,3 milhões de propina entre 1998 e 2003 durante os governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, em São Paulo.

No mensalão, que resultou na condenação de 25 acusados, entre elas o ex-ministro José Dirceu (PT) e o operador Marcos Valério, dois réus fizeram acordo de delação: Lucio Bolonha Funaro e José Carlos Batista. Eles foram assistidos pela advogada Beatriz Catta Preta, que hoje está à frente do acordo de Costa.

Ressalvas à delação premiada
Advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo diz ter feito duas propostas de delação durante a investigação. Agora, ainda que a lei permita que a delação seja feita quando a sentença já está sendo cumprida, Leonardo acredita que essa possibilidade é “mais difícil”. Valério foi condenado a 40 anos de prisão.

- Fiz uma proposta em 15 de julho de 2005, mas o procurador-geral não quis examinar. Depois, em setembro de 2012, o procurador-geral (Roberto Gurgel), também não quis acordo. Agora, depois da pena, é mais difícil. A delação implica em identificar o coautor, em recuperar valores. Então, por enquanto, eu e o Marcos Valério não conversamos sobre isso — diz Leonardo, que acredita que o julgamento pode ter influenciado no grande número de acordos na Lava-Jato: - Com o grupo político do mensalão obtendo prisão domiciliar e ficando presos os do banco e o publicitário...

Alguns advogados fazem ressalvas em relação à delação. Nélio Machado deixou a defesa de Costa quando o cliente decidiu pela colaboração:

- Minha formação repudia a delação, o Estado reconhece a ineficácia para apurar e a benesse ao delator não contribui para uma sociedade melhor.

- A delação é legítima, mas me preocupa o mau uso. A lei fala que tem que ser algo espontâneo, voluntário. É evidente que tanto juiz, polícia e MP precisam garantir essa liberdade do colaborador. Fico preocupado de que as pessoas sejam submetidas a constrangimentos ou a pressões - diz o criminalista Pierpaolo Bottini. (Colaborou: Cleide Carvalho)

Agenda de ex-diretor reforça suspeita de propinas a políticos

• Caderneta de Paulo Roberto Costa contém iniciais de deputados e de ex-ministro ao lado de valores

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

Na agenda pessoal de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás e primeiro delator da Operação Lava Jato, a Polícia Federal encontrou indícios que reforçam as suspeitas sobre o suposto repasse de recursos a políticos.

São anotações manuscritas que se destacam em algumas páginas da caderneta de Costa, apreendida pela PF em março de 2014, na residência do ex-diretor, no Rio, quando foi deflagrada a missão que desmantelou esquema de corrupção na estatal petrolífera.

Os registros são de 2010. À esquerda, uma coluna de números que, segundo o delator, sugerem valores em dinheiro. Na coluna à direita, iniciais que remetem a nomes de parlamentares citados pelo ex-diretor em seus depoimentos à força tarefa do Ministério Público Federal.

Em troca de redução de pena, ou até mesmo o perdão judicial, Costa relatou como operava o esquema de corrupção na Petrobrás e citou 28 políticos como supostos beneficiários de dinheiro, inclusive para financiamento de campanhas eleitorais. Sua delação, realizada entre agosto e setembro, foi homologada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Costa apontou 8 políticos do PMDB, 10 do PP, 8 do PT, 1 do PSB e um do PSDB. Mencionou ex-ministros e um ministro do governo Dilma Rousseff (PT), deputados, senadores, ex-governadores e um governador. As iniciais lançadas na agenda de Costa se referem, segundo ele, a alguns desses políticos. Os investigadores da Lava Jato não puderam avançar na identificação completa dos nomes porque poderiam esbarrar em uma questão sensível do caso – autoridades com foro privilegiado não podem ser rastreadas, exceto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que detém competência exclusiva para processar parlamentares.

Em uma página, aparece a sigla PP ao lado do número 28,5 – ou R$ 28,5 milhões, em uma avaliação preliminar dos investigadores. O PP dominava a Diretoria de Abastecimento, na gestão Costa. Ele foi indicado em 2004 para o posto por seu padrinho político, o ex-deputado José Janene (PP/PR), morto em 2010.

Abaixo desse primeiro apontamento aparece o número 5,5, ou R$ 5,5 milhões, ao lado das letras Piz, uma referência ao sobrenome do deputado João Alberto Pizzolatti Jr (PP/SC), segundo o delator. Na linha seguinte, 5,0 Mn, supostamente Mário Negromonte, ex-ministro das Cidades do governo Dilma. Adiante, 4,0 e as letras Nel que, de acordo com Costa, é citação ao deputado Nelson Meurer (PP/PR). Há o lançamento 1,0 BL. iniciais do deputado Benedito Lira (PP/AL), 0,3 Tvian, ou Tião Viana, governador do Acre pelo PT, e, também, 0,5 WR que seria Valdir Raupp, segundo o delator.

Costa afirmou não ter cuidado dos pagamentos dos políticos ao juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato. O juiz questionou Costa, em interrogatório, como ele sabia que os políticos recebiam valores do esquema que arrecadava de 1% a 3% dos contratos da estatal.

“Esses políticos, por exemplo, esses agentes públicos, que eles recebiam a parcela deles, como é que o senhor tinha conhecimento sobre isso?”, perguntou o magistrado.

“Nós tínhamos reuniões com uma certa periodicidade com esse grupo político, né? E essa periodicidade então se comentava “ó recebemos isso, recebemos aquilo”, etc”, respondeu Paulo Roberto Costa.

O ex-diretor da Petrobrás citou então as anotações da agenda pessoal. “Na minha agenda que foi apreendida na minha residência, tem uma tabela que foi especificamente detalhada junto ao Ministério Público, e essa tabela revela vários valores de agentes políticos de vários partidos que foram, relativo à eleição de 2010. Essa tabela eu copiei no escritório do Alberto (Youssef), em uma reunião que eu tive lá com ele.”

O ex-ministro Mário Negromonte negou que tenha recebido propina. “Jamais, zero, nunca Costa pode afirmar que fez negócios comigo. Durmo tranquilo.” O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) disse “nunca” ter pedido “um centavo” a Costa. O petista Tião Viana disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não conhece e nunca teve qualquer tipo de relação” com o ex-diretor. Pizzolatti, Meurer e Lira não foram localizados.

Leia trechos do depoimento do doleiro Alberto Youssef ao Juiz Federal Sérgio Moro
Defesa de Alberto Youssef: – As empresas sabiam que esses dinheiros, que esse dinheiro que estava sendo pago, também ia para agente público?
Interrogado: – Sim.
Defesa de Alberto Youssef: – Elas tinham convicção de que esse dinheiro ia financiar políticos e campanhas políticas.
Interrogado: – Certamente. Sim, a resposta é sim.
Defesa de Alberto Youssef: – Ou seja, esse esquema, me perdoe a expressão, mas já foi usada aqui, de propina, era também usado para financiar políticos brasileiros e o esquema de campanha de políticos.
Interrogado: – A resposta é sim.
Defesa de Alberto Youssef: – Em 2010 o senhor disse que esse esquema financiou campanhas políticas?
Interrogado: – Sim.
Defesa de Alberto Youssef: – Várias campanhas?
Interrogado: – Várias.
Defesa de Alberto Youssef: – Inclusive majoritárias?
Juiz Federal: – Não, aí nós vamos entrar nessa questão, doutor. Não, nós estamos, não, aí…
Defesa de Alberto Youssef: – Eu só disse a campanha, doutor, não disse de quem era.
Juiz Federal: – Doutor, está indeferida a questão, doutor.
Defesa de Alberto Youssef: – Eu concordo com ela que esse sistema acaba prejudicando um pouco o meu cliente, porque…
Juiz Federal: – Bem, mas seu cliente é um político ou é o senhor Alberto Youssef?
Defesa de Alberto Youssef: – A partir do momento que ele tem a…
Juiz Federal: – Está indeferido, doutor.
Defesa de Alberto Youssef: – Essa defesa de competência é complicada, Excelência.
Juiz Federal: – Bem, não foi eu que criei doutor, essa competência.
Juiz Federal: – Outros diretores da Petrobrás também recebiam valores 1 pagos dentro desse 1%?
Interrogado: – Dentro deste 1% só Paulo Roberto Costa e a parte dos agentes públicos, dos agentes políticos.
Juiz Federal: – E o senhor mencionou, tinha outros percentuais eram destinados a outros operadores? Não sei se ficou claro isso.
Interrogado: – Porque na verdade o Paulo Roberto fatiava um pouco essa questão de recebimento de obras, porque ele também tinha que atender PMBD e às vezes alguém do PT, então outra pessoa fazia o recebimento ou muitas vezes ele repassava pra mim próprio fazer esse pagamento.
Juiz Federal: – O senhor chegou a fazer pagamento pra outros diretores da Petrobrás?
Defesa de Alberto Youssef: – O senhor disse no início, quando inquirido pelo doutor Sergio, se não me falhe a memória, posso ser corrigido, que o senhor participou de algumas reuniões com empreiteiras, nas empresas. Eu gostaria que o senhor descrevesse, se o senhor pode descrever, como eram feitas essas reuniões e qual era o objetivo disso e quem eram essas pessoas e as empresas que estavam?
Interrogado: – Na verdade, essas reuniões eram feitas às vezes com empresas individualmente ou às vezes com as empresas junto com o diretor Paulo Roberto e o próprio agente político que estava comando a situação, pra se discutir exatamente questão 1 de valores, questão de quem ia participar do certame, esse tipo de situação. E outros problemas que também que se encontravam nas obras que pediam pra ser solucionados, esse tipo de assunto. Isso era feito uma ata, nessa reunião participava o agente político, o Genu, eu, o Paulo Roberto.
Juiz Federal: – Mas desculpe era feito uma ata formal disso?
Interrogado: – Era feito uma ata escrita.
Juiz Federal: – Mas constavam esses detalhamentos?
Interrogado: – Constava os detalhamentos, Vossa Excelência.
Defesa de Alberto Youssef: – Inclusive algumas dessas atas se comprometeu a entregar?
(incompreensível), se tiver o acesso.
Interrogado: – É, está na mão de interposta pessoas, de terceiro, que ficou de me entregar pra poder eu entregar ao processo.

Entrevista com Deltan Dallagnol, procurador da Lava-Jato

• O procurador fez o 1º termo escrito de delação do Brasil, em 2003, com Alberto Youssef. Ao GLOBO, disse que as colaborações usam “uma sardinha para pegar um tubarão”.

Leticia Fernandes – O Globo

Houve mudança no Judiciário brasileiro com relação ao papel da colaboração premiada em investigações de grande repercussão?

O que existiu foi a alteração legislativa, que consagrou uma prática que já existia desde 2004. O primeiro acordo de colaboração escrito e dividido em cláusulas da História do Brasil foi feito exatamente com o (doleiro) Alberto Youssef, em dezembro de 2003, pela então força-tarefa do caso Banestado, em que participamos alguns dos procuradores da Lava-Jato. Foram 17 acordos. Na época, eles (os réus) transferiram para os cofres públicos, como indenização, aproximadamente R$ 30 milhões. Esse valor não foi alcançado em ações criminais propostas em que não houve acordo de colaboração. Ou seja, nossa experiência já mostrava que (a delação) é um ótimo caminho de investigação, que encurta custos judiciais e promove retorno aos cofres públicos.

Teriam chegado aos resultados se não fosse por meio da colaboração?

A gente não teria chegado aos resultados alcançados no caso da força-tarefa anterior, do Banestado, nem nesse caso da Lava-Jato, sem as colaborações. Não tenho dúvidas. Elas alavancaram a investigação.

Como foi feito o primeiro acordo com Alberto Youssef?

Em quase 100% dos casos, a defesa propõe ao MP. Não vamos atrás da pessoa para buscar acordos. Não é só uma técnica de investigação, mas uma escolha da defesa. Quando foi feito o primeiro acordo (do caso Banestado), decidimos fazer na forma de cláusulas. Se você for ver, a situação (do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa) está bem amarrada. Se ele mentir, perde todos os benefícios, e a gente continua podendo usar as provas que ele nos forneceu. Ou seja, acaba sendo um acordo bem mais favorável à sociedade. A gente está numa situação de vulnerabilidade, fazendo acordo com uma pessoa que cometeu um crime. Então precisamos amarrar o acordo para que o interesse da sociedade fique garantido. Dos 12 acordos da Lava-Jato, 10 foram feitos com pessoas soltas.

Houve preocupação na hora em que Youssef quis fazer um novo acordo? Ele violou o primeiro...

Com certeza. Era uma preocupação do procurador-geral da República. Esse acordo só seria feito se fosse muito benéfico para a sociedade. E uma coisa que está no acordo do Costa é uma previsão que já existia antes: a de que, se a pessoa voltar a cometer crime, perde todos os benefícios, tanto que, quando vimos que o Youssef continuava cometendo crimes, o processamos.

Antes da nova legislação, as partes ficavam inseguras ao fazer o acordo?

O que a gente fez para diminuir a área de insegurança foi exatamente esse acordo escrito. A lei anterior não previa isso. Dizia só que a pessoa ia colaborar e receber um benefício. Para garantir, foi a força-tarefa do Banestado, em 2003, que começou a fazer o acordo em cláusulas, uma prática inovadora. Em 2013, foi promulgada a lei de combate ao crime organizado, a primeira legislação a prever o instrumento escrito de colaboração. Antes, existia a prática disseminada de aceitar colaboração sem acordo e dar um benefício em razão disso.

Como costuraram as negociações para fazer tantos acordos? Como vocês têm trabalhado nesse caso?

Um dos princípios que a gente segue é o de que você não vai fazer a colaboração para trocar um peixe grande por um peixe pequeno. Você faz a colaboração para trocar um peixe pequeno por um peixe grande ou para trocar um peixe por muitos peixes. Esse é um princípio de utilidade social. Quando você pega uma sardinha, você pode comer essa sardinha, ou usá-la como isca para pegar um tubarão. Esse e outros vários princípios, usados pela experiência americana e italiana, são utilizados para a gente guiar nossa conduta. Se não tivéssemos feito os acordos de colaboração, provavelmente não teríamos revelado esse esquema de corrupção bilionário na Petrobras. Nós ainda estaríamos processando crimes envolvendo poucos milhões.

Há mais acordos que podem ser firmados no desenrolar da Lava-Jato?

Sempre existe. Muitas pessoas nos procuram para fazer acordo, mas, na maior parte dos casos, não fazemos porque entendemos que eles não atenderiam ao interesse público. Só vamos fazer acordo quando preenchidos alguns pressupostos: reconhecimento de culpa, ressarcimento do dano, ainda que parcial, e fornecimento de informações e provas sobre crimes de que a gente não dispunha. Essas denúncias feitas agora só foram possíveis por causa da colaboração feita com o Augusto Mendonça, o Júlio Camargo e com a empresa Setal. Sem essas colaborações, não conseguiríamos ter alcançado um conjunto de outras empresas que praticaram crimes de elevada gravidade. É um instrumento muito precioso nesse contexto de crimes de alta complexidade.

No caso da Lava-Jato, a delação partiu dos investigados? Há um diálogo com o colaborador sobre as cláusulas do acordo?

Em todos os casos, a iniciativa partiu da defesa. Há um diálogo, mas não vamos deixar a sociedade desprotegida. Claro que é possível discutir, mas tem um núcleo duro de cláusulas em que não mexemos. A cláusula de que, se o réu mentir ou omitir fatos, é causa de rescisão, por exemplo. Ela consta em todos os acordos. A gente não abre mão disso.

Por que ainda há tanta resistência entre advogados? Eles dizem que o recurso obriga o réu a abrir mão do seu direito de defesa.

O réu abre mão voluntariamente do exercício desse direito para ganhar um benefício. O benefício fica condicionado ao não exercício dos recursos. Por causa da colaboração, vamos pedir uma redução da pena, e o prazo prescricional do crime depende do quanto da pena é aplicada. Se esse prazo for ultrapassado, o processo penal inteiro é cancelado. Quando você concorda com a redução da pena, você está aumentando as chances de prescrição daquele caso. Então, não faz sentido a gente fazer um acordo de colaboração e, ao mesmo tempo, permitir ao réu recorrer e conseguir uma total impunidade. É uma decorrência lógica.

Também se diz que o uso da delação supre a incapacidade de investigação do MP.

O primeiro acordo só foi fechado porque a gente tinha provas muito sólidas em relação àquela pessoa (Paulo Roberto Costa), tanto que ela recorreu ao acordo. Vamos investigar tudo e todas as situações, mas não podemos recusar os instrumentos de investigação da lei. Hoje, temos várias circunstâncias que impedem o avanço das investigações. Há crimes cuja descoberta é muito difícil, como lavagem de dinheiro, quando normalmente o dinheiro passa por outros países, e é difícil conseguir a cooperação de paraísos fiscais. E a corrupção, em que, se você não quebrar o pacto de silêncio entre corrompido e corruptor, não consegue trazer a público o que aconteceu.

Réu, advogado denuncia fraudes em fundo de pensão

• Carlos Alberto Pereira da Costa afirmou à PF que notas fiscais frias foram usadas para pagar propina na Petros

• Segundo maior fundo de pensão do país, com patrimônio de R$ 66,1 bilhões, a Petros não se pronunciou

Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em depoimento à Polícia Federal na Operação Lava Jato, um advogado revelou o funcionamento de um esquema de notas fiscais fajutas que permitiu, segundo ele, o pagamento de "propina na Petros", fundo de pensão dos funcionários da Petrobras.

Fundada em 1970 no Rio, a Petros é o segundo maior fundo de pensão do país, com patrimônio de R$ 66,1 bilhões e 158,5 mil participantes.
O advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, que na semana passada também se tornou réu na Lava Jato, prestou depoimento "de forma voluntária" ao delegado da PF Eduardo Mauat da Silva.

O esquema, segundo ele, envolveu a compra, pela Petros, de uma cédula de crédito bancário emitida pela empresa IMV (Indústria Metais do Vale), de Barra Mansa (RJ), que permitiria alavancar recursos para construção de uma fábrica de ferro gusa.

Em nota à imprensa em meados de outubro, a Petros disse que o negócio foi feito em 2006, após análise de risco que autorizava o empreendimento, mas que depois daquele ano não houve mais aporte financeiro na empresa, "quando o investimento não se mostrou rentável".
Costa disse à PF que a Petros entrou no negócio em troca de propina a dois dirigentes do fundo de pensão. Ele informou que quatro notas fiscais de R$ 3 milhões, emitidas pela empresa Betumarco e apreendidas pela PF, serviram para gerar um caixa dois, do qual saíram os recursos revertidos para a propina.

"Nenhum dos serviços apostos nos referidos documentos [notas fiscais] foram realizados", declarou Costa.

A partir da entrada do dinheiro na Betumarco, explicou o advogado, houve vários saques de dinheiro das contas bancárias de diversas instituições.

"A parte referente à propina paga à Petros foi retirada desse montante citado anteriormente", disse Costa.

O advogado, porém, afirmou que a operação de pagamento coube a dois empresários ligados ao negócio da fábrica. Ele disse que os empresários poderiam esclarecer à PF o destino do dinheiro.

Localizado pela Folha por telefone, o advogado reiterou os termos do depoimento que prestou à polícia. Ele disse ter ouvido dos seus parceiros os nomes de dois funcionários da Petros que, segundo ele, receberam juntos um total de R$ 500 mil.

Outro lado
Em nota, a Petros afirmou que não foi notificada pela Polícia Federal a respeito desse caso. O fundo diz que não teve nenhum negócio com a Betumarco.

Segundo a nota, o negócio de 2006 foi feito "alinhado à política de investimentos da Petros na época e respeitando a legislação vigente".

"[A operação] Contou com garantias e rating A da Austin Rating, por representar baixo risco de crédito. Além disso, oferecia retorno adequado aos padrões de mercado, sendo corrigida pela variação do IGP-M mais juros de 11,5% ao ano. [...] A Fundação já exerceu as garantias no contrato do investimento em questão."

PT se prepara para rebater envolvimento de filiados e promete expulsar todos os corruptos

• Partido traça estratégia semelhante à adotada durante o mensalão

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - Com oito de seus filiados citados até agora como beneficiados pelos esquemas de corrupção detectados pela Operação Lava-Jato na Petrobras, o PT se prepara para, mais uma vez, rebater a pecha de que é um partido corrupto. Assim como aconteceu no mensalão, petistas classificam o suposto envolvimento de filiados nos escândalos da Petrobras como sendo uma campanha difamatória contra a sigla.

- O mensalão não foi um ato de corrupção. Foi política pura. Foi um julgamento com condenação sem provas, com núcleos de acusação insustentáveis. Não tem dinheiro público envolvido, até o Joaquim Barbosa (relator do caso no Supremo Tribunal Federal) sabe disso - afirmou o deputado Paulo Ferreira (PT-RS), que integra o diretório nacional e pertence à corrente majoritária.

Ferreira acredita que o mesmo tipo de relativização pode ser feito na Operação Lava-Jato.

- Estamos cascas-grossas nesse tema. Tem que ver se foi corrupção, se há envolvimento de dirigentes - destacou ele.

Desde as eleições, o partido está assombrado com a pecha de corrupto e tenta deixá-la para trás. Na tentativa de enfrentar o assunto, o PT divulgou, no final do mês passado, uma resolução sobre combate à corrupção. O texto, que tenta dar uma resposta às denúncias recentes, foi proposto pela Mensagem, segunda maior corrente da sigla, e aprovada por consenso. Houve apenas um ajuste no texto, com a saída da palavra “imediatamente”, ao tratar de eventuais expulsões de filiados. Com a concordância de todos, o texto final diz que será punido quem comprovadamente participar de atos de corrupção.

- É preciso haver o direito ao contraditório. Não podemos fazer prejulgamento - disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), integrante da Mensagem.

Numa reunião do diretório nacional, em Fortaleza, o tesoureiro João Vaccari, um dos alvos da investigação da Petrobras, foi ovacionado. Na ocasião, ele se disse injustiçado e se defendeu.

Também foram citados até agora na Lava-Jato os petistas Antônio Palocci, Humberto Costa, Gleisi Hoffmann, Tião Viana, Delcídio Amaral, Candido Vaccarezza e Vander Loubert.

Olívio Dutra defende expulsão de correligionários
Uma das vozes dissonantes no PT é a de Olívio Dutra, ex-ministro das Cidades do governo Luiz Inácio Lula da Silva e ex-governador do Rio Grande do Sul. Em entrevista à rádio Guaíba, no início do mês, ele defendeu que quem estiver envolvido no escândalo da Petrobras seja expulso do partido. Essa mesma posição já havia sido defendida por ele no mensalão.

Na época, o então secretário de Comunicação do PT, o então deputado André Vargas (PR), afirmou que Dutra estava sendo “pouco compreensivo”, pois recebeu o apoio dos petistas quando o Ministério Público Federal pediu seu indiciamento, em 2002, quando era governador, por ter se omitido na repressão ao jogo do bicho no Rio Grande do Sul.

Caso André Vargas
Ironicamente, Vargas teve seu mandato de deputado federal cassado no dia 10, com o apoio do PT, por suposto tráfico de influência em favor do doleiro Alberto Yousseff. No caso de Vargas, a direção do PT resolveu ser implacável porque tentou construir uma saída para ele, que não aceitou. Quando apareceram as denúncias contra Vargas, no início do ano, o presidente do PT, Rui Falcão, pediu que ele renunciasse para não prejudicar as campanhas eleitorais do partido, principalmente a reeleição de Dilma, mas ele não concordou. Foi então pressionado a deixar o PT. Em reunião da qual Lula participou, na manhã da última quarta-feira, Falcão orientou os deputados presentes a votarem pela cassação. Mesmo assim, o presidente do PT e integrantes do partido demonstraram pesar pelo desfecho do caso Vargas.

Na eleição, o partido viu sua bancada na Câmara diminuir. Em 2010, o PT elegeu 86 deputados e atualmente está com 88. No ano que vem, serão 70. No Senado, a avaliação no partido é que o desempenho poderia ter sido melhor. O PT só elegeu dois senadores e ficará praticamente do mesmo tamanho. Nas disputas pelos governos estaduais, o partido conquistou Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, mas não reelegeu dois governadores: Agnelo Queiroz (DF) e Tarso Genro (RS)

PT mapeia cargos federais nos Estados para compensar perda de ministérios

• Partido faz inventário dos cerca de 15 mil postos comissionados nas unidades da Federação a fim de ocupar indicações de aliados que ‘caducaram’ politicamente ou foram para a oposição, como o PSB

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Conformado com a perda de espaço no ministério do segundo governo Dilma Rousseff, o PT prepara um avanço sobre os cargos de confiança do governo federal nos Estados e em grandes municípios como forma de reverter pelo menos em parte o prejuízo. A ideia é fazer uma espécie de “recall” dos cerca de 15 mil postos federais fora de Brasília identificando indicações politicamente obsoletas e ocupando os espaços.

“Estamos fazendo um mapa dos cargos federais nos Estados para saber quem é quem, quem indicou, qual a avaliação que a gente tem disso, e fazer uma proposta (de nomes à presidente)”, disse o presidente nacional do PT, Rui Falcão.

A última vez que o partido mapeou os cargos federais espalhados pelo Brasil foi em 2003, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o Planalto. Na época, o encarregado do inventário foi o então secretário nacional de Organização do PT, Sílvio Pereira, que chegou a ter uma sala para trabalhar no Palácio do Planalto.

Dois anos depois, no auge do escândalo do mensalão, Silvinho, como é conhecido, pediu desfiliação do PT sob acusação de ter ganho um Land Rover de presente de uma empreiteira que tinha negócios com o governo federal. O ex-dirigente petista agia sob o comando do então ministro da Casa Civil José Dirceu, que cumpre prisão domiciliar pela condenação no mensalão.

Desta vez, o PT optou por um caminho diferente. Em vez de fazer o levantamento a partir de Brasília, a Secretaria Nacional de Organização do partido foi incumbida de elaborar um mapeamento minucioso, Estado por Estado, com base em informações repassadas pelos diretórios regionais da sigla.

Indicações ‘caducas’. O objetivo é identificar as vagas cujas indicações “caducaram” politicamente, seja porque os padrinhos perderam prestígio, seja em função do realinhamento de partidos que apoiaram o governo Lula e hoje fazem oposição à gestão Dilma Rousseff.

“A ideia é melhorar a representatividade. Às vezes, tem gente lá que não representa mais as forças que compõem a base do governo”, disse o atual secretário nacional de Organização do PT, Florisvaldo Souza.

Segundo ele, existe ainda uma terceira categoria de ocupantes destes postos federais que são os técnicos de carreira alçados a postos de confiança automaticamente depois que os indicados políticos deixaram as vagas. Eles também estão na mira do PT.

“Tem lugares em que a pessoa indicada saiu e acabou ficando algum técnico de carreira, sem qualquer compromisso político”, disse o dirigente petista.

Baixo clero. Segundo fontes do partido, os principais objetivos do levantamento são acomodar o chamado baixo clero petista e manter uma margem de manobra para negociar a composição da base de apoio ao segundo mandato de Dilma na Câmara.

Entre os alvos estão indicações feitas pelo PSB, hoje na oposição, que sobreviveram ao desembarque do partido do governo, em 2013, apadrinhados por ex-senadores e ex-governadores hoje aposentados - a exemplo de José Sarney (PMDB) - e até petistas que perderam o poder ou se envolveram em escândalos.

Novo Congresso. Embora Dilma tente contemplar todos os partidos aliados na montagem do governo com cargos no primeiro e segundo escalões, o PT não tem segurança sobre como será o comportamento do Congresso com a pulverização de parlamentares nos 28 partidos, seis deles representados na Câmara pela primeira vez. Segundo petistas, o fenômeno só poderá ser compreendido depois do início da nova legislatura e os cargos de confiança nos Estados podem ser usados para negociações com parlamentares no varejo.

De acordo com o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, existem quase 23 mil cargos de confiança em todo o governo federal. Os salários vão de R$ 2,1 mil a R$ 12,9 mil. O ministério não soube informar quantos destes cargos estão fora da capital federal, mas o PT estima em dois terços desse contingente.

Cerca de 75% das vagas, no entanto, são reservadas a funcionários de carreira, sobrando pouco menos de 6 mil postos em todo o País para livre nomeação (mais informações no texto abaixo). Os números não levam em conta cargos em estatais e autarquias, que também estão na mira do PT. De acordo com o secretário de Organização, o partido ainda não tem um número fechado.

Apesar de reivindicar a prioridade para preencher estes postos, o PT toma cuidados para não pisar nos calos de aliados no Congresso e, principalmente, dos governadores - parte importante do modelo de governabilidade do segundo mandato.

Crise da Petrobras freia a economia do país

• Problemas na estatal causam demissões, e analistas já preveem até recessão em 2015

Henrique Gomes Batista / Glauce Cavalcanti / Ramona Ordoñez / Bruno Rosa – O Globo

O impacto da crise de caixa da Petrobras, das denúncias da Operação Lava-Jato e do baixo preço do petróleo no mercado internacional já afetam a economia. Demissões, adiamentos e atrasos em projetos de investimentos já acontecem no país, em particular no Rio. No mercado, a atual letargia da estatal desperta medo e apreensão em empresas de toda a cadeia produtiva. Em 2015, quando a estatal fará a revisão de seu plano de negócios, o cenário deve piorar. Segundo especialistas, o corte a ser feito pela Petrobras terá o efeito de uma locomotiva freando sobre os trilhos, afetando todos os vagões da economia do petróleo, podendo deteriorar a já combalida expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) de 0,69%, como indica pesquisa semanal realizada pelo Banco Central (BC) com bancos e corretoras de todo o país. Pior:
segundo economistas, ela pode levar o Brasil até mesmo à recessão no próximo ano.

Os investimentos diretos da Petrobras e os indiretos (considerando fornecedoras e empresas da cadeia de petróleo) representam 3,2% do PIB, segundo cálculos de Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. A redução no aporte previsto pela estatal para 2015 pode chegar, de acordo com estimativas de especialistas, a R$ 40 bilhões, ou o equivalente ao orçamento de um ano e meio do Bolsa Família, calcula Rodrigo Zeidan, economista e professor da Fundação Dom Cabral. Dessa forma, o aporte total da companhia cairia para algo em torno de R$ 70 bilhões.

Impasse nos contratos
Um corte dessa ordem, diz ele, seria consequência de uma série de fatores. O ano que vem, para Zeidan, será muito parecido com o de 2003: com baixo crescimento, queda no investimento e alta inflação. A Petrobras enfrenta problemas legais, casos de corrupção, dificuldade em captar recursos no exterior, perda de valor e falta de credibilidade no mercado. O resultado deve puxar o PIB para baixo:

- Os problemas do setor do petróleo podem afetar o PIB em até um ponto percentual. Como muitos economistas já previam alta de apenas 0,5% em 2015, o Brasil pode ter um resultado negativo - disse ele, levando em conta toda a cadeia de petróleo. - O Brasil pode, sim, entrar em recessão em 2015. Os sinais não são animadores, mas há chance de serem invertidos.

Para o presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fernández y Fernández, o cenário é, de imediato, ruim. A conjuntura internacional, pondera ele, afetará a receita de todas as empresas do setor: renegociações de contratos e de preço serão incontornáveis. Para a Petrobras e para a indústria do Brasil, o impacto será pior, pois a estatal é uma espécie de cliente único do setor.

- O governo, o setor e a companhia têm que saber fazer uma análise crítica para buscar o caminho certo. É como um túnel com várias saídas. Em algumas delas há luz - destacou Fernández.

A presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, disse que não está definido o valor do corte no investimento, mas que a medida visa a "preservar o caixa" da empresa. Este ano, previa investir US$ 42 bilhões, mas até o momento não conseguiu publicar o balanço do terceiro trimestre. A companhia apura os valores relativos aos subornos registrados em projetos como os da Refinaria Abreu e Lima (PE) e do Comperj, no Rio, para reduzir de seus ativos.

- O investimento de 2015 será ligeiramente menor do que o de 2014, a princípio - destacou Graça, semana passada.

A Petrobras está preocupada em definir como fará com seus contratos atuais e futuros. Várias empreiteiras e estaleiros tiveram seus controladores envolvidos nas investigação da Lava-Jato. Sem solução para o impasse, a Petrobras não poderá fazer licitações e convocar essas empresas.

- A Lava-Jato traz incertezas em relação a alguns importantes players da indústria. Estamos olhando como isso se transforma em possíveis efeitos nos prazos (de entrega) das unidades. Procuramos compensar isso com aumento de produção em poços que possam ser conectados a plataformas existentes - disse José Formigli, diretor de Exploração e Produção da Petrobras.

Para o Rio, o impacto deve ser ainda maior. O setor de petróleo responde por quase 30% da economia fluminense e por 60% do total de investimentos previstos de 2014 a 2016. Já há demissões, sobretudo em empresas da cadeia do petróleo, como na indústria naval. O exemplo mais crítico é o do Estaleiro Brasa, em Niterói, que tem 50% de seu capital nas mãos da holandesa SBM, acusada de ter pago propinas a funcionários da Petrobras para obter contratos. Se encerrar as operações, pode ter que demitir 1.500 pessoas, criando um efeito cascata na economia da região.

- Nossa previsão anterior indicava que o investimento cresceria 2,4% no país em 2015, mas já reduzimos a previsão para 1,1%. Não descartamos até uma previsão de que os investimentos encolham pelo segundo ano. Isso é muito ruim, pois a Petrobras, sozinha, representa 10% dos investimentos - afirma Alessandra, da Tendências, que avalia, porém, que o ano não será de recessão, dada a expansão do consumo das famílias e o efeito positivo para a indústria da valorização do dólar.

Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, espera que 2015 tenha crescimento zero e inflação de 7%, mas diz que pode haver recessão com os problemas na Petrobras e nas empresas afetadas pela Lava-Jato:

- Estamos diante de um ano muito ruim, com expectativas de forte restrição orçamentária para um novo ajuste fiscal, um cenário externo em desaceleração e agora uma crise na Rússia.

No Parque Tecnológico da UFRJ, há receio sobre como a crise afetará a área de pesquisa e desenvolvimento (P&;D).

- A Petrobras investe mais de R$ 1 bilhão por ano em P&D. Tem forte atuação como elo entre empresas e universidades - alerta o diretor do parque, Maurício Guedes. - Virá corte em recursos, pela queda no preço do petróleo. No longo prazo, a tendência é de normalização.

Marcelo Nacif, gerente geral da Swires Oilfield Services, multinacional de equipamentos de transporte, diz que a dúvida é sobre que perfil a Petrobras terá:

- Se for a Petrobras atual, lenta, enfraquecida e com credibilidade abalada, será difícil. Se tivermos uma empresa reinventada, haverá melhora. Será preciso discutir regras em vigor.

Luiz Sérgio Henriques* - O Natal e as circunstâncias

• É provável que esteja à vista uma mudança impulsionada pela legalidade democrática

- O Estado de S. Paulo

O gênio machadiano, entre outras imagens que se fixaram na alma coletiva, legou-nos a dolorosa noção da impossibilidade de atar as pontas da existência. Mesmo o Natal, com seu intenso conteúdo de comunhão entre religiosos e não religiosos, seria incapaz de restituir, no conhecido soneto, as "sensações da idade antiga": é que haviam mudado irreversivelmente tanto a circunstância natalina quanto o sujeito poético já maduro que tenta revivê-la.

Em plano mais prosaico, mas decisivo nesta hora de nossa História, é provável que esteja à vista de todos a mudança dramática das circunstâncias, no fundo impulsionada pelo avanço, em meio a sustos e solavancos, da legalidade democrática instaurada com a Constituição de 1988 - para marcar a data central de "refundação" do Brasil.

A Carta de 88, e não a chegada ao poder de qualquer uma das partes políticas, é o marco zero que nos dá régua e compasso, com a exigência rigorosa de comportamento democrático-republicano, com o conjunto de normas que requerem a mudança dos atores, de sua presença na arena pública, de suas relações recíprocas.

As circunstâncias tornaram-se mais dramáticas em momento inesperado, quando, pelo voto, se renovaram os mandatos da presidente, de governadores e parlamentares. De fato, nada lembra o período de graça que se concede a governantes novos - ou reconfirmados -, os tais "cem dias" nos quais o mandatário se mexe com desenvoltura, em meio a relativa distensão do ambiente. Normalmente, a própria oposição ensarilha as armas ou busca reposicionar-se com cautela, reconhecendo à parte vitoriosa a iniciativa do jogo.

Esse período de esperança, porém, está visivelmente abalado: a ele se substituem o temor das crises que se somam e o pressentimento da incapacidade, especialmente por parte do governo federal, de enfrentá-las em sentido positivo. A economia parece exaurida, depois de surfar - irresponsavelmente - no ciclo de prosperidade made in China da primeira década do século. Ainda exibe joias de valor, como o mercado de trabalho aquecido e o aumento do salário mínimo, mas o consenso é que tais joias logo perderão o viço, ausente a variável decisiva do investimento público e privado.

A política, como sempre, é o terreno minado por excelência. Acumulam-se aqui as consequências menos positivas do modo de ser do sujeito central da vida brasileira - o então poderoso partido de esquerda cuja vitória, em 2002, marcou o completamento da democracia previsto na Constituição e cuja atuação, às vésperas do quarto mandato presidencial seguido, já contabiliza o arriscado resultado a que se pode chegar quando se opera, em condições "ocidentais", com categorias de repertório antigo, essencialmente inadequado para promover as mudanças que a retórica agressiva afirma perseguir.

A verdade é que, desde 2003, temos tido sucessivos exemplos da predominância de tal repertório envelhecido. Um fato paradoxal, de vez que, na economia, pelo menos o primeiro período presidencial do ciclo petista fez concessões à ortodoxia, cuidando de manter essencialmente intocadas as metas de superávit e o controle da inflação nos termos propostos pelo governo anterior, ainda que o bombardeio retórico não tenha abandonado, por oportunismo, o refrão da "herança maldita" e da contraposição frontal com um inimigo cuidadosamente construído.

Ainda agora, na situação de dificuldade das contas públicas e do limite alcançado pelo experimento "keynesiano", a presidente da República move-se no sentido de restaurar, em linhas gerais, o arranjo do primeiro governo Lula, passando por cima de apregoado apego ao nacional-desenvolvimentismo. Deixando de lado qualquer avaliação desse movimento, o fato é que nada disso se repete na política. Seja por atavismo das lutas sindicais, terreno propício à linguagem de um corporativismo radicalizado, mas pré-político, seja por influência distante, mas renitente, da raiz de extrema esquerda, o petismo opera, por princípio e sistema, com a lógica da demonização do adversário, nisso muito próximo de seus meios-irmãos do "populismo" latino-americano.

A recente campanha eleitoral reavivou todas as feridas, conduzida, como foi, pela ideia de "desconstrução", sofisticado conceito pós-moderno que se degradou à condição de desabrido marketing negativo contra os "inimigos do povo". E, na sequência da campanha, a crise que ameaça abater-se com força sobre todo o sistema político em decorrência da ação de instituições autônomas da República - e com consequências que não sabemos prever - ainda não encontrou resposta minimamente adequada. Ao contrário, nas palavras de um de nossos últimos "grandes velhos", o bravo Pedro Simon, "Dilma e o PT declararam guerra à oposição. Ela, que se diz coração valente, não teve peito de chamar, nem por educação, Aécio ou Marina para uma tentativa de entendimento".

Mais do que promotora da conciliação na frente econômica, é evidente que a presidente Dilma deve reinventar-se, nos termos do discurso de vitória, como ator livre de sombras e amarras, afastando-se da lógica de "partilha" do governo e, muito particularmente, abrindo-se ao entendimento com os adversários em busca de consenso para uma reforma política sem aventuras, mas efetiva, e a defesa da estabilização possível do sistema partidário, sob risco de implosão.

O velho Machado duvidava de um reencontro pleno do sujeito consigo mesmo através da intrincada máquina da memória. O bruxo do Cosme Velho escrevia em profundo plano existencial. Em vez disso, a política permite que o sujeito - desde que minimamente afeito à convivência civilizada - se ponha à altura das circunstâncias e ache bom ancoradouro, apesar de condições adversas.
Mero desejo, talvez incendiado pela época propícia?

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil.

Merval Pereira - Baixo astral

- O Globo

A presidente Dilma, que colheu nas urnas em outubro uma vitória tāo difícil quanto a situaçāo econômica que legou a si própria, nāo teve tempo de curtir a reeleiçāo nem está tendo condiçōes políticas de montar um segundo governo que traga esperanças de melhores dias nos próximos quatro anos.

A escolha do economista ortodoxo Joaquim Levy para assumir um Ministério da Fazenda quase emergencial só fez realçar as incongruências da montagem do novo governo, pois os gastos escondidos no orçamento, a cada momento descobertos, fazem com que o estranho no ninho tenha que refazer seus projetos de controle de gastos para colocar uma ordem mínima na bagunça estabelecida.

Pressionada pelo escândalo da Petrobras, que nāo a deixa livrar-se das suspeitas que recaem sobre sua protegida Graça Foster e respingam nela mesma, que chefiou o setor nos últimos 10 anos como ministra das Minas e Energia e Chefe do Gabinete Civil da Presidência, Dilma nāo consegue montar o quebra-cabeça de seu novo ministério por que também aí há uma incoerência básica.

O ministério é montado na base da divisāo de feudos entre os partidos aliados, e foi esse conceito que desencadeou os escândalos em série que atingiram o PT desde o mensalāo. Os partidos políticos por sua vez estāo acuados com as diversas listas que pipocam no noticiário político, levando deputados e senadores de vários partidos a passarem para o noticiário policial sem escalas.

Como nomear ministros que podem estar em breve no banco dos rèus? Como eleger novamente Renan Calheiros presidente do Senado se ele está na lista dos delatados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Robeto Costa e pode estar também na do doleiro Alberto Youssef? Mas também com que força política a presidente contará para desagradar Renan Calheiros?

Constrangida ou nāo, Dilma continua a negociar com os partidos como se nada tivesse acontecido nos últimos dias.

Ė Renan quem distribui os cargos devidos ao PMDB do Senado, e confunde sua campanha para voltar a presidi-lo com os interesses de seus aliados, levando Inexoravelmente o segundo ministério de Dilma a se envolver com tenebrosas transaçōes que um dia podem cobrar seu custo institucional.

A presidente Dilma, que propôs um pacto contra a corrupçāo ao mesmo tempo que seu governo se envolve dia após dia nas teias das negociatas geridas pela Petrobras nos últimos 10 anos, nāo tem como organizar um ministério de homens acima de qualquer suspeita, e revela com isso os enredos subterrâneos que se desenvolvem sem que tenha condiçōes de freá-los, pois beneficiária deles.

Esse baixo astral que domina o país e já é registrado pelos próprios petistas, deve-se à realidade que cerca o atual governo, e continuará prevalecendo nos próximos anos: economia debilitada, podendo chegar a um PIB negativo ainda este ano ou no próximo, ou nos dois, o mais provável, e política caótica, com o PT dividido entre os que "amadureceram" na definiçāo da própria Dilma, e os que continuam renegando as necessárias flexibilizaçōes em nome de um esquerdismo que já nāo arrebata as multidōes e muitas vezes apenas esconde interesses subalternos revelados por delaçōes premiadas de bandidos dos mais diversos estratos sociais.

Além disso, a base aliada já foi mais fiel, e a cada dia se afasta mais do centro decisório do Palácio do Planalto, seja por que Dilma divide com muito poucos suas dúvidas ( as terá?), ou por que eles mesmos já sentem o vento virar em outras direçōes.

A popularidade da presidente medida pelos instiutos de pesquisas parece resistir bem aos infortúnios, mas até ela mesmo sabe que essa resiliência nāo resistirá às medidas severas que serāo inevitavelmente tomadas pela nova equipe econômica. Pelo menos os dois primeiros anos do novo governo serāo conturbados, e nāo há nenhuma indicaçāo de que o governo tenha cartas na manga para reverter a situaçāo. Nem que tenha consistência programática para segurar o leme quando a tempestaDe exigir firmeza da comandante.

Feliz Natal a todos. A coluna volta a ser publicada no dia 26.

João Bosco Rabello - Efeito dominó

- O Estado de S. Paulo

Com poucas surpresas em relação ao que já se sabia de vazamentos parciais, a lista do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, publicada com exclusividade peloEstado, tem o mérito de confirmar as dimensões de crise política que funde os dois mandatos da presidente Dilma Rousseff em um só.

A base do governo está amplamente atingida sem que ainda se conheçam os nomes de outra relação, a do doleiro Alberto Youssef, que certamente acrescenta à de Costa. Ambas serão conhecidas em toda a sua extensão em pouco tempo - afinal, 2015 começa em 11 dias e, para fevereiro, quando mais se saberá, falta pouco mais de um mês.

No calendário político não haverá a trégua tradicional dos feriados e do recesso legislativo. As revelações de Costa emendaram as legislaturas, de tal sorte que o governo precisa adiar o anúncio de seu novo ministério e o Congresso tem dificuldades para conduzir suas eleições internas.

Desse cenário o simbolismo do fim de festa , por ironia, está na Capital da República, cujo governo foi proibido judicialmente de patrocinar o réveillon, por incapacidade de pagamento do governo petista de Agnelo Queiroz, que chega ao final sem honrar salários de categorias diversas do serviço público.

As investigações atingem as figuras dos presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Alves e Renan Calheiros. O primeiro, cotado para o ministério do segundo mandato, o que agora torna-se inviável. O segundo, obrigado a rever sua intenção de reeleger-se para o cargo.

Assim como concorrem no tamanho das bancadas no Congresso, PT e PMDB empatam nas citações de Costa - com oito nomes cada um.

Tanto um quanto outro, porém, têm entre os citados lideranças expressivas das legendas, dentro e fora do Congresso, do que são exemplos o governadores Tião Viana (PT-AC) e os ex-governadores, Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e Roseana Sarney (PMDB-MA).

No PT, o líder Humberto Costa (PE) puxa a fila do Senado, onde entram ainda a ex-ministra da Casa Civil de Dilma, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), Delcídio Amaral (MS) e Lindbergh Farias (RJ). O PMDB ainda oferece um ministro, Edison Lobão, das Minas e Energia, com data marcada para retornar ao Senado.

Já emparedada pela crise na Petrobrás, Dilma tem agora que enfrentar sua base, que reagirá aos vetos aos investigados para cargos públicos.

A crise justifica plenamente a explicação de Dilma para a demora na formação do ministério, dada à colega argentina, Cristina Kirschner: "Você não sabe como é difícil no Brasil". A ela, agora, pode se acrescentar uma montanha.

Luiz Carlos Azedo - O rabo de foguete

• Não apenas os empresários e executivos envolvidos no escândalo estão virando suco, as empresas também começam a derreter

Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff resolveu tirar por menos a crise da Petrobras. Avalia que recuperou a popularidade perdida às vésperas das eleições e que teria, hoje, em vez de três milhões, entre seis e sete milhões de votos de vantagem em relação à oposição. Esse seria o contingente eleitoral que havia migrado para o candidato de oposição Aécio Neves (PSDB), no segundo turno, em razão do envolvimento do PT no escândalo.

Além disso, Dilma acredita que fatura mais do que perde com as investigações da Operação Lava-Jato e que não precisa de pressa para definir a participação da base em seu governo, o que inclui não só o PMDB e o PP, mas também o PT — os três partidos que mais sangram com o escândalo. Por essa razão, também mandou a amiga Graça Foster dizer que permaneceria à frente da Petrobras, enquanto ela, Dilma, assim bem entendesse. E não encontra um substituto adequado para segurar o rabo de foguete.

A pesquisa do Ibope sobre a imagem do governo divulgada na semana passada — 40% de “bom e ótimo”, 32% de “regular” e 27% de “ruim ou péssimo” — fundamenta a crença presidencial. Essa leitura pode ser fruto das avaliações do marqueteiro João Santana ou do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, quiça de ambos, mas não importa. Dilma acredita e tem sustentado essa tese nas conversas políticas e, também, nas atitudes que vem tomando.

A soberba, porém, pode ter graves consequências. Entre a imagem do governo e o futuro imediato do país, há muito mais do que as pesquisas mostram. Dilma apostou em um modelo macroeconômico no qual o papel decisivo é a intervenção do Estado na atividade econômica. Seu vértice é formado pela Petrobras, por seus fornecedores e os principais bancos públicos e privados do pais. É aí que mora o perigo.

O cluster
A crise da Petrobras pode derivar para o colapso do modelo de capitalismo de Estado que adotou, cuja sustentabilidade depende da manutenção dos níveis de emprego, renda e consumo da população, além de um cenário externo favorável, o que não é o caso da conjuntura mundial. A Petrobras é responsável por aproximadamente 10% do PIB do país, considerando-se não somente a produção, mas também os investimentos e as obras. Sua dívida de US$ 110 bilhões compromete um terço das nossas reservas cambiais.

Ao contrário de outros setores da economia, que o governo não têm como controlar diretamente, a estatal cumpriu o papel de âncora da política de investimentos e da política industrial, ao longo do governo Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff, além de ajudar a segurar a inflação subsidiando os combustíveis. O cluster que se formou em torno da estatal, porém, acabou se transformando em um cartório empresarial corrupto e corruptor, que agora implodiu.

Devido ao modus operandi revelado pela Operação Lava-Jato, estão à beira do precipício seis das maiores construtoras do país; outras duas também podem ser arrastadas para ele, além de dezenas de empresas fornecedoras da estatal. Alguns dos principais empresários e executivos do setor estão presos, outros processados, os negócios estão parados e as empresas começam a rescindir contratos e promover demissões em massa.

Não apenas os empresários e executivos envolvidos no escândalo estão virando suco, as empresas também começam a derreter. Estão sendo rebaixadas pelas agências de risco e fundos de investimento, o que coloca em xeque a saúde financeira. Os bancos também começam a cair na real: até março vencem cerca de R$ 4 bilhões em empréstimos para as empreiteiras. O crédito para as operações do setor da construção pesada pode simplesmente desaparecer. A própria Petrobras, se não publicar o balanço até o fim do mês, terá de antecipar a liquidação de títulos que emitiu.

É ingenuidade acreditar que a Petrobras sairá ilesa desse processo, assim como os responsáveis pela gestão da empresa ao longo dos últimos anos. A narrativa oficial de que tudo está sendo apurado pelo Palácio do Planalto e que a empresa não está em risco, como vimos, não se sustenta nos fatos. Além disso, alguns dos principais responsáveis pela articulação da base do governo no Congresso estão entre as três dezenas de políticos envolvidos no escândalo. Eis mais um capítulo da crise.

Dilma Rousseff joga com o enfraquecimento dos aliados para dar as cartas nas alianças de seu governo. É um jogo de risco, pois mira o eleitorado da oposição mesmo sabendo que não terá o apoio dos representantes eleitos. De imediato, não tem o que temer quanto aos aliados em apuros, pois estão de joelhos e muitos deles certamente acabarão com o pescoço na guilhotina. Mas há de se considerar que a bonança acabou. Todos os analistas apostam que o ajuste fiscal de R$ 100 bilhões e a alta dos juros previstos vão jogar o país na recessão em 2015. É aí que a popularidade da presidemte da República pode ser volatilizada.

Bernardo Mello Franco - Choro de perdedor

- Folha de S. Paulo

O PSDB pediu à Justiça Eleitoral que anule os votos de Dilma Rousseff e entregue a faixa de presidente ao candidato derrotado Aécio Neves. A ação tem 54 páginas e um início espantoso. Afirma que a petista teve uma "pífia vitória nas urnas" e que sua legitimidade é "extremamente tênue", apesar da vantagem de 3,4 milhões de votos. Por dever de ofício, continuei a leitura.

O primeiro argumento tucano é que Dilma abusou do poder político ao convocar cadeias de rádio e TV para se promover. É verdade, mas ela já foi condenada e multada por isso.

Os exemplos citados são de março, no Dia da Mulher, e maio, no Dia do Trabalho. A campanha só começou em julho, e depois Marina Silva e o próprio Aécio chegaram a ultrapassar a petista nas pesquisas. Atribuir sua reeleição a dois pronunciamentos no primeiro semestre é uma ofensa ao eleitor, que já foi punido com a overdose de exposição dos três candidatos na propaganda obrigatória.

Algumas páginas adiante, o PSDB afirma que sindicatos apoiaram a candidata do PT. É uma acusação tão ociosa quanto dizer que bancos cerraram fileiras com o tucano.

Como provas, o texto enumera outdoors espalhados por professores mineiros em endereços como a rua 33, em Ituiutaba, e a avenida Pau Furado, em Uberlândia. Se Aécio pensa ter encontrado aí a razão do fracasso em seu próprio Estado, o PT já pode gelar o champanhe para 2018.

A ação ainda enfileira irrelevâncias como a publicação de notícias simpáticas à presidente em um site oficial e o transporte gratuito de eleitores para um comício em Petrolina.

Por fim, o PSDB cita Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras, para sustentar que Dilma foi bancada por empreiteiras corruptas. Muitas também financiaram Aécio, mas isso é o de menos. Se as denúncias forem confirmadas ao fim do processo, a oposição poderá até defender o impeachment da presidente. Tentar impedir sua posse agora, no tapetão, parece apenas choro de perdedor.

Vinicius Torres Freire - Quem é Dilma 1.5?

• Discursos da presidente e dos ministros criam ruído sobre a transição na economia

- Folha de S. Paulo

Dá o que pensar o discurso de diplomação da presidente reeleita Dilma Rousseff. Que tumulto de transmigração de alma haveria ali entre Dilma 1 e Dilma 2, que mistura adúltera de tudo, que foi sem ter ido, com nomes demais para ter um nome, como dizia o poema de Tristan Corbière? Desculpem a citação, tão mal alocada quanto o capital da Petrobras.

Na despedida, os economistas de Dilma 1 acabam de reafirmar aquilo que os economistas de Dilma 2 acabam de desdizer, com a anuência aparente das duas presidentes.

Além do mais, ao ser diplomada como Dilma 2, a presidente voltou a atribuir a críticos a responsabilidade por feitos de Dilma 1, alguns dos quais de resto reafirma.

"Temos que saber apurar e saber punir, sem enfraquecer a Petrobras... Temos que continuar apostando na melhoria da governança, no modelo de partilha para o pré-sal e na vitoriosa política de conteúdo local. Temos que continuar acreditando na mais brasileira das nossas empresas, porque ela só poderá continuar servindo bem ao país se for cada vez mais brasileira", discursou a presidente, nacional-desenvolvimentista confirmada nestas palavras, com as quais de resto chama de "entreguistas" quaisquer críticos da gestão ruinosa da empresa.

Foi a política padrão de Dilma 1 que enfraqueceu tanto a Petrobras quanto o Tesouro Nacional. Uma política de negligência com endividamentos insustentáveis, de descaso com a restrição orçamentária e desdém pela ideia de que podem existir usos mais eficientes de recursos mesmo, ou principalmente, quando tais escolhas não ratificam lendas do nacional-empresismo que entre os anos 1950 e 1980 ajudou a cimentar uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Em algumas ocasiões, em becos sem saída, Dilma 1 deu o braço quebrado a torcer: na privatização dos aeroportos, na revisão das concessões de estradas. Mas o que esta- ria se passando entre ela e seus botões, agora que aprovou ao menos um plano inicial de desmanche da política econômica do seu primeiro mandato?

Ainda que a política Dilma 1 tenha chegado a um limite evidente, segundo as ideias da própria presidente e de ministros fiéis, uns de saída, outros restantes, o caso seria de "dobrar a aposta", de dar mais remédio "anticíclico", não de dieta, de "ajuste".

Na diplomação, a presidente ofereceu "luta renovada" pela "estabilidade fundada no crescimento sustentado, no controle da inflação, no crescimento que vai se acelerar mais rápido do que alguns imaginam". Quem "imaginam"? Os que criticavam a política de Dilma 1 ou os que lamentam a "guinada ortodoxa" de Dilma 2?

Em agosto de 2013, o colunista escrevia isto, aqui: "De mãos quase atadas, pois não tem como manejar o gasto público e os juros sobem, dada a inflação persistente, o governo agora limita o diálogo público a queixas sobre o pessimismo de seus críticos ou inimigos".

"[Dilma] Não revê o seu curso apenas porque está emparedada pela eleição próxima, a qual poderia perder se mexesse a fundo na economia?... Ou teimosa e iludida acredita que foi vítima dos azares de um mundo conturbado e do pessimismo de adversários?"

De certo modo, o mistério permanece.