Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Que futuro será reservado ao país cujas
elites não recusam um projeto declaradamente autocrático?
Muitos políticos disseram que se
arrependeram de terem anulado o voto ou escolhido Bolsonaro no segundo turno de
2018. Estavam impactados pela negligência do bolsonarismo em relação às quase
700 mil mortes por covid-19, aos milhões de alunos que ficaram dois anos sem
aula na pandemia, à destruição da Floresta Amazônica, à situação de abandono da
cultura e da ciência brasileiras. Pior: houve uma reação de vários dos
arrependidos quando o presidente atacou a democracia e a enfraqueceu. A
História volta ao mesmo ponto em 2022 e boa parcela dos não bolsonaristas adere
novamente ao canto da sereia do poder ou se omite. Que futuro será reservado ao
país cujas elites não recusam um projeto declaradamente autocrático?
Trata-se de uma nova encruzilhada
histórica, cuja repetição provavelmente não dará uma segunda chance à
democracia, pelo menos nos moldes liberais que a conhecemos. O bolsonarismo não
esconde que pretende reduzir os controles institucionais e sociais sobre o
presidente, de modo a aumentar sua força para fazer grandes mudanças legais,
que vão do impeachment de ministros do STF até a alteração de sua composição,
passando talvez por uma transformação mais ousada e profunda: a revisão da
Constituição de 1988, especialmente de sua alma democrática.
O projeto de poder da família Bolsonaro e seus aliados é de longo prazo, não apenas no plano das eleições, mas na construção de uma nova institucionalidade autoritária. O caminho bolsonarista rumo a um modelo similar ao da Hungria ou da Venezuela é irreversível? Ainda há chances para evitar essa tragédia, mas antes é preciso entender sua natureza.