sábado, 9 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Privatização da Sabesp representa avanço para setor

O Globo

Só o capital privado tem condição de captar os investimentos necessários a transformar o saneamento no Brasil

A Sabesp fornece água, coleta e trata esgoto em 375 dos 645 municípios de São Paulo. É uma das maiores empresas de saneamento do mundo em população servida, responsável por 30% do investimento do setor no Brasil. Atende três das dez cidades com os melhores serviços de saneamento do país, segundo o Instituto Trata Brasil, incluindo a capital paulista, com mais de 12 milhões de habitantes. Por décadas, a Sabesp se destacou pelo tamanho e pela eficiência.

Na noite da última quarta-feira, o projeto de privatização da Sabesp, enviado à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi aprovado em sessão sem a presença da oposição, por 62 votos a favor e um contra. A oposição se manifestou não pelo voto, mas pelo boicote, pela algazarra nas galerias — contida pela polícia — e pela onda de greves nos últimos meses. Sem dúvida, Tarcísio acertou ao enfrentar as resistências. Com a privatização, a população atendida pela empresa será a maior beneficiada.

Cristovam Buarque - Um século perdido

Revista Veja

O horário integral nas escolas exige planejamento do governo

O descuido histórico com a educação faz propostas antigas continuarem atuais. Quando voltou de sua pós-graduação nos Estados Unidos, há quase 100 anos, Anísio Teixeira trouxe a ideia da escola em horário integral. Para um país que nem praticava matrícula para todos, sugeriu que a criança brasileira estudasse parte do dia em uma “escola-classe” tradicional, com quatro horas, continuando as aulas em uma “escola-parque” para arte, esporte e reforço escolar. Solução insuficiente, mas considerável avanço diante da triste realidade do sistema educacional na época.

Nas décadas de 1920 e 1930, no cargo de inspetor-geral do ensino na Bahia e depois como secretário da Educação do Rio de Janeiro, ele implantou esse modelo em forma experimental. Em 1950, quando secretário de Educação, inaugurou em Salvador o Centro Educacional Carneiro Ribeiro: uma “escola-parque” que atende no contraturno complementar 4000 alunos de quatro escolas-classe. Foi o primeiro modelo de educação integral pública no Brasil, embora ainda de forma complementar. Em 1960, repetiu a experiência em Brasília, onde até hoje há cinco “escolas-parque”. Foi necessário esperar mais de vinte anos para Darcy Ribeiro, no governo Brizola, adotar o horário integral dos Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) em parte do sistema educacional do estado do Rio de Janeiro. Dez anos depois, o presidente Fernando Collor levou os Cieps para o Brasil, criando algumas centenas de unidades desse tipo com o nome de Ciacs (Centros Integrados de Atendimento à Criança).

Pablo Ortellado - Polarização ‘calcificada’

O Globo

Entre 2010 e 2022, a variação do voto no PT nos municípios não oscila mais que quatro pontos percentuais

Acaba de sair pela editora HarperCollins o livro “Biografia do abismo”, escrito pelo cientista político Felipe Nunes e pelo jornalista Thomas Traumann. O livro é a mais importante contribuição para os estudos sobre polarização política no Brasil e leitura obrigatória para quem quer pensar os desafios políticos atuais. Seu principal trunfo está em fazer uso de abundante evidência empírica produzida entre 2021 e 2022 em 27 rodadas de pesquisas nacionais da consultoria Quaest, cofundada por Nunes.

Polarização política pode significar pelo menos três coisas diferentes. No passado, o conceito era quase exclusivamente usado para se referir à concentração dos votos em dois grupos — como nas situações em que, num sistema político com muitos partidos, o voto se concentrava em apenas dois. Era apenas a polarização do voto. No final dos anos 1990 e no início dos anos 2000, o termo passou também a ser usado para se referir à ampliação da divergência de opinião na sociedade civil, situação em que o apoio ou a rejeição a certas políticas vai afastando os cidadãos. Essa é a polarização ideológica.

Eduardo Affonso - Controlando o passado e o futuro

O Globo

É anacrônica a pretensão descabida de medir o passado com a régua dos nossos dias, de vigiar e punir retroativamente

No ângulo mais nobre da Central do Brasil, há uma figura em bronze de autoria de Rodolfo Bernardelli, um dos maiores escultores do país. O homenageado é Cristiano Otoni, responsável pela primeira ferrovia brasileira.

Despeça-se dela — da estátua, não do que restou da nossa malha ferroviária. Em breve, ela pode ter o mesmo destino do busto do Padre Antônio Vieira (por enquanto na PUC) e de uma centena de outras obras de arte.

Sim, o “pai das estradas de ferro” e o “imperador da língua portuguesa” estão para ser apeados de seus pedestais. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro proibiu “manter ou instalar monumentos, estátuas, placas e quaisquer homenagens que façam menções positivas e/ou elogiosas a escravocratas, eugenistas e pessoas que tenham perpetrado atos lesivos aos direitos humanos, aos valores democráticos, ao respeito à liberdade religiosa e que tenham praticado atos de natureza racista”.

Carlos Alberto Sardenberg - Quem? Lula?

O Globo

Capacidade de mediação do Brasil é zero. A menos que exerça pressão incisiva que leve Maduro a simplesmente voltar atrás

Vamos imaginar que o governo brasileiro decidisse convocar um plebiscito para saber se a população apoia a anexação do Uruguai. Há precedente histórico. O Uruguai era a Província Cisplatina do Império do Brasil até 1825.

O Uruguai não tem petróleo, mas tem pecuária avançada, produção de vinhos melhores que os nossos, uma economia equilibrada. Supondo uma votação livre, difícil saber a escolha dos brasileiros. Digamos que seja “sim”. E que o governo brasileiro inclua a Cisplatina no nosso mapa, nomeie um dirigente do PT como interventor, substituindo o governo de centro-direita deles, e Fernando Diniz convoque Luis Suárez para a Seleção Brasileira (seria, aliás, nossa maior conquista).

Grossa provocação, não é mesmo? Nem precisaria haver movimentação de tropas, jatos voando sobre o território uruguaio, digo, da Cisplatina. O plebiscito já seria um ato de agressão.

O que faria o Uruguai? Chamaria os Estados Unidos, claro, já que brigar com o Brasil estaria fora de cogitação.

Alvaro Gribel - Fazenda entre o ruim e o menos pior

O Globo

Lula coloca a pasta de Haddad em posição difícil: mexer na meta de déficit zero de 2024 ou criar uma nova interpretação do arcabouço fiscal, para evitar bloqueios

A credibilidade do novo arcabouço fiscal pode sair arranhada por um gasto a mais de R$ 30 bilhões. O número pode parecer muito, mas, na verdade, representa 1,37% da despesa primária prevista pelo governo federal no ano que vem. Essa é a diferença entre o bloqueio máximo de recursos em 2024 defendido pelo Ministério da Fazenda, de R$ 23 bilhões, e a visão de consultores da Câmara, especialistas em política fiscal e até integrantes da base do governo, de R$ 53 bi. A pasta quer esse teto mais baixo nos bloqueios para evitar que Lula mude a meta de déficit zero de 2024, para proteger os recursos do PAC. O problema é que isso tem sido visto como uma nova interpretação sobre o arcabouço. O ideal seria que o presidente não colocasse a Fazenda nessa posição de ter de escolher entre o ruim e o menor pior. Pela quantia em jogo, o governo tem mais a perder do que a ganhar. Não vale a pena minar a confiança por R$ 30 bi.

Dora Kramer - Politização da Justiça

Folha de S. Paulo

Por enquanto, STF está ajudando o governo a infringir regras de boa governança nas estatais

lei que restringe indicações políticas nas empresas estatais vigorava sem problemas há seis anos, desde 2016, quando o PT ganhou as eleições e resolveu investir pesado na sua revogação. Tudo andava bem, as empresas apresentaram desempenho melhor sob a regra. Em tese nada aconselhava uma mudança, muito menos rumo ao retrocesso.

Na prática, porém, representava um empecilho ao que o governo do partido protagonista do escândalo da Petrobras —cenário de perigosíssimas relações entre altos funcionários, empresas, partidos e respectivas indicações políticas— considerava imprescindível ao seu projeto de poder: a ocupação daqueles postos em diretorias e conselhos de administração.

Hélio Schwartsman - Truque velho

Folha de S. Paulo

Tentativa de Maduro de obter apoio popular recorrendo a nacionalismo é punhalada em Lula

A novidade com que me deparo ao voltar de férias é ver Nicolás Maduro recorrendo a um dos truques mais velhos do mundo para agarrar-se ao poder, que é desencavar uma pauta nacionalista qualquer, transformá-la num "casus belli" contra algum vizinho e tentar transformar isso em apoio popular.

Até pode funcionar. O nacionalismo é um dos pontos fracos da nossa espécie. Quando os militares argentinos fabricaram uma manobra dessas em 1982, ao investir contra as Malvinas, conseguiram a façanha de fazer com que boa parte da esquerda platina, cujos integrantes vinham por eles sendo perseguidos e assassinados, os apoiasse na aventura. Há, obviamente, riscos. Como demonstra o caso argentino, os ditadores foram às vias de fato, perderam e foram defenestrados.

Demétrio Magnoli - História como propaganda

Folha de S. Paulo

Uso do termo 'genocídio' para operação israelense visa condenar o próprio Estado judeu

Amin al-Husseini, mufti de Jerusalém, deflagrou em 1936 a Revolta Árabe na Palestina britânica. No exílio, em novembro de 1941, redigiu uma declaração conjunta com a Alemanha nazista e a Itália fascista destinada a "resolver" a "questão judaica" no Oriente Médio "como foi solucionada na Alemanha e na Itália". O documento paradigmático continua, até hoje, a nortear os defensores da eliminação do Estado de Israel.

A guerra de 1948 nasceu da rejeição da Liga Árabe à bipartição da Palestina aprovada pela ONU. A Guerra de 1967 foi precipitada pela aliança entre Egito e Síria baseada no objetivo de supressão do Estado judeu. O Hamas, fundado com uma carta que reafirma o antigo objetivo exterminista, surgiu em campanha de terror contra os Acordos de Oslo de 1993. A guerra em Gaza representa a continuação da resistência judaica ao plano de varrer os judeus da Terra Santa formulado em 1941.

Luis Flávio Sapori e José Luiz Ratton* - A herança bolsonarista na segurança pública

O Estado de S. Paulo

A gestão que chegou ao poder prometendo ‘resolver’ a questão com uma retórica obsessiva de lei e ordem contribuiu para um agravamento sem precedentes da situação do crime e da violência no País

A segurança pública voltou a ocupar posição de destaque entre as maiores preocupações dos brasileiros. A despeito da redução dos homicídios no País desde 2018, a situação permanece muito grave. São evidentes os sinais de enfraquecimento do Estado de Direito em nossa sociedade, com o concomitante fortalecimento do crime organizado. Crescentes formas de domínio territorial por facções e milícias tornaram-se lugares comuns. A situação da Amazônia suscita preocupação especial, constatando-se a conexão entre redes criminosas mais amplas, que envolvem desde tráfico de drogas, trabalho análogo à escravidão, exploração sexual e invasão de terras indígenas até crimes ambientais como exploração ilegal de madeira e minérios, tráfico ilegal de animais e pesca predatória.

Este é o contexto herdado pelo governo Lula, que tem sido instado a retomar o protagonismo na coordenação de uma estratégia nacional de redução da violência e do crime. Não é casual o destaque alcançado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que, a despeito das controvérsias, se notabilizou pela capacidade de tomada de decisões em situações críticas. Gerenciou as inúmeras crises da segurança pública que eclodiram no decorrer do ano com firmeza e autoridade. Adotou medidas polêmicas, como a utilização das Forças Armadas no Rio de Janeiro via Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e anunciou ações genéricas para o enfrentamento do crime organizado.

Marcus Pestana* - O PISA: o Brasil diante do espelho

Tivemos a publicação dos resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o maior programa global de mensuração do nível de aprendizado e dos resultados dos sistemas educacionais em 81 países. 

Mais uma vez, o Brasil não ficou bem na foto. Ficamos entre os 20 piores em Matemática (65º.) e Ciências (62º.). E entre os 30 piores em Leitura (52º.).

Todos os países da OCDE em média tiveram piora em função da pandemia. O Brasil caiu bem menos, mas não há motivo para comemorações. 

É hora, vez por todas, de abandonarmos a retórica vazia em favor da educação brasileira e fazermos um esforço sincero de diagnóstico sobre as raizes de nosso fracasso e, a partir daí, arregaçarmos as manga desencadeando uma verdadeira revolução educacional com a participação dos governos, da sociedade, do empresariado e dos profissionais da educação. Fizemos a universalização do ensino fundamental, o Bolsa Escola – incorporado ao Bolsa Família, Planos Nacionais de Educação, etc, etc, etc. Mas entra década e sai década e os resultados não aparecem.

Cláudio Carraly* - A falsa dicotomia ideológica entre liberdade e igualdade

No cenário tumultuado do século XX, a dicotomia entre capitalismo e socialismo emergiu como uma força motriz que moldou não apenas sistemas econômicos, mas também definições fundamentais de liberdade e igualdade, enquanto os defensores do capitalismo argumentavam fervorosamente pela liberdade individual e pela economia de mercado, os socialistas buscavam uma redistribuição mais igualitária da riqueza produzida. No cerne da defesa capitalista estava a premissa da liberdade individual. Pensadores como Friedrich Hayek argumentavam que a liberdade individual era intrinsecamente ligada à economia de mercado, proporcionando escolhas e oportunidades para todos, para Hayek, a intervenção do estatal no mercado comprometeria a liberdade, resultando em um cam inho perigoso em direção à tirania do Estado.

A defesa capitalista pela liberdade tem suas raízes profundas na filosofia liberal do século XVIII, pensadores como Adam Smith e John Locke fundamentaram a ideia de que a liberdade individual é essencial para o progresso econômico e social, segundo eles, a mão invisível do mercado, guiada pela busca do interesse próprio, resultaria em benefícios coletivos. A Revolução Industrial ampliou as divisões econômicas e sociais, mas também estimulou o crescimento econômico, defensores do capitalismo, argumentaram que a intervenção mínima do Estado era crucial para preservar a economia, pois qualquer interferência representaria uma ameaça à autonomia individual. Entretanto, a realidade social testemunhou muitos equívocos dessa visão.

Alvaro Costa e Silva - Dentro da roda de samba

Folha de S. Paulo

Livro de jornalista negro iniciou historiografia do mais importante gênero da música brasileira

Você conhece o Assumano Mina do Brasil? O Mirandella, o João da Gente, o Marinho Que Toca? Ao lado de nomes mais badalados —Sinhô, Donga, Pixinguinha, João da Baiana—, são personagens de "Na Roda do Samba", de Francisco Guimarães, o Vagalume, que após 90 anos do lançamento volta às livrarias.

Filho de africanos escravizados e líder religioso da comunidade negra, Assumano vendia azeite de dendê na Cidade Nova. Cantor e compositor, Mirandella integrava o Clube dos Democráticos. João da Gente era repórter do Correio da Manhã e autor de canções carnavalescas. Também conhecido como Amor, Marinho forneceu sambas de sucesso para o cantor Francisco Alves. Para lançar seu olhar sobre a vida cultural carioca no início do século 20, Vagalume privou de intimidade com todos eles.

Poesia | O Amor - Vladimir Maiakovski

 

Música | Zeca Pagodinho - Lata d'agua