Promover uma ampla reforma no estado brasileiro, construir uma nova formação política no país e trabalhar por uma nova cultura econômica. Esses são alguns dos pontos centrais da declaração aprovada neste domingo, em Brasília, no encerramento da Conferência Caio Prado Jr, que reuniu mais de 300 pessoas.
Diógenes Botelho
Da assessoria do PPS
Promover uma ampla reforma no estado brasileiro para lhe tornar mais ágil e livre de interesses privados restritos e coorporativos; construir uma nova formação política no país, compromissada com os ideais da esquerda democrática e mais próxima das necessidades reais do cidadão; trabalhar por uma nova cultura econômica, que não se basei apenas nos interesses "frios" do mercado, mas que leve em conta o desenvolvimento com respeito ao meio ambiente e a garantia de formas concretas de redução das desigualdades sociais.
Esses são alguns dos pontos centrais da declaração (leia abaixo) aprovada neste domingo, em Brasília, no encerramento da Conferência Caio Prado Jr. Durante três dias mais de 300 pessoas, entre políticos de diversos partidos, intelectuais, sindicalistas, lideranças sociais e representantes da sociedade civil organizada debateram os rumos da esquerda e seu projeto para o Brasil.
O envento abordou meios de introduzir valores e comportamentos, particularmente de sentido ético, capazes de provocar uma revolução na cultura política do país, na forma de exercer mandatos, de ser governo e de se relacionar com a sociedade civil, tendo sempre a premissa do trato correto da coisa pública.
A conferência, organizada pelo PPS e Fundação Astrojildo Pereira, se constitui num primeiro e essencial passo para estimular a criação de um movimento amplo e sem hegemonismo capaz de construir e viabilizar soluções para os graves problemas do país. As discussões em torno disso continuam na página do evento (www.ccpj.org.br) e em seminários que serão realizados em diversos estados do país, sempre pautados pela diversidade, com a participação lideranças de diversos partidos e representantes do mais variados setores da sociedade.
"Este é um primeiro passo e que outros mais sejam dados em busca da construção de uma esquerda democrática capaz de estimular uma nova forma de fazer política e de criar uma nova perspectiva para o país. É isso que o povo brasileiro merece e precisa! ", diz o texto da declaração.
Confira abaixo a íntegra do documento.
Declaração da Conferência Caio Prado Jr.
Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele
construímos um artefato
um poema
uma bandeira
(Poema, Agosto de 1964 de Ferreira Gullar)
A Conferência Caio Prado Jr reconhece que a atual situação brasileira está a exigir que se procure defender e introduzir valores e comportamentos, particularmente de sentido ético, capazes de provocar uma revolução na cultura política do país, na forma de exercer mandatos, na forma de ser governo e na forma deste se relacionar com a sociedade civil, e no trato correto da coisa pública. Que atue a partir de doutrinas e ideais democráticos e humanistas, e identificados com as lutas pela equidade social e de gênero, pela defesa do meio ambiente, pluralidade étnica e religiosa, diversidade sexual, paz mundial e convivência pacífica entre países e povos, não interferência de um país em questões internas de outros, e contra a exclusão, as desigualdades e todas as formas de discriminação social.
É que, apesar dos diversificados esforços de partidos, correntes e personalidades, existe no país um espaço público incomodamente vazio. Daí a CCPJ propor que se trabalhe para ocupá-lo com uma esquerda democrática, republicana, identificada com a contemporaneidade, radicalmente reformista, compromissada particularmente com os social, econômica e politicamente excluídos e que esteja ancorada no regime de liberdades sancionado pela Constituição de 1988.
Por isso, a fim de corresponder ao anseio por uma cidadania plena de direitos e responsabilidades, apóia a necessidade de se discutir a centralidade e universalidade da questão democrática e suas conseqüências para qualquer agenda política no Brasil, tendo em vista que todo nosso sistema de relações sociais é profundamente viciado por padrões autoritários, desde a família, a escola, as empresas, a própria administração pública e a atividade política, e constata que sem projeto e métodos claros e transparentes, o campo da esquerda pode chegar ao poder, mas não consegue promover a mudança, isto é, ser esquerda no poder.
Dentro dessa perspectiva, propõe que se construa uma força política que tenha condições de contribuir para modernizar o conjunto da esquerda, de resto necessariamente plural, e, mais ainda, de incidir positivamente sobre todo o sistema político. Desta forma, pretende concorrer para que a extrema e contraditória diversidade de interesses e opiniões, que nasce naturalmente num país tão complexo como o nosso, tenha como um dos seus canais privilegiados de expressão a “forma partido”, sem nenhum prejuízo do amplo e rico tecido de organizações que deve caracterizar toda sociedade dotada de vida cívica democrática.
A auto-reforma das esquerdas - que nestes tempos nossos significa também “aggiornamento” - é, pois, um dos objetivos essenciais colocados por esta Conferência, uma primeira iniciativa que pretendemos dar na busca de novos rumos para o país. Já é hora de superarmos vocação autoritária da esquerda, uma vez que se baseia na incapacidade de compreender e absorver a centralidade da questão democrática.
Nestes termos, a democracia que aqui se afirma não é só um valor a que, há muito, aderimos com sólida convicção, mas também é o terreno mais adequado para a organização e a ação de mulheres e de homens, estimulando-os a ensaiar e exercitar o processo democrático na base da sociedade e no quotidiano de cidadãs e cidadãos. Pedagogicamente fundamental é se estabelecer uma correta e diferenciada relação com os movimentos sociais, evitando o aparelhismo e a partidarização das entidades.
Os recursos e os instrumentos da democracia política, por legitimarem plenamente a luta e o diálogo, o conflito e o consenso, são o método por excelência das imperiosas transformações sociais e econômicas requeridas. O eixo dessa mudança é a ampliação progressiva da democracia em extensão e profundidade. Trata-se de criar as condições materiais e políticas e gestar uma alternativa democrática que enfrente de forma positiva a atual realidade que oprime, aliena e exclui milhões de brasileiros de uma vida digna e livre. Um foco evidente da intervenção pública é a promoção ativa da cidadania.
A sociedade brasileira requer um Estado moderno que tenha nos processos democráticos e nos fundamentos republicanos a sua própria razão de ser. Ou se reforma o Estado, ou ele continuará a deformar impiedosamente as relações sociais e de poder. Por isso, o ponto central da agenda da esquerda é a Reforma democrática do Estado, necessária para retirar a máquina pública do atendimento de interesses privados restritos e corporativos, e abri-lo às necessidades de todos, submetendo-o ao controle da sociedade civil. A reforma deve ser completa, atingindo o funcionamento dos três Poderes, todas as agências do Executivo, assim como as instâncias de governo federal, estadual e municipal, tornando-as mais leves, ágeis, transparentes, reduzindo o arbítrio nas nomeações e fazendo valer o critério do mérito, em detrimento das relações de clientela. Para tanto são fundamentais a desconcentração e descentralização do poder, imprescindíveis também para que novos conjuntos de decisões sejam transferidos para as instâncias representativas locais, onde os cidadãos vivem, participam, decidem e fiscalizam.
Estas são, a nosso ver, pelo menos algumas das premissas irrenunciáveis da inadiável reconstrução das esquerdas brasileiras. E este, também, é o quadro mais geral em que se podem debater as mais diferentes soluções para as mais variadas questões tópicas.
Vivemos o fim de um ciclo – um rico período histórico, iniciado com a vitória de Tancredo-Sarney em 1985 e que parece encontrar seu fim com o Governo Lula. Vivemos seus estertores, mesmo que possam se prolongar um pouco mais no tempo, projetos diversos nascidos da resistência à ditadura e de paradigmas mundiais ultrapassados no seu tempo histórico. Um novo ciclo de desenvolvimento se torna imperioso, exigindo novas idéias, a materialização de paradigmas alternativos, enfim, um outro projeto reformador.
E esse novo ciclo no Brasil, como de resto em todo o mundo, exige repensar o modelo de desenvolvimento que deu formato ao chamado mundo moderno, em todas as suas configurações macroeconômicas. Outros critérios, que não apenas as taxas de crescimento econômico a todo custo, devem ser levados em consideração como por exemplo o respeito à sustentabilidade ambiental e à garantia de formas concretas de redução das desigualdades.
Os objetivos da Conferência Caio Prado Jr. permanecem vigentes como terreno de debate aberto aos diversos setores políticos, sociais, econômicos, e intelectuais, sobre esses aspectos fundantes da vida nacional. Ela se confirmou efetivamente como um primeiro passo para estimular a criação de um movimento amplo e sem hegemonismo capaz de construir e viabilizar as soluções para os graves problemas do país.
Essa grande tarefa nacional só será possível se articulada por forças partidárias democráticas renovadas, a começar pela esquerda, por amplos movimentos sociais, pela intelectualidade, pelos mundos do trabalho e da cultura, enfim por uma diversidade social e ideológica de quantos na sociedade brasileira almejam mudar os rumos da condução do país.
Imperioso reconhecer que, neste novo período da vida brasileira inaugurado com a Carta de 1988, infelizmente não tivemos nem temos uma esquerda dotada de agenda positiva para o conjunto do país, simultaneamente vocacionada para a luta e para o governo, enraizada capilarmente na sociedade, expressando suas demandas e reivindicações, mas em permanente ação de educação política, gerando cidadãs e cidadãos responsáveis, éticos e ciosos dos seus direitos e deveres. E também antenada com o seu entorno no continente e com o mundo em seu conjunto.
Este é um primeiro passo e que outros mais sejam dados em busca da construção de uma esquerda democrática capaz de estimular uma nova forma de fazer política e de criar uma nova perspectiva para o país. É isso que o povo brasileiro merece e precisa!
Brasília, DF, 19 de agosto de 2007 – Ano Caio Prado Jr.
Fonte: site CCPJ