O Estado de S. Paulo
A democracia digital não soterra a democracia como tal nem destrói a ‘velha política’. É um vetor de reorganização, que não virá por inércia ou mecanicamente
Há uma questão posta na mesa: se
praticamente tudo está tomado pelas tecnologias de informação e comunicação
(TICs), se a vida ficou digital, por que a política e a democracia escapariam
ilesas dessa situação?
A democracia nunca foi um regime perfeito.
Como valor, como princípio e proposta, tem seguido em frente com poucos arranhões.
Quando levada à prática, porém, quando precisa interagir com as circunstâncias
sociais concretas, esbarra em muitos desafios. Nos últimos tempos, giramos em
torno da “crise da democracia” e da necessidade de reformar os sistemas
políticos.
Com o crescimento das extremas direitas no mundo, a crise se aprofundou. Políticos autoritários, eleitos pelo voto popular, ganharam legitimidade para corroer os sistemas democráticos a partir de dentro, aproveitando-se da insatisfação social, dos efeitos da globalização, das ferramentas digitais e da desorganização das populações. As classes sociais foram engolidas pelas transformações em curso e, sem elas, os indivíduos ficaram soltos, formando multidões. Com isso, os partidos sofreram um baque identitário: já não mais conseguem atuar com referências objetivas claras nem com programas que se remetam a um ou outro grupo da sociedade. Passaram a funcionar no modo inercial, como estruturas burocráticas focalizadas exclusivamente na conquista e no controle do poder político, sem alimentar os laços que poderiam aproximá-los dos cidadãos.