Na dianteira, O congresso
• Planalto vem sendo deixado para trás por pautas de Renan e Cunha
Simone Iglesias, Cristiane Jungblut, Catarina Alencastro e Luiza Damé – O Globo
BRASÍLIA - A Lei das Estatais é o mais recente capítulo na conturbada relação entre a presidente Dilma Rousseff e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Fragilizada pela baixa popularidade e pela recessão na economia, Dilma vem sendo atropelada pela pauta frenética estabelecida por Cunha e Renan no Congresso desde fevereiro.
A medida conjunta, anunciada pelos dois, de dar ao Senado poder para sabatinar os indicados pelo governo para presidir empresas e bancos púbicos, se soma a iniciativas como o debate da redução da maioridade penal, a redução de ministérios, a PEC da Bengala que tira de Dilma a indicação de cinco ministros do Supremo, e até a reforma política, que há dois anos, no auge das manifestações populares, foi apresentada por Dilma como solução para os problemas da política nacional e acabou como mais um motivo de dor de cabeça presidencial.
Ontem, a presidente Dilma reagiu e criticou frontalmente a proposta de submeter à sabatina no Senado os presidentes das empresas estatais e de economia mista. Após o anúncio do plano safra do agronegócio, Dilma disse que a nomeação para esses cargos é prerrogativa do Executivo e prometeu avaliar o anteprojeto apresentado por Cunha e Renan.
- Vamos fazer uma coisa? Não nos precipitemos. Vamos avaliar. Todos os Poderes no Brasil têm de ser respeitados, a autonomia do Legislativo, a autonomia e a independência de todos os Poderes, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo - disse Dilma, acrescentando em seguida:
- Eu gostaria de dizer que nós consideramos que a nomeação de estatais, ministérios e autarquias é prerrogativa do Executivo.
Horas depois, o presidente do Senado rebateu, afirmando que é preciso abrir a "caixa-preta" das estatais, e negou interferência do Legislativo sobre o Executivo. O PMDB de Renan e Cunha tem assento nas principais estatais do setor elétrico.
- O papel do Legislativo é fiscalizar o Executivo, e vice-versa. O fundamental é a transparência, é abrir a caixa-preta, é dar a resposta que a sociedade está cobrando. É uma resposta do Legislativo ao desalinho das estatais, de todas, inclusive da Petrobras. Os Poderes são complementares. Não há absolutamente interferência - disse Renan.
No Senado, o ponto mais polêmico é justamente o que exige que os nomes passem pelo crivo do Senado. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), por exemplo, disse ontem ao GLOBO que apresentará hoje um projeto dos tucanos sobre a gestão das estatais, mas considerou muito radical a proposta de realização de sabatina e votação dos nomes pelo Senado.
O tucano vai apresentar proposta elaborada pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e que prevê metas de gerência para a estatais.
- Estou apresentando amanhã (hoje) um projeto que tem convergências com esse projeto (de Renan e Cunha). O nosso não chega a tanto (de propor sabatina), até para não parecer que é uma subordinação do Executivo ao Legislativo. Acho que não é isso. Mas cria instrumentos de transparência, de governança das estatais - disse Aécio.
Planalto deixou vácuo de poder
Na Câmara, o PT ficou a reboque da reforma política liderada por Temer e Cunha. Embora tenha sido parcialmente derrotado, o presidente da Câmara conseguiu aprovar o oposto da principal medida defendida por Dilma durante a eleição: a presidente queria que as empresas não mais pudessem contribuir para as campanhas eleitorais, mas Cunha conseguiu aprovar em primeiro turno a medida que coloca na Constituição a previsão de financiamento privado para partidos. E ainda sepultou qualquer chance de se eleger deputados pelas listas fechadas de candidatos, defendidas pelo PT.
O estilo demorado da presidente em tomar decisões, levou Cunha e Renan, dois dos mais hábeis políticos em atividade em Brasília, a fazer o poder atravessar a rua, do Palácio do Planalto para o Congresso Nacional. As vantagens de Cunha e Renan não estão apenas na inabilidade de Dilma, mas também no enfraquecimento do PT, que sente falta hoje de quadros fortes para liderar a estratégia do governo no Congresso e ainda sofre com o fogo amigo dentro do partido contra o ajuste fiscal.
No início do ano, Dilma e seus auxiliares preferiram romper pontes com Cunha e Renan. Numa atrapalhada articulação, comandada pelo ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) e pelo ministro Pepe Vargas, que estava no comando das Relações Institucionais, o governo atuou para eleger o petista Arlindo Chinaglia (PT) presidente da Câmara. Cunha ganhou e passou a atuar com autonomia e descolamento total do governo. Renan, de principal aliado de Dilma no primeiro mandato, passou a agir de forma independente depois de perder o Ministério do Turismo e a presidência da Transpetro.
A situação se tornou mais crítica com a investigação dos dois pela Operação Lava-Jato sobre corrupção na Petrobras. No Planalto, há uma certa resignação com o crescimento do Congresso em cima das fragilidades de Dilma.
- Ninguém gosta de perder poder, até porque nos acostumamos ao longo dos últimos mandatos a ter um Executivo muito forte. O fato é que com a queda de popularidade, o governo ficou menor do que era e, quando surge um vácuo de poder, sempre haverá alguém para se colocar neste espaço - avaliou um ministro palaciano.
A avaliação no Palácio do Planalto é que o governo foi atropelado pelo Legislativo na pauta da reforma administrativa. A Lei de Responsabilidade das Estatais já configura a segunda iniciativa dos parlamentares na seara do governo federal. A primeira foi a redução do número de ministérios.
Auxiliares de Dilma fazem um mea-culpa de que esses são temas que deveriam ser tratados pelo Executivo, mas que o governo esteve, nos últimos meses, focado em encaminhar as medidas de ajuste fiscal e em montar o plano de concessões, que será lançado na próxima semana. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, cujas funções são justamente pensar a gestão federal, vem participando de todas as reuniões do governo sobre ajuste e investimentos.
- Essa era uma agenda do governo no combate à corrupção, mas o governo estava ocupado com a pauta de investimentos - disse um auxiliar da presidente.
Petistas criticam projeto sobre estatais
O projeto do PSDB vai tratar de quatro pontos: gestão, controles, prestação de contas e supervisão de condutas. No caso de mecanismo de controle, propõe que seja realizada uma auditoria externa independente obrigatória, por empresa registrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
No caso da prestação de contas, o projeto detalha a questão da responsabilidade civil, administrativa e criminal dos administradores (diretores e membros do Conselho de Administração) das empresas estatais.
O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), acredita que pode haver vício de origem na apresentação do projeto de Renan e Cunha - ou seja, que uma proposta com tanta interferência só poderia ser apresentado pelo Executivo.
- Estamos analisando se o anteprojeto tem vício de origem, se não caberia ao Executivo apresentar e não ao Legislativo, já que é a União que tem controle das estatais e dos bancos - disse Delcídio.
Outro integrante da comissão especial, o senador Walter Pinheiro (PT-BA), disse que o projeto será alterado. Ele disse que o Senado não pode extrapolar, mas também o Executivo não pode impedir o Senado de propor ideias.
- Haverá muita mudança. Não se pode botar tramela nos outros e nem a gente não fazer nada - disse Walter Pinheiro.