(Raimundo Santos. "O sentido da esquerda na atual circunstância", texto da coletânea O centenário de Caio Prado Jr., FAP, no prelo.)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 16 de janeiro de 2010
Reflexão do dia - Raimundo Santos
(Raimundo Santos. "O sentido da esquerda na atual circunstância", texto da coletânea O centenário de Caio Prado Jr., FAP, no prelo.)
Merval Pereira :: Além das pernas
A presença das tropas brasileiras no Haiti ganhou uma dimensão muito maior agora, depois da tragédia em decorrência do terremoto. A presença brasileira já era um ponto importante da política externa brasileira de estender a liderança regional do país para a América Central, em uma situação diametralmente oposta à da ação brasileira em Honduras, por ocasião da deposição do presidente Manuel Zelaya.
Naquela ocasião, embora partindo de um pressuposto correto de que não se deve mais aceitar golpes militares na região, o governo brasileiro deixou de lado as peculiaridades do ocorrido, fazendo vista grossa para o fato de que o presidente eleito tentara, ele sim, um golpe para permanecer no poder além de um mandato, o que é vedado como cláusula pétrea na Constituição hondurenha, e embarcou numa aventura chavista.
A tentativa de estabelecer um fato consumado com a volta ao país de Zelaya, acobertado pela embaixada brasileira, não deu certo, e a política externa brasileira, numa tentativa canhestra de ampliar sua influência na América Central, acabou ficando sócia do fiasco de Chávez.
Agora, no Haiti, onde estamos desde 2004 fazendo um trabalho realmente importante e com frutos visíveis, temos uma boa oportunidade para reafirmar nossa importância regional.
Curioso notar que o trabalho do Exército no Haiti, que tanto orgulho nos dá como brasileiros, fica em evidência justamente agora quando se discute no país o papel do mesmo Exército na repressão política durante o regime militar e a necessidade de serem abertos os arquivos das instituições militares no período, e do esclarecimento de situações ocorridos naqueles "anos de chumbo".
A mesma instituição está em destaque nas discussões da sociedade civil, por motivos completamente distintos, o que talvez deixe patente que a sociedade como um todo não tem dificuldade em se orgulhar de seu Exército, e a instituição não deveria ter receio de colocar em pratos limpos situações do passado que, uma vez esclarecidas, e circunscritas a determinado período e à ação de determinadas pessoas, trarão a verdadeira reconciliação entre ela e a população.
Voltando ao Haiti, aumentou enormemente a responsabilidade brasileira, já que o país é visto naturalmente como o líder do trabalho de reconstrução.
Não são uma surpresa, portanto, as declarações tanto do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de que o Brasil fará tudo o que for possível para salvar o Haiti, como as do próprio presidente Lula, que está propenso a "adotar" o país, assumindo a tarefa de reconstruí-lo.
Eles agem dentro de uma diretriz que já vinha sendo adotada pelo Itamaraty, a de que caberia ao Brasil, a partir do momento em que decidiu aceitar o chamamento da comunidade internacional para que assumisse o comando da Força de Paz no Haiti, fazer com que essa mesma comunidade internacional se mobilizasse para ajudar no trabalho de recuperação.
Com o terremoto ocorrido, todo o trabalho de reconstrução foi literalmente abaixo. O Exército brasileiro, com o auxílio de várias ONGs também brasileiras, a mais importante delas o Viva Rio, estava assumindo inclusive tarefas de construção de cisternas para o abastecimento de água em Porto Príncipe e a organização de atividades comunitárias, como o recolhimento de lixo nas ruas e serviços básicos de higiene elementar.
Tudo voltou à estaca zero, e possivelmente terá piorado com a involução do estado de espírito dos moradores. O controle da cidade, que está sendo vítima de saques e de depredações pelo desespero dos que perambulam pelas ruas sem destino, deverá exigir muito mais empenho no momento.
O Exército, nos primeiros três anos de atuação, fez um trabalho profundo de estratégia para conseguir dominar os locais que estavam sob o comando de gangues, muitas delas formadas por antigos militares.
O trabalho exitoso dos militares brasileiros agora terá de recomeçar, pois as novas tropas que estão se preparando para assumir a missão em Porto Príncipe já têm informações de que a maioria dos integrantes dessas gangues, que estavam presos, escapou com a destruição da cadeia e do presídio de Porto Príncipe.
O ambiente desorganizado que domina a cidade só facilitará o trabalho desses bandidos, e o surgimento de novas gangues com a falta de perspectiva de futuro.
Por isso, além do controle militar da situação, as tropas brasileiras terão que ter o apoio político do Itamaraty e do governo brasileiro no sentido de garantir, nos organismos internacionais, o apoio necessário a um programa de reconstrução do Haiti.
O Brasil pode e deve assumir a liderança desse movimento de solidariedade internacional, mas não tem condições financeiras de assumir a responsabilidade sozinho.
Será preciso que aconteça agora o que vinha sendo prometido há anos sem que se transformasse em realidade: o verdadeiro empenho de países como os Estados Unidos e os da Comunidade Europeia. Por mais que queira mostrar sua capacidade de atuação, e tenha a responsabilidade da liderança, o Brasil não pode dar um passo maior que as próprias pernas.
Dora Kramer:: Serra foi a Cesar
Sob o pretexto de prestigiar o lançamento do livro Os reis dos musicais, sobre a dupla de diretores de teatro Charles Möeller e Cláudio Botelho, editado pela Imprensa Oficial de São Paulo, o governador José Serra esteve no Rio nesta quarta-feira, deixando nos presentes ao evento a impressão de que estava em plena campanha.
Estava. Não necessariamente ainda atrás de votos, mas já cuidando pessoalmente de acertar as composições estaduais mais complicadas. Saindo do lançamento do livro, Serra foi direto para o bairro de São Conrado, na casa do ex-prefeito Cesar Maia, para uma conversa pessoal que, sabe-se lá o motivo, foi divulgada como tendo sido um telefonema.
Talvez para amenizar a dimensão do fato, que revela os movimentos de José Serra já na condição de candidato a presidente e também para manter parcialmente o trato de não dar publicidade ao encontro.
Uma conversa, em si, nada espetacular em termos de notícia, considerando que ambos pertencem ao mesmo campo político e são de partidos tradicionalmente aliados.
Com sua presença, Serra queria dizer - sem precisar pronunciar exatamente essas palavras - um "estamos juntos" a Cesar. Isso significa que o DEM estará na coligação que o PSDB fará em torno do deputado Fernando Gabeira para o governo do Estado e que o ex-prefeito será, além de candidato ao Senado, um participante ativo da campanha.
O encontro teve o objetivo também de selar o fim do mal-estar provocado no ano passado pelo presidente do DEM e filho de César Maia, Rodrigo, que se manifestou a favor da candidatura do governador de Minas, Aécio Neves, e foi acompanhado pelo pai na troca de declarações algo desaforadas com Serra pela imprensa.
Não por coincidência, a visita ocorreu logo após o fim de semana em que o PSDB do Rio bateu o martelo com Fernando Gabeira e permitiu aos tucanos a abertura de um palanque competitivo para a candidatura da oposição no terceiro colégio eleitoral do País, com mais de 11 milhões de votantes.
Oficialmente a coalizão ainda depende de acertos nas chamadas "regras do jogo". Mas, na realidade, o arcabouço da coalizão já está montado. Será integrada pelo PSDB, PPS, PV e DEM, embora a entrada deste último seja ainda falada em termos de dúvida.
Não há nenhuma e a ida de Serra à casa de Cesar dirimiu alguma que porventura houvesse.
Essa aliança dará a Gabeira de 6 a 8 minutos no horário eleitoral, dependendo ainda das definições do PTB, PDT e PP. A expectativa é a de que o PTB siga com Gabeira, o PDT com Garotinho e o PP fique com Sérgio Cabral.
O vice de Fernando Gabeira será alguém do PSDB, o que soluciona em parte a questão da divisão do palanque nacional. Ficou combinado que Gabeira fará a campanha de Marina Silva, candidata a presidente pelo partido dele, o PV.
O que se pensa é em reservar parte do programa para que o vice do PSDB peça votos para José Serra. Nos outros atos de campanha, Gabeira terá material de Marina e os demais integrantes da coligação distribuirão propaganda de Serra.
No mais, a despeito de algumas questões de aparência ainda a serem resolvidas do lado do PV - a companhia do DEM é uma delas -, o negócio é bom para todos os lados.
O PV ganha um nome a governador de expressão nacional, o PSDB, o PPS e o DEM até então órfãos, garantem uma candidatura competitiva, a oposição a Sérgio Cabral assegura realização do segundo turno e Marina e Gabeira passam a dispor de estrutura até então inexistentes.
Aliança informal
Houve realmente quem propusesse no PSDB uma aliança com o ex-governador Anthony Garotinho. Como a ideia era fruto do desespero com a ausência de nomes viáveis, morreu antes de nascer de fato quando Gabeira aceitou encabeçar a aliança.
O que existe agora é um acordo tácito de apoio mútuo no segundo turno. No primeiro, será cada um com seu cada qual e todos contra o governador Sérgio Cabral.
As armas
Cada um luta com a munição que lhe é mais conveniente. O PT ataca o PSDB na seara ideológica e os tucanos contra-atacam no campo do Código Penal.
Ao comentar a declaração - "esquerda somos nós" - do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, o assessor especial da Presidência da República e coordenador do programa de governo da candidata Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia, disse que o PSDB é, na verdade, "o partido da direita".
Na tréplica, Guerra pede a Garcia que explique, afinal, de onde veio o dinheiro para comprar o chamado dossiê dos aloprados.
Em 2006 quando a Polícia Federal flagrou petistas num hotel de São Paulo com R$ 1,7 milhão para comprar um dossiê contra o então candidato ao governo do Estado, José Serra, Marco Aurélio Garcia era o coordenador da campanha da reeleição de Lula.
Villas-Bôas Corrêa :: A testemunha oficial da tortura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece mais perdido do que míope que esqueceu os óculos na polêmica que envolve os militares e a oposição e raspa na opinião pública na precipitada jogada política do azarado Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH). A reação fardada levou o presidente à obediência à meia-volta volver dos exercícios militares.
Mas é difícil endireitar o pau que nasce torto. Acionado para jogar água na fogueira e buscar o entendimento com os militares para evitar qualquer afronta às Forças Armadas no malfadado “programa dos direitos humanos”, o ministro Paulo Vannuchi correu quartéis, conversou com generais, almirantes e brigadeiros e não se tem a menor notícia do resultado desta romaria. Não faltou ao emissário da paz argumento para um recuo embrulhado em papel de seda. Lula quer “adequar o programa do governo em relação a alguns temas”. Ou a todos em que o recuo não ultrapasse os limites toleráveis. Um grupo foi criado às pressas para transformar as propostas negociadas com os militares em projetos de lei, para posterior envio ao Congresso no ano eleitoral, a mais desaconselhável para articulação de acordo que envolva a oposição.
A união civil dos homossexuais parece condenada ao arquivo. O governo não quer abrir mais polêmica com a Igreja e enviou os seus pombos-correio para levar o recado ao secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Barbosa. Mas a caixa de marimbondos não sossegou. Em São Paulo, protestos de vários setores da sociedade contra as alterações no PNDH juntaram centenas de pessoas em frente ao prédio do escritório de representação da Presidência da República. Reafirmaram apoio ao projeto do governo, mas não aceitam a retirada da expressão “repressão política” no texto que trata das violações políticas durante a ditadura militar dos cinco generais-presidentes.
Eis um exemplo didático da imaturidade das lideranças do governo e da oposição no teste decisivo da eleição do presidente da República, com oito anos de mandato com a dobradinha que deformou o processo oral. Não há presidente, governador e prefeito que, uma vez eleitos, não tracem planos para oito anos de mandato.
No quadro eleitoral que está sendo montado, o candidato da oposição, governador de São Paulo, José Serra, só agora assumiu sua candidatura, reafirmando que campanha só em abril, no prazo constitucional. E nesta antevéspera as raras lideranças oposicionistas que podem ser levadas a sério, parece que não se deram conta de que o debate sobre o delicado tema da tortura será tema obrigatório na campanha eleitoral. Pela primeira vez na história deste país, a candidata governista, ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, escolhida pelo presidente Lula e engolida pelo PT, é a testemunha-chave para alçar a tortura nos anos de chumbo da ditadura militar a item obrigatório em todos os atos de campanha.
Ela não tem como negar o seu passado. Nem a fuga à sua biografia é uma fraqueza do seu caráter de guerrilheira, presa e torturada em quartel em Vitória. É compreensível que ela preferisse passar ao largo de uma fase negra da sua vida de moça de 18 anos, estudante, que atendeu ao impulso de lutar contra a ditadura. Se a oposição não cuidou de apurar, em pesquisa de profissionais, todos os dados da saga da candidata, com amplas possibilidades de ser eleita com o apoio dos 82% de aprovação nas pesquisas do presidente Lula, ainda tem tempo de acordar, lavar o rosto e ir à luta. O governo arma-se com as estatísticas dos êxitos oficiais, do Fome Zero, do Bolsa Família, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Minha Casa, Minha Vida e, se não continuar de braços cruzados, da mobilização para acudir aos milhares de vítimas das enchentes que castigam o país de Norte a Sul.
Mas a testemunha da tortura dos anos de ditadura militar é a candidata de Lula, apoiada pelo PT, PMDB e um punhado de siglas que giram em torno do Palácio do Planalto com qualquer presidente ou presidenta.
Fernando Rodrigues:: O voto lulécio
BRASÍLIA - Nasceu em 2002 e cristalizou-se em 2006 um fenômeno político em Minas Gerais: o voto lulécio. Votava-se em Lula (PT) para presidente e em Aécio Neves (PSDB) para governador. Agora, em 2010, os dois integrantes desse neologismo eleitoral estarão com missões diferentes.
Petistas e tucanos teorizam sobre o voto lulécio sem Lula concorrendo a presidente nem Aécio disputando o governo mineiro.
Do lado petista, a expectativa é dupla. Primeiro, que Lula consiga dialogar com o eleitor mineiro e assim inocular sua popularidade em Dilma Rousseff na disputa pelo Planalto.
Segundo, que um candidato próprio do PT ao governo local possa representar no imaginário dos votantes o nome certo para substituir Aécio Neves.
A tarefa petista é difícil, mas a dos tucanos é igualmente complexa. A hipótese hoje mais provável no PSDB é José Serra ser o nome presidencial, e Aécio Neves, o concorrente ao Senado por Minas Gerais. Embora em público ambos prometam fidelidade eterna, não se encontra uma pessoa versada em política apostando no apoio real de Aécio para Serra na campanha.
Quando se trata de candidatos ao governo, são quatro os mais cotados. O herdeiro direto de Aécio é o também tucano e atual vice-governador, Antonio Anastasia. No PT, Fernando Pimentel (ex-prefeito de Belo Horizonte) e Patrus Ananias (ministro do Bolsa Família) querem entrar na corrida. E há o ministro das Comunicações, Hélio Costa, do PMDB e até agora líder nas pesquisas de opinião.
Nos bastidores, o PT mineiro está rachado e imobilizado. O PMDB não tem segurança se Hélio Costa chega ao fim da eleição em primeiro -sobretudo com a sombra de Aécio empurrando Anastasia.
Se o voto lulécio prevalecer, os vencedores serão Anastasia e Dilma. Mas é cedo para prever. Anastasia não é Aécio, Dilma não é Lula nem política é uma ciência exata.
Hamilton Garcia de Lima:: A impotência dos tucanos
Em artigo de novembro/2009, o ex-presidente Fernando Henrique adverte-nos para o perigoso legado lulista da desmoralização dos partidos políticos na esteira do simbiótico entrelaçamento entre seu governo, os sindicatos, algumas corporações empresariais e os fundos de pensão. Comentando seu texto, o cientista político Fábio Wanderley observou, de passagem, que “o que caberia esperar de FHC como importante líder partidário, em vez da mera constatação da crise dos partidos, é antes a resposta ao desafio de como seu PSDB poderia escapar a ela e penetrar para valer o eleitorado atraído pelos despautérios lulistas”.
A observação de Wanderley é pertinente e merece ser mais bem investigada para se determinar a causa dessa incapacidade ou impossibilidade.
O balanço da atuação do PSDB na era Lula (2003-2010) é espantosamente negativo do ponto de vista da atitude de um partido de oposição, que, para voltar ao poder, deve saber explorar as falhas do adversário no governo, ao mesmo tempo que sustenta suas bandeiras programáticas fundamentais. Nesse sentido, a candidatura Alckmin (2006) foi arquetípica em termos do fenômeno que se quer aqui comentar.
As causas da impotência oposicionista tucana são muitas e continuam importantes para se tentar determinar o comportamento do partido na eleição que se aproxima. Comecemos pela formação do partido e sua ascensão ao poder nacional em 1994.
Depois de titubear entre a denúncia da corrupção no Governo Collor e o pragmatismo de conquistar espaços ministeriais em seu interior, em meio ao crescente isolamento político de seu titular depois do fracassado tiro anti-inflacionário, os tucanos foram arrastados pelo clamor da classe média, mobilizada pelos petistas, em prol do impedimento do presidente acusado de corrupção. Foi dessa forma quase involuntária que o PSDB veio a conseguir um lugar estratégico na coalizão de sustentação do vice Itamar Franco, que assumira em lugar de Collor. Graças à resistência petista em assumir suas responsabilidades no novo governo de coalizão que se formava, os tucanos gozaram de um confortável espaço político para implementar o Plano Real e, assim, pavimentar a espetacular vitória na eleição de 1994, atropelando o favoritismo de Lula.
A verdade, todavia, é que o partido parlamentar, nascido da costela progressista do PMDB na Constituinte de 1986, não tinha em seu DNA uma estrutura popular própria capaz de lhe garantir tal espaço a partir de uma densidade político-social construída de baixo para cima, devendo seu sucesso mais à competência técnica de seus quadros e à incapacidade de parcela majoritária da esquerda de exercer um papel positivo no período democrático — o PCB conseguira dar esse passo já em 1967, mas, além de mortalmente golpeado pelo aparelho repressivo nos anos 1970, assessorado pela CIA, entrou em crise no período da redemocratização em meio à percepção restritiva de que tal virada dependia de relações carnais com o liberalismo-social, condição essa que aniquilaria o capital político dos comunistas como partido antissistema.
A hegemonia tucana à esquerda, desse modo, era mais garantida pela incapacidade dos petistas de progredirem nessa direção — a própria vitória de Collor em 1989 pode ser vista por esse prisma, já que o PT não foi capaz de adaptar os ideais históricos da esquerda (reformas de base) às novas condições da crise do Estado autoritário —, do que por uma tomada de posição ativa do PSDB em ocupar esse espaço através de uma aliança com o PCB e o restante da esquerda democrática. Dessa forma, a hegemonia tucana começa a ruir no momento em que Lula convence o PT, no final dos anos 1990, depois de duas acachapantes derrotas eleitorais para FHC, de que o poder só seria acessível por meio de uma guinada ao centro.
A manobra lulista até hoje não foi suficientemente entendida pelos tucanos, que, desde então, perderam o rumo e só não são superados eleitoralmente pela incapacidade ainda maior dos conservadores de reconquistarem seu lugar no proscênio partidário nacional. Mas o que é necessário destacar é que tal desnorteamento se vincula umbilicalmente à inapetência tucana e de seu ideólogo maior, FHC, de superar sua aversão à política de massas e adotar uma postura menos “cardinalícia” e mais militante na construção de uma centro-esquerda democrática, revertendo a desvantagem estrutural de seu DNA elitista-parlamentar.
Colada a essa incapacidade genética de desenvolver uma organicidade popular autônoma no seio da organização partidária e, por consequência, de mobilizar diretamente seus adeptos na luta por um programa, o partido adquiriu uma deficiência volitiva mais geral, ligada à incapacidade de sustentar seu próprio programa de maneira aberta e clara. Por medo de desagradar a opinião pública — que, na verdade, se define no processo, como bem vimos no referendo de 2005 (lei do desarmamento) —, o PSDB abre mão de interpelar programaticamente os eleitores na direção que lhe parece mais correta, o que acaba por facilitar as coisas para o PT — engendrando a famosa profecia que se autorrealiza —, cujas estruturas mobilizatórias foram em parte preservadas mesmo depois dos desastrosos escândalos desde 2005 (mensalão, aloprados, etc.).
De outro lado, a forma de difusão programática que conseguem residualmente fazer é pré-partidária, estando ligada quase exclusivamente à defesa dos governos de seus principais líderes — não por acaso, os Democratas definham diante da escassez de governadores. Desse modo, tanto Serra quanto Aécio fazem da administração de seus estados o fio condutor de seu programa, não obstante nenhum presidente desde a redemocratização ter sido escolhido por esse critério.
Vejamos: Tancredo foi eleito pelo colégio eleitoral parlamentar de então por ser um expoente moderado das oposições ao regime militar, e não por seu desempenho no Governo de Minas (1982-84); Collor, em 1989, venceu agitando a bandeira do fim da inflação (o “tiro certeiro”), da desburocratização (caça aos marajás) e da abertura comercial do país (crítica às “carroças nacionais”), com alusões marginais a seu Governo em Alagoas (1986-89), mais lembrado pela oposição do que por sua própria campanha; Cardoso foi consagrado em 1994 e 1998 pelo sucesso de seu Plano Real, que, lastreado pela paridade cambial, facilitou a abertura comercial, as privatizações e, acrescido de programas sociais como o Bolsa Escola e o Comunidade Solidária, ajudaram-no a projetar uma imagem de modernizador preocupado com a equalização social, e não por seu desempenho puramente administrativo no Ministério da Fazenda de Itamar; Lula, enfim, agregando ao Real uma política de crescimento via produção (formalização do emprego) e aprofundando o engajamento do Estado na equalização social (Fome Zero/Bolsa Família), foi vitorioso em 2002 e 2006 sem ter nenhuma experiência administrativa anterior para exibir.
Dessa maneira, o PSDB tenta defender suas bandeiras históricas de viés, “costeando o alambrado”, como diria Brizola, com medo de ser contaminado pela impopularidade de FHC, erro que, tudo indica, continuará cometendo em 2010. Com base nisso, pode-se dizer que os tucanos foram aprisionados numa espécie de caverna platônica, de onde só podem avistar as sombras de seu antigo programa, agora sob a aparência fantasmagórica de uma projeção que anima a hegemonia petista sobre a centro-esquerda e a massa despolitizada das cidades e dos campos.
O quadro tem algumas semelhanças com as dificuldades da UDN diante do eixo populista (PSD-PTB) nos anos 1940-60, não obstante os udenistas terem sido, ao contrário dos tucanos, exímios defensores de suas bandeiras históricas, por terem, em seu DNA, estruturas capazes de organização pelo menos dos estratos médios e mais elevados da população. Até por isso, diante do fracasso histórico da UDN em chegar ao poder por moto próprio, os tucanos, incapazes de abordar criticamente sua própria trajetória eleitoral, lançam-se na paranoica tentativa de eludirem-se a si mesmos, na esperança de serem lembrados pelos eleitores como outra coisa mais familiar, o que pode ser entendido como o prenúncio de uma transfiguração do tipo janista ou collorista — que acometeu a UDN em 1960 e quase o fez com o PSDB em 1990.
É nessa chave que devemos entender a impotência de Fernando Henrique — e dos tucanos —, apontada por Wanderley, em apresentar saídas para o partido retomar a iniciativa e sustentar sua pretensão de voltar ao Planalto Central. Diante de uma sociedade que experimenta grandes mudanças, desde os anos 1970, os tucanos se revelam um partido covarde, apequenado diante do desafio de coligir argumentos que venham acompanhados de sinalizações de mudanças para o país.
A fórmula do “bom governante”, tocador de obras e formulador de políticas despolitizadas não pode e não vem sendo a marca das disputas presidenciais, por ser o Brasil um país de modernização inconclusa que demanda soluções macropolíticas para seus problemas históricos. Sem entrar no mérito político das políticas públicas levadas a cabo por Lula e sem considerar a necessidade de travar a disputa pelo legado do progressismo no país — mesmo que seja no sentido da superação do Governo FHC —, não resta aos tucanos outra saída a não ser torcer quase passivamente para que o destempero emocional de Dilma emerja em 2010 com a força que vitimou Ciro Gomes em 2002.
Mesmo assim, é preciso lembrar que em 2002 Serra, mesmo consagrado como bom gestor da saúde, não foi capaz de aproveitar os tropeços dos adversários para se colocar na dianteira, tendo sido preterido por um Lula (“paz e amor”) determinado a escapar da armadilha de líder radical em que os conservadores o haviam aprisionado desde a fundação do PT (1979); e, assim, Serra quase foi solapado por Garotinho na disputa pelo 2º turno. Mesmo que Dilma faça o jogo dos tucanos em 2010, como Lula o fez em 1994/1998, é possível que Serra não seja o beneficiário, se sua campanha se mantiver norteada pela ideia de bom Governador de SP — tal como outrora Alckmin, o bom Prefeito de SP —, sem entrar a fundo no debate sobre os problemas nacionais de modo a se reapropriar do Real a partir de uma crítica às insuficiências da política econômico-social dos petistas e mesmo de FHC. E se nesse caminho encontrar pela frente qualquer outro candidato capaz disso, empalmando bandeiras nacionais que venham ao encontro das expectativas da maioria dos eleitores, então aí as chances serão mesmo nulas.
Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor da Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense), em Campos.
Cesar Maia: Resistência parlamentar
As eleições parlamentares no Brasil ocorrem num quinto plano, como se não tivessem importância. Minimizadas pela cobertura da imprensa, ridicularizadas pelas aparições na TV e não alcançadas pelas pesquisas, os curiosos só vão descobrir o resultado da eleição proporcional com a publicação dos nomes pelos jornais no dia seguinte. Ali, um ou outro garimpa o seu candidato.
E os analistas tratam, então, graficamente, da composição do novo Congresso. Num quadro pluripartidário inorgânico como o brasileiro, se tem dito: "tanto faz". Afinal, nenhum partido chega perto dos 20% na Câmara dos Deputados. E o Executivo contrata a sua maioria.
Mas a atenção hoje deveria ser outra, com os exemplos que correm pela América Latina, que sinalizam riscos e, assim, a necessidade, em 2010 e daí para a frente, de se dar atenção muito maior às eleições parlamentares.
Na Venezuela, no Equador e na Bolívia, os políticos, os partidos, os intelectuais, os analistas e a imprensa concentraram suas atenções no líder populista, nas pesquisas indicando a sua popularidade, nos plebiscitos que propõem, nas reeleições. Com isso, os Parlamentos foram desossados. Na Venezuela, na eleição parlamentar anterior, os partidos de oposição decidiram não concorrer, e a Câmara passou a ser, literalmente, de partido único.
Com isso, esses governos passaram a tratar a lei como um ato administrativo seu e avançaram sobre as instituições, o direito de propriedade e as liberdades individuais, de expressão e de imprensa. A exceção é o Paraguai. Com a vitória inevitável de Lugo, os partidos concentraram-se na formação de um Congresso de resistência. E é exatamente aí onde as extravagâncias chavistas não conseguem avançar. Se os Kirchner se coçavam na busca de uma variante do chavismo, ao perderem, nas eleições de 2009, a maioria na Câmara e Senado, essa aventura passou a enfrentar resistências.
Aqui, os dois decretos do governo Lula, um atropelando a Lei de Anistia, outro, um pout-pourri de excentricidades autoritárias, acenderam a luz vermelha sobre as eleições de 2010. A esquerda autoritária, pós-mensalão, perdeu a hegemonia para o sindicalismo no partido e no governo. E abriu para esse as delícias dos fundos e dos conselhos de administração. E agora recobra força, mostra suas unhas afiadas com um "programa de governo", quem sabe para aplicar em 2011.
Os distraídos continuarão a concentrar toda a sua atenção na eleição presidencial. No dia seguinte, lerão nos jornais o nome dos parlamentares eleitos. Se antes tanto fazia, agora não. Eleger um Congresso com força suficiente para resistir a aventuras chavistas é tão importante quanto a própria eleição presidencial: daqui para a frente.
Cesar Maia escreve aos sábados nesta coluna.
Gabeira fecha com José Serra - Informe JB :: Leandro Mazzini
Gabeira fecha com José Serra
Com o aval do PV e de Marina Silva, em conversas de bastidores, o federal Fernando Gabeira (PV), seduzido por José Serra (PSDB), sairá candidato ao governo do Rio. As conversas de Carnaval vão delinear os rumos da campanha, visto que o PV anda reticente em alguns aspectos, como aceitar Cesar Maia na chapa.
Por ora, a chapa sugerida é Gabeira na ponta, com Denise Frossard (PPS) de vice; e para o Senado Cesar Maia (DEM) e um nome do PSDB. Pesou na decisão o fato de o financiamento da campanha verde ser tocado pelos tucanatos paulista e carioca – que podem angariar o PIB das duas capitais. Dali, ser também um agregador financeiro para a campanha de Marina Silva à Presidência. Amigos de Gabeira dizem que ele está confiante de que pode vencer a eleição.
SP-Rio
José Serra telefonou feliz da vida para o ex-prefeito Cesar Maia, assim que teve a confirmação de Marina e Gabeira. "Conversamos brevemente sobre a boa noticia do (Fernando) Gabeira", disse Cesar.
O início
Há quem diga que a conversa de Marina e Serra, num cantinho em Copenhague, conforme noticiou a coluna, foi fundamental para o início de namoro.
Serra-Marina?
Agora, uma outra: dentro do PSDB começa a crescer a ideia de fazer Marina Silva vice de José Serra. Ele adora a ideia. Ela, não se sabe ainda.
Bocar-de-urna
“Isso tem grande chance de acontecer se a eleição for mesmo plebiscitária”, disse um interlocutor de Sérgio Guerra, presidente do PSDB.
Calma, gente
E antes que alguém pense que foi Cesar Maia quem contou tudo à coluna: a cúpula do PSDB já festeja há dias.
Roberto Freire* :: Direitos humanos
"O projeto traz algumas propostas que chegam a ser estapafúrdias..."
As propostas alinhavadas no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos poderiam e deveriam ser ampliadas, dando continuidade a um projeto que vem do período de FHC, mas tornou-se mais um elemento de frustração com o governo Lula.
De modo atabalhoado, como é característico desse governo, o que se propõe é uma nova configuração institucional, fruto, não de um amplo debate no seio da sociedade, mas do desejo de obscuros grupos que ocupam a estrutura do Estado, muitos oriundos de lutas perdidas em décadas passadas, movidos por uma lógica estatizante e intervencionista que visa tutelar a vida econômica, política e social do país.
Revanchismo, sim, agora de "parvenus".
Da lavra dos conselheiros do governo Lula - que o presidente deve Ter assinado sem ler, mas certamente não desavisado - o projeto traz algumas propostas que chegam a ser estapafúrdias na sua aversão à democracia como, por exemplo, a ideia de criação de conselhos populares para controlar a liberdade de expressão e a subtração do poder dos juizes nos julgamentos dos litígios de propriedades invadidas ou ocupadas, subordinando-os a decisão de "audiências populares".
Por outro lado, se fosse verdadeiro o intuito de apurar crimes, por que até hoje o governo Lula reluta em abrir os "arquivos militares"?
Todos nós sabemos que isto poderia vir de um simples decreto presidencial, disponibilizando a referida documentação.
Sobre a anistia, desconhece-se um fato importantíssimo, que torna única nossa experiência no continente, ao contrário do que aconteceu no Chile, Argentina e Uruguai, onde a anistia foi uma farsa já que autoconcedida pelos militares ainda no poder.
Da a justa exigência de revisão. No Brasil, aconteceu uma primeira lei de Anistia em 1979, no governo Figueiredo, mas se tornou ampla, geral e irrestrita pelo voto livre dos constituintes brasileiros na Constituição de 1988.
Esse PNDH 3 até que tem aspectos que mereceriam ser discutidos e defendidos, mas, infelizmente, pela forma voluntarista com que foi elaborado e apresentado, pelas extravagâncias antidemocráticas da velha e recorrente tese da dualidade de poder dos conselhos, acaba por servir a determinados setores da sociedade que com isso ganham um amplo leque de manobra para impedir avanços e até mesmo impor retrocessos à causa dos direitos humanos.
O resultado, enfim, é que na sua quase totalidade o decreto é confuso e traz poucos elementos democráticos. Pelo contrário, o mais grave é que traz muitas ameaças para a democracia.
O governo continua devendo ao país a "verdade" - uma Comissão da Verdade deveria ser consequência -, cujo primeiro passo seria abrir plena e totalmente os arquivos e documentos do período do regime militar. E por que isto não acontece? Porque talvez isso não interesse a quem até hoje finge ser democrata para melhor destruir a democracia.
*Roberto Freire é presidente do PPS
CNBB e associações de mídia repudiam decreto de Lula
Entidades veem "intolerância" e "exacerbação" no plano de direitos humanos
Lucas de Abreu Maia e Roldão Arruda
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e representantes de entidades da área de comunicação criticaram medidas do Programa Nacional de Direitos Humanos que tratam da legalização do aborto e do controle social da mídia.
A ênfase da CNBB, que emitiu nota ontem, recai sobre as questões do aborto, dos homossexuais e da exibição de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. Os bispos classificam de "intolerante" o trecho do decreto que prevê a retirada de crucifixos desses estabelecimentos.
"A CNBB reafirma sua posição, muitas vezes manifestada, em defesa da vida e da família, e contrária à descriminalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e direito de adoção de crianças por casais homoafetivos. Rejeita, também, a criação de "mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União", pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas."
Para a direção da CNBB, o programa tem elementos de consenso, que poderiam ser implantados imediatamente. Mas também contém elementos polêmicos, de dissenso, que deveriam ser mais debatidos. "Requerem tempo para o exercício do diálogo, sem o qual não se construirá a sonhada democracia participativa, onde os direitos sejam respeitados e os deveres observados", diz o texto, assinado pelo presidente da entidade, d. Geraldo Lyrio Rocha, pelo vice, d. Luiz Soares Vieira, e o secretário-geral, d. Dimas Lara Barbosa.
O programa, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou por meio de decreto no dia 21 de dezembro, propõe o apoio do governo a dois polêmicos projetos de lei: o que descriminaliza o aborto e o que legaliza a união civil entre pessoas do mesmo sexo. A CNBB tem combatido os dois no Congresso.
O programa também continua provocando manifestações de descontentamento em outros setores da sociedade. Representantes de entidades da área de comunicação disseram ontem que estudam possíveis iniciativas legais contra medidas do programa que afetam suas atividades, caso não sejam alteradas pelo governo. "Houve uma exacerbação do que poderia ser tratado em um decreto presidencial", disse o consultor jurídico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Moura.
Para a Associação Nacional de Jornais (ANJ) o presidente da República deveria ter anunciado as alterações junto com as mudanças que fez em relação à Comissão da Verdade. "A ANJ só tem a lamentar que o governo tenha perdido a oportunidade de corrigir o erro cometido no decreto original", disse Judith Brito, presidente da entidade. "No que se refere aos meios de comunicação, a única solução é retirar o texto todo."
As entidades criticam sobretudo o dispositivo que prevê o monitoramento do conteúdo editorial dos veículos de comunicação, a fim de criar um ranking de empresas que respeitariam os direitos humanos. "Qualquer tentativa de monitorar a mídia ou de definir o que a sociedade pode ou não saber é inaceitável", disse Judith.
INVESTIMENTOS
Entre produtores rurais as críticas também continuam. O presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho, criticou Lula por ter alterado o decreto apenas em relação à Comissão da Verdade. "O governo cedeu apenas na questão militar, mas no agronegócio ainda precisa ser revisto", disse. "Na questão da propriedade privada, se não for tratada com cuidados técnicos e não ideológicos, vai afastar o investidor da agricultura." Ramalho também lembrou que as principais medidas do programa ainda devem passar pelo Congresso, onde, acredita ele, não terão apoio.
Lula: parte do decreto pode ficar no papel
O presidente Lula disse que o Planalto não é obrigado a implantar todo o programa de direitos humanos. “Parte pode ser transformada em lei, a outra parte fica no programa”. Afirmou que não haverá caça às bruxas, mas tentativa de localizar desaparecidos.
Lula sobre decreto: "Não é caça às bruxas"
Presidente afirma que governo poderá não acatar todas as propostas do Programa Nacional de Direitos Humanos
Raimundo Garrone
BACABEIRA (MA). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que não haverá caça às bruxas com a instalação da Comissão da Verdade proposta pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, e que não há por que ninguém ter medo de apurar a verdade da história do Brasil.
- Não se trata de caça às bruxas, trata-se apenas de você pegar 140 pessoas que ainda não encontraram os seus parentes que desapareceram, e que essas pessoas possam ter o direito de encontrar o cadáver e enterrar - disse o presidente, em entrevista veiculada na manhã de ontem, pela TV Mirante, afiliada da Rede Globo, no Maranhão.
Para Lula, pessoas "criam chifres em cabeça de cavalo"
Diante da polêmica desencadeada pelo programa, criticado por setores do governo, pela Igreja e por entidades que representam órgãos de imprensa, o presidente disse ainda que no Brasil as pessoas, de vez em quando, "criam chifres em cabeça de cavalo". Segundo ele, embora o Programa de Direitos Humanos seja resultado das 63 conferências nacionais realizadas por seu governo, nas quais todos os pontos foram amplamente discutidos e aprovados, isso não quer dizer que o Planalto vai aceitar tudo o que foi proposto:
- Daquele resultado do plano de direitos humanos, uma parte daquilo pode ser transformada em lei, a outra parte fica no programa.
Ainda na entrevista à TV Mirante, Lula prosseguiu:
- O governo pode aceitar tudo, pode aceitar 80%, pode aceitar 30%. Mas o que é importante é que as pessoas aprendam que, quando você joga a sociedade para fazer um debate, você não pode fazer censura no debate na sociedade. Ninguém pode ter medo da democracia exercitada em sua plenitude. A democracia é boa porque as pessoas extravasam aquilo que pensam, e depois a gente consegue construir o bom senso, que é o caminho do meio, que é sempre o que prevalece.
As conferências nacionais, de acordo com o presidente Lula, envolveram todas as áreas do governo e da sociedade como os sem-teto, que discutiram os programas habitacionais, os índios, os negros e os aposentados.
- Foram milhares de pessoas que elaboraram o programa de seus sonhos.
Ela ''se esconde'' atrás de Lula, rebate oposição
Para tucanos, candidata se interessa pelo passado porque o PT não tem proposta para o futuro
Wilson Tosta e Silvia Amorim
Lideranças do PSDB na Câmara e no Senado reagiram ontem às declarações da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que a oposição não quer comparar os governos de Lula e Fernando Henrique Cardoso na eleição deste ano porque fica incomodada com avanços protagonizados pela gestão petista no País. Os tucanos acusaram a pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto de insistir na tese de uma campanha plebiscitária por não ter proposta para os próximos anos e "se esconder atrás do governo Lula".
"Interessa a eles o passado porque o PT e o Lula não têm segurança do que a Dilma é capaz de fazer no futuro", respondeu a senadora Marisa Serrano (MS). Em uma indireta a Dilma, ela disse que quem tem de decidir o que deve ser debatido na eleição é a população. "A quem interessa comparar? Essa pergunta tem de ser feita ao povo brasileiro. Eles querem discutir o passado ou o futuro?"
O líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA), endossou o discurso da senadora. "Lula e Dilma querem se apresentar como exterminadores do futuro. Não pensam e não pensaram sobre propostas para o futuro."
Marisa disse que, em entrevista publicada anteontem pelo Estado, o governador de São Paulo, José Serra, principal nome do PSDB para a disputa presidencial, mostrou que "não vai cair nas provocações" dos adversários. O tucano disse que "candidato a presidente não é chefe da oposição" e que não vai "ficar tomando conta do governo Lula", cabendo ao partido fazer as críticas.
Para o presidente estadual do PSDB em São Paulo, Mendes Thame, Serra manda um recado para aqueles que tentam levá-lo a um debate eleitoral antecipado. "Ele foi claro. Não vai precipitar a campanha", disse.
ALIADO
O ex-prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), também elogiou a estratégia traçada por Serra para a campanha. Para ele, uma campanha do tipo "nós contra eles", como propõe o PT, pode, na reta final, ser benéfica tanto para Dilma como para Serra. Ele não concorda, porém, que Serra, recusando o discurso oposicionista, queira evitar ser visto como anti-Lula. "Ninguém é "anti" nada. Campanha se faz a favor de um projeto. Desde que esse projeto seja contraditório com o do governo, se faz a crítica."
Maia apontou o que considera flancos do governo vulneráveis aos ataques da oposição. "Para mim o governo, o PT e sua candidata ocultam um chavismo que cada vez mais põe seu rabo de fora. Os decretos contra a Lei de Anistia e dos direitos humanos, disfarçando o atropelamento da Constituição, são exemplos", criticou.
Ele concorda com Serra quando diz que é papel dos partidos, e não de candidatos, fazer oposição. "PSDB e DEM fazerem oposição é natural. Campanha é outra coisa."
O ex-prefeito, que já atacou publicamente a tese de Serra de não antecipar o anúncio de uma candidatura, disse que este é um assunto "superado" e que, com a saída do governador Aécio Neves do páreo, não há pressa para oficializações.
Aécio avisa que não receberá Lula em Juiz de Fora
Negativa de governador, que alegou compromisso, era aguardada com expectativa por ala próxima de Serra
Christiane Samarco
O governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves, comunicou ontem ao Palácio do Planalto que não recepcionará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Juiz de Fora, na terça-feira. Depois que a ministra da Casa Civil e candidata petista a presidente, Dilma Rousseff, anunciou a intenção de fazer um "roteiro sentimental" em Minas, Aécio temeu ser envolvido em um evento da campanha presidencial petista.
Cauteloso, o governador aproveitou compromissos pré-agendados para o dia 19, em Belo Horizonte, e tratou de explicar logo ao presidente Lula as razões formais de sua ausência. A negativa de Aécio era aguardada com grande expectativa pelo grupo mais próximo do governador de São Paulo e candidato tucano a presidente, José Serra.
ADVERSÁRIA
Na avaliação dos serristas, Aécio deixa claro ao Planalto que pode até fazer a corte a Lula, na condição de governador anfitrião do presidente da República, mas que não está disposto a cortejar a adversária do PSDB na corrida sucessória.
Constam da agenda presidencial dois eventos em Juiz de Fora. Às 16 horas, haverá uma visita a uma usina termelétrica que passará a operar a álcool. Em seguida, o presidente vai inaugurar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), espécie de posto de saúde mais bem equipado, para atendimento aos casos urgentes de maior complexidade.
O presidente vai desfilar ainda ao lado de sua candidata na inauguração da barragem Setúbal, em Jenipapo, e na inauguração de um centro tecnológico em Araçuaí.
Dirigentes tucanos chamam a atenção para a "fotografia" que o giro da candidata petista em Minas vai produzir. Frisam que a imagem será bem diferente daquela registrada por fotógrafos de todos os jornais e revistas em outubro do ano passado, quando Lula e Dilma fizeram um roteiro pelo São Francisco, visitando as obras da transposição do rio.
O desconforto do tucanato foi grande, diante de um Aécio sorridente , abraçado a Dilma e ao lado de Lula e do pré-candidato do PSB a presidente, deputado Ciro Gomes (CE).
PRIMEIRO SINAL
Um expoente do grupo serrista entende que o gesto do governador do segundo maior colégio eleitoral do País é "importantíssimo". Este é o primeiro sinal da boa vontade do mineiro para com o "ex-adversário" paulista, desde meados de dezembro, quando Aécio anunciou que estava desistindo da candidatura presidencial para disputar uma vaga no Senado.
Os tucanos estão convencidos de que a andança de Lula e Dilma em Minas não passa de campanha eleitoral. Por isso, ontem foi dia de comemoração para os serristas que veem na ausência de Aécio mais do que um "boicote" à movimentação da candidata petista. Partidários de Serra entendem que o gesto revela a sintonia entre os dois maiores expoentes do PSDB, na medida em que o comunicado de Aécio ao Planalto foi feito no mesmo dia em que o governador de São Paulo assumiu publicamente, em entrevista ao Estado, sua condição de candidato tucano a presidente.
Míriam Leitão :: Mercado agitado
Este ano começou animado no mercado de fusões e aquisições. Aqui e no exterior diariamente saem notícias sobre novas operações ou ofertas. A crise atingiu algumas empresas tornando-as vulneráveis ao ataque de concorrentes mais fortes, o dólar fraco aumentou as chances para companhias brasileiras no exterior. Há muitos motivos para a agitação neste mercado e desafios para os órgãos reguladores.
A crise do ano passado num primeiro momento parou todo o mercado pelo aumento da aversão ao risco e falta de crédito. Em seguida, como fragilizou inúmeras empresas, acabou abrindo oportunidades que têm sido aproveitadas por concorrentes. No agregado, o começo da crise não foi de crescimento do mercado de fusões, mas houve casos emblemáticos, como os da Sadia e Perdigão, e Votorantim e Aracruz.
No exterior, também houve casos de resgate de empresas. O real forte cria um ambiente especialmente propício para companhias brasileiras fazerem aquisições no exterior porque grupos tradicionais estão com baixo preço de ativos. As operações devem acontecer em setores de Tecnologia da Informação; Alimentos e bebidas; e Telecomunicações, segundo especialistas.
Difícil é saber o número exato de fusões de 2009. Cada consultoria tem um número. Pelos dados da Pricewaterhouse Coopers, em 2009 houve estabilidade na comparação com 2008, com 644 fusões contra 643. Já pelo balanço da KPMG, houve redução de 30%. Os números da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) são mais parecidos com os da KPMG. Segundo a Seae, foram 467 os casos de "concentração", como eles dizem, que deram entrada por lá para análise. Isso é 27% menos do que no ano anterior.
Contabilidade à parte, os números indicam que houve uma queda no começo do ano, e crescimento no final.
- A partir do segundo semestre de 2009, com a recuperação, o número de fusões voltou a acelerar e agora entramos em 2010 com a expectativa de quebrar o recorde de 721 negócios de 2007 - afirmou o economista da Pricewaterhouse Alexandre Pierantoni.
De setembro de 2008, quando começou a crise, ao fim de 2009, foram negócios bilionários. Além da fusão entre Sadia e Perdigão, criando a Brasil Foods, houve a união entre Itaú e Unibanco; a compra do Nossa Caixa pelo Banco do Brasil; a aquisição das operações do UBS no Brasil pelo banco BTG; a compra do Banco Votorantim pelo BB; da Aracruz pela Votorantim Celulose e Papel; do banco Ibi pelo Bradesco; da CPFL pela Camargo Corrêa; do Ponto Frio pelo Pão de Açúcar. E ainda a fusão entre o Pão de Açúcar e as Casas Bahia.
As operações têm criado desafios para os reguladores brasileiros. O processo de decisão sobre concentração continua no Brasil dividido em três órgãos diferentes. A Seae, a SDE (Secretaria de Defesa Econômica) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O Congresso ainda não aprovou a criação da nova agência reguladora. O secretário de acompanhamento econômico, Antônio Henrique Pinheiro, acha que a nova regulamentação será positiva.
- É extremamente positiva porque hoje os órgãos de defesa da concorrência só se manifestam depois que as fusões estão acertadas entre as empresas. Pela nova lei, haverá uma análise prévia para dizer se a fusão é possível ou não. Depois do fato ter se concretizado, haverá uma nova análise - disse.
A CVM não tem conseguido dar uma resposta satisfatória aos casos em que há dúvidas sobre vazamento da informação. O salto espetacular que houve na valorização das ações da Globex, veículo usado pelo Pão de Açúcar na operação com as Casas Bahia, é só um exemplo da impotência do órgão.
O capital nacional esteve presente em 64% das transações em 2009, com forte presença do BNDES. No caso da Perdigão comprando a Sadia, por exemplo, o BNDES financiou a operação e ainda comprou participação. A compra da Brasil Telecom pela Oi, ainda em 2008, foi financiada por um mega empréstimo do banco público.
Aqui e lá fora os anúncios de operações são quase diários. A Kraft aumentou sua oferta hostil pela Cadbury, depois de ter vendido uma unidade de pizza para a Nestlé. A Heineken anunciou a compra da rival mexicana Femsa, que fabrica a Kaiser no Brasil; Petrobras e Brasken estão negociando a compra da Quattor, que vai formar uma mega empresa na área petroquímica. Camargo Corrêa fez proposta pela Cimpor, que havia recebido oferta da CSN. Enfim, dia sim, dia não, acontecem anúncios de propostas, ofertas hostis, fechamento de operações.
No mundo, o número e o valor das transações em 2009 caiu 27% em relação a 2008, de acordo com a consultoria americana Mergermarket. Mas os processo de fusões de empresas com insolvência foram recorde histórico: 543, o que corresponde a soma dos três anos anteriores. Em valores, as operações de insolvência cresceram 370% em relação a 2008, totalizando US$95,5 bilhões.
No Brasil, em alguns setores, a crise fez com que o processo de fusões se intensificasse. Foi o que aconteceu com o setor de açúcar e álcool. André Castello Branco, sócio de finanças corporativas da KPMG, explica que as empresas do segmento estavam fortemente alavancadas porque investiram muito nos últimos anos, acreditando num boom de vendas de etanol. Quando chegou a crise de crédito, no final de 2008, a solução para muitas foi o processo de fusão.
No final de 2009, o segundo maior grupo sucroalcooleiro do país, Santelisa Vale, teve 60% da participação comprada pelo grupo francês Louis Dreyfus Commodities (LDC). No setor de carnes, a JBS Friboi foi ao exterior comprar a Pilgrims Pride, maior abatedor de frangos dos EUA.
A valorização do real e o baixo preço de muitos ativos vão levar empresas brasileiras a buscar opções de compra no exterior. Este será um ano intenso.
Bachelet faz ofensiva final em defesa de Frei
DEU EM O GLOBO
Com empate técnico entre os dois candidatos, presidente chilena decide assumir postura mais contundente
Cristina Azevedo
SANTIAGO. Com as pesquisas mostrando o ex-presidente Eduardo Frei em situação de empate técnico com o opositor Sebastián Piñera, a presidente Michelle Bachelet se manifestou de forma inequívoca nos últimos dias a favor de seu candidato, gerando polêmica e acusações de intervenção do governo nas eleições presidenciais chilenas. Numa entrevista à Rádio Cooperativa, Bachelet lançou o que os chilenos estão chamando de ofensiva final:
- Vou votar nele (Frei) porque é uma pessoa honesta, que, desde o começo, quando decidiu se dedicar à vida pública, separou os negócios de tudo - disse a presidente.
Até esta semana, apoio de Bachelet era indireto
Ninguém duvidava de que Bachelet votaria em Frei, mas, até esta semana, o apoio da presidente era feito de forma mais indireta. Sua mãe, Angela Jeria, participou de comícios do candidato da Concertação e quinta-feira à noite estava no encerramento da campanha de Frei, em La Granja. Logo após o primeiro turno, em que Piñera abrira uma vantagem de dois dígitos, Bachelet liberou ministros para se desligarem do governo e trabalharem por Frei, como sua então secretária de Governo, Carolina Tohá, que assumiu o comando da campanha. Mas, esta semana, com a distância entre os dois candidatos tendo diminuído, Bachelet foi mais contundente.
Na segunda-feira, na inauguração do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, teve Frei ao seu lado, na qualidade de ex-presidente - um argumento que não satisfez a Coalizão para a Mudança, de Piñera. E a entrevista à Rádio Cooperativa acabou publicada no site do governo, incluindo o trecho polêmico.
- A declaração foi um pouco mais além do que um presidente costuma fazer. A declaração não foi só contundente. Ela disse por que ia votar em Frei, disse que o fez como cidadã, mas não se pode separar da figura de presidente - analisou Guillermo Holzmann, professor de Ciências Políticas da Universidade do Chile.
Bachelet se referia aos negócios do empresário, que já anunciou que vai se desligar deles, mas depois de eleito. Dono de uma fortuna estimada em mais de US$1 bilhão, Piñera já passou adiante uma boa parte de suas empresas, mas manteve sua participação em quatro: a companhia aérea LAN, o canal de TV Chilevisión, um dos mais populares do país, as Clínicas Condes e o time de futebol Colo Colo - o único que afirma que manterá.
Analista da CNN acha que afirmações não terão efeito
O comando de Piñera contra-atacou, com o coordenador geral da campanha, Rodrigo Hinzpeter, acusando Frei de realizar reuniões de acionistas em sua casa quando era presidente. Numa escalada de ataques, Piñera comparou hoje a Concertação a uma pessoa que precisa de respiração artificial. As afirmações dos dois lados geraram um cenário em que não fica claro como isso poderá influenciar a votação de amanhã.
- Acho que não terá efeito eleitoral algum. Todos já sabiam que ela ia votar nele - minimizou o jornalista Tomás Mosciatti, diretor da Rádio Bio-Bio e analista da CNN Chile.