sábado, 12 de janeiro de 2019

Merval Pereira: Cenários para Bolsonaro

- O Globo

Um ambiente de negócios previsível e seguro estimula a concorrência e atrai capital externo de qualidade

Com citações da análise do historiador Jorge Caldeira e de um estudo do Ipea, além de sua experiência no campo da gestão pública, o economista Claudio Porto, fundador da consultoria Macroplan, especializada em planejamento e gestão, montou três cenários para o governo de Jair Bolsonaro que ora se inicia.

Para tanto, considerou o jogo de interesses de três grandes grupos de atores no país: os agentes econômicos, que demandam equilíbrio fiscal, crescimento sustentável e competitividade; as corporações, que reivindicam a manutenção de direitos especiais, privilégios e proteções; e a população, que hoje exige segurança, integridade, políticas e serviços públicos de qualidade e oportunidades de trabalho.

Porto alerta que não é possível superar o enorme passivo de problemas e desafios estruturais do Brasil em apenas quatro anos. Lembra que, como destaca o historiador Jorge Caldeira, na década de 1970, Brasil e China adotaram estratégias opostas de crescimento econômico.

O Brasil “mirou a economia interna e (...) previu construir, ao mesmo tempo, tudo o que faltava para o país virar uma grande potência (...) apostou no (mercado interno) e no Estado como o centro da economia (...) Já a China, país milenarmente isolado, anunciou que se atiraria aos negócios globais”. A história é conhecida: em dezembro passado, a China celebrou os 40 anos das reformas econômicas que transformaram o país na segunda maior economia do planeta, com uma extraordinária redução de pobreza.

O Brasil, desde os anos de 1980, cresce menos que a média mundial (Brasil 2,4% x mundo 2,9%). A China criou um setor privado exuberante, que aproveitou as oportunidades da globalização. Citando Caldeira, Claudio Porto ressalta que as empresas globais chinesas compram empresas brasileiras empenca.

João Domingos: Ministros classe A e B

- O Estado de S.Paulo

Problemas de Bolsonaro não são os recuos, mas auxiliares que podem entrar para o folclore

O governo de Jair Bolsonaro teve tantos recuos desde seu início que boa parte dos meios de comunicação foi às contas. A conclusão é de média de um recuo por dia. Tal situação refletiria falta de planejamento, improvisação, divergências entre ministros das áreas política e econômica, pouco diálogo entre os integrantes do primeiro escalão e o presidente da República. Quem sabe, até a existência de ministérios classe A e classe B.

Os passos atrás vão da economia à diplomacia, da assinatura de um decreto que aumentaria o IOF, anunciado pelo próprio presidente, à inexistência desse ato. Na verdade, Bolsonaro assinara a sanção do projeto de lei que prorrogou os subsídios para empresas instaladas nas áreas da Sudene e da Sudam, com veto para a extensão do benefício às companhias do Centro-Oeste.

Bateção de cabeça no início de governo não é um privilégio de Bolsonaro. Já foi registrado antes, no de Lula, principalmente, e por certo ocorrerá noutros governos que virão. A máquina é gigante, o voluntarismo se faz presente e as promessas feitas na campanha são cobradas.

Se os recuos podem passar a impressão de que o governo vive à base do improviso, eles não podem ser considerados o fim do mundo. Muitas vezes podem vir para o bem. E não há como negar que também passam a ideia de humildade. Se houve erro, que seja consertado a tempo. Portanto, Bolsonaro não precisa perder o sono porque seu governo acumula uma alta média de recuos.

Os riscos para o governo de Bolsonaro são outros. Nota-se uma clara diferença no grau de conhecimento de seus ministros em relação às áreas em que atuam. Daí, a impressão de que foram divididos em classes diferentes. Uns já teriam chegado ao generalato, caso da turma da economia e da infraestrutura; outros ainda estariam tentando se firmar como oficiais em início de carreira. Entre os últimos estaria, por exemplo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Cada vídeo com a participação dela é um desastre anunciado. No último, ela diz que os evangélicos erraram ao permitir que a teoria evolucionista entrasse nas salas de aula. Logo, seu colega da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, a rebateu: “Não se deve misturar ciência com religião”. Não se deve mesmo. Além do mais, há um sério risco de a ministra começar a ser encarada como folclore. Se isso ocorrer, suas ações serão praticamente anuladas, o que seria uma pena num ministério tão sensível.

Julianna Sofia: Com mais carinho

- Folha de S. Paulo

Despetização de comissionados lembra a moenda de Collor na caça aos marajás

Passados quase 30 anos, o Estado brasileiro ainda desconhece a verdadeira dimensão das demissões de funcionários públicos promovidas em massa pelo governo Collor (1990-1992).

A caçada aos marajás e o enxugamento da máquina administrativa levaram à defenestração de mais de 100 mil servidores sem estabilidade e celetistas contratados pela União. A revolução liberal extinguiu 24 empresas estatais, e os ministérios foram reduzidos de 23 para 12.

Em 1994, Itamar Franco assinou uma lei para anistiar parte dos desligados, mesmo sob a ameaça demissionária de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Foram readmitidos 48 mil pela nova norma, que protegia os despedidos ilegalmente —quem sofrera perseguição política ou tinha mandato sindical, por exemplo.

Ao chegar ao Palácio do Planalto, FHC revogou os processos de anistia e revisou todos os casos. Moral da história: apenas 10% dos demitidos voltaram à folha de pagamento do governo, e centenas ainda brigam judicialmente pelo posto perdido.

“Despetizar” cargos comissionados no governo Bolsonaro soa tão arbitrário —só que mais ideologizado e menos disseminado— quanto a moenda instalada por Collor. A caça às bruxas de vermelho na Casa Civil de Onyx Lorenzoni exonerou, por ora, 320 pessoas e emitiu sinal verde para outras instâncias reproduzirem o procedimento. Em órgãos como Apex e ABDI, técnicos dispensados prometem buscar a Justiça.

*Demétrio Magnoli: A verdade em fluxo

- Folha de S. Paulo

O pacto da transição, em torno da Anistia, turva até hoje a imagem da ditadura

O general Aléssio Ribeiro Souto, coordenador do plano de educação na campanha de Bolsonaro, exige dos professores a exposição da "verdade" sobre o "regime de 1964".

A confusão sobre a alteração do edital de aquisição de livros didáticos pelo MEC segue envolta em mistério. A versão modificada, depois anulada, tornava desnecessárias as referências bibliográficas.

Manuais escolares sem suporte em bibliografia seriam veículos ideais para a demanda de revisionismo histórico. Por essa via, seria mais fácil presentear o cliente (no caso, o governo) com a "verdade" que ele deseja.

Nunca, em toda a trajetória da imprensa, um jornal publicou tantas mentiras quanto o Pravda, órgão do Partido Comunista da URSS. A palavra russa significa "verdade" —e não uma mera verdade factual, mas a verdade dos justos e retos. O totalitarismo estabiliza a verdade do poder como narrativa única, intocável.

Nas sociedades abertas, porém, a verdade histórica está sujeita à disputa política e nem sempre se obtém um consenso básico sobre eventos traumáticos do passado.

A França carece de museus relevantes sobre o regime de Vichy, que colaborou com os nazistas, pois parcela significativa de suas elites aderiu ao colaboracionismo.

A Espanha não conseguiu acertar as contas com a Guerra Civil porque, na transição à democracia, conservadores e comunistas uniram-se num pacto tácito de esquecimento. Os primeiros tentavam apagar suas origens franquistas, enquanto os segundos queriam ocultar seus próprios crimes contra anarquistas e trotskistas.

Marcos Augusto Gonçalves: O desastre de Maduro

- Folha de S. Paulo

Venezuelano patrocina reeleição ilegítima e enfrenta redobrada resistência internacional

Depois de uma fase de medidas financiadas pela alta dos preços do petróleo que resultaram em inegável melhoria das condições de vida do povo venezuelano, o regime de Hugo Chávez degringolou. Não era difícil perceber que o roteiro acabaria levando a experiência bolivariana do país vizinho ladeira abaixo. Foi o que aconteceu.

Com o passar do tempo vieram o aparelhamento do setor público por apaniguados, a forte presença militar no controle do Estado e de estatais, o inchaço da administração, a demonização da livre-iniciativa, a ineficiência generalizada, a escalada da corrupção, o descontrole da inflação e a mais grave crise econômica da história do país.

A trajetória autocrática de Chávez veio a desaguar na farsa de Maduro, caricatura acabada do estúpido ditador populista “anti-imperiealista” latino-americano —que não viu Jesus na goiabeira, mas assegura ter encontrado o antecessor sob a forma de um passarinho.

Agora, depois de reprimir violentamente manifestantes, golpear instituições e encher cadeias com presos políticos, o patético líder Venezuelano patrocina uma reeleição ilegítima e enfrenta redobrada resistência internacional.

Ricardo Kotscho: Oposição está no Planalto

- Folha de S. Paulo

Enquanto presidente dá tiros no pé, partidos contrários a ele simplesmente sumiram

Com o PT e Ciro Gomes agora em guerra aberta, a maior oposição ao novo governo está dentro do Palácio do Planalto. O fogo amigo é liderado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que só dá tiros no pé e a toda hora é obrigado a recuar nas suas decisões.

Ao assumir sem um programa de governo definido, o capitão reformado anuncia medidas no varejo, tuitando em média quase dez mensagens por dia. Depois, os ministros têm de traduzir e explicar.

Entre um tuíte e outro, acabou com os ministérios do Trabalho e da Cultura, mudou radicalmente a política externa, tentou detonar a reforma agrária e o livro didático, depois voltou atrás, e resolveu parar a comitiva presidencial para comer um cachorro-quente num trailer.

Quem assumiu o papel de ventríloquo oficial foi o general Augusto Heleno, chefe do GSI, principal conselheiro do presidente desde a transição.

Em menos de duas semanas, num ritmo frenético, com sua voz cada vez mais rouca e ar cansado, general Heleno já teve que traduzir a instalação de base militar americana no Brasil, comemorada pelos EUA, a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém,mudanças no IOF e no IR e a revisão do acordo Boeing-Embraer, entre outras medidas com menor potencial de estrago.

Ricardo Noblat: A cegueira de Gleisi e do PT

- Blog do Noblat | Veja

Fatos e opiniões

Na ida para a posse de Nicolás Maduro na presidência da República bolivariana da Venezuela, disse a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT por obra e graça unicamente de Lula, seu mentor:

– Reconhecemos o voto popular pelo qual Nicolas Maduro foi eleito, conforme regras constitucionais vigentes, enfrentando candidaturas legítimas da oposição democrática. Ditaduras são regimes de arbítrio, frutos de golpes contra as instituições, como foi o caso da ditadura militar brasileira, sempre defendida e celebrada pelo senhor Jair Bolsonaro.

Na volta da posse, Gleisi bradou, estridente:

– Nenhuma surpresa as críticas dos que ignoram as razões por eu ter aceitado o convite pra posse na Venezuela. Deixar de ir seria covardia, concessão a direita. O destino da Venezuela está nas mãos do seu povo e de mais ninguém.

Maduro não foi eleito conforme as regras constitucionais vigentes. Ele violou todas as leis, como reconhecem a Organização dos Estados Americanos (OEA), pelo menos 11 países da América Latina, e mais o Canadá, Estados Unidos e a Comunidade Econômica Europeia.

Ditaduras são regimes de arbítrio, frutos de golpes contra as instituições, e nisso Gleisi está certa. Foi o caso da ditadura militar brasileira que durou 21 anos, como ela diz. Mas foi também o caso nos últimos anos da Venezuela de Maduro, como ela faz questão de negar.

Fatos são fatos, e desconhecê-los só produz equívocos, seja por ignorância ou de forma deliberada. Gleisi e seu partido poderão continuar chamando o regime da Venezuela de democrático, mas ele é justamente o inverso disso.

Sem adesão do PSDB, tucanos assumem cargos no governo

Entre os nomes confirmados para o segundo escalão de vários ministérios de Bolsonaro há até ex-assessores de Alckmin

Silvia Amorim | O Globo

SÃO Paulo - Embora o PSDB não esteja oficialmente na base do presidente Jair Bolsonaro, filiados ao partido estão embarcando em cargos do segundo escalão do governo federal.

Entre os nomes confirmados para os ministérios da Economia, Casa Civil, Cidadania e Ciência e Tecnologia há até ex-assessores do presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, candidato derrotado à Presidência no ano passado, crítico de Bolsonaro e resistente a um apoio da sigla à gestão do PSL.

As indicações de tucanos aconteceram, por enquanto, sem a intermediação do partido. Todos os quadros foram escolhidos pessoalmente pelos ministros de Bolsonaro.

Hoje, a tendência majoritária na sigla é apoiar projetos como a reforma da Previdência, mas sem fazer uma aliança automática com o governo federal — o PSDB ainda não decidiu como será seu posicionamento em relação a Bolsonaro.

Dois tucanos já tiveram a nomeação publicada no Diário Oficial. O primeiro foi o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN). Ele integra, desde o dia 4 deste mês, a equipe montada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e exerce o cargo de secretário especial de Previdência e Trabalho.

Governadores tentam empurrar o partido dividido

Flávio Freire | O Globo

Desde o final da eleição presidencial, o PSDB tem mantido neutralidade em relação à administração do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Ao mesmo tempo, mostra disposição em dar as mãos ao governo na tentativa de aprovar a reforma da Previdência, uma das principais bandeiras da nova administração federal. Também já deu sinais de que vai reforçar o apoio à reeleição do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), mais uma vez em sintonia com o novo governo.

A sintonia com a administração federal é mais visível por parte da trinca tucana de governadores eleitos — além de João Doria (SP), Reinaldo Azambuja (MS) e Eduardo Leite (RS). Líderes históricos do partido, no entanto, mantêm críticas à figura de Bolsonaro.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda antes da posse, foi contundente. Disse que o atual presidente faz parte de “forças raivosas”. Vem daí um dos motivos pelos quais muitos tucanos têm evitado, em alguma medida, dar apoio público ao presidente eleito.

A postura em relação ao governo Bolsonaro é só mais um capítulo da divisão interna no partido, presente praticamente desde a fundação da sigla, mas escancarada durante a eleição do ano passado —quando o então presidenciável Geraldo Alckmin e o candidato ao governo paulista, João Doria, antes aliados, trocaram farpas públicas e veladas. Pós-eleição, os dois chegaram a a discutir em uma reunião entre líderes do partido, quando Alckmin insinou que Doria o traiu durante a campanha.

Ao passar comando do Exército, general elogia Bolsonaro por 'liberar de amarras ideológicas'

A maior entrega de Villas Bôas é o que conseguiu evitar, diz ministro da Defesa

Thais Bilenky , Gustavo Uribe e Rubens Valente | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao se despedir do comando do Exército, nesta sexta-feira (11), o general Eduardo Villas Bôas afirmou que a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência trouxe uma "liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre pensar" no país.

"O senhor traz a necessária renovação e a liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre pensar, embotaram o discernimento e induziram a um pensamento único e nefasto", disse, dirigindo-se ao presidente, presente à solenidade.

O general Edson Leal Pujol assumiu o comando do Exército depois de quatro anos da gestão de Villas Bôas, que passou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e uma crise política e econômica severa.

Segundo Villas Bôas, Bolsonaro fez com que despertasse no país um sentimento patriótico "há muito tempo adormecido".

Referindo-se ao presidente, ao ministro Sergio Moro (Justiça) e ao general Braga Netto, que conduziu a intervenção federal no Rio, Villas Bôas afirmou que "três personalidades se destacaram para que o 'Rio da História' voltasse ao seu curso normal. O Brasil muito lhes deve". Para ele, "todos demonstraram que nenhum problema no Brasil é insolúvel".

Moro, ex-magistrado que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi, em sua visão, "protagonista da cruzada contra a corrupção ora em curso".

No ano passado, às vésperas do julgamento do petista no STF (Supremo Tribunal Federal), o general afirmou que repudia a impunidade. A frase foi criticada por ter sido interpretada como uma pressão sobre a corte.

CUT armada: Novo chefe do Exército quer militares fora da reforma

Novo comandante do Exército diz que militares devem ficar fora da reforma da Previdência

Edson Leal Pujol, que vai suceder Eduardo Villas Bôas, também afirmou que militares são disciplinados e irão cumprir o que for decidido pelo governo e pela sociedade

Julia Lindner | O Estado de S.Paulo

O novo comandante do Exército, Edson Leal Pujol, considera que os militares devem ficar fora da reforma da Previdência. Ele destacou que os militares não fazem parte do sistema previdenciário e possuem "situação diferenciada". Pujol conversou com a imprensa após cerimônia de troca de comando do Exército, antes liderado por Eduardo Villas Bôas. Como é de praxe, apenas Villas Bôas discursou durante o evento.

"Primeiro ponto, que é constitucional, os militares não fazem parte do sistema previdenciário, como na maior parte dos países do mundo. É uma situação diferenciada. Nós temos uma diferença muito grande de qualquer outro servidor público ou servidor privado. Nós não temos hora extra, não temos adicional noturno, não podemos nos sindicalizar", justificou Pujol.

Questionado se os militares devem ficar fora da reforma, ele disse que sua intenção, como comandante do Exército, é que não se modifique o sistema de aposentadoria do Exército. "A nossa intenção, minha como comandante do Exército, claro, [é que] nós não devemos modificar o nosso sistema, se perguntarem a minha opinião como comandante do Exército."

Pujol afirmou que "há uma confusão muito grande porque as Forças Armadas não fazem parte do sistema de Previdência Social". Ele argumentou que a separação está definida na Constituição. "Então, tudo que se fala a respeito de Previdência Social não se refere aos militares. Este é o primeiro princípio legal que nós temos que pensar. O resto é pensar qual a disposição do governo em mudanças nisso aí, mas tem que passar primeiro pela Constituição."

Míriam Leitão: A emocionante história do BC

- O Globo

Registro dos primeiros 50 anos do Banco Central mostra períodos de crises da dívida, quebra de bancos, hiperinflação e reformas monetárias

Sentado na primeira fileira do auditório do Banco Central no Rio, Roberto Campos Neto viu passar pela sua frente flashs da história da instituição que deve presidir. Ex-presidentes contaram momentos dramáticos e decisões difíceis, crises da dívida, quebras de bancos, hiperinflação, reformas monetárias. Ao longo das falas no seminário ontem sobre a História Contada do Banco Central, ficou clara a dimensão da instituição.

Ilan Goldfajn, o atual presidente, resumiu ao fim da tarde e de três painéis mediados pela jornalista Claudia Safatle, do “Valor”, a evolução que houve:

— Não se fala mais de negociação da dívida externa, que foi o assunto dos primeiros depoimentos, porque ficou para trás. Espero que a inflação também tenha ficado para trás. Temos independência de fato, mas não temos ainda de direito. O assunto fiscal permanece conosco.

O BC foi criado por lei em 31 de dezembro de 1964, mas começou oficialmente em 1965. Completa 54 anos em 2019, mas o evento era para lembrar o registro histórico dos primeiros 50, que começou a ser feito com o CPDOC, em 1989, e foi retomado no período de Alexandre Tombini e completado agora com Ilan.

Ernane Galvêas, aos 96 anos e lúcido, contou que o BC foi filho da conferência que organizou o mundo monetário após a 2ª Guerra Mundial:

— Bulhões voltou de Bretton Woods com essa ideia de que o Banco do Brasil não podia ser a autoridade monetária.

Carlos Langoni foi presidente no começo dos anos 1980, quando estourou a crise da dívida externa que arruinaria a década. O Brasil não tinha dólares, créditos, nem petróleo:

— O presidente Figueiredo me chamou e disse: ‘pode negociar com os bancos, mas não deixa haver racionamento de combustível’.

Jorge Castañeda: Bolsonaro versus Maduro

-The New York Times | O Estado de S.Paulo

As características pessoais e políticas desses dois líderes recém-empossados são uma receita para o desastre

Jair Bolsonaro foi investido como novo presidente do Brasil na semana passada. Nicolás Maduro, que assumiu a presidência da Venezuela em 2013 após a morte de Hugo Chávez, tomou posse para um segundo mandato na quinta-feira. As duas investiduras ilustram as ameaças enfrentadas pela democracia, pelos alinhamentos internacionais e a unidade da América Latina.

Bolsonaro é um ex-militar de direita com um histórico de declarações incendiárias sobre todos os assuntos, desde os direitos dos gays às mulheres, aos afro-brasileiros e Donald Trump.

Ele foi eleito numa onda de sentimento antissistema e anticorrupção no Brasil, e também por causa do desalento dos cidadãos com o número recorde de crimes (embora sua família já tenha sido acusada de corrupção). Ele de imediato entrou em atrito com outros líderes latino-americanos – cancelando os convites a Maduro e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, para participar de sua posse – e praticamente rompeu relações diplomáticas com Venezuela.

O ministro venezuelano do Exterior, Jorge Arreaza, afirmou que Maduro jamais pensou em ir à posse de Bolsonaro. Por outro lado, poucos convidados participaram da investidura de Maduro. O Grupo de Lima, a União Europeia e vários países rejeitaram reconhecer a legitimidade de sua reeleição. Somente cubanos, bolivianos, nicaraguenses e salvadorenhos estiveram presentes, entre os convidados latino-americanos.

Além de sua eleição fraudulenta, Maduro violou flagrantemente os direitos humanos, levou a economia venezuelana ao colapso e criou uma crise humana que obrigou quase 3 milhões dos seus compatriotas a buscar o exílio. Com os preços em queda do petróleo, única fonte de exportação da Venezuela, o país mergulhará ainda mais no caos.

As características pessoais e políticas desses dois líderes, investidos no cargo com diferença de dias, são uma receita para o desastre.

Bolsonaro, embora democraticamente eleito, tem demonstrado inclinações autoritárias. Prometeu que tornará mais fácil para policiais e soldados atirarem contra suspeitos armados e defende a restauração da pena de morte. E afirmou que assinará decreto permitindo que todos os que o desejarem no Brasil comprem uma arma, incluindo as automáticas. O que basicamente armará toda a população.

Ameaçou também retirar o Brasil do Mercosul – bloco comercial que inclui também Argentina, Uruguai e Paraguai e do Acordo do Clima assinado em Paris. Deixou o plano de migração votado em Marrakesh. O seu chefe de gabinete, Onyx Lorenzoni, prometeu limpar o governo de todos os funcionários “com ideias comunistas e socialistas”, referindo-se a membros do Partido dos Trabalhadores dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

E, pior ainda, o novo presidente extinguiu todas as agências que tratam de matérias ligadas à comunidade LGBT, que não mais figura entre as protegidas pelo Ministério de Direitos Humanos.

Maduro, por seu lado, militarizou todas as instituições da Venezuela. Distribuiu armas automáticas a suas milícias e grupos paramilitares conhecidos como “colectivos”. Continua a sustentar Cuba, Bolívia e Nicarágua com dinheiro do petróleo e novamente fez aumentar as tensões com a Colômbia: o novo presidente colombiano, Iván Duque, acusou a Venezuela de “enviar assassinos para matá-lo”.

Alvaro Costa e Silva: Os galinhas-verdes

- Folha de S. Paulo

Falta um repórter como Joel Silveira para retratar os novos integralista

Agosto de 1937. Joel Silveira morava em frente à sede nacional da Ação Integralista Brasileira, em cujo balcão do terceiro andar postava-se Plínio Salgado, camisa verde, braçadeira com o sigma, braço erguido e mão direita espalmada para cima, esgoelando-se em infindáveis discursos. “Anauê! Anauê!”, vibrava o povo lá embaixo.

No esplêndido livro de memórias “Na Fogueira”, Joel não só retrata o líder integralista como dá testemunho dos acontecimentos políticos de então, que não poderiam ser mais imprevisíveis. Os camisas-verdes e os comunistas se enfrentavam nas ruas a socos e pedradas, e a Polícia Especial de Filinto Müller se aproveitava para baixar o sarrafo em todo mundo, até em quem nada tinha a ver com a história. Valendo-se da confusão, Getúlio deu o golpe que instalou o Estado Novo.

Logo a censura mostrou suas garras. O Departamento de Imprensa e Propaganda passou a dispor do controle de importação do papel linha d’água, utilizado por jornais e revistas. Péssima notícia para o repórter Joel, que se defendia com biscates, pulando de uma Redação a outra e vivendo em pensões. Por sorte, numa delas ele encontrou uma quarentona de seios fartos, que se compadeceu do jovem sergipano em necessidade (na época, pesava só 52 quilos e usava bigodinho).

Na revista Dom Casmurro, conheceu Graciliano Ramos (de quem se tornou amigo), Jorge Amado, Oswald de Andrade, José Lins do Rego, Marques Rebelo, Murilo Mendes, Aníbal Machado, Álvaro Moreyra. E havia o bar 49, na Lapa, onde o chope, geladíssimo, custava 400 réis!

Tempos interessantes aqueles vividos por Joel Silveira. Os nossos também estão prometendo. Até o movimento integralista está de volta, como mostrou reportagem de Marco Rodrigo Almeida na Folha. Seus líderes não usam mais uniformes. Ao menos em público. Melhor assim: serem chamados de galinhas-verdes era uma crueldade.

Itamaraty tende a ser aparelho ultranacionalista: Editorial | O Globo

Reforma no ministério permite ‘assessores especiais’ que não sejam diplomatas de carreira

O Ministério das Relações Exteriores de Jair Bolsonaro, sob o comando de Ernesto Araújo, vai no rumo do que foi a pasta nos governos do PT, sendo até mais radical em alguns aspectos.

O PT, por exemplo, escolheu nos quadros do próprio Itamaraty pessoas com afinidades ideológicas para tocar o ministério, como Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, e plantou no Planalto, na assessoria do presidente da República, o especialista em política externa e militante Marco Aurélio Garcia.

Já Bolsonaro e Araújo indicam desejar ir mais longe. É oques e entende da reforma do ministério baixada por decreto que, além de criar secretarias nos moldes do que os novos donos do poder pensam —por exemplo, a Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania—abriu vagas para três “assessores especiais” de fora da carreira diplomática. Nada impede que abram outras mais. Foram mais ousados que o lulopetismo nesta nítida operação de aparelhamento, em uma carreira de Estado. Por certo, avançarão em mudanças curriculares na formação dos profissionais. Se Samuel Pinheiro Guimarães fazia listas de livros de autores de esquerda para leitura dos diplomatas, o governo Bolsonaro deve ir mais fundo, pelo visto.

Some-se a isso a defesa de bandeiras ultranacionalistas bema o gosto da extrema direi taque avança na Europa (Hungria, Polônia, Itália) e apoia Trump nos Estados Unidos.

Uma âncora para o governo: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com inflação muito bem comportada, o presidente Jair Bolsonaro poderá governar nos próximos meses sem se preocupar com os preços no varejo ou com o risco de um aperto no crédito. Complicações de preços ou juros, se surgirem, virão provavelmente do exterior ou de algum tropeço mais sério da nova administração federal. Referência principal para a ação do governo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,15% em dezembro, bem menos que um ano antes, quando o aumento chegou a 0,44%. A variação apurada no fim do ano foi a menor para um mês de dezembro desde a implantação do Plano Real, em 1994. Com isso, em 2018 o indicador subiu 3,75%. O resultado ficou sensivelmente abaixo da meta oficial, fixada em 4,5% com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

Se nada excepcional ocorrer nas próximas semanas, o Banco Central (BC) poderá manter em 6,50% ao ano a taxa básica de juros. A próxima deliberação está programada para o dia 6 de fevereiro. Em vigor desde março do ano passado, essa taxa poderá vigorar ainda por muitos meses, segundo avaliação corrente no mercado financeiro. Quanto mais prolongada a calmaria na política monetária, melhor para a expansão dos negócios e para a criação de empregos.

Se isso ocorrer, a gestão das contas públicas será favorecida em dois aspectos. Em primeiro lugar, haverá aumento da arrecadação de impostos, contribuições e taxas, com um reforço muito bem-vindo para os cofres da União. Em segundo, o governo poderá continuar rolando os juros da dívida federal com o menor custo registrado em muitos anos.

Fiascos em série: Editorial | Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro coleciona erros e recuos por desatenção à experiência administrativa

Em seu início, o governo Jair Bolsonaro (PSL) se enreda em pequenos vexames diários com a pretensão de inovar antes de aprender com a administração pública.

Num exemplo que beira o caricato, o chefe da Casa Civil, OnyxLorenzoni, apressou-se a afastar mais de 300 auxiliares que ocupavam funções de confiança, a título de “despetizar” o país. Como o termo ajuda a demonstrar, o presidente e sua equipe insistem na farsa de que ainda combatem o PT —afastado do Planalto em 2016.

Por justificadas que sejam as críticas ao aparelhamento da máquina pública e ao excesso de cargos de livre nomeação no Executivo, o fato é que a maior parte deles se destina a servidores de carreira, muitos promovidos por mérito.

A medida tresloucada, portanto, teria mais chances de paralisar atividades do que de detectar algum perigoso conspirador petista. Logo se constatou, com efeito, que os trabalhos da Comissão de Ética Pública ficariam inviabilizados sem 16 de seus 17 funcionários.

Outra trapalhada, ainda mal esclarecida, se deu com o lançamento de um edital para a compra de livros didáticos sem exigências básicas de qualidade. O ministro da Educação culpou o antecessor; este negou responsabilidade. Fato é que o período de transição de governo não parece ter sido bem aproveitado numa área crucial.

Roberta Sá: Samba de um minuto

Carlos Pena Filho: Soneto da busca

Eu quase te busquei entre os bambus
para o encontro campestre de janeiro
porém, arisca que és, logo supus
que há muito já compunhas fevereiro.

Dispersei-me na curva como a luz
do sol que agora estanca-se no outeiro
e assim também, meu sonho se reduz
de encontro ao obstáculo primeiro.

Avançada no tempo, te perdeste
sobre o verde capim, atrás do arbusto
que nasceu para esconder de mim teu busto.

Avançada no tempo, te esqueceste
como esqueço o caminho onde não vou
e a face que na rua não passou.