quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

"O governo de Dilma se vê, assim, desde o seu início, confrontado pela necessidade de eliminar os ruídos que ainda lhe chegam dos tempos em que a tentação do terceiro mandato parecia atraente e de eventuais remorsos pela decisão que o recusou.

Algo dessas marcas está aí presente nesse momento do seu nascimento, reclamando que imponha logo e com precisão os rumos do seu governo.

Dado que seu mandato está de, algum modo, vinculado à herança da obra dos seus antecessores, de antemão pode-se avaliar que a aceleração do tempo não será mobilizada como recurso político. Tudo indica que, com ela e seus homens de governo, ficam para trás veleidades de uma política de modernização pelo alto, que sempre ronda a nossa história republicana com a sua tradição de autoritarismo político."

VIANNA, L.W. Dilma e os vários tempos da política. Valor Econômico, S. Paulo, 3/1/2011

Reencontro:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Os primeiros movimentos do novo governo estão explicitando uma situação política tão inusitada quanto estrategicamente previsível, com o petismo e o lulismo se reencontrando depois de alguns anos de separação forçada pelos escândalos protagonizados por uma cúpula partidária que se desmoralizou no processo de controle da máquina governista, ampliando o espaço para a atuação protagonista de Lula.

Esse retorno do petismo sufocou os partidos aliados, notadamente o PMDB, e tirou da presidente Dilma a capacidade de controlar a formação de seu primeiro Ministério.

De um lado o ex-presidente impôs a escolha de grande parte do Ministério, e de outro o partido ampliou sua presença no primeiro escalão, tirando do PMDB ministérios importantes como Saúde e Comunicações, enquanto impedia que aliados como o PSB vissem recompensados na formação do governo os votos que tiveram nas urnas.

Como compensação, num movimento que se mostrou prejudicial e insuficiente, a presidente deixou que os partidos indicassem os nomes para os ministérios, dando força às bancadas no Congresso.

Temos então um governo em que PT e PMDB disputam entre si fatias de poder sem que a presidente tenha até agora conseguido segurar seus radicais.

Para colocar ordem na casa, suspendeu as nomeações dos segundo e terceiro escalões, numa clara demonstração de que não está controlando a situação.

Dentro desse quadro em que o PT volta a se impor ao governo, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, considerado os olhos e os ouvidos de Lula no governo Dilma Rousseff, é também sua boca, através da qual o ex-presidente vem revelando suas intenções políticas.

Mas Carvalho, que já foi cogitado para assumir a presidência do PT em vários momentos de crise na legenda, é também o porta-voz do partido dentro do novo governo e como tal está assumindo o papel de tentar domesticar o PMDB e, embora de maneira indireta, a própria presidente.

Gilberto Carvalho surpreendeu a todos em seu discurso de posse afirmando que seria capaz de "se matar" por Lula, o que deu a exata dimensão de sua adoração pelo líder.

Ele não se acanha de, mesmo sendo ministro de Dilma, repetir a cada entrevista que Lula está no banco de reservas pronto para entrar em campo em caso de fracasso da titular acidental.

É como se quisesse lembrar a todo momento à sua nova chefe a quem ambos devem os lugares que ocupam.

E usa Lula também para advertir a oposição de que não se sinta muito à vontade caso o governo não vá muito bem das pernas, porque Lula estará sempre à disposição em 2014 para garantir que o PT não perca suas benesses no governo.

Embora o PT já seja conhecido como o "partido da boquinha" graças à alcunha de Garotinho, que pegou por refletir a realidade, o partido tenta recuperar a fama de puro que o elevou ao governo federal, perdida desde o escândalo do mensalão.

Visto com justiça como um partido fisiológico, o PMDB, ao contrário, tenta livrar-se da fama depois que conseguiu unir-se para levar seu presidente Michel Temer à Vice-Presidência da República.

Mas o PT não está disposto a ajudar seu parceiro a lavar seu passado político e a todo momento utiliza o argumento da moralização do serviço público para tomar-lhe lugares nos diversos escalões da administração federal.

Foi assim que os Correios, loteado entre os aliados, mas sobretudo com o PMDB, passaram aos petistas para recuperar a imagem de empresa de excelência.

Nada mais exemplar dessa postura do que a defesa de Gilberto Carvalho, em uma reunião com a presença da presidente Dilma, da permanência de Silvio Porto, indicado pelo PT, para zelar pela "boa conduta moral na Conab".

O vice Temer, que já apadrinhou Wagner Rossi na presidência da Conab, de onde saiu para voos mais altos, o próprio Ministério da Agricultura, sentiu-se ofendido pessoalmente.

Esta, no entanto, não foi a única ocasião em que Carvalho dirigiu suas baterias para o PMDB. Em entrevista à "Folha", ele disse que o PMDB tem "a grande chance histórica" de mudar de imagem, de "romper essa tradição de um partido regionalista e que não foi até hoje alternativa de poder efetivo".

Para bom entendedor - e o PMDB entende bem dessa política -, o novo secretário-geral da Presidência da República está dizendo que, se o PMDB refrear seu apetite por cargos, submetendo-se às ordens do PT, poderá se beneficiar da companhia e mudar sua imagem, hoje tida como fisiológica.

Por trás dessa guerra de palavras, está uma máquina pública historicamente com fortes vínculos políticos com o PT e a CUT, relação que foi aprofundada no governo Lula.

Registrada no livro "A elite dirigente do governo Lula", da cientista política Maria Celina D"Araujo, atualmente professora na PUC do Rio de Janeiro, com participação da também cientista política Camila Lameirão, a mais completa radiografia dessa máquina no âmbito do Poder Executivo nacional revela um forte vínculo com movimentos sociais, partidos políticos, especialmente o PT e sindicatos e centrais sindicais, principalmente a CUT.

Esse "sindicalismo de classe média", em que predominam professores e bancários, tem sua base no funcionalismo público, que foi fundamental para reativar o sindicalismo brasileiro a partir da redemocratização nos anos 1980 e está na origem do Partido dos Trabalhadores.

Dados oficiais indicam que em julho de 2009 havia cerca de 80 mil cargos e funções de confiança e gratificações no Poder Executivo federal.

Desses, cerca de 47.500 eram cargos e funções de confiança na administração direta, autárquica ou fundacional, que podem ser preenchidos discricionariamente pelo Poder Executivo federal.

Segundo levantamentos não oficiais, o governo Lula dobrou a criação de cargos comissionados da administração federal no segundo mandato. São esses cargos que estão sendo disputados pelos partidos aliados, especialmente PT e PMDB.

E é essa partilha do butim do Estado que poderá explicitar na prática diária do Congresso a fragmentação da base aliada do governo.

Modus vivendi:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em sua definição estrita, a expressão em latim "modus vivendi" traduz a existência de um acordo pelo qual partes de opiniões opostas concordam em discordar durante o tempo em que se obrigam a conviver, mediante acomodação dos respectivos interesses.

O PT e o PMDB ainda não chegaram lá. Ainda não conseguiram estabelecer os termos do arranjo de convivência, cuja marca de fábrica - já se vê, como esperado - é a tensão permanente entre os dois principais partidos de sustentação do governo Dilma Rousseff.

Brigaram durante a campanha toda, se estranharam na fase de transição e seguem a vida rodando sobre o mesmo eixo: a disputa do poder.

O PT com a vantagem de ter a Presidência da República e uma base de apoio parlamentar maior que a anterior; o PMDB com a primazia da força da pressão de grandes bancadas no Congresso e o comando do Senado.

Sem contar o fato de que a Vice-Presidência pode representar potencial fonte de problemas nas ausências da presidente.

Informa sobre esse sentimento latente uma frase dita por um dirigente pemedebista logo após a eleição, ainda apostando que o partido seria muito bem aquinhoado na divisão do poder: "A Dilma tem claro que de uma boa relação depende a tranquilidade para viajar, por exemplo, para a Bolívia."

O PMDB realmente não esperava que lhe fossem retirados espaços de poder e imaginava que a presença de Michel Temer concomitantemente na Vice-Presidência da República e na presidência do partido asseguraria um "upgrade" de posições em relação à participação nos dois mandatos de Lula.

Não foi o que ocorreu: perdeu em qualidade e quantidade. Perdeu Integração Nacional, Comunicações e Saúde. Permaneceu na Agricultura, de difícil instrumentalização política, ganhou uma fonte de problemas na Previdência, ficou com Minas e Energia, onde o controle de Dilma é total, e recebeu uma Secretaria de Assuntos Estratégicos com zero de orçamento e nenhuma inserção política.

Oficialmente, o governo e o PT não reconhecem a intenção de reduzir as áreas de influência do parceiro. Alegam que havia a necessidade de abrigar novos aliados, justificativa desmentida pela realidade: a redistribuição de cargos foi feita privilegiando primordialmente o PT.

Sob compromisso do anonimato, governistas de primeiríssimo escalão admitem: o parceiro foi propositadamente desidratado e por razões de probidade administrativa. Os exemplos citados são os antigos feudos na Saúde e nos Correios. Neste último pela identificação de relações heterodoxas com empresas privadas do setor.

Mas e o custo, o troco?

Está mais ou menos calculado. "Vamos pagar para ver", diz um petista altamente credenciado, lembrando que, se o governo estiver bem junto à opinião pública e forte no Congresso, o PMDB terá um campo de atuação restrito para retaliar.

Mas, se ainda assim endurecer, o governo acha que pode administrar as demandas abrindo e fechando torneiras e porteiras na medida da necessidade.

Cenografia. O governo brasileiro não acredita em crise diplomática para valer com a Itália por causa da decisão de negar a extradição do ativista Cesare Battisti e aposta que há mais jogo de cena que vontade genuína de brigar, na reação do governo italiano.

No Planalto a convicção é a de que o plenário do Supremo Tribunal Federal decidirá pela libertação de Battisti, uma vez que o próprio STF resolveu deixar a palavra final para o então presidente Luiz Inácio da Silva.

Cabral viu a uva. O sonho de consumo do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seria ter em sua equipe o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame.

Dele e da maioria dos governadores com problemas graves na área.

De grego. Amiga muito arguta para questões de costumes observa a propósito da ideia da ministra da Pesca, Ideli Salvatti, de incluir o peixe na merenda escolar: "Criança odeia peixe."

Um contencioso transpôs o governo Lula:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A troca de comando já foi "precificada"

A mudança de governo não produziu a superação de fortes, e para alguns injustificados, contenciosos que, inclusive, vinham se agravando no segundo semestre do ano passado. Um dos mais notórios são as difíceis relações do governo Lula com Roger Agnelli. Dificuldades relembradas, nos primeiros dias do ano, pela presença do presidente da Valeem cerimônias de posse e transmissão do cargo em Brasília.

Embora tenha sido uma participação muito comemorada e cercada de agradecimentos, sempre, Agnelli não deve ter deixado de perceber, ao circular pelos salões e gabinetes, que os ruídos na sua conversa com Lula permaneceram no atual governo, sendo possível prever um desenlace a qualquer momento, com a troca de comando da empresa.

O governo Dilma tem a mesma visão que tinha o governo Lula com relação à Vale. Assim, informam interlocutores políticos da presidente, permanece o mesmo tipo de restrição à concepção que preside os negócios da empresa.

Fontes do novo governo comentam que a discussão se dava, antes, e permanece, agora, em torno do papel estratégico da Vale. O ex-presidente tinha uma certeza, segundo seus intérpretes, de que a Vale deveria participar do esforço para impulsionar a economia brasileira degraus acima. Poderia, por exemplo, com grande adequação, fazer usinas siderúrgicas no país, em vez de apenas produzir minério de ferro.

Essa avaliação, creem as autoridades, é consensual com os governadores, de antes e de agora, do Pará. A ex-governadora Ana Júlia Carepa e o atual governador Simão Jatene, segundo análises feitas no âmbito do governo federal, avaliam do mesmo modo a ação da empresa e a conclusão não é favorável. Ambos têm reclamações fortíssimas, acham que a Vale é apenas produtora de buracos, o que, nessas considerações ouvidas em palácios, é até às vezes considerada uma conclusão injusta. "Hoje, a Vale até fecha o buraco e faz recuperação ambiental", comenta um dos críticos.

Mas a realidade projeta antagonismo mais amplo. "Tirar o que pode, sem pagamento de royalty, sem imposto, sem nada, exportar o aço, vender o minério, tudo sem um ínfimo retorno ao Estado, não dá para superar", avalia um dos intérpretes das avaliações que são feitas no governo. A mesma argumentação que orientava a insatisfação do ex-presidente Lula.

A Vale, segundo esta análise, jamais fez questão de atender às expectativas: "Se está me pagando imposto, começo a gostar, mas, não, todos somos obrigados a aceitar as imposições da empresa".

Não é de agora que os governadores têm essa avaliação, os anteriores também a tinham, revelam as avaliações em poder do Planalto. O Pará, dizem os interlocutores do governo federal, origem de grande parte da exportação de minério, não leva nenhuma vantagem. A Vale tem uma reconhecida política de responsabilidade social, mas se nega a ter participação maior pretendida pelos chefes do Executivo estadual.

Lula, por várias vezes, disse à empresa que não havia cabimento só exportar minério, era preciso industrializar o país, produzir aço, diz uma fonte com acesso às negociações ao longo dos últimos meses. Exatamente a mesma visão do novo governo que tomou posse anteontem.

Não se identificam nuances significativas nas posições da presidente Dilma com relação ao assunto. Mesmo os petistas do governo não afinados com a ala mais à esquerda no partido acreditam que a Vale poderia ter tido maior sensibilidade.

O diálogo que foi possível estabelecer com a Petrobras, segundo interlocutores do governo, não serviu de exemplo para as relações com a Vale. As siderúrgicas, também, não reagiram às novas propostas, não querem aumentar sua capacidade produtiva. "Acham que está bom assim, têm o domínio do mercado, quando precisam, importam."

As autoridades já não demonstram preocupação com as consequências da substituição da direção da Vale e acreditam que não há tensão, nem mesmo na empresa, quanto à data em que ela ocorrerá e quem vai para o lugar de Roger Agnelli. O assunto já está sendo tratado abertamente, e o foi em mais de uma roda das solenidades de posse do novo governo.

"O mercado já precificou isso [a saída do executivo]", disse um ministro que conhece o problema. Na recepção da posse da presidente Dilma Rousseff, no Itamaraty, um dirigente de fundo de pensão sócio da Vale dava como certa e iminente a troca de comando, também considerando que isto ocorreria sem maiores traumas ou reações.

O substituto, segundo comentários de integrantes do governo, não será um executivo que caracterize intervenção indevida do governo federal na empresa, que, apesar da maciça participação acionária de entidades da União, é privada. "Não se trata de estatizar a administração da Vale. É uma empresa privada, nós somos grandes acionistas, o BNDES tem 25%, os fundos de pensão outro tanto, temos o direito de influenciar sem sermos criticados por isso", argumentou.

Consideram-se que as reações têm sido exageradas pois até acionistas minoritários, que detêm 5% do capital de uma empresa, podem ter representante no conselho de administração "e gritar à vontade". Se eles podem falar, por que não o governo que tem participação ampla?

Roger Agnelli é bom administrador, saudado como amigo por importantes ministros do governo, é bem-sucedido, e poderia ter feito uma inflexão na sua administração, acredita um assessor que acompanhou de perto as negociações entre o governo e a empresa. "Teria sido bom para o país e para a Vale, mas ele preferiu não fazer", diz a mesma autoridade.

O Código de Mineração, segundo um especialista, sofrerá alterações profundas para conter regras que garantam ao governo ter a influência que pretende exercer nesta política. Pretende-se, ainda, criar normas mais restritivas para os concessionários de exploração mineral.

Todas as mudanças poderiam ter sido feitas com Agnelli, segundo as avaliações. "Ele poderia ter feito um gesto, cedido em algo, tem um espaço importante no mercado, privilegiado na mídia, muita força, daria tudo certo. Poderia ter feito", lamentam. As mudanças não foram feitas, com Agnelli, segundo a mesma avaliação, simplesmente porque ele não quis.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Incrível. Sarney na oposição:: Alberto Dines

A questão tem aparência secundária, pode até ter sido criada para distrair as atenções e fomentar debates irrelevantes. Mas não pode ser ignorada.

Ao escolher a denominação presidenta, Dilma Rousseff ignorou o ideário, o receituário e o vocabulário feminista E contrariou frontalmente a norma culta do vernáculo. A primeira presidente da República, não contente com o seu feito histórico, preferiu exibir a sua capacidade de contrariar as elites e adotar uma formulação gramatical simplória.

Com nítido viés populista.

Não foi opção apressada. Ao contrário, foi discutida e maturada, atravessou diversas esferas e escalões. A designação presidenta apareceu nos convites para as diferentes cerimônias no dia da posse, está na placa de bronze do Rolls-Royce presidencial e foi mencionada pela própria algumas vezes no seu discurso de posse perante o Congresso Nacional.

A contestação foi imediata, na bucha, proferida pelo chefe do Poder Legislativo, o senador José Sarney (PMDB-AP), cuja performance política e pessoal pode ser controversa, mas na condição de escritor e imortal tem atributos que não deveriam ser desprezados, levando-se em conta o apreço que gozou e goza no governo anterior e no atual.

Sarney empossou Dilma Rousseff no cargo de presidente da República, assim designado na Carta Magna. O cargo de presidenta, não foi previsto pelos constituintes de 1988. Não existe. Como não existem os postos de generala, coronela, majora, tenenta, sargenta. É o artigo que define o gênero. O eleitor votou em Dilma para presidente do Brasil e não para presidenta.

Quando o PT defendia a descriminalização do aborto e era o queridinho das feministas, as poetisas foram aposentadas e automaticamente transformadas em poetas. Agora, esquecidas as lutas das sufragistas e feministas, finalmente alcançada a igualdade dos gêneros, a presidenta da República deixa de ter um sucessor – Michel Temer jamais poderá ser designado como vice-presidenta.

O mais surpreendente é que esta questão foi rigorosamente ignorada nos telejornais da noite de sábado (1/1). Só foi aparecer nos jornalões de domingo, en passant, quando a Folha de S.Paulo decretou que seguirá designando Dilma Rousseff como presidente do Brasil. O Globo, Estado de S.Paulo e Valor têm adotado o mesmo critério.

Compreensível – a grande mídia não queria parecer impertinente logo no primeiro dia do mandato. Mas o velho udenista José Sarney não piscou: pela segunda vez na vida foi oposição.

Posse da Dilma:: Cláudio Vitorino de Aguiar

Às vezes me pergunto o que nos ensina a experiência histórica sobre líderescarismáticos e que gozaram de grande popularidade em seu tempo? Sevívêssemos na Alemanha ou na Itália, na década de 30, quando seus chefes deEstado gozavam de uma vasta popularidade, ou na Rússia de Stálin, na Chinade Mao, se seguiríamos a "onda" ou nos colocaríamos firmemente contra tais"estadistas"?

Quando Roosevelt e sua proposta de Neu Deal enfrentou a mais catastróficacrise do capitalismo, propiciou mudanças significativas nos EUA que aindahoje repercutem nas democracias consolidadas do planeta. Se nos perguntamoscomo saímos da "marolinha" o governo Lula com seus mais de 80% de aprovaçãopopular, modificou o que mesmo nas estruturas econômicas do país e nosistema de Poder que durante oito anos deu-lhe sustentação?

Nenhuma reforma significativa foi feita. Vivemos, hoje, um crescente déficitexterno, um lento e insidioso processo de inflação, as condições quepoderiam modificar as condições de vida de nosso povo - educação, saúde esegurança - sofrem um processo de necrosamento, a questão da previdênciasocial cada vez mais consumindo recursos do tesouro, e uma permanente taxa irrisória de investimento que possa dar sustentabilidade a nosso processo dedesenvolvimento.Acho que não foi por outro motivo que em meados do século XIX, Marx já nosadvertia a não se deixar levar pela aparência das coisas. "Se a aparência dascoisas revelasse sua essência, não haveria necessidade da Filosofia ou daCiência". Mas, ao que parece, nossos marxistas de boutique contentam-se maiscom a aparência das coisas, do que com sua essência, para nossa desgraça...

Economista, dirigente nacional do PPS

Água na fervura:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A inflação, sempre ela, volta a incomodar. A inundação da Austrália baterá em preços da carne e de grãos, porque o país é grande produtor. O aumento dos preços de metais continua. O petróleo sobe puxado pelo frio extremo do hemisfério norte. Há sinais de desaceleração da inflação como a FGV mostrou ontem, mesmo assim, heranças de 2010 podem complicar 2011.

Os preços estão sempre no meio do redemoinho. Um fato leva a outro, que leva a outro. O excesso de liquidez nos Estados Unidos e o aumento da demanda na China elevaram os preços das commodities. São dois fenômenos: o dinheiro demais nos Estados Unidos, para reacender a economia, aumentou o fluxo de capital especulativo, de hedge funds, fundos de índices, em negócios no mercado futuro de matérias-primas. A demanda da China, que continua crescendo, confirma esses preços altos. Dependendo do produto, é bom para a nossa balança comercial, veja-se o que aconteceu no ano passado que, apesar da queda do dólar, o Brasil teve exportação recorde. Mas há o efeito colateral da alta interna dos preços. O dólar em queda é um problema por um lado, mas atenua o efeito das pressões inflacionárias.

Alguns economistas calculam que os preços dos alimentos no Brasil podem subir menos do que no ano passado, mas é até difícil dizer isso. Um post do meu blog sobre essa previsão de desaceleração do ritmo dos preços foi respondido na segunda-feira por muita gente no Twitter contando que quando faz compras sente que os preços de alimentos estão numa escalada. A percepção das pessoas é de inflação em alta.

Em reportagem na CNN, analistas confirmam que há várias fontes de pressão de alta de preços de produtos cotados internacionalmente. Trigo, arroz, milho e soja tiveram aumentos de dois dígitos de junho a dezembro. Trigo aumentou 69% e milho, 53%. O temor é que a demanda nos países emergentes, somada à especulação dos fundos no mercado de commodities, reproduza o fenômeno que preocupou o mundo em 2008 com a inflação de alimentos, que afetou ao todo 61 países.

Algumas commodities metálicas também subiram forte nos últimos meses pelo mesmo efeito somado de demanda em países emergentes que crescem, e precisam de matérias-primas para suas obras de infraestrutura, e a onda de capitais em busca de alto retorno nos mercados de commodities.

Uma rodada pelo noticiário do mundo mostra que estão tendo ondas de altas de preços de alimentos países como Paquistão, Indonésia, Quênia, Austrália, Índia, Canadá e Estados Unidos. Em alguns casos, por causa de problemas climáticos, como a Austrália que enfrenta inundações. Como grande produtora de alimentos, o que acontece lá acaba se refletindo no mundo, como se viu nos quatro anos consecutivos de seca que o país enfrentou recentemente. No Canadá, a expectativa é que essa pressão acabe favorecendo a Bolsa de Toronto, onde metade das ações negociadas está relacionada com matérias-primas e energia.

O petróleo tem subido em parte pela pressão do aumento da demanda no hemisfério norte. Normalmente, no inverno americano e europeu há aumento do consumo de petróleo para aquecimento, mas este ano o inverno está particularmente rigoroso, como se vê no noticiário. Aumento de preço de petróleo acaba afetando também os preços dos alimentos e a avaliação de especialistas é que nem toda a alta do petróleo já está nos preços dos alimentos.

Apesar de o Brasil ter chances de ter nos próximos meses uma redução da inflação acumulada em 12 meses e queda dos preços de alguns produtos pelo fim da entressafra, o problema continuará no horizonte das preocupações.

O ano de 2010 terminou com um quadro ruim para a inflação e alguns efeitos são propagadores, como dos IGPs, que reajustam o aluguel e ficaram acima de 11%. Há ainda toda essa pressão internacional. Por tudo isso, é tranquilizador ouvir do novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que a instituição continua convencida de que o crescimento sustentado decorre da inflação sob controle. Essa parece ser uma verdade simples, mas ela tem sido negada como se fosse uma improbabilidade teórica por integrantes do governo que permanecem na administração Dilma Rousseff. É isso mesmo, como tem dito o BC: não apenas não há conflito entre estabilidade de preços e crescimento, como é a única forma de garantir o crescimento sustentado.

Devemos ousar - como propõe Tombini - ter metas de inflação anual mais baixas se nem estamos conseguindo ficar no centro da meta atual? Sim, devemos. Já está na hora. O país está entrando no seu 17º ano após a vitória sobre a hiperinflação. Está entrando no 12º ano após a adoção da política de metas de inflação. Está na hora de ousar ser como todos os países do mundo que têm metas de 2% e ficam preocupados quando a taxa vai a 3%. Mas para isso não basta apenas elevar juros.

É preciso ter gastos públicos mais controlados. O trabalho não pode continuar sendo todo do Banco Central, do contrário vamos refazer as tensões e as pressões sobre as instituições que o Brasil viu durante os oito anos da administração Henrique Meirelles. Foi tão dura a briga que ele terminou o mandato pedindo água. Como se viu, na cerimônia de posse.

Mão estendida para saudar ou para beijar?:: José Nêumanne

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As primícias de Dilma Rousseff na Presidência provocaram neste Quase-Velhinho de Uiraúna esperanças próprias da Velhinha de Taubaté, mas também frustrações. Antes, a boa notícia: seguindo roteiro traçado em casos clássicos, como o de Eurico Dutra, em 1946, e os mais recentes de Tancredo Neves ao inaugurar a Nova República e Itamar Franco ao substituir Collor, ela prometeu um governo de "união nacional". E estendeu a mão aberta para a oposição, dizendo-se "presidenta" (céus, teremos de conviver com esse barbarismo por, pelo menos, quatro anos!) de todos os brasileiros, um truísmo que não quer dizer necessariamente inclusão, mas, pelo menos, respeito. Aliás, a mão pode estar sendo estendida não para ser apertada em sinal de concórdia (ah, se fosse!), mas, sim, para ser beijada por súditos leais e fiéis. Posso estar enganado, mas há entre os discursos bem-intencionados de Sua Excelência e a prática de seus primeiros quatro dias uma distância que pode ser comparada com a dos fossos dos castelos medievais, protegendo-os de intromissões da planície.

O pontapé inicial de seu antecessor e eleitor-mor da República Luiz Inácio Lula da Silva jogou para escanteio dúvidas que poderiam ainda subsistir quanto à prudência com que comandaria a política econômica, ameaçada pelo medo da ruptura com o mercado; e, sobretudo, com a estabilidade monetária e fiscal. Se a sucessora quisesse provocar surpresa similar, poderia, em vez de estender a mão, ter acenado com alguns gestos que, do alto da tribuna da primeira magistratura, sinalizassem ao povo todo, e não só aos militantes postados sob chuva na Praça dos Três Poderes, que a passagem da faixa presidencial poria fim aos hábitos de perdoador-geral de amigos e aliados de ocasião e inquisidor-geral dos adversários do patrono.

Nada indica que algo mudará na Corte da filha do búlgaro. Antes mesmo de ser empossada, ela leu nos jornais que seu escolhido para o Ministério do Turismo, o deputado Pedro Novais, do PMDB, que representa o Maranhão e mora no Rio (sendo esta a única condição que o aproxima do tema da pasta), pagou uma conta de R$ 2.156 num motel em São Luís. A mão estendida poderia ter sido usada para indicar ao incauto o rumo da porta de saída. Tivesse ela um assessor para cobrar gestos capazes de garantir que suas belas promessas se confirmariam com fatos positivos, teria dado o bom exemplo. É de duvidar que os paraninfos do indicado, José Sarney e Henrique Eduardo Alves, não tivessem à mão uma miríade de afilhados, alguns mais bem dotados para o posto, para substituí-lo. Mas ela não o fez.

A solução dada para o incômodo foi tipicamente lulista. Com a mesma desfaçatez com que o ex e atual presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, argumentou que homenageava o molusco ao dar o nome de Lula ao campo de petróleo que se chamava Tupi, o ministro de Relações Institucionais, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), disse que não se vai a um motel necessariamente para fazer amor. Com a gratidão garantida de todos os adúlteros que, flagrados entrando ou saindo dessas hospedarias de alta rotatividade, poderão argumentar que foram lá apenas para disputar um ingênuo torneio de gamão, o responsável pelas relações entre os Poderes Executivo e Legislativo chamou todos os brasileiros de idiotas. E seguiu à risca o cânone petista de tergiversar quando não há como explicar: ninguém está interessado - a não ser a mulher dele - no que o ministro foi fazer no motel. A questão é que pagou a conta com dinheiro público.

Aliás, a "gerentona" Dilma não perdeu outra oportunidade de mostrar que repetirá a prática das duas gestões Lula de fugir pela tangente, contando com o entorpecimento do público pagante, causado pela bonança econômica. A ministra da Pesca, Ideli Salvatti, derrotada na eleição para o governo do Estado de Santa Catarina, recebia auxílio-moradia, mesmo residindo em imóvel funcional. Como no caso de Novais, ela recorreu à heterodoxia habitual no PT: acusou um assessor de haver cometido um erro administrativo, não o identificou e reembolsou a viúva. Foi assim confirmada a jurisprudência petista para o abuso de poder: a devolução é a única exigência para o aliado ser perdoado.

Esse contraste entre as boas intenções e as práticas nefandas foi mais chocante na festa da posse. Pois, logo após ter prometido combate implacável à corrupção e aos malfeitos, a presidente recebeu cumprimentos no Palácio do Planalto de duas pessoas que não poderiam estar entre os dignitários da República ou do exterior que tiveram acesso a ela. José Dirceu responde no Supremo Tribunal Federal (STF) à acusação de ter chefiado uma quadrilha. Pode ser absolvido, mas ainda não o foi. Por que não esperar para brindar na festa da eventual absolvição? É possível argumentar que o ex-chefe da Casa Civil controla a máquina do Partido dos Trabalhadores (PT), na qual Dilma é neófita. Mas, mesmo assim, sua presença afrontou a boa moral republicana.

Nem essa atenuante existe para o caso de Erenice Guerra. Demitida da Casa Civil por suspeita de corrupção, ela é politicamente um zero à esquerda e só entrou no primeiro escalão federal por indicação da própria Dilma, que, aliás, negou tal fato mais de três vezes na campanha eleitoral.

Iniciados os trabalhos, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, com desenvoltura de porta-voz oficioso de Lula, em entrevista à Folha de S.Paulo lançou de novo a precoce candidatura do ex-chefe, cujo gabinete chefiou, em alerta à oposição de que este seria "um Pelé na reserva". Reincidente na afronta a Dilma e à Nação que a elegeu e torce muito pelo sucesso do governo dela, e não pelo malogro que tiraria o ex-presidente do banco, o protagonista do escândalo de Santo André não foi sequer admoestado.

Para ter apertada ou beijada a mão estendida Dilma deveria ser mais assertiva e menos retórica: a ação precisa corresponder à fala.


Escritor e jornalista, é editorialista do "Jornal da Tarde

As profecias de Josué de Castro::Mauro Werkema

DEU ESTADO DE MINAS

Em 1946, Josué de Castro publicava o livro Geografia da fome, uma das mais férteis obras de toda a bibliografia brasileira, lido em todo o mundo. Nele, combatendo o mito, vindo do Brasil Colônia, do “brasileiro indolente”, por razões de mestiçagem, latinidade, ser sul-americano e dominado por uma religiosidade primitiva, atrasada e complacente, Josué de Castro preconizava que o Brasil tinha todas as condições de não só eliminar a fome mas transformar-se em uma grande nação, por razões naturais. Mas, para isso, teria que realizar reformas estruturais, como a agrária e a política. Hoje, ao vermos a paralisação de Nova York por montanhas de neve, o que também ocorre com as capitais europeias e até na China, constatamos, como há mais de 60 anos o fez Josué de Castro, que o Brasil é realmente um país de sorte, muito bem dotado de recursos naturais e de poucas intempéries.

O Brasil não tem terremotos, tufões ou tornados, nevascas, vulcões ou tsunamis. Tem vasto território, com ampla insolação, garantindo duas e até três safras de alguns grãos por ano. E terras planas, férteis e agricultáveis a baixo preço, com boa irrigação, garantindo-lhe, neste 2011, a condições de líder na produção de vários produtos da cesta alimentar mundial. Mantém o maior rebanho bovino do mundo. Tem mais de 8 mil quilômetros de costa marítima, lagos e rios, os maiores do mundo, com grande potencial hidrelétrico. Seu subsolo é rico em ocorrências minerais, o que lhe garante a liderança mundial em várias comodities. É autossuficiente em energias, da renovável à fóssil. Nesta última, a petroquímica, com o pré-sal, passa a ser detentor da quarta maior reserva do mundo. É a oitava economia mundial e pode ser a quinta em poucos anos.

O que nos falta? Reler Josué de Castro – foi presidente da Organização para Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO) e embaixador do Brasil na ONU – é altamente pedagógico por sua adequação ao Brasil contemporâneo. Para ele, o subdesenvolvimento não é produto da natureza, mas da ação do homem: “A apropriação injusta da generosidade e abundância dos recursos da natureza é que é geradora de fome e miséria”. Profético, já previa a globalização e advertia que empresas vão se tornar mais fortes e influentes do que governos. Defendia a agricultura familiar, “capaz de fixar o homem na terra em que nasceu” e condenava o latifúndio e pedia a reforma agrária, sem o que, segundo ele, não seria possível “buscar um novo equilíbrio econômico”, condição essencial da justa distribuição de riquezas e pressuposto para a paz.

Cassado pela ditadura militar de 1964, morreu no exílio, em Paris (1974). Não viu a crise financeira de 2008, causada pela especulação gananciosa de banqueiros, manipuladores de uma ordem capitalista mundial sem compromissos a justiça social. Não viu a ameaça ecológica atingir níveis ameaçadores à sobrevivência de homens e animais. E não viu o Brasil dos nossos dias, no limiar de um novo patamar econômico e social. E, sobretudo, bem mais consciente de que temos condições excepcionais de avançar muito mais, mas ainda dependente dos homens e da prática política para eliminar os bolsões de pobreza e a fome e operar as transformações mecessárias.

Mas está claro que o brasileiro, rico na sua diversidade humana, cultural e natural, criativo e operoso, nem tanto cordial ou somente macunaíma, tem tudo para construir um futuro melhor, se tiver líderes, sobretudo políticos, capazes de trabalhar mais pelos interesses coletivos e não somente para si próprios.

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PMDB usa mínimo para exigir cargos

DEU EM O GLOBO

Primeira crise interna

Insatisfeito com a distribuição de cargos de segundo escalão, o PMDB se reuniu ontem e já ameaça o governo, usando o mínimo como forma de pressão. O líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves, disse que não tem certeza sobre o valor de R$ 540: "Não estou convencido. O PMDB também não, mas pode ser convencido pela equipe econômica". O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que qualquer valor acima do fixado na MP editada por Lula será vetado pela presidente Dilma Rousseff.

PMDB ameaça elevar mínimo; Mantega diz que veta
Em crise com o PT por causa da disputa por cargos no governo, peemedebistas agora pressionam no Congresso

Martha Beck, Cristiane Jungblut e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Numa tática de endurecer o discurso e, assim, tentar desencorajar as pressões de parlamentares e centrais sindicais, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que o governo vetará um valor maior do que os R$540 fixados para o salário mínimo. O recado foi dado diante do movimento do PMDB e de outros aliados, como o PDT, em favor um reajuste maior do que os 5,88% adotados pelo governo na Medida Provisória 516.

A reação no Congresso, que deve votar a MP logo em fevereiro, foi imediata à fala de Mantega. O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), disse que manterá sua emenda fixando o mínimo em R$580. E os líderes do PMDB disseram que precisam ainda serem "convencidos" pela área econômica.

Ano passado, Lula aumentou à revelia de Mantega

Politicamente, o governo sabe que dificilmente o Congresso manterá o valor fixado. Na era Lula, constantemente a avaliação técnica da área econômica perdia para a decisão política. Em junho de 2010, Lula sancionou o reajuste de 7,7% para os aposentados que ganham acima do mínimo, desconsiderando o pedido da área econômica para que vetasse a medida e mantivesse o aumento original de 6,14%.

Ontem, Mantega argumentou que os R$540 são resultado do cumprimento da política que foi acertada pelo governo com os trabalhadores - que prevê a reposição da inflação, medida nesse caso pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e a variação do PIB de dois anos anteriores.

- Caso contrário, vira brincadeira. Se vier alguma coisa diferente, vamos vetar. Uma elevação acima de R$540 causa uma deterioração das contas públicas - disse Mantega.

Em setores do Planalto, causou surpresa e desconforto a declaração de Mantega. Segundo avaliação de assessores diretos da presidente Dilma Rousseff, apesar de ser esse um desejo do governo, é preciso avaliar as condições políticas, principalmente num momento de enfrentamento com o PMDB. E ele não precisava ter sido tão taxativo nessa fase inicial de negociação. Até porque é provável que o governo acabe aceitando um pouco mais do que os R$540.

Ainda de manhã, após reunião dos dirigentes dos PMDB com o vice-presidente da República, Michel Temer, para tratar da insatisfação dos peemedebistas com a distribuição dos cargos de segundo escalão, o líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), adiantou:

- Não estou convencido (sobre o valor do mínimo). O PMDB também não, mas pode ser convencido pela equipe econômica. Para isso, gostaríamos de saber por que ele foi limitado a R$540. Queremos o melhor para o país, e nem sempre o melhor é aquilo que propõe o governo. Às vezes é aquilo que propõe o Congresso - disse. - O Legislativo é para isso, não é só para carimbar, é para discutir, mudar, corrigir e aperfeiçoar. É um papel do qual não podemos abrir mão.

Segundo Henrique Alves, o Congresso terá que dar uma resposta à sociedade:

- Essa é uma decisão de muita responsabilidade. Vamos ser cobrados por nossas bases, pelas centrais. Vamos ter de tomar uma decisão não apenas partidária, mas olhando o que é melhor para o país.

Ao saber da declaração do ministro da Fazenda, Paulinho da Força disse que a equipe econômica sempre se posiciona contra os pedidos de reajuste, mas lembrou que os sindicalistas têm vencido a batalha:

- O ministro sempre pediu para vetar qualquer proposta de aumento. A função dele é recomendar o veto. Mas sempre que conseguimos (as coisas), ele foi derrotado. Então, agora, acho que ele vai perder de novo.

Ao defender o controle das contas públicas, Mantega disse que ainda está definindo com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, o tamanho do contingenciamento (corte) no Orçamento da União de 2011. A equipe econômica já projetava um corte entre R$20 bilhões e R$25 bilhões, mas parlamentares envolvidos na aprovação do Orçamento acreditam que pode chegar até a R$30 bilhões:

O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), criticou o fato de o PMDB querer misturar a questão do salário mínimo com a discussão sobre a composição do governo Dilma. Para Vaccarezza, não se pode misturar as duas coisas e não se deve usar a questão do mínimo para pressionar o governo. Mas ele admitiu que o valor de R$540 ficou defasado diante da inflação e que isso será corrigido ou pela própria presidente Dilma Rousseff, ou, de forma mais provável, quando a medida provisória for votada no Congresso. Para o Dieese, o valor deveria estar em R$543.

- A discussão com o PMDB é uma discussão legítima, natural, mas a discussão dos cargos não tem nada a ver com discussão do salário mínimo. Não se pode misturar. A questão do mínimo está dentro de uma política de desenvolvimento do país. Há um acordo com as centrais. O mínimo, por causa da inflação, deveria estar em torno de R$542, e isso será corrigido, provavelmente na hora da votação - disse Vaccarezza.
Colaborou: Gerson Camarotti

Salário mínimo: PPS vai insistir nos R$ 600 para 2011

DEU NO PORTAL DO PPS

Luiz Zanini

O vice-líder do PPS na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), disse, nesta terça-feira, que o partido continuará defendendo a fixação do salário mínimo em R$ 600, mesmo valor que a oposição propôs durante a campanha eleitoral e que foi objeto de emenda apresentada pelo próprio parlamentar na Comissão Mista de Orçamento no ano passado.

“Vamos insistir nos R$ 600 porque há viabilidade econômica” garantiu Jardim, ao se contrapor a Medida Provisória editada pelo ex-presidente Lula em 30 de dezembro de 2010, que fixou o mínimo em R$ 540 para este ano. Segundo ele, o reajuste pretendido pelo governo é muito baixo (5,9%) – representa um aumento de apenas R$ 30 diante dos R$ 510 que vigorou o ano passado – e fica abaixo do índice da inflação.

“Caso prevaleça os R$ 540, os trabalhadores que recebem o piso terão uma perda de 0,5% no seu poder de compra, conforme o INPC estimado pelo governo”, alertou Jardim, que critica a atual regra de fixação do reajuste do salário mínimo. O último registro de perda do valor mínimo foi em 1997 e ficou em 1%.

No embate que se dará em torno da MP do mínimo no Congresso Nacional provavelmente em março, quando ela passará a trancar a pauta do plenário da Câmara, Jardim já cobra mais diálogo do novo governo com a oposição nas duas Casas do Legislativo. “A orientação da liderança do governo tem de mudar para que o diálogo possa fluir mais e melhorar”, cobra o vice-líder do PPS.

Para Jardim, o governo de Dilma Rousseff precisa deixar de lado a “retórica” praticada pelo seu antecessor no Congresso e ser mais prático no debate travado com a oposição em torno dos temas de interesse nacional, como é o caso do salário mínimo.

Aposentados e pensionistas

Arnaldo Jardim disse ainda que o PPS também quer um aumento maior do que os 6,41% proposto pelo governo aos aposentados e pensionistas da Previdência que recebem benefícios acima do mínimo. O valor, concedido por meio de portaria, representa apenas a inflação acumulada em 2010. “O ideal seria um reajuste de 10%”, afirma Jardim, que apresentou emenda na Comissão de Orçamento propondo esse percentual.

Segundo ele, a fixação do mínimo em R$ 600 e o reajuste de 10% para os aposentados são viáveis economicamente, de acordo com estudos elaborados pelas Consutorias de Orçamento da Câmara e do Senado. “A estimativa de aumento das receitas da União, naquela ocasião, foram as fontes indicadas pela Comissão de Orçpamento para a concessão dos reajustes nestes patamares”, lembrou Jardim.

Mudança no mínimo

Para o vice-líder do PPS, a atual regra de reajuste do salário mínimo é “frágil” e precisa ser alterada urgentemente para que o piso não se desvolorize, como pode acontecer caso seja fixado em R$ 540.

“A mudança no modelo é essencial porque se mostrou frágil. O cálculo do reajuste tem que ser feito com base no resultado do PIB [Produto Interno Bruto] dos últimos três anos, mais a inflação”, sugeriu Jardim.

Pela regra em vigor, implantada no segundo mandato do ex-presidente Lula, o mínimo é corrigido pela inflação mais a variação do PIB de dois anos antes. Como o PIB foi praticamente zero em 2009, o piso foi reajustado abaixo da inflação de 2010.

“O desafio do governo Dilma Rousseff é aceitar discutir de igual para igual com a oposição a mudança da regra, porque o valor do salário mínimo é uma questão de Estado e não de governos”, observou Arnaldo Jardim.

Itália vai ao Supremo e à Corte de Haia por Battisti

DEU EM O GLOBO

Primeira crise externa

País protesta contra decisão de Lula; Berlusconi encontra filho de vítima

O governo da Itália intensificou a reação a decisão do governo brasileiro de não extraditar o ex-extremista de esquerda Cesare Battisti. Em Brasília, o governo italiano entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal contra o pedido de soltura apresentado pela defesa de Battisti. O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, disse que o país recorrerá à Corte Internacional de Justiça, em Haia, pela extradição do italiano, condenado a prisão perpétua em seu país por quatro assassinatos. Na Itália, houve protestos contra a decisão do ex-presidente Lula. Berlusconi, que se encontrou com o filho de uma das vitimas de um atentado atribuído a Battisti, disse que o caso não abala as boas relações entre os dois países. O presidente do STF, Cezar Peluso, mandou desarquivar o processo de extradição. Como o STF está em recesso, Peluso poderia decidir o caso, mas deixará a tarefa para o plenário da Casa, em fevereiro. O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, disse que o governo Italiano terá o "direito universal" de recorrer. O Itamaraty não se manifestou.

Itália abre duas frentes de batalha por Battisti

País recorre ao Supremo, e Berlusconi avisa que também irá à Corte de Haia

Carolina Brígido e Deborah Berlinck

Ogoverno da Itália agiu ontem em duas frentes para pressionar o Brasil a mudar a decisão de não extraditar o ex-terrorista de esquerda Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos, nos anos 1970. Em Brasília, entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que seja negado o pedido de soltura apresentado pela defesa de Battisti no dia anterior. Na Itália, estimulado por manifestações de indignação pelo país, o chefe do governo, Silvio Berlusconi, avisou que seu país recorrerá ainda à Corte Internacional de Justiça, em Haia, pela extradição de Battisti.

Berlusconi prometeu "firmeza e determinação" em encontro com Alberto Torregiani, filho do joalheiro Pierluigi, morto em 79 em atentado atribuído a Battisti. Para o premier, "Battisti revestiu de ideologia política a realidade de um verdadeiro criminoso". Em encontro no aeroporto de Milão, ele convidou Torregiani a participar a seu lado de uma entrevista sobre o caso, em Bruxelas, na Bélgica, sede da Comissão Europeia, este mês. A coletiva está sendo organizada pelo Partido Popular Europeu, a maior força conservadora no Parlamento europeu.

No Brasil, com o pedido da Itália e da defesa de Battisti, o presidente do STF, Cezar Peluso, determinou o desarquivamento do processo de extradição. Como o STF está em recesso, caberia a Peluso, que está de plantão, decidir o imbróglio criado pela decisão do ex-presidente Lula de manter Battisti no país. Mas Peluso resolveu deixar a tarefa para o plenário do STF, que volta à ativa em fevereiro. O advogado Nabor Bulhões, que defende o governo italiano, reforçou o pedido para que a decisão seja tomada em plenário.

O filho do joalheiro italiano, que ficou paraplégico no atentado, saiu do encontro com Berlusconi dizendo que não quer vingança, só "justiça", e viajou em seguida para Roma, onde comandou protestos em frente à embaixada do Brasil, na Praça Navona:

- Berlusconi me prometeu maior firmeza e determinação e, se for necessário, ser duro. Não tenho nada contra o povo brasileiro, mas contra os que distorcem a verdade. Nenhuma vingança, apenas justiça.

Berlusconi buscou acalmar a situação, garantindo que o caso não afetará as boas relações entre Itália e Brasil:

- Este tema não se refere às boas relações que temos com o Brasil. É um caso de Justiça, por isso, nossas relações com aquele país não mudarão - disse, ressaltando que os países estão "ligados por antiga e sólida amizade".

Enquanto Berlusconi botava panos quentes, o ministro da Defesa, Ignazio La Russa, endureceu o discurso, afirmando que a decisão de Lula "não ficará sem consequência":

- (As relações) Podem continuar as mesmas, mas haverá consequências. Claro que não cortaremos relações diplomáticas, mas há um tratado ítalo-brasileiro de defesa que já votamos e agora tem que passar para aprovação no Parlamento. Não há mais um clima favorável (à aprovação).

Para AGU, não há recurso possível

O ministro das Relações Exteriores, Franco Frattini, se reuniu ontem com o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesa, e o representante italiano na União Europeia (UE), Nelli Feroci, para estudar medidas jurídicas para reverter a decisão brasileira. Um porta-voz da União Europeia disse que "o caso é bilateral" e que a Itália não fez pedido de ajuda ao bloco.

Em Brasília, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse que o governo italiano tem o "direito universal" de contestar a decisão de Lula:

- No nosso ponto de vista, não há recurso (possível). Mas é direito universal do governo da Itália contestar.

Os pedidos da defesa de Battisti e do governo da Itália foram anexados ao processo de extradição, que já foi julgado e estava arquivado no STF. Os autos serão entregues ao ministro Gilmar Mendes, relator do assunto. Além da petição de ontem, a defesa da Itália anunciou que vai impugnar no STF a decisão de Lula. Isso será feito após o governo italiano ser oficialmente notificado da decisão, o que ainda não ocorreu. Segundo Bulhões, as razões apresentadas por Lula no decreto que beneficiou Battisti não atendem ao tratado de extradição firmado entre os dois países, nem à decisão do STF. No decreto, Lula argumentou que, se Battisti fosse entregue à Itália, ele poderia ter seu estado "agravado". Segundo o tratado, um dos países pode recusar-se a extraditar um réu diante do risco de que a outra nação desrespeite os direitos humanos.

Italianos se reúnem em várias cidades para protestar contra decisão de Lula

DEU EM O GLOBO

Em Roma, manifestantes escrevem a palavra "vergonha" na bandeira brasileira

Deborah Berlinck

PARIS. Manifestações contra a decisão do ex-presidente Lula de não extraditar Cesare Battisti aconteceram ontem por toda a Itália, em cidades como Roma, Milão, Florença, Veneza, Bolonha, Nápoles e Palermo. Tanto partidos de direita quanto os de esquerda participaram dos protestos, mas em horários diferentes. Filhos e parentes das vítimas de Battisti também participaram, sobretudo em Roma e Milão.

Em Roma, cerca de 300 pessoas, entre elas militantes dos partidos Povo da Liberdade (PDL), União dos Democratas-Cristãos, Democratas de Centro (UDC) e do Movimento pela Itália, manifestaram-se na Praça Navona, em frente à embaixada do Brasil. Viam-se slogans do tipo "Battisti e Lula, o assassino e seu cúmplice", ou "Lula matou-os (as vítimas de Battisti) uma segunda vez". Uma bandeira brasileira foi pichada com a palavra "vergonha" em italiano.

- Estamos aqui porque o governo fará tudo o que puder para conseguir a extradição de Cesare Battisti, que é um criminoso - disse Daniela Santanchè, deputada do PDL, partido fundado por Silvio Berlusconi no fim de 2007.

Na praça, houve protestos também contra Carla Bruni, mulher do presidente francês Nicolas Sarkozy que, segundo a associação Domus Civitas, teria pedido pessoalmente a Lula que não extraditasse Battisti.

- Se Carla Bruni fez isso, é uma vergonha - reagiu a deputada Daniela Santanchè.

Já a UDC - outro partido da coalizão do governo - anunciou ter apresentado uma moção ao Parlamento pedindo empenho do governo italiano na batalha pela extradição de Battisti. A moção diz que a decisão brasileira "golpeou e ofendeu a consciência do povo italiano" e foi motivada por "argumentos superficiais, infundados no mérito e contrários ao tratado de extradição entre os dois países". O Italia dei Valori (IDV), de centro-esquerda, também vai apresentar outra moção pela extradição. Partidos de oposição, como os socialistas e o Partido Democrata (PD), também participaram das manifestações.

Em Milão, a Liga Norte, de centro-direita, partido autonomista e federalista que prega a secessão do Norte da Itália, organizou um protesto na frente do consulado do Brasil, com cerca de cem manifestantes, que pregaram o boicote a produtos brasileiros vendidos na Itália. Manifestantes em Turim carregavam uma faixa em que se lia: "Brasil, cúmplice de terroristas".

Em Brasília, a assessoria de imprensa do Itamaraty informou que a instituição não vai se manifestar formalmente sobre a reação da Itália ao tratamento dado a Battisti no Brasil. A embaixada do Brasil em Roma informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o embaixador José Viegas também não faria comentários sobre o tema.

Dilma repreende general do GSI por fala sobre ditadura

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Elito teria se desculpado por ter dito na segunda que sumiço de adversários do regime militar não era motivo de vergonha

Leonencio Nossa

A presidente Dilma Rousseff repreendeu na noite de ontem o general José Elito de Carvalho Siqueira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), por dizer em entrevista, na segunda-feira, que não é motivo de vergonha para o País o desaparecimento de presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985). Foi o primeiro "puxão de orelha" de ministro do novo governo.

Elito pediu desculpas à presidente pela declaração polêmica, segundo fontes do Planalto. Ao longo do dia, ele já tinha recebido recados de assessores de que Dilma não gostara de seu comentário. Ao ser recebido à noite pela presidente, chegou a jogar a culpa na imprensa, afirmando que a declaração foi "mal interpretada". A desculpa foi aceita.

Torturada na época da ditadura, Dilma fez um discurso, no dia da posse, em que afirmou não ter ressentimentos nem rancores. Antes mesmo de assumir, ela chamou os comandantes das Forças Armadas para dizer que não haveria "revanchismo" e pedir que não houvesse por parte dos militares "glorificação" do golpe de 31 de março de 1964, que implantou uma ditadura de 21 anos no País.

Desde a distensão política, no fim dos anos 1970, famílias e entidades de direitos humanos cobram a localização dos restos mortais de 138 vítimas da repressão consideradas "desaparecidas políticas".

Choque. Dois generais de Exército ouvidos pelo Estado avaliaram que Elito "começou mal" seu trabalho, ao entrar em choque com as orientações de Dilma e tomar a dianteira de um debate que não lhe dizia respeito. Sua função, observaram, é garantir à presidente as informações necessárias na área de defesa e inteligência para o exercício do poder.

Elito comanda cerca de 800 seguranças da Presidência e outros 900 homens que trabalham como arapongas da Agência Brasileira de Inteligência. Elito foi escolhido para chefiar o GSI por ser reconhecido na caserna como um oficial que nunca causou "problemas". Sua declaração polêmica, porém, derrubou logo no início do governo a figura de um militar discreto e apaziguador que Dilma tanto buscava.

Parlamento assume na Venezuela e Chávez enfrenta oposição após 5 anos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Limites. Depois de ter boicotado as eleições legislativas em 2005, oposição terá pouco mais de 40% dos deputados na nova Assembleia Nacional; número é insuficiente para desfazer o socialismo bolivariano, mas evita que o presidente mande sozinho no país

Após cinco anos governando com um Parlamento totalmente submisso, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, começa hoje a lidar com deputados da oposição, que tomam posse na Assembleia Nacional, o Legislativo unicameral da Venezuela. Serão 67 opositores contra 98 chavistas, número insuficiente para anular as últimas medidas do governo, mas um contingente que pode atrapalhar o avanço do socialismo bolivariano.

O novo Parlamento, no entanto, começará a trabalhar com suas funções reduzidas, já que Chávez aprovou, em dezembro, a Lei Habilitante, que lhe deu o poder de governar por decreto pelos próximos 18 meses, sem precisar recorrer aos novos deputados.

"Será uma Assembleia Nacional com as asas cortadas porque não terá funções legislativas importantes nos próximos 18 meses, já que o presidente as reservou para si", disse Federico Welsch, professor de ciências políticas da Universidade Simón Bolívar, de Caracas. "O Parlamento não poderá ser um órgão de controle do Executivo."

Para o arcebispo de Caracas, Jorge Urosa Savino, crítico ao governo, a Lei Habilitante acabará com a tradicional função dos deputados. "Eles serão simplesmente anulados pelo Executivo", disse.

Oposição. Para Ricardo Sucre, professor de política da Universidade Central da Venezuela, há um controle progressivo do poder que está na contramão da vontade popular.

"A estratégia de Chávez será tentar impor uma ditadura sem que ninguém perceba", disse. "Ele aumentará ou reduzirá a velocidade do processo, legislando sobre temas como habitação, que possam aumentar sua popularidade."

De acordo com o deputado opositor Julio Borges, a missão a partir de hoje será "revelar as mentiras" do governo e pedir "explicações" sobre algumas decisões adotadas recentemente. Em dezembro, a Assembleia Nacional aprovou a toque de caixa mais de 20 leis antes que os novos deputados assumissem.

Entre elas, destacam a lei de educação, que promove a "construção do modelo socialista" nas universidades, a reforma da Lei das Telecomunicações, a de responsabilidade social em rádio, televisão e mídia eletrônica, a de instituições do setor bancário ou a lei orgânica do poder popular, entre outras.

O opositor Diego Arria, ex-governador do Distrito Federal, anunciou ontem que começou a recolher assinaturas para pressionar a Assembleia Nacional a aprovar um referendo revogatório para anular todas as leis aprovadas pelo Parlamento desde 26 de setembro de 2010.

Até o início da noite de ontem, o documento tinha mais de 12 mil assinaturas. "Se os deputados da oposição não iniciarem com firmeza a resistência democrática, não há mais nada a fazer e terá sido dado um passo para a ditadura", afirma o texto. Dificilmente, contudo, o novo Parlamento aprovaria uma medida antichavista.

Posse. A Justiça venezuelana proibiu ontem o deputado opositor Biagio Pilieri, um dos dois parlamentares eleitos para a Assembleia Nacional que estão presos, de tomar posse hoje. "A juíza afirmou que antes é necessário terminar o julgamento", explicou sua advogada, Norma Delgado. Pilieri está em prisão domiciliar desde fevereiro de 2009 à espera de um novo julgamento, apesar de um tribunal o ter absolvido em julho de acusações de corrupção - o outro deputado preso é José Sánchez.

Legislação a toque de caixa

Lei Habilitante
Permite que Chávez governe por decreto por 18 meses. A desculpa foi a necessidade de socorro para os desabrigados da chuva

Lei do Poder Popular

Abre a possibilidade de criação de um Estado comunitário. Permite que comunidades exerçam um autogoverno e assumam funções administrativas

Lei dos Partidos Políticos e Manifestações Públicas
Torna inelegíveis os deputados que optarem por mudar de partido durante o mandato

Reforma da Lei de Responsabilidade no Rádio e na Televisão (Resorte)
Regula o uso da internet, proíbe a difusão de notícias que "ameacem a ordem pública"

Lei de Telecomunicações
Estabelece como de "interesse público" as redes de telecomunicação e facilita a cassação de concessões de rádio e TV

Lei de Educação Universitária
Acaba com a autonomia administrativa das universidades

Lei para a Proteção da Soberania Política
Proíbe que partidos e ONGs sejam financiados por estrangeiros

Reforma da Lei dos Bancos
Proíbe de exercer função pública aqueles que sejam acionistas de instituições financeiras

MANGUEIRA 2011 Samba legendado

A Dor::Graziela Melo

A dor quase esconde
Na prateleira
De minha
Alma
É rosa
Não é cinza
Me acalenta
E acalma.
Alerta,
Enquanto durmo,
Espanta-me
Os pesadelos.

Embala-me
Com sonhos belos.
Enrosca-se
Em meus cabelos.

Pernoita
Nos meus lençóis.
Cativa-me
Com doces gestos.
Mistura-se
Aos meus temores.
Desperta
Quando amanheço.


MELO, G. Crônicas, contos e poemas. Brasília: Abaré Editorial, 2008. p.93