sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“Conceder alento ao moderno, numa sociedade como a nossa que viveu décadas de modernização autoritária, importa instaurar um estatuto de plena autonomia aos seus seres sociais, tarefa que reclama uma intelectualidade ativa que abra pela reflexão caminhos para novas trajetórias críticas sobre o passivo da nossa história e ilumine novas possibilidades de ações progressistas.

A restauração da cultura democrática se encontra na dependência da musculatura que vierem a adquirir os entes da sociedade civil na luta por suas reivindicações, a fim de contornar o cenário hostil, atualmente configurado numa composição adversa das câmaras congressuais, buscando espaço e oportunidades que viabilizem o reencontro da sociedade com suas melhores tradições.

O futuro está em aberto, e, se bem que no nosso passado encontremos boas inspirações, ele está a exigir de nós espírito de descoberta e de invenções audaciosas num contexto exigente e desafiador, que só poderemos enfrentar na medida em que começarmos a caminhar, passo a passo, na busca de uma sociedade igualitária e justa.”

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. “Uma travessia difícil”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 21/12/2022. 

Fernando Gabeira - Um país em busca de horizonte

O Estado de S. Paulo

A forma mais prática de desejar um bom ano novo é com uma ampla proposta de como explorar nossos horizontes nos próximos quatro anos

A melhor maneira de um país aproveitar o ano novo é explorar seu horizonte de possibilidades. Dito assim, é muito abstrato. Segundo Yuval Harari, no seu livro Sapiens, horizonte de possibilidades significa o espectro de crenças, práticas e experiências que se apresentam diante de determinada sociedade, considerando suas limitações ecológicas, tecnológicas e culturais.

Uma sociedade, ou mesmo um indivíduo, nunca explora totalmente seu horizonte de possibilidades. Mas, diante de um novo ano, é razoável tentar realizar o máximo.

As chamadas limitações ecológicas, no caso brasileiro, são um ponto decisivo no seu horizonte de possibilidades. Depois da destruidora política ambiental do governo Bolsonaro, Lula fez um discurso animador em Sharm el-Sheikh, no Egito.

O novo governo promete conter o desmatamento na Amazônia, expulsar garimpeiros das terras indígenas, fortalecer a exploração sustentável e abrir-se para a cooperação internacional.

Luiz Carlos Azedo - Falta ainda anunciar os ministros da frente ampla

Correio Braziliense

Quinta-feira, após anunciar os novos ministros, Lula disse que dedicará a próxima semana aos entendimentos com os demais partidos que o apoiaram no segundo turno.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, ontem, 16 novos ministros, consolidando os espaços do PT e dos partidos de esquerda que foram seus aliados no primeiro turno. Falta agora anunciar os ministros que vão dar ao governo um espectro de centro-esquerda, incorporando as legendas e as lideranças que o apoiaram no segundo turno. O principal nó a ser desatado para a ampliação do governo é o acordo com Simone Tebet, a candidata a presidente da República do MDB, que apoiou Lula no segundo turno e deu grande contribuição à sua eleição. Ela está com um pé no governo e o outro na oposição.

Quinta-feira, após anunciar os novos ministros, Lula disse que dedicará a próxima semana aos entendimentos com os demais partidos que o apoiaram no segundo turno. Em alguma medida, tentará consolidar a aproximação com o PSD, o União Brasil e o Cidadania. Talvez até mesmo com o PP de Ciro Nogueira (PI) e Arthur Lira (AL), para formar uma base parlamentar sólida e uma construir uma boa relação com o Congresso. O espectro das bancadas que apoiaram a PEC da Transição é o limite dos acordos, mas há que se levar em conta que a motivação maior dos deputados foram suas emendas ao Orçamento, e não necessariamente o apoio ao governo Lula, como é o caso do PSDB.

Vera Magalhães - O governo Lula 3 e o papel das mulheres

O Globo

Excesso de pastas dadas a homens petistas mostra que, ao partido, interessa mais se guarnecer para a disputa de 2026

O governo Lula 3 vai se encaminhando para ser aquele com mais mulheres no primeiro escalão na posse desde a redemocratização. São seis as escolhidas até agora e, dados os nomes cotados, é bem provável que o número final supere as nove designadas para a largada do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Trata-se de um avanço enorme, sobretudo diante da comparação com o governo Jair Bolsonaro, que começou com apenas duas mulheres no primeiro escalão, terminou com uma e, no auge, tinha três representantes femininas na equipe.

A melhor notícia foi a designação da primeira mulher para o Ministério da Saúde. A nomeação de Nísia Trindade tem um enorme peso concreto e simbólico. Foram mulheres algumas das principais vozes de resistência ao negacionismo e ao boicote a vacinas e medidas sanitárias de Bolsonaro no curso da pandemia, e a Fiocruz, dirigida pela futura ministra, esteve na linha de frente do enfrentamento da emergência sanitária.

Bernardo Mello Franco - Radiografia do desmonte do Estado

O Globo

Documento mostra destruição promovida por Bolsonaro; Lula erra ao divulgá-lo junto ao anúncio de novos ministros

Lula errou ao divulgar o relatório final da transição no mesmo dia em que anunciou os nomes de mais 16 ministros do novo governo. Como era de se esperar, escolhidos e preteridos monopolizaram as atenções. O diagnóstico da máquina federal acabou em segundo plano.

O texto fornece uma radiografia da gestão de Jair Bolsonaro. Registra o desmonte do Estado, o abandono de políticas públicas, os retrocessos na área social. “O governo federal andou para trás”, resumiu o vice Geraldo Alckmin. Uma forma polida de descrever o que se passou nos últimos quatro anos.

No meio ambiente, a demolição foi calculada. O bolsonarismo desossou os órgãos de controle. O número de fiscais do Ibama, que já chegou a 1.800, despencou para cerca de 700. O Fundo Amazônia foi congelado com R$ 3,3 bilhões em caixa. Com as autoridades de braços cruzados, o desmatamento da floresta aumentou 60%. A maior alta num mandato presidencial desde o início das medições por satélite, em 1988.

José de Souza Martins* - As instituições e seus heróis

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A cerimônia de diplomação do presidente e do vice-presidente da República no TSE foi um rito de passagem e de reencontro do Brasil ferido com o Brasil civilizado

Na calma própria da civilidade, no último dia 12 de dezembro tivemos a solene cerimônia de diplomação do presidente e do vice-presidente da República democraticamente eleitos em outubro para o próximo mandato presidencial.

Mais uma vez, ganhou sentido a palavra sensata de José Gregori, que foi ministro da Justiça do governo FHC e embaixador do Brasil junto ao governo democrático de Portugal. Nos momentos de temor pelo futuro, em nossas conversas vespertinas na Academia Paulista de Letras, tem sido ele firme em nos lembrar que as instituições estão funcionando. A solenidade do dia 12 confirmou essa certeza do homem experimentado e prudente que ele é.

Não por acaso e muito significativamente, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes, foi o mais longamente aplaudido, de pé, pelo público presente. Um reconhecimento justo e necessário pela corajosa defesa do processo eleitoral, dele e de seus antecessores, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, contra os ataques sistemáticos da extrema direita reacionária, oportunista e antidemocrática.

César Felício - Lula tenta seu ‘vale a pena ver de novo’

Valor Econômico

Há muitos ecos do passado no novo desenho da Esplanada

O ministério do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já tem definidos os espaços para o PT, PSB, PC do B e militância, que fazem parte do núcleo original da aliança que forjou a terceira candidatura vitoriosa do petista. De modo que análises como “o ministério é petista demais” e “a frente ampla não está contemplada” ainda são prematuras.

A camada de ministros que representam forças que entraram em um segundo momento na campanha ou até depois da eleição deve vir na próxima semana. Falta definir o destino de Marina Silva e Simone Tebet, a parte que cabe ao MDB e ao PSD nesse latifúndio, de que maneira o Centrão de Arthur Lira estará representado, se algo será dado para o PDT e Solidariedade e quem assume o Ministério dos Povos Originários e de que forma.

 “Quem tem expectativa não perca a expectativa”, disse Lula durante o anúncio. Só na próxima semana, portanto, haverá a perfeita dimensão da representatividade política da Esplanada dos Ministérios.

Claudia Safatle - Sempre haverá a LFT para nos salvar

Valor Econômico

Papéis atrelados à Selic na dívida ganham espaço

Para fontes oficiais da área econômica, a aprovação da PEC da Transição, também conhecida como PEC da Gastança, autoriza o governo eleito a gastar até R$ 145 bilhões acima do teto mais cerca de R$ 24,6 bilhões de recursos esquecidos, pelos trabalhadores, nas contas do PIS/Pasep que poderão ser utilizados. Perfazendo, portanto, uma licença para aumentar a despesa pública em até R$ 169 bilhões em 2023.

O valor adicional do gasto que a PEC autoriza representa um aumento do endividamento público, que sairia dos 73,7% estimados para este ano para algo como 81,8% do PIB, segundo uma simulação feita pelos técnicos do Tesouro Nacional considerando que a elevação do teto em R$ 145 bilhões será mantida nos anos de 2025 e 2026. Já a partir de 2024 se espera que esteja em vigor uma nova âncora fiscal, que venha a substituir a lei do teto do gasto público.

Vinicius Torres Freire – A cara do ministério Lula 3

Folha de S. Paulo

Governo é o mais diverso da história, mas não muito, e agora vai ter nomeações do centrão

Luiz Inácio Lula da Silva nomeou 21 dos seus 37 prováveis ministros. Por enquanto, é um ministério dominado por PT, aliados, companheiros de viagem e de gente representativa de movimentos sociais, negros em particular. Agora em diante é que são elas (poucas elas): vem a barganha com centrão e Congresso.

É um ministério de gente muito experiente, que ocupou cargos executivos de importância. Vai ser o mais diverso da história, mas lá não muito. Mulheres talvez chefiem um quarto das pastas ou um tico mais do que isso, por exemplo.

É um governo marcadamente nordestino. Embora seja injusto e ignorante jogar as pessoas da região nesse balaio genérico, o adjetivo tem, no contexto, significado político. Lula deve sua eleição às largas maiorias que teve no Nordeste, que tem tido muitos governadores de esquerda. No mais, o gabinete é em boa parte paulista.

Reinaldo Azevedo - Lula vence no Congresso e já governa

Folha de S. Paulo

Futuro presidente paga até os calotes do desastrado governo Bolsonaro

Sempre presto atenção às advertências muito severas feitas por colunistas desta Folha e de outros veículos sobre os males que aguardam o Brasil em razão de escolhas equivocadas que Luiz Inácio Lula da Silva já teria feito, e a PEC da Responsabilidade Orçamentária seria uma delas.

Divirjo com admiração — nem sempre, é verdade —, de braços dados com Romain Rolland: não permito que o "pessimismo da inteligência" meu e dos meus pares turve de todo o "otimismo da vontade". Não é raro que me encante com suas certezas tornadas sentenças, como se estivessem a ver o futuro além dos juros futuros.

E eu cá, num mar de dúvidas, percebo que quase "não tenho par nisto tudo nesta terra". Espantam-me tanta destreza nas predições e a ousadia de anunciá-las.

Hélio Schwartsman - A aposta de Lula

Folha de S. Paulo

Presidente eleito blinda suas decisões de um escrutínio mais crítico

O filósofo Paul Virilio (1932-2018) não está entre os meus preferidos, mas acho que ele captou algo importante quando, já nos anos 1970, identificou a velocidade e a aceleração (da vida, da política, das relações econômicas) como elementos definidores da modernidade. A sociedade tem cada vez mais pressa, o que, muitas vezes, se traduz em impaciência com governantes.

Um bom exemplo disso é o chileno Gabriel Boric. Ele assumiu a Presidência em março com 50% de popularidade. Com quatro meses de mandato, essa cifra já havia baixado para 34% e hoje ele está com meros 29% de aprovação. Não há um evento único que explique essa queda, que parece mais o resultado de processos difusos nos quais a pressa da população teve papel relevante.

Bruno Boghossian - O alerta da velha guarda

Folha de S. Paulo

Ex-ministros acreditam que disputas por influência e lacunas na equipe criam riscos para 2023

O apetite do PT e os impasses na distribuição de cargos do novo governo fizeram soar um alerta entre integrantes da velha guarda do partido. Esses políticos avaliam que a formação do ministério tem alimentado disputas internas e deixado lacunas que criam riscos para 2023.

O receio foi compartilhado em conversas por telefone e durante um jantar na última quarta-feira (21), em Brasília. Petistas que ocuparam cargos de ponta em governos passados indicaram que os sinais emitidos nos ministérios anunciados e nas pastas pendentes podem provocar alguma instabilidade política.

Flávia Oliveira - É vermelho o Natal

O Globo

Vestir a cor não é crime. Nunca foi. Não será

Não foi pouco o que se lamentou, nos últimos tempos, o sequestro pela extrema direita brasileira do amarelo da seleção, indumentária que costumava aproximar os amantes de futebol, súditos do Rei Pelé. O que passou batido foi a criminalização do vermelho. Quem não gosta de Jair Bolsonaro e seus aliados, além de não vestir a camisa canarinho, ficou sem poder usar a cor associada pelos radicais à esquerda, ao comunismo, ao PT, a Lula. Mas é vermelho o Salgueiro. É vermelha a Unidos do Viradouro. A Estácio de Sá é vermelha. É vermelho o Boi Garantido. São vermelhos o América, cansado de guerra, e o Internacional. É vermelho o Natal.

A cor vermelha é associada a desafio e resistência, à esquerda revolucionária e aos sindicatos, às lutas populares e ao sangue derramado. Deu o tom a bandeiras do Partido Socialista Francês, do Partido Trabalhista do Reino Unido, do PT brasileiro, da União Soviética, da China. E, nos EUA, do Partido Republicano, de ninguém menos que Donald Trump, ídolo do quase ex-presidente do Brasil.

Pedro Doria -A transformação silenciosa de 2023

O Globo

Produzir um pequeno texto jornalístico a partir de um boletim de ocorrência será tarefa para as máquinas

Uma das primeiras reações ao lançamento do ChatGPT, aberto ao uso público no início deste mês, foi de professores universitários americanos. O sistema atua como uma janela de chat. Pergunte sobre o conceito de liberdade segundo o filósofo fulano ou peça um resumo de Hamlet, e o sistema não dá apenas uma resposta coerente. A resposta é incrivelmente profunda, às vezes até sensível. Os professores começam a temer que não serão mais capazes de distinguir os trabalhos que alunos de graduação escreveram daqueles produzidos por inteligência artificial. Mas o cenário está posto. Este ano que entra, 2023, será o ano da inteligência artificial generativa — Gen-AI, na sigla habitualmente usada em inglês.

Rogério Werneck* - Um trauma mal resolvido

O Estado de S. Paulo

Negacionismo de Lula e do PT compromete a largada do novo governo

Para Lula e o PT, o desastroso mandato e meio de Dilma Rousseff continua sendo um trauma mal resolvido. Aferrados ao negacionismo, Lula e o partido jamais conseguiram desenvolver uma narrativa apresentável do que se passou entre 2011 e 2016. E o que agora se vê é que essa incapacidade de reconhecer o que, de fato, aconteceu começa a afetar decisões cruciais do presidente eleito sobre a composição da nova equipe econômica e a condução da política econômica do futuro governo.

Para todos os efeitos, Lula se comporta como se, em sua cabeça, o governo Dilma não tivesse existido. Um período a ser desconsiderado e, de preferência, jamais mencionado. O problema é que, como os segmentos mais bem informados da opinião pública estão perfeitamente a par do que se passou no governo Dilma, se cria uma situação de grande constrangimento a cada vez que Lula se permite fazer declarações que parecem presumir que a audiência nada sabe a esse respeito.

Celso Ming - Cadê a política industrial?

O Estado de S. Paulo

Já sabemos que o futuro vice-presidente, Geraldo Alckmin, também vai ser o ministro que vai comandar o desenvolvimento da indústria, mas não sabemos qual será a política industrial.

O PT não sabe o que quer. O relatório final do governo de transição é vago quando trata sobre a indústria. Fala em reverter a desindustrialização, explorar investimentos em ações coordenadas entre os setores públicoprivado, “promover o engajamento da indústria na transição tecnológica” para uma economia verde e limpa e mais competitiva, porém são palavras vazias porque não estão acompanhadas de ações concretas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Risco para novo governo é repetir erros do passado

O Globo

Para lidar com a herança de Bolsonaro, não bastará dar mais recursos a programas esvaziados

Antes de anunciar mais 16 nomes para seu ministério, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, divulgou ontem o relatório final do gabinete de transição, sob a coordenação do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. O documento foi apresentado como um diagnóstico da “herança maldita” que o novo governo receberá da gestão Jair Bolsonaro e um primeiro esboço das medidas que tomará.

Deve-se reconhecer que, para uma chapa eleita com base num programa de governo repleto de ideias ultrapassadas e propostas descabidas, o documento foi um avanço. Pelo menos está apoiado em fatos (e isso, registre-se, não é pouco nos tempos que vivemos). A primeira parte desfia uma ladainha, ministério a ministério, constatando cortes em verbas e programas, cujos efeitos são considerados deletérios.

É verdade que diversos indicadores são alarmantes. O acompanhamento da vacinação infantil caiu de 68% para 45% na gestão Bolsonaro. No Cadastro Único para Programas Sociais, apenas 60% dos dados estão atualizados, e quase 35% dos 40 milhões de famílias têm apenas um integrante. Os empréstimos consignados a beneficiários de programas sociais concedidos às vésperas da eleição somam R$ 9,5 bilhões. O tempo médio para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) subiu de 78 para 311 dias, e há 580 mil na fila de espera.

Poesia | Machado de Assis - Soneto de Natal

 

Música | Saudades da Guanabara - Moacyr Luz/Ana Costa/Anna Luisa/Nilze Carvalho