Agradeço o
convite para debater, nesta travessia política as ideias de um italiano
que há anos se tornou referência para mim. Trata-se de Antonio Gramsci, o mais
importante - talvez o maior - pensador da tradição marxista-ocidental do século
passado, cujos 116 anos do nascimento foram celebrados em 22 de janeiro de
2007.
Gramsci morreu em
27 de abril de 1937, aos 46 anos. A morte o derrotou no instante em que
conseguira a liberdade. Dois dias antes, recebera o documento assinado pelo
Juiz do Tribunal Especial de Roma com a declaração de que fora suspensa
qualquer medida de segurança em relação a ele, que foi preso por ordem de
Mussolini em 8 de novembro de 1926. No processo-farsa montado pelo Estado fascista,
o promotor pediu aos juízes sua condenação; olhando-o sentenciou: ”É preciso
impedir este cérebro de funcionar”. O castigo ocorreu, mas não se conseguiu
impedir que, de dentro da prisão, fosse escrita uma obra monumental, para a
eternidade (Für ewig).
Condenado,
Gramsci fez com que sua inteligência penetrasse na densidade sombria da
realidade. Recusou a vaidade demagógica de uns e o dogmatismo mofado dos
outros. Não pensou em formular uma nova e original filosofia da práxis. Só mais tarde manifestou a consciência do
valor de sua reelaboração. Ousou, do interior do cárcere, na solidão, inclusive
política, desafiar a ignorância e as banalidades stalinistas. Foi por muito
tempo negligenciado e desconhecido até pelos que, ao contrário, deveriam tê-lo amado e o honrado mais intensamente.
Por que minha
curiosidade por esse homem e sua obra? Originalmente, meu contato com Marx se
deu com leituras de textos de outro italiano, Antonio Labriola (1843/1904). Era
uma espécie de vacina antidogmática. A partir daí, descobri Gramsci
rapidamente. No início senti comoção por aquele homem frágil, sofredor e
perseguido. Na sequência, admiração pela sua coragem e combatividade. Depois,
interesse crescente pelo seu pensamento denso. Mais tarde, aceitei seus
ensinamentos e visão sobre a filosofia de Marx. Esse encontro ocorreu entre os
anos 1958 e 1962, por meio de publicações argentinas que chegavam a Recife.
Nesse contexto, um papel importante foi desempenhado nessas minhas descobertas
pelo gerente da livraria Editora Nacional, na Rua da Imperatriz.
Até hoje, há uma
polêmica sobre o porquê da recusa de Gramsci em usar o termo materialismo ou
marxismo. Uma grande parte de estudiosos atribui o fato a uma maneira de
ultrapassar a rigidez da censura. É preciso ressaltar, entretanto, que aqueles
termos estavam relacionados a uma visão economicista, dogmática e ortodoxa,
cujo símbolo mais conhecido era o manual Ensaio popular, de Nicolau
Bukarin. Em sua defesa Gramsci foi buscar o exemplo de Marx no prefácio de O
capital. Ali, o corifeu da nova filosofia falava de “dialética racional” e
“dialética mística” em vez de dialética materialista e dialética idealista.
Estou convencido
de que o uso do termo filosofia da práxis foi consciente, no sentido da
revalorização da atividade cultural e da dimensão ético-política. Ao mesmo
tempo em que travava uma batalha contra os dogmáticos, Gramsci considerava que
a filosofia da práxis deveria reconquistar a força criadora da qual se
apoderara o pensamento moderno preconceituoso em relação a Marx: Bérgson, Sorel, Croce, Weber, Veblen,
Freud, o pragmatismo e, através de Spengler, Nietzsche também.