quinta-feira, 9 de setembro de 2021

José Serra* - Uma jabuticaba podre

O Estado de S. Paulo

Senado tende a rejeitar a PEC que reforça o que há de mais nefasto no sistema proporcional

A essência das democracias representativas é o sistema eleitoral, porque determina quem é cidadão e como se outorga, a seu representante, o poder de decidir em seu nome. Também indispensável é determinar como se dá o processo eleitoral, se em reuniões presenciais de vizinhança ou por meio de um processo complexo, que vai do registro de candidatos ao registro e contagem do voto.

A legislação eleitoral deveria, portanto, ser isenta de mudanças que reflitam interesses de ocasião. O conflito entre as prerrogativas do representante e os direitos fundamentais do eleitor é real e deve ser contido.

O legislador exerce um poder que lhe é outorgado pelo cidadão e, dessa forma, quanto mais autonomia obtiver para decidir em favor de sua agenda pessoal, menor é a autonomia dos cidadãos para implementar seus interesses e valores. Não há meio termo: tudo o que se acresce de um lado é tirado do outro.

As revoluções liberais de meados do século 19, que conquistaram o direito de ser representado nas decisões relevantes, proclamavam que não pode haver obrigação legal sem representação popular. As conquistas desse período, por bem ou por mal, limitaram o arbítrio dos detentores do poder de legislar. No Brasil, cada vez que surge um projeto de “reforma política”, centrada em alterações no sistema eleitoral, provavelmente os cidadãos só terão a perder, porque elas visam a restringir o direito de aceitar ou não obrigações que lhes sejam impostas.

Culpa-se o eleitor por votar ao sabor do vento e logo esquecer em quem votou. Contudo, o sistema proporcional vigente no Brasil foi concebido com esse objetivo, já que não permite saber para quem vão os votos da imensa maioria dos eleitores – algo entre 75% e 85% –, para os quais não existe nenhum eleito obrigado a lhes prestar conta do mandato que lhe foi outorgado.

Assim sendo, só cabe ao eleitor reivindicar ao vento, protestar contra a classe política ou queixar-se ao bispo. Pois bem, criou-se, numa das reformas passadas, uma jabuticaba podre: a coligação interpartidária nas eleições legislativas. Isso permite que um grupo de partidos some seus votos para eleger candidatos da coligação, sem que os partidos tenham votos suficientes, nem que haja qualquer grau de convergência programática entre as legendas.

William Waack - Esticando a agonia

O Estado de S. Paulo

O País inteiro é refém de forças políticas que só pensam no custo de oportunidade

Jair Bolsonaro conseguiu no 7 de Setembro tirar o último resquício de medo que se pudesse ter dele como personagem político capaz de levar adiante qualquer operação golpista de grande porte. Ele demonstrou não comandar instrumentos de força que, no fim das contas, acabam sendo decisivos em embates nos quais se antecipa possível emprego de violência física.

Chamam a atenção dois aspectos. O primeiro é o fato de que não ocorreu a temida insubordinação das PMS contra os governadores, que Bolsonaro ataca como inimigos. Confirmaram-se as avaliações de serviços de inteligência militares segundo os quais haveria apenas participação pontual de policiais no delírio de rua bolsonarista. Somado à recusa das cadeias de comando das Forças Armadas a embarcar na aventura política, fica evidente que o presidente não manda nas armas.

Talvez o que mais desespere Bolsonaro seja o segundo aspecto associado ao 7 de Setembro: o fato de ele não ter comando também sobre a Polícia Federal. Em qualquer projeto de golpe é essencial algum tipo de ferramenta de intimidação judicial e/ou policial sobre adversários (além da força militar), e o que está acontecendo é exatamente o contrário. A PF, que é uma polícia judicial, obedece meticulosamente ao STF (na cabeça de Bolsonaro leia-se Alexandre de Moraes). E intimidados estão sendo os bolsonaristas.

Joaquim Falcão – Lira tem ter coragem de decidir sobre o impeachment.

O Estado de S. Paulo

O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem de ter a coragem política de barrar ou não o impeachment

Tudo está ficando mais claro. Quando o Supremo tem que decidir questões circunstanciais, tem sido, às vezes, excessivamente monocrático. O ministro fala sozinho. Mas quando o Supremo tem que decidir questões institucionais, é coletivo. E é o caso. Nem Alexandre de Moraes nem Luiz Fux estão agindo circunstancialmente. Estão agindo institucionalmente. Não são um. São todos. Atacar um é atacar todos. A tática da personalização do Supremo morre no grito, mas não se transforma em gesto. Erra o alvo. O presidente da República conseguiu unir o Supremo.

Defendido e bem o Supremo, ao ministro Fux só faltou falar como Cícero, grande orador do século I a.c., disse a um senador que conspirava contra a República Romana: “Até quando abusarás da paciência nossa?”

Eugênio Bucci* - ...e não acontece nada

O Estado de S. Paulo

No 7 de Setembro, a democracia brasileira apanhou, calada, de forma humilhante

Podem dizer que, depois dos comícios golpistas de anteontem, o presidente da República encolheu. Podem dizer que ele se isolou ainda mais ao bradar que não vai mais cumprir determinações do Supremo Tribunal Federal. Podem dizer que empregou indevidamente recursos públicos, como aviões e helicópteros, para promover atos de caráter anti-institucional e antioficial. Podem dizer que seus pronunciamentos incendiários e arruaceiros fazem dele mais um chefe de gangue do que um chefe de Estado. Podem dizer que, em Brasília e, mais ainda, em São Paulo, ao conclamar a audiência a xingar o Judiciário e ao chamar de “farsa” o sistema eleitoral brasileiro, ele incorreu numa conduta de legalidade, no mínimo, duvidosa. Podem dizer que o governante lancinante, ao agir como agiu, perdeu apoios entre parlamentares e até mesmo entre os donos do dinheiro. Podem dizer que o beócio comparecimento dos canarinhos fascistinhas não foi espontâneo, mas anabolizado pelos latifundiários desmiolados – de zonas rurais ou urbanas, tanto faz –, que cederam caminhões, lanchinhos e faixas propondo golpe de Estado em letra de forma, em inglês e português (ruim). Podem dizer que o presidente da República, sem máscara, no meio da aglomeração de suas plateias de aluguel e de seus aduladores de boné, também sem máscara e sem dignidade, atentou contra a saúde pública. Podem dizer que o vice-presidente e os ministros empertigados no palanque assumiram que são cúmplices deste crime em progressão desordenada.

Podem dizer tudo isso e, se disserem, não estarão mentindo. O presidente saiu do Sete de Setembro menor do que entrou, é fato. Sua malignidade intencional nunca esteve tão evidente. Depois de mais esse acesso antidemocrático, inviabilizou-se ainda mais. Suas investidas autoritárias perderam efetividade. Mesmo assim, no entanto, mesmo tendo gerado fraqueza ao tentar exibir força, o que aconteceu no Brasil no feriado que deveria festejar a independência nacional foi uma surra no Estado Democrático de Direito. A democracia brasileira apanhou de forma humilhante, foi insultada em praça pública, sofreu enxovalhos que não merecia, calada.

Adriana Fernandes – Efeito colateral

O Estado de S. Paulo

Dilema que atormenta muitos parlamentares é se vale a pena ajudar Bolsonaro

É inegável que o agravamento da tensão política após as manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro piora o ambiente para a aprovação completa (Câmara e Senado) de projetos econômicos de interesse do governo. Mas essa é uma avaliação de curtíssimo prazo e o pragmatismo político (o do dinheiro) deve falar mais alto.

Não é do interesse de deputados e senadores, que disputarão as eleições em 2022, implodir por completo a pauta econômica a ponto de inviabilizar o Orçamento do governo no ano que vem.

Os parlamentares querem emendas, recursos para obras nos seus redutos e um fundo eleitoral rechonchudo para enfrentar com posição privilegiada a campanha de 2022.

Esse ponto vale para os parlamentares de todos os partidos: governistas e opositores do presidente Bolsonaro. O dilema que atormenta hoje muitos parlamentares é avaliar até que ponto vale a pena ajudar Bolsonaro com uma solução para o pagamento da dívida de precatórios e dar a ele o novo Bolsa Família. Ninguém acredita que haverá corte das emendas parlamentares para reforçar o programa social.

Maria Hermínia Tavares* - Que golpe seria esse?

Folha de S. Paulo

Mesmo nas redes sociais o ex-capitão bombista vem perdendo espaço para adversários

Autoritário por índole, Bolsonaro quer ser ditador. Fala em liberdade e democracia enquanto ameaça opositores e investe virulentamente contra as instituições que as garantem. Não faz outra coisa senão atacá-las. Sem sombra de dúvida, é um golpista em tempo integral. Mas a bordoada que pretende desferir no sistema pelo qual se elegeu segue roteiro improvável.

A literatura sobre golpes registra três caminhos para o sucesso. No primeiro, o titular do governo, diante de ameaça grave —ainda que forjada--, obtém o apoio dos poderosos e das Forças Armadas para impor uma ordem autoritária. Foi o caso de Getúlio Vargas em 1937, ao criar o Estado Novo. No segundo cenário, em clima de conflagração política, elites civis e militares conspiram para derrubar o mandatário eleito e, se bem-sucedidas, enterrar a democracia. Esse foi o golpe que se abateu sobre o país em 1964.

Por último, a terceira via é aquela tratada pelos cientistas políticos americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em "Como as Democracias Morrem". Eles descrevem um lento processo de corrosão das instituições democráticas, promovido por um governante legitimado pelo voto. Para ter êxito, o candidato a autocrata depende, além de amplo respaldo das ruas, de robusta maioria parlamentar que lhe permita aprovar leis adequadas a seus propósitos. Precisa contar ainda com um Judiciário fraco e obsequioso; uma imprensa passível de ser controlada ou comprada; e um estamento militar cooptado com benesses e mudanças de regras que propiciem a ascensão rápida dos simpatizantes do regime de força. Esse está longe de ser um caminho aplainado: eis por que se contam nos dedos de uma das mãos os casos de pleno êxito da empreitada autoritária.

Vinicius Torres Freire - O peru de Natal podre de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Acidentes e baderna do presidente ameaçam até recuperação do PIB deste ano

Lá no final de maio, pareceu possível que a economia recuperasse ao menos o que havia perdido no paradão da epidemia de 2020 e que houvesse vacinas bastantes para que todo o mundo recebesse as injeções antes do fim do ano.

Um governante incapaz, mas mentiroso, cínico e oportunista, tentaria tirar proveito da situação e também colocar na sua conta a melhora relativa do país, por interesse próprio. Ainda habitaria o universo da razão, mesmo que meramente instrumental e no seu nível mais baixo. Jair Bolsonaro está abaixo disso. Talvez consiga implodir até a despiora prevista para este 2021.

Jamais é uma boa ideia prestar atenção demasiada a paniquitos dos mercados financeiros, como o desta quarta-feira, o dia depois do 7 de Setembro golpista. Além do mais, a finança do centro do mundo andou alvoroçada, o que explica parte do afundamento do mercado brasileiro. No entanto, a cada tombo mundial ou emergente, o Brasil rola vários degraus e quebra costelas. O dólar foi a R$ 5,33, quase 3% de alta, a maior desde meados do ano passado, dando mais lenha para a inflação queimar. A Bolsa perdeu 3,8%.

Menos pop e comentada foi a corrida das taxas de juros no atacadão do mercado de dinheiro. A taxa de dois anos foi a 9,4%, por exemplo, mas a disparada foi geral (em maio, o juro futuro de dois anos estava na casa de 7%). Isso vai chegar ao crédito bancário, ao capital de giro das empresas médias, talvez ao financiamento de casas.

Bruno Boghossian – O Impeachment e o cálculo de Lira

Folha de S. Paulo

Força de políticos cresce à medida que Bolsonaro fabrica riscos e ganha segundas chances

Arthur Lira não quer saber de impeachment. Depois que Jair Bolsonaro subiu num carro de som para ameaçar o Supremo, o presidente da Câmara falou em "bravatas em redes sociais", pregou uma pacificação que sabe que não virá e disse que o país deve ter serenidade para esperar as eleições do ano que vem.

Abrir um processo para derrubar Bolsonaro ainda é um mau negócio para os deputados que formam o miolo da Câmara. A tensão política e o enfraquecimento do governo ampliam o poder desses parlamentares e permitem que eles direcionem seus esforços para o que importa: sua própria sobrevivência.

A força de Lira cresce à medida que Bolsonaro fabrica riscos e ganha do mundo político segundas, terceiras e quartas chances. Antes de chegar ao comando da Câmara, o deputado já liderava um centrão que dava estabilidade ao governo. Desde então, seu grupo ganhou controle sobre bilhões de reais do Orçamento e foi recompensado com dois ministérios dentro do Palácio do Planalto.

Ruy Castro - Bolsonaro mais perigoso do que nunca

Folha de S. Paulo

Há meses sugeri focinheira, camisa de força e jaula para ele. Agora é tarde

Há seis meses, escrevi neste espaço que só havia uma maneira de parar Jair Bolsonaro: neutralizando-o com uma focinheira, metendo-o numa camisa de força e trancando-o numa jaula. Ciente do risco de cada uma dessas etapas —poucos animais são tão perigosos quanto Bolsonaro—, sugeri o único plano que, a meu ver, tornaria a operação segura e factível. Transcrevo:

Seria uma ação conjunta, tipo Swat ou Mossad, envolvendo várias equipes de elite, mestras em artes marciais, resistência e coerção. Uma das equipes se jogaria sobre Bolsonaro de surpresa, imobilizando-o pelo tempo suficiente para que outra lhe aplicasse a focinheira. A salvo das mordidas e cusparadas da besta-fera, as duas equipes, com a ajuda de uma terceira, o enfiariam numa camisa de força. Por fim, as três o arrastariam a uma jaula com grades eletrificadas.

Maria Cristina Fernandes - Matar, morrer ou acomodar

Valor Econômico

No balé das instituições, quem vai dar o tom é o Brasil real dos saques a supermercados

O presidente do Supremo Tribunal Federal falou duas vezes que ninguém fecharia a Corte. Deixou a magistratura incomodada com a contenção. Se duplicou a bravata porque há um cabo e um soldado à sua porta há outros usos para a energia despendida. Poderia, por exemplo, oficiar o procurador-geral da República a se manifestar sobre o crime de responsabilidade do não-cumprimento de decisões judiciais. Ou representar ao TSE por propaganda eleitoral antecipada. E ainda cobrar um posicionamento do presidente da Câmara sobre os 126 pedidos de impeachment.

Ante um presidente que bateu de frente, o ministro Luiz Fux optou pela estratégia de comer pelas beiradas. Elogiou as polícias, militar e federal, e as Forças Armadas, como a cativá-las para os embates do golpismo permanente decretado pelo presidente e já evidenciado nos ataques desta quarta ao Ministério da Saúde e na permanência dos caminhões na Esplanada.

A estratégia de Fux ainda passa pelo freio na negociação dos precatórios, a conta que não deixa o Orçamento fechar. Antes da manifestação, STF e TCU buscavam, junto com o Ministério da Economia, uma solução que arriscava até o calote. Agora os dois tribunais voltaram a colaborar, desta vez em busca dos financiadores nacionais - e internacionais - da guerrilha bolsonarista. Se a busca é por símbolos do isolamento, aí está um.

Este foi um dos temas tratados na reunião entre os ministros, na noite do dia 7, quando se combinaram as linhas do discurso do presidente da Corte, Luiz Fux. As evidências de financiamento privado irregular já tinham ficado claras no bloqueio das contas da Aprosoja. Confirmaram-se com o transporte de manifestantes para Brasília e São Paulo, onde uma pesquisa da USP detectou que 27% vinham de fora da Região Metropolitana.

E, finalmente, a presença do ex-assessor do ex-presidente Donald Trump, Jason Miller, em Brasília, levou autoridades americanas a colaborar com a Polícia Federal para mapear a origem do jatinho que o trouxe ao Brasil. Trata-se de uma das cabeças da estratégia de comunicação da extrema-direita mundial, que deu as caras com as placas bilíngues a reproduzir o grito de ordem “a vida pela liberdade” ecoado no discurso presidencial.

Cristiano Romero - O quão frágil é a nossa democracia?

Valor Econômico

Ainda faltam duas condições para abertura de impeachment

Quando o chefe do Poder Executivo ameaça não cumprir decisões judiciais e nada o constrange, há algo de muito errado na institucionalidade da República brasileira. Afinal, quem deve proteger a sociedade de ameaças ao Estado democrático direito?

Na data em que se comemorou o 199º aniversário da independência deste país, o presidente Jair Bolsonaro, eleito pelo voto popular, por meio de urnas eletrônicas, processo que permite aos brasileiros saberem quem ganhou a disputa em menos de três horas, algo que não ocorre nem na maior democracia do planeta _ a dos Estados Unidos, pátria da Microsoft e de outras gigantes do mercado de softwares _, ameaçou descumprir a Constituição, a lei máxima do país promulgada em 1988.

Ao anunciar que não cumprirá eventuais decisões tomadas pelo ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que recado deu Bolsonaro aos milhões de brasileiros que, de forma legítima, lhe conferiram mandato para assumir a presidência da República, e também aos milhões que não votaram nele, mas aceitaram o resultado da eleição porque, numa democracia, é assim que as coisas funcionam? É preciso desenhar ou o distinto público entendeu que o temido golpe já começou a ser instaurado?

O que é golpe num Estado democrático de direito, senão, o desrespeito ao “império das leis”, que devem valer para todos. Ninguém, muito menos o presidente da República, está acima das leis. Golpe também ocorre quando um poder da República ameaça o funcionamento de outro poder, quando grupos da sociedade se organizam para, por meio da força, interromper o processo institucional, impedir que uma eleição ocorra.

Luiz Carlos Azedo - O dia seguinte

Correio Braziliense

Bolsonaro tem uma interpretação do Poder delegado pelos eleitores à Presidência que extrapola seus limites constitucionais, vem daí o conflito institucional

O presidente Jair Bolsonaro demonstrou grande capacidade de mobilização no dia 7 de setembro. Maior do que a oposição imaginava, porém, menor do que gostaria que fosse, para ir adiante no seu projeto de emparedar o Supremo Tribunal Federal (STF) e/ou dar um golpe de Estado. Grande o suficiente para garantir uma base parlamentar capaz de barrar um processo de impeachment, como ficou claro no pronunciamento do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não o bastante para intimidar o STF, como deixou claro o seu presidente, ministro Luiz Fux.

O país está prisioneiro de uma armadilha criada pelo presidente da República. É um impasse no qual as pesquisas de opinião apontam o seu enfraquecimento, mas não ainda o suficiente para inviabilizar sua presença no segundo turno. Bolsonaro perde a expectativa de reeleição, mas continua controlando a forma mais concentrada de poder: o governo, que arrecada, normatiza e coage. Sua gestão é um desastre multifacetado, que turva o horizonte político e econômico e agrava os problemas sociais, é certo. Mesmo assim, Bolsonaro contém a expetativa de poder da oposição, gerada principalmente pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a ameaça de impedir as eleições ou não aceitar seu resultado. Ou seja, de não deixar que o petista tome posse, caso vença as eleições, como ameaçara Carlos Lacerda na campanha eleitoral de 1950.

Como diria o Barão de Itararé, tudo seria fácil se não fossem as dificuldades. Os episódios do Dia da Independência e os de ontem, com os pronunciamentos do presidente da Câmara e do presidente do Supremo, refletem o outro lado da mobilização bolsonarista. Além de uma fieira de crimes eleitorais — propaganda antecipada, uso indevido de recursos públicos, financiamento ilegal etc. —, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao atacar o Supremo e dizer que não aceitaria decisões do ministro Alexandre de Moraes. A premissa de um processo de impeachment já está dada; a forma, ainda não. É um processo político, que somente começa quando o presidente da Câmara tira da gaveta um dos pedidos de impeachment.

Merval Pereira - Remédio amargo

O Globo

Nem todos foram tão contundentes e certeiros com as palavras como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux. Mas todos os que se pronunciaram com críticas à retórica belicista do presidente Bolsonaro na terça-feira o fizeram como se avisassem ao presidente que está chegando o momento da verdade.

A fala do procurador-geral da República, Augusto Aras, foi acadêmica e clara na defesa da tese de que a democracia não existe sem o respeito entre os três Poderes. Não cometeu o erro do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, de igualar na responsabilidade pela crise o Judiciário e o Executivo, quando claramente é o último que estica a corda e quer submeter o primeiro a seus interesses familiares e políticos. Colocando-se em posição proativa, Aras reafirma uma nova postura independente.

Lira colocou o Legislativo no centro da Praça dos Três Poderes, como se fosse a ponte entre os outros dois, na concepção que atribuiu a Niemeyer e Lucio Costa. A mesma tentativa de explicar a praça foi feita no documento que Febraban e Fiesp organizaram, e acabou não dando certo pela tibieza de seus termos.

Na carta, dizia-se que o espaço da praça “foi construído formando um triângulo equilátero, cujos vértices são os edifícios-sede de cada um dos Poderes. Esta disposição deixa claro que nenhum dos prédios é superior em importância, nenhum invade o limite dos outros, um não pode prescindir dos demais”. Os dois, o discurso de Lira e o manifesto da Fiesp, com essa metáfora arquitetônica, queriam não criticar diretamente o presidente da República, fingindo que a culpa pela crise que vivemos é dos dois outros Poderes, quando, na verdade, somente o Executivo está em pé de guerra com o Judiciário e também com o Legislativo, quando Bolsonaro se recusa a aceitar a derrota do voto impresso.

Malu Gaspar - Quem quer de verdade o impeachment de Bolsonaro?

O Globo

Fazia tempo que a palavra impeachment não aparecia com tanta frequência no noticiário. Depois do discurso golpista de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, virou assunto não só nos jornais, nas TVs e nas redes sociais, mas também nas conversas dos líderes políticos do Congresso, do Judiciário e do próprio governo. PSDB, PSD e DEM anunciaram a abertura de discussões internas sobre o impeachment, e o PDT apresentou uma notícia-crime contra o presidente por crime de responsabilidade. É a primeira vez que o tema ganha tal força, apesar do histórico de crises e de motivos para um impedimento desde o início do governo Bolsonaro.

A questão, portanto, não é se há razões para tirar Bolsonaro do poder. Fernando Collor perdeu o cargo por causa de um Fiat Elba, e Dilma Rousseff por pedaladas fiscais que a maior parte dos brasileiros não é capaz de entender até hoje. Já Lula passou incólume pelo mensalão, e Michel Temer pelo Joesley Gate. O que interessa saber, no fundo, é: quem quer de verdade Bolsonaro fora do Palácio do Planalto e o que está disposto a fazer para isso?

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), definitivamente não está entre essas pessoas. Com seu pronunciamento ensaboado de ontem, Lira deixou claro que ainda não está disposto a comprar uma briga com o bolsonarismo e abrir mão de seu largo quinhão na divisão de poder hoje em funcionamento.

Míriam Leitão - O sujeito do golpe é o chefe da Nação

O Globo

O presidente do STF, Luiz Fux, disse que o “chefe da Nação” tenta tirar a credibilidade do STF e de seus membros e usou a expressão “crime de responsabilidade” para definir a ameaça do presidente de não cumprir uma ordem judicial. Isso é muito em um país em que as autoridades preferem eufemismos ou orações sem sujeito. É como se todos os poderes estivessem em guerra, igualmente culpados. Não é isso. Há um sujeito, o presidente da República, atacando diariamente as bases da democracia brasileira. Ele sim, Jair Bolsonaro, usou o 7 de setembro para escalar as ameaças, o tom do golpismo. Meias palavras, subentendidos, orações com sujeito indeterminado não servem para defender as instituições.

A economia traz aflições diárias aos brasileiros, como lembrou Fux em seu discurso. “A inflação que corrói a renda dos pobres”, apontou. Hoje será divulgada a inflação de agosto. O número deve ficar em 0,73% na previsão do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. O economista Roberto Padovani, do Banco BV, calcula 0,71%. Os produtos que subiram mais foram carnes, aves, leite, pão e café. Em setembro, a alta será maior por causa da conta de luz. O índice de setembro pode ficar em 0,9%. A inflação pode chegar, com o dado de hoje, a 9,5% e com o índice de setembro pode tocar os 10%. Um patamar inacreditável.

É desse problema real e concreto que Bolsonaro foge com a sua retórica radical e seu plano golpista. Ele não tem resposta para a inflação que corrói também sua popularidade, não se importa com o alto nível do desemprego. Da mesma forma que jamais se importou com os nossos mortos, mais de 580 mil.

Manifestações de 7 de setembro: Bolsonaro testa os limites do seu discurso de radicalização. Algumas análises

Werneck Vianna, Camila Rocha, Rudá Ricci, Marcos Napolitano, Valter Pomar e Moysés Pinto Neto comentam as manifestações de 7 de setembro e seus desdobramentos políticos

Por: Patricia Fachin | 09 Setembro 2021

As manifestações do dia 7 de setembro, com destaque para aquelas que endossaram os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, não podem ser vistas como um fato isolado. "Não foi um ponto fora da curva; foi um ponto na curva". É assim que o sociólogo Luiz Werneck Vianna interpreta, com preocupação, os atos que ocorreram na última terça-feira, especialmente em Brasília e São Paulo. No limite, acentua, "está claro que Bolsonaro quer nos jogar numa guerra civil".

Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHUWerneck Vianna diz que "as estratégias políticas que podem impedir esse desenlace trágico estão em curso", mas os discursos dos presidentes do Senado e do Supremo Tribunal Federal - STF já não bastam. "Isso não basta; são palavras. Além das palavras, Bolsonaro mostrou armas, mostrou arregimentação, colocou muita gente na rua, no Rio [de Janeiro], em Brasília e em várias outras capitais. É para isso que vamos? Com qual projeto? Ele não tem projeto nenhum". E acrescenta: "Aliás, ele não mencionou nenhum problema concreto nas falas em Brasília e em São Paulo. Ele está mobilizando para a luta, para o desfecho". O desafio do tempo presente, insiste, consiste em rearticular as "forças vivas do país".

A cientista política Camila Rocha sublinha que as "manifestações reuniram um contingente abaixo do esperado", mas "indicam a resiliência do bolsonarismo e a predisposição de uma parcela não desprezível da população em encampar um discurso radicalizado contra o STF e apontar como 'inimigos políticos' a imprensa e demais instituições democráticas". Na atual conjuntura, destaca em entrevista concedida por e-mail, "é importante que a oposição ao bolsonarismo, tanto no campo da esquerda como no campo da direita, consiga se unificar nas ruas em torno de amplas mobilizações em prol da democracia". 

O sociólogo Rudá Ricci chama a atenção para os erros cometidos pelo presidente antes e durante os atos. "Foi um imenso fracasso para Bolsonaro por erro exclusivo dele. Ao concentrar os esforços em apenas duas capitais, deixou flancos abertos ao longo do país. Em algumas localidades, as manifestações anti-bolsonaristas foram maiores que as deles. Também foi um erro explícito a expectativa de dois milhões de manifestantes em cada uma dessas capitais: não atingiram 5% dessa marca. Pior: plantaram o pânico na véspera sugerindo que haveria invasão do STF e golpe. Ao final, a montanha pariu um rato", afirmou na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp.

O historiador Marcos Napolitano interpreta a convocação do presidente e a adesão de parte da população às manifestações como uma "campanha eleitoral antecipada" para "testar os limites do seu discurso de radicalização". Em entrevista concedida por e-mail, ao cotejar as possíveis reações institucionais dos discursos de Bolsonaro em Brasília e São Paulo, ele destaca que o "presidente tem uma base confortável no Congresso, ao menos para se garantir em uma eventual abertura de processo de impeachment. Sobretudo na Câmara, ele parece estar blindado".

Na mesma linha, o historiador Valter Pomar comenta os pronunciamentos do ministro do STF e do presidente do Senado, na tarde de ontem, pós-manifestações. O futuro político, afirma em entrevista concedida por e-mail, "dependerá muito da reação da direita gourmet e da esquerda. Os atos bolsonaristas do dia 7 de setembro colocaram a direita gourmet diante de uma encruzilhada. Se recuarem, Bolsonaro terá vencido. Por enquanto foi isso que Lira e Fux fizeram, nos pronunciamentos feitos na tarde de 8 de setembro. Frente a mais uma ameaça golpista, os presidentes do Congresso e do Supremo não tiveram coragem de deflagrar o impeachment".

O pesquisador Moysés Pinto Neto acentua que a disputa de Bolsonaro atualmente "é uma guerra civil no interior da direita". Na entrevista concedida por e-mail, ele explica: "Com a entrada de Lula no páreo, a esquerda institucional passou a largos passos para a vantagem e transferiu o ônus de se viabilizar para a direita não-bolsonarista. A direita sabe que, se Bolsonaro enfrentar Lula, perde. Nesse caso, caso Bolsonaro se mantenha, ela não tem alternativa a não ser aguardar sua derrota. Não vai para o segundo turno, pois o piso da extrema direita é alto, e apoiar Bolsonaro pode ser simplesmente um tiro no pé, porque ele muito provavelmente vai perder e, caso não perca, implementará um regime mais autoritário. Nesse caso, há tempos, desde a entrada de Lula no certame, a briga é entre 'terceira via' e Bolsonaro".

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Camila Rocha é graduada em Ciências Sociais, mestra e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP. Recebeu o prêmio de melhor tese da Associação Brasileira de Ciência Política, com sua tese de doutorado intitulada "Menos Marx mais Mises": uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). É pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap.

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.

Marcos Napolitano é doutor e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo - USP, onde também graduou-se em História. Atualmente, é professor titular de História do Brasil Independente e docente-orientador no Programa de História Social da USP. É assessor ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e do CNPq. Especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura, com foco no estudo das relações entre história e audiovisual, tem, entre seus livros publicados, Coração Civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985) - ensaio histórico (São Paulo: Intermeios - Casa de Artes e Livros, 2017) e 1964: História do Regime Militar Brasileiro (São Paulo: Editora Contexto, 2014).

Valter Pomar é historiador formado pela Universidade de São Paulo - USP, mestre e doutor em História Econômica pela mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura Municipal de Campinas de 2001 a 2004. É professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC - UFABC e dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores - PT.

Moysés Pinto Neto é doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, com estágio-sanduíche no Centre for Research in Modern European Philosophy (Kinston, Inglaterra). Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra e no curso de Direito da Ulbra Canoas.

Confira a entrevista.

Moreira Franco* - Choque de democracia

O Globo 08/09/2021

O Brasil precisa urgentemente equilibrar os chacras. Pela definição, chacras são o motor elétrico da alma, que, além de atrair, irradiam energia. Atualmente, essa energia está fora dos eixos, conflagrada, extremamente polarizada e crivada de intolerância. Uma pessoa não vive bem assim, e uma sociedade também não. No lugar de ataques que desconstroem, é preciso diálogo para um entendimento que propicie melhoria real à vida da população. O bom é que há remédio para o país, e ele está no exercício da democracia.

A democracia carrega uma grande qualidade, porque não trata vozes dissonantes como inimigos, mas adversários. Oferece um ambiente em que é absolutamente plausível a manifestação de diferentes pontos de vista, crenças, pensamentos. Na verdade, a democracia é experimentada já nas famílias, onde cada um tem expectativas diversas, mas, em conjunções sadias, todos buscam uma convivência harmônica.

Esse ambiente familiar projeta-se na sociedade, na medida em que grupos desiguais coexistem e têm o direito à expressão, mas sempre com respeito às discordâncias.

José Eduardo Faria - A crise, as instituições e os “diálogos institucionais”

Blog Horizontes Democráticos

Autocrata, ignaro e incapaz de agir politicamente dentro das regras democráticas estabelecidas pela Constituição, como está sendo evidenciado neste feriado de 7 de setembro, desde que ascendeu ao poder o presidente Jair Bolsonaro afronta reiteradamente as instituições do Estado democrático de Direito, disseminando insegurança jurídica, levando a economia a se deteriorar e deflagrando uma crise de governabilidade permanente.

Em seu primeiro ano de gestão, ele afirmou que devia lealdade apenas ao “povo brasileiro”, desprezando a mediação parlamentar e, por consequência, o perfil liberal da democracia brasileira. Já no segundo ano, ao participar de agressões dominicais ao Supremo Tribunal Federal, defendendo o uso da violência contra alguns de seus ministros, passou a testar os limites da Constituição. E agora, em seu terceiro ano de mandato, quando praticamente todas as iniciativas de seu governo tiveram sua constitucionalidade questionada na corte, o presidente da República se apropriou dos festejos da Independência para promover uma manifestação por ele classificada como um “ultimato” a dois ministros. Ele se esquece — ou melhor, não aceita — que a Constituição promulgada após a redemocratização do País tenha conferido ao STF o poder de rever a constitucionalidade dos atos dos demais poderes.

Diante dessa escalada, dois fatos passaram a ocupar as manchetes dos jornais nos últimos tempos. De um lado, lideranças políticas, governadores e entidades empresariais começaram a propor sucessivos diálogos entre os presidentes dos três Poderes, e até um pacto interinstitucional, com o objetivo de preservar a ordem jurídica e a democracia. De outro lado, em decorrência das diatribes autoritárias presidenciais e de projetos de lei e propostas de emenda constitucional sem mínima consistência jurídica, bem como da aprovação pelo Legislativo de várias leis economicamente insensatas, a vida política do país tornou-se cada vez mais dependente das posições da cúpula do Poder Judiciário.

Esses dois fatos dão a medida da profunda crise institucional que o País atravessa. No primeiro caso, como a judicialização da vida política ocorreu somente porque o Executivo não soube e/ou não quis formar uma coalização majoritária para governar e porque as lideranças do Legislativo necessitaram de uma arbitragem externa por não conseguir resolver seus impasses internos, o que uma corte suprema pode oferecer nesses diálogos a não ser fazer cumprir o que a Constituição determina?

Mas não é só. O STF é um órgão colegiado e seu presidente tem uma ação basicamente administrativa. Nos julgamentos, pode sugerir ou orientar seus pares nos julgamentos. Contudo, não pode não impor sua vontade. Desse modo, como firmar um pacto com o chefe do Executivo, comprometendo-se em nome da corte e se responsabilizando por seus resultados? Ao agir assim, não estaria entregando a outros Poderes a última palavra quanto a certas matérias decididas por uma corte suprema? Em suma, de que modo o STF pode abrir mão de sua atribuição funcional de julgar como inconstitucional uma iniciativa do inquilino do Palácio do Planalto só porque ela foi politicamente negociada em troca de uma promessa do presidente da República de que passará a respeitar o Judiciário? Além de paradoxal, esse cenário seria a negação da democracia, sob a justificativa de preservá-la.

Opinião do dia - Luiz Fux (8/9/2021)

 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O País não vai se intimidar

O Estado de S. Paulo

O palavrório golpista e as ameaças de Jair Bolsonaro não passam de esperneio, diante da constatação de que encontram firme resistência institucional

O objetivo do presidente Jair Bolsonaro ao convocar as manifestações do 7 de Setembro foi tão somente intimidar os outros Poderes constituídos. Embora tenha jurado respeitar a Constituição quando tomou posse, o presidente avisou que não pretende cumprir ordens do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o que, na prática, significa afrontar o Supremo e a própria Constituição. E ainda desafiou, para delírio de seus adoradores: “Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”. Ressalte-se que Bolsonaro não disse que sua conduta não é criminosa. Ele apenas se recusa a se submeter a eventuais medidas judiciais restritivas de liberdade porque não reconhece, liminarmente, a legitimidade do juiz que eventualmente vier a condená-lo.

Felizmente, contudo, a julgar pelo que se vê desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, o palavrório golpista e o espetáculo das ameaças aos outros Poderes não passam de esperneio, diante da constatação de que as bravatas bolsonaristas têm encontrado firme resistência institucional.

Em enérgico discurso como resposta ao repto de Bolsonaro, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, disse que “o STF não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões” e que, havendo desobediência por parte de um chefe de Poder, como é Bolsonaro, “além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso”. Para completar, dirigiu-se aos golpistas bolsonaristas que, incitados pelo presidente, atacam o Supremo: “Este Supremo jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções”.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - E agora, José

 

Música | Chico Buarque e Clara Buarque - "Dueto"