domingo, 13 de agosto de 2023

Merval Pereira - Feitiço contra feiticeiro

O Globo

Setores militares que pensavam em controlar Bolsonaro, um capitão de passado questionável, acabaram controlados por ele.

A campanha presidencial de Bolsonaro em 2018, que a princípio parecia um exotismo sem maiores consequências, fazia parte de uma estratégia de militares da ativa e da reserva para a retomada do poder pelo voto.

Bolsonaro convenceu esse grupo, que tinha no General Villas Boas, então comandante do Exército, o articulador principal. O núcleo militar reunia-se em um escritório em Brasília, e dava apoio técnico e estratégico à campanha, sob a articulação do General Augusto Heleno. Esse núcleo militar considerava que Bolsonaro era o único capaz de derrotar o PT, aproveitando que o então ex-presidente Lula estava na prisão.

Os encontros de Bolsonaro com seus seguidores, em todos os aeroportos em que chegava nas viagens de campanha, viralizaram pouco a pouco na internet, e de ações orquestradas com o recrutamento de militares de escalões inferiores transformaram-se em eventos espontâneos. Na aparência a estratégia deu certo, pois Bolsonaro foi eleito, e colocou militares em postos chave.

Ao agradecer de público ao General Villas Boas, dizendo, com a sutileza que o caracteriza, que jamais revelaria o que conversaram, Bolsonaro deixou explícita a ajuda que recebera do militar, um ícone entre os seus. “Ele é incontrolável”, disse-me certa vez o próprio General Villas Boas, entre risos, justificando certos comportamentos de Bolsonaro ainda na campanha.

Bernardo Mello Franco – O último voo do Muambão

O Globo

Investigação sobre joias mostra que ex-presidente não viajou apenas para boicotar a festa do sucessor

Os relógios marcavam 14h02 quando o avião presidencial decolou da Base Aérea de Brasília. A dois dias do fim do mandato, Jair Bolsonaro deixava o país rumo a Orlando, nos EUA. Era seu último ato como chefe do Executivo.

O capitão não deu satisfações sobre o abandono do cargo. Aliados disseram que ele simplesmente não queria entregar a faixa ao sucessor. Parecia uma explicação incompleta, apesar do seu conhecido desprezo pela democracia.

O general João Figueiredo, o último dos ditadores, também fez birra ao deixar o poder. Para boicotar a posse de José Sarney, não precisou botar o pé no jato. Bastou sair do palácio por uma porta lateral.

Adversários arriscaram outra tese para o voo de 30 de dezembro de 2022. Bolsonaro teria se mandado para evitar uma prisão iminente. Sem foro privilegiado, ele ficaria mais próximo de acertar contas com a Justiça. Ainda assim, não haveria motivo para uma fuga tão apressada.

Míriam Leitão - Amazônia, PAC e joias roubadas

O Globo

Em mais uma semana intensa no Brasil, o país ficou diante de dilemas ambientais e do espantoso esquema de roubo de joias

O que é polêmico do ponto de vista ambiental entrou no PAC, mas com a rubrica “em estudos”. Isso reduz a contradição de uma semana que começou com uma cúpula amazônica e terminou com o lançamento do plano de investimento que tem projetos de petróleo no mar da Amazônia e obras que cortam a floresta. Há polêmicas no governo Lula, mas do lado da velha administração bolsonarista, o que se abriu foi um fosso profundo que começa a engolir os principais articuladores de golpes contra a democracia e contra o patrimônio nacional. Isso tudo em apenas uma semana nesse país intenso chamado Brasil.

Sexta-feira, o governo lançava o PAC no Rio, com a atenção do país presa nas tenebrosas transações reveladas entre o ajudante de ordens de Bolsonaro, seu pai general, outros militares e o advogado do ex-presidente. Todos sob a suspeita de subtrair da Pátria presentes, joias, valores. Notadamente, valores. O escândalo rasgou mais um pouco a imagem das Forças Armadas. Líderes militares se deixaram atrair pela partilha de poder oferecida por um governo desqualificado, em várias dimensões.

Elio Gaspari - Os empresários debocharam da CPI

O Globo

O caso das Americanas é a maior fraude corporativa acontecida em Pindorama

As Comissões Parlamentares de Inquérito têm má fama por causa dos momentos de teatralidade de alguns de seus integrantes. A CPI da rede varejista Americanas está mostrando que figuras da elite empresarial de Pindorama são capazes de superar o desembaraço de um cabo eleitoral de vereador da periferia. Na semana passada deram-se dois episódios significativos.

Num, Márcio Cruz, o ex-CEO de operações digitais da rede, foi convocado para depor na terça-feira. Não apareceu, nem se explicou. O presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), determinou sua condução coercitiva e, horas depois, seus advogados informaram que ele comparecerá à reunião desta semana. Ganha um fim de semana num paraíso fiscal quem souber quem foi o çábio que o aconselhou a tratar uma convocação do Congresso como se fosse chamado de engraxate.

Dorrit Harazim -A casa caiu

O Globo

Daqui para a frente são só notícias amargas para o capitão que o Brasil manteve por quatro intermináveis anos no poder

Lá pelos idos de 1940, a mineradora sul-africana De Beers Consolidated lançou aquela que é considerada a campanha publicitária mais bem-sucedida do século XX:

— A diamond is forever.

Seja pela pegada sentimental (como prova de amor), seja por sugerir valor monetário eterno, a campanha em 23 línguas faz sucesso até hoje. E a pedra, sem nunca perder o brilho, afaga corações e bolsos. É na política que ela causa estragos, por não ser ali seu lugar. Foi numa manhã de outubro de 1979 que o presidente da França, Valéry Giscard d’Estaing, no poder havia cinco anos e com o horizonte acenando para uma futura reeleição, viu-se fulminado pela manchete do satírico parisiense Le Canard Enchaîné:

— Quando Giscard embolsava os diamantes de Bokassa.

Logo abaixo, o fac-símile da ordem de entrega de um mimo faiscante de 30 quilates, emitida em 1973 pelo déspota da República Centro-Africana, Jean-Bedel Bokassa. Destinatário: Giscard, então ministro das Finanças. A ordem estipulava inclusive o valor do regalo: 1 milhão de francos, algo como US$ 4,4 milhões em dinheiro de hoje. Foi uma bomba de que ele nunca mais se recuperaria. Perdeu a pose e a reeleição para o socialista François Mitterrand.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro tem fascínio por ouro e pedras preciosas

Correio Braziliense

A Polícia Federal pediu ao Supremo a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente da República, que deve ser ouvido no inquérito que apura a venda e recompra de joias da União nos EUA

O ex-presidente Jair Bolsonaro está numa situação muito difícil, por causa da história das joias que recebeu de presente da Arábia Saudita, as quais tentou vender e não conseguiu — ou teria vendido e comprado de volta, segundos os fatos revelados até agora. A Polícia Federal (PF) classifica como "organização criminosa" o suposto esquema de venda ilegal de joias e bens de luxo da União para favorecer o ex-presidente da República.

Presentes oficiais de governos estrangeiros são considerados acervo do Estado. A Arábia Saudita e outros monarquias árabes costumam dar joias de presentes aos governantes amigos. O destino dado aos presentes não é um problema deles. Os presentes recebidos por Bolsonaro não são de sua propriedade e, agora, servem de materialidade para o provável indiciamento do ex-presidente, por querer aumentar o patrimônio pessoal por meio da alienação de bens públicos.

Celso Rocha de Barros – A Federal pegou Jair

Folha de S. Paulo

Bolsonaro pediu 'Me chama de corrupto!', PF chamou

Bolsonaro gostava de provocar pedindo: "Vai, me chama de corrupto!". A Polícia Federal chamou.

Segundo a PF, Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, vendia clandestinamente joias doadas ao Brasil e entregava o dinheiro para o ex-presidente.

Nessa movimentação de muamba, Cid teria sido ajudado por seu pai, um general do Exército brasileiro. Em uma mensagem obtida pela PF, Cid diz que seu pai estava com US$ 25 mil, originários da venda das joias, prontos para serem entregues a Bolsonaro. Cid acrescenta que seria melhor fazer a entrega em mãos, sem passar pelo sistema bancário.

Bruno Boghossian - A evolução da rachadinha

Folha de S. Paulo

Vigarice rasteira das joias reproduziu apetite por transformar dinheiro público em vantagens particulares

Perto das 9h da manhã de 30 de dezembro, Mauro Cid fez uma tentativa final de pôr as mãos num conjunto de joias apreendido pela Receita Federal. O auxiliar de Jair Bolsonaro ligou para um servidor do Planalto e pediu um documento que poderia ser usado para liberar o presente do governo saudita. Não conseguiu.

O coronel tinha pressa. Às 14h02, ele decolaria para a Flórida num avião da FAB ao lado do então presidente. No bagageiro, estavam itens dados a Bolsonaro por autoridades estrangeiras ao longo do mandato e que, segundo a Polícia Federal, seriam vendidos nos EUA. Faltou o kit retido no aeroporto de Guarulhos.

Muniz Sodré - Desarmando um vexame

Folha de S. Paulo

Relatório do Exército sobre a intentona de janeiro é ensaio prático de cegueira

"La putenza caca n'muca alla giustizia". A tradução literal deste provérbio sardo talvez seja por demais chula, mas o dialeto torna ao menos pitoresco o significado: o poder faz algo execrável na boca da Justiça. É o que se depreende do vexaminoso inquérito do Exército sobre os atos golpistas de janeiro. Internamente, angélica paz. Fora, no acampamento protegido, havia furtos, denúncia de estupro e porte ilegal de armas, mas militarmente "não foram identificados aspectos que pudessem comprometer a segurança orgânica dos aquartelamentos". Logo, nenhuma responsabilidade pelo exterior dos quartéis.

Ruy Castro - 100% Millôr

Folha de S. Paulo

Não sei o que ele estaria achando de chegar aos 100. Só sei que, de qualquer jeito, não haveria hipótese

Foi Paulo Francis quem me apresentou a Millôr Fernandes. O ano era 1968 e ambos colaborávamos na revista Diners, dirigida por Francis. Quase todas as tardes, a redação da Diners fervia de notáveis que iam oferecer colaborações: de luminares da velha esquerda, como Octavio Malta, Antonio Callado, Franklin de Oliveira, aos da nova, como Fernando Gasparian, Glauber Rocha, Flavio Rangel. Já Millôr era independente. Eu tinha 20 anos e era como fizesse ali um intensivo de política, com a vida real entrando pela janela do 5º andar ---ao som das bombas e correrias da polícia contra os estudantes lá embaixo, na esquina de Rio Branco com Ouvidor.

Marcos Lisboa* - Estado e desenvolvimento

Folha de S. Paulo

Porto Digital e agronegócio têm em comum desenvolvimento de novas tecnologias e cuidado no desenho da intervenção pública

Existem exemplos no Brasil de combinação de políticas públicas, empreendedorismo privado e inovações tecnológicas que permitem aumentos recorrentes da produtividade, da renda das famílias e de crescimento econômico.

Esta coluna trata de duas experiências de sucesso: o Porto Digital do Recife e o agronegócio. Ambas têm em comum o desenvolvimento de novas tecnologias e o cuidado técnico no desenho da intervenção pública.

A forma da intervenção pública tem detalhes específicos em cada caso, revelando a necessidade da análise cuidadosa das características do setor e das condições de contorno.

No fim dos anos 1990, Recife tinha um excelente centro de formação em ciência da computação. Entretanto, a falta de empregos em tecnologia resultava na emigração de técnicos bem formados.

Surgiu a proposta de criar um polo de tecnologia, ou Ecossistema Local de Inovação (ELI), que incentivasse o empreendedorismo e a inovação em temas de ciência da computação.

Eliane Cantanhêde - O celular do general, cobras e lagartos

O Estado de S. Paulo

PF espera nomes, endereços e valores no celular do general Cid. E o Exército teme muito mais!

O clima no Exército é de perplexidade e desolação diante da avalanche de denúncias contra o tenente-coronel da ativa Mauro Cid e, agora, da confirmação de que o pai dele, general da reserva Mauro Lourena Cid, era parte do esquema de venda de joias no exterior. E vem mais: as revelações do celular do Cid pai, apreendido pela Polícia Federal, e a possível delação do hacker Walter Delgatti.

O general Cid foi do Alto Comando do Exército, antes de ir para a reserva e para a Apex em Miami, responsável, vejam só, por importações e exportações. Quando o filho caiu em desgraça, pelos escândalos na condição de ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, ele voltou para Brasília, vivia no QG Exército e ganhou apoio dos velhos companheiros. Imagine-se o que não há no celular dele!

Pedro S. Malan - O velho novo PAC?

O Estado de S. Paulo

A contribuição do novo PAC para o Brasil não advirá de seu possível uso como instrumento de retórica nas campanhas eleitorais que se avizinham

O papel do investimento público pode ser fundamental para romper pontos de estrangulamento em infraestrutura, sinalizar novas oportunidades de investimento ao setor privado, para sugerir áreas em que ambos, público e privado, podem atuar conjunta ou complementarmente. Dito isso, é sabido que quando tudo é prioritário nada é prioritário. Desde pelo menos os anos 50 (primórdios do BNDES e da Petrobras, governo JK) é conhecida a importância da seletividade e do critério na escolha de projetos. E, mais importante, da capacidade de execução, eficiência no gerenciamento, cobrança e avaliação de resultados.

Rolf Kuntz - Credibilidade

O Estado de S. Paulo

Prenúncios bem vistos por tanta gente, como o recente corte de juros pelo BC, podem ser menos entusiasmantes para quem valoriza a memória

Bom sinal para o governo, para o consumidor e para os empresários, o novo corte de juros foi um lance arriscado para o Banco Central (BC), principal protetor da moeda e supervisor do sistema financeiro. Pressionado e injuriado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chefe do BC, Roberto Campos Neto, coordenou a recente deliberação do Copom, o Comitê de Política Monetária, em condições especialmente difíceis. Anunciada a redução de 0,5 ponto porcentual, o dobro da estimada pela maior parte do mercado, a dúvida se espalhou: decisão política, técnica ou meio a meio? A participação de dois novos diretores, carimbados publicamente como representantes da Presidência da República, favoreceu a desconfiança.

Fernando Schüler* - A vida não é uma corrida

Revista Veja

Em nossas infinitas diferenças, somos todos capazes

A meritocracia virou uma espécie de patinho feio do debate atual. Michael Sandel diz que ela tem um “lado sombrio”, pois, entre outras coisas, promoveria a “desigualdade”. Nos esportes, na economia, nos concursos de beleza, na educação. Eu mesmo me lembro disso, no colégio, em Porto Alegre. Quem tinha letra boa podia usar caneta, quem não tinha escrevia com o lápis. A mesma coisa com a leitura. Quem sabia ler direito era liberado mais cedo para o recreio. Lembro que aquilo me fez ficar horas lendo em voz alta, no meu quarto, e (ao que me recordo) não gerou nenhum grande trauma. Anos atrás, fui a uma escola charter, no Harlem, em Nova York, e deparei com o ranking dos alunos em todas as paredes, matéria a matéria. Na entrada da escola, um boneco do Obama. Os melhores alunos iriam para Washington, no fim do ano, em uma visita à Casa Branca. Perguntei à diretora se aquela meritocracia toda não gerava algum problema na cabeça dos alunos, e ela me olhou sem muita paciência. Acho que ela não iria concordar muito com os críticos da meritocracia. O último que li foi David Brooks, no The New York Times, culpando a meritocracia pela eleição de (sempre ele) Donald Trump.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula deu aula de civilidade em lançamento do PAC

O Globo

Desagravo a governador Cláudio Castro, vaiado pela plateia, traz recado necessário à democracia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ser criticado por um sem-número de motivos — do apego a ideias econômicas equivocadas às práticas políticas retrógradas. Mas, ao longo de sua história, ele deu inúmeras provas de uma qualidade que o distingue no mundo de hoje: o respeito à democracia, a crença no diálogo. É uma qualidade essencial diante de um ambiente conflagrado pela polarização, que tem tornado mais difícil às instâncias políticas atender às necessidades urgentes do Brasil.

Na última sexta-feira, no lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Rio de Janeiro, Lula deu uma prova de maturidade política e uma aula de civilidade ao repreender a plateia pela reação agressiva com o governador Cláudio Castro (PL). Adversário político do PT e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Castro era vaiado todas as vezes em que seu nome era mencionado. Chegou a desistir de discursar no evento, apesar de o Rio ser o estado contemplado com mais recursos do PAC (e o escolhido para o lançamento do programa).

Poesia | Rosa de Hiroshima - Vinicius de Moraes

 

Música | Roberta Sá - Boca em boca