sábado, 2 de setembro de 2023

Rodrigo Zeidan – A credibilidade de Haddad

Folha de S. Paulo

É hora de arrumar a casa com estabilidade institucional e consistência temporal

Haddad parece ter incorporado a mais importante lição do excelente primeiro governo Lula: credibilidade importa, e muito. Sua luta é para zerar o déficit em 2024, em vez de em 2025, como propõem outros membros do governo.

Do ponto de vista financeiro, não importa muito se o déficit zera em 2024 ou 2025, mas em termos de recuperação pode significar muito.

O Brasil, assim como muitos outros países, está firmemente preso na armadilha da renda média, a situação na qual o crescimento tira os países da pobreza, mas sucessivos governos não conseguem criar um Estado desenvolvido. Parte da razão para o nosso subdesenvolvimento é inconsistência temporal.

Funciona mais ou menos assim: um governo anuncia alguma ação concreta, como um subsídio para uma empresa se instalar numa região. Após a empresa colocar dinheiro na empreitada, o governo "muda de ideia" e retira a benesse, pois a organização já estaria comprometida com o investimento. A falta de confiança em que, no futuro, o governo não vá descumprir acordos firmados hoje vai gerando, ao longo do tempo, redução de investimentos que seriam feitos se as regras fossem respeitadas.

Hélio Schwartsman - A meta e a cognição

Folha de S. Paulo

A Haddad convém adotar uma meta fiscal mais rígida, que o preserve de pressões por gastos

metacognição, com seus raciocínios de segunda e de terceira ordem, é uma praga. Todo mundo sabe que Fernando Haddad sabe que será muito difícil zerar o déficit fiscal em 2024. E é claro que Haddad sabe que todo mundo sabe que ele sabe da dificuldade. Mas, se é assim, por que não adotar uma abordagem mais honesta e propor uma meta mais factível?

Haddad sabe onde pisa. Sabe que as pressões por gastos vêm de todos os lados, do PT, de Lula, do Congresso, de empresários. Se logo de saída ele admite relaxar os limites, estimula mais pedidos. E não é só. O recém-sancionado arcabouço fiscal traz travas a dispêndios que só são acionadas em caso de descumprimento da meta. Haddad sabe que será mais fácil manter a disciplina com uma meta ambiciosa frustrada do que com uma realista intacta.

Dora Kramer - O ano que já começou

Folha de S. Paulo

PT propõe aliança ampla em 2024 para conter avanço da direita na eleição de 2026

É do feitio do PT marcar posição mesmo quando contraria algum interesse imediato do governo, mas não é da natureza do partido tomar decisões que se contraponham às ideias do chefe. Tendo isso em mente é que se deve ler a resolução do Diretório Nacional aprovada nesta semana.

Foram dados variados recados em palavras que Luiz Inácio da Silva não poderia pronunciar sem se complicar com aliados e adversários. Descontadas as indiretas bem diretas a Cristiano ZaninArthur Lira, militares e ao governo da Bahia, o que sobra ao se espremer o texto é a mensagem de que 2026 já começou.

Alvaro Costa e Silva - Quem manda na polícia?

Folha de S. Paulo

Tanto podem incitar golpes de Estado como manipular e apagar imagens

Autorizado pelo ministro Cristiano Zanin, do STF, o ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal Fábio Augusto Vieira ficou em silêncio durante seu depoimento à CPI do 8 de Janeiro. Chefe da corporação na data dos ataques à praça dos Três Poderes, ele não conseguiu, contudo, esconder a cara de tacho.

Vieira —que está preso— é investigado pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e por infringir a lei orgânica e o regimento interno da PM. A Polícia Federal aponta que a PMDF se omitiu em relação aos ataques. Em mensagens de zap, oficiais em postos de comando espalharam desinformação sobre o sistema eleitoral e incitaram as invasões. Um grupo de policiais se escondeu no banheiro em meio à depredação do STF. Eis uma vergonha digna de se contar aos netinhos.

Demétrio Magnoli - STF diante do pecado original

Folha de S. Paulo

Debate sobre marco temporal desenrola-se em torno de posições irreconciliáveis

"Nahalal surgiu no lugar de Mahalul, Gevat no de Jibta, Sarid no de Haneifs e Kefar Yehoshua no de Tell Shaman. Não há um único lugar construído neste país que não teve uma população árabe anterior." No registro célebre de Moshe Dayan sobre Israel, troque os nomes árabes por toponímias indígenas –pronto, estamos no Brasil. Na hora em que encara a questão do chamado "marco temporal", o STF precisa, previamente, decidir se pretende abolir o pecado original.

O general Dayan, ministro da Defesa na Guerra dos Seis Dias (1967), mencionou os nomes árabes numa palestra a estudantes de Haifa, em 1969. Ele alertava contra a boçalidade: a atitude de apagar a história do povo vencido. Sonhava, ainda, fazer a paz possível –mas não lhe passava pela cabeça a ideia de reedificar os antigos vilarejos árabes no lugar dos novos povoados israelenses.

Entrevista | Tony Blair: ‘É possível reduzir suas emissões e crescer’

Para ex-premiê britânico, visão de que desenvolvimento econômico e preservação ambiental são incompatíveis significaria condenar países do terceiro mundo à pobreza

Por Rodrigo Carro / Valor Econômico

Belém - A visão excludente de que desenvolvimento econômico e preservação ambiental são incompatíveis significaria condenar países do terceiro mundo à pobreza. O argumento, esboçado pelo ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair, indica uma ideia que perpassa o discurso do político trabalhista a respeito da crise climática: o debate sobre o tema precisa ser inclusivo e levar em consideração não só a realidade dos países desenvolvidos.

“É loucura estar numa situação em que tentamos impedir países de desenvolver suas reservas de gás natural em circunstâncias em que a alternativa, na África, por exemplo, seria queimar lenha”, disse Blair ao Valor, em entrevista durante a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, em Belém.

No Brasil a convite do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que promove a conferência, Blair se permitiu até uma dose de autoironia durante sua participação no evento: “Na política, você começa mais popular e menos capaz e, quando você sai, é menos popular e mais capaz”. Até assumir o posto, no qual permaneceu de 1997 a 2007, nunca havia exercido cargo no governo, explicou ele à plateia.

Hoje, compartilha sua experiência na estruturação de políticas públicas com líderes de aproximadamente 40 países da África, do Oriente Médio, do Sudeste da Ásia e da Europa Oriental, onde atua o Instituto Tony Blair para a Mudança Global. Na pauta da entidade estão temas como transição energética, descarbonização e novas tecnologias sustentáveis.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Carlos Alberto Sardenberg - Crescer e preservar

O Globo

Os veículos elétricos já estão rodando por aí, mas muito pouco no Brasil. O país está com atraso

O primeiro Orçamento preparado pelo governo Lula para 2024 suscita, entre outras, uma pergunta: qual o objetivo principal, o desenvolvimento econômico ou a preservação ambiental?

A verba para o Ministério do Meio Ambiente diminuiu. E o dinheiro dos Transportes aumentou. Para obras viárias. Mais: o novo PAC prevê investimentos de R$ 185 bilhões em rodovias. Estamos, pois, falando de caminhões, carros e ônibus, emissores de carbono.

Sim, os veículos elétricos já estão rodando por aí, mas muito pouco no Brasil. O país está com atraso de anos na introdução deles. Nem há política consistente nessa direção. No máximo, tem-se algum esforço de produzir motores a combustão menos poluentes.

Pablo Ortellado - Conselho não é para aumentar salário

O Globo

Governo Lula não apenas precisa ser íntegro, mas precisa parecer íntegro

O escândalo recente causado pela indicação de dois ministros para integrar o conselho de uma empresa privada mostra a maneira politicamente descuidada como o governo Lula projeta — ou deixa de projetar — uma imagem de integridade e lisura.

Os ministros Carlos Lupi (Previdência) e Anielle Franco (Igualdade Racial) foram indicados pelo BNDESPar para o conselho da metalúrgica Tupy, do setor de autopeças. Como o banco estatal de desenvolvimento detém 28% das ações da empresa, tem o direito de indicar conselheiros. A remuneração para participar do conselho é de pelo menos R$ 36 mil por mês — valor que se soma ao salário dos ministros, de R$ 41,6 mil. Lupi e Anielle não têm qualificação para integrar o conselho administrativo de uma metalúrgica. O entendimento geral é que o objetivo é complementar o salário de ministro, considerado insuficiente.

Eduardo Affonso - Regência Trina & Centrão

O Globo

Lula e Bolsonaro optaram pelo presidencialismo de cooptação, não de cooperação ou convencimento

Eduardo AffonsoFala-se (merecidamente) muito mal de Arthur Lira, o superpresidente da Câmara, outrora gestor do orçamento secreto — hoje, do orçamento opaco — e ainda firme como chantageador-geral da República, condicionando ao atendimento de seus interesses a votação de pautas que interessam ao país.

Fala-se (injustamente) muito mal de Alexandre de Moraes, o despachador-geral do STF. Sozinho, ele decidiu mais que os juízes em segundo e terceiro lugares no ranking — juntos.

Alvaro Gribel - PIB resistiu aos juros altos

O Globo

Crescimento mais forte mostra que ruído provocado pelo presidente Lula em relação ao Banco Central foi desnecessário

O forte crescimento do PIB nos dois primeiros trimestres do ano mostra que a economia brasileira resistiu aos juros altos praticados pelo Banco Central. A política monetária, na verdade, tem efeitos defasados, por isso, a expectativa é de que o aperto da Selic seja sentido com mais intensidade no segundo semestre, justamente o período em que o BC estará reduzindo a Selic. De todo modo, tudo indica que o país conseguiu o que os economistas chamam de “pouso suave”, quando a inflação cai com o menor custo possível para crescimento econômico. Os dados divulgados ontem pelo IBGE indicam que o ruído provocado pelo presidente Lula em relação ao Banco Central foi desnecessário. Ao mesmo tempo em que Lula ameaçava subir a meta de inflação, para supostamente permitir a queda dos juros — o que não aconteceria — a economia vinha rodando em alta velocidade no início do seu mandato.

Marco Antonio Villa - O Brasil necessita voltar a ser Brasil

Revista IstoÉ

O País tem de retomar o crescimento econômico em bases contemporâneas e não ter como pilar o sistema colonial

Certa vez um escritor norte-americano escreveu que o passado nunca passa. Fazia referência à sociedade dos estados sulistas após a Guerra Civil Americana (1861-1865). O caso brasileiro é distinto: é o presente que não passa.

Já fomos no passado, o país do futuro. Entre os anos 1930-1980 fomos o País que mais cresceu no mundo ocidental. O que aconteceu conosco? Por que o presente não se move? Por que ninguém – e os fatos comprovaram – mais diz que somos o País do futuro?

Estamos amarrados por um nó górdio e não à vista nenhum Alexandre Magno para desatá-lo. Os fatores de conservação petrificaram tanto a sociedade, como a economia brasileiras. É como se não tivéssemos futuro, o presente seria eterno. Passamos a ter enorme dificuldade de pensar o novo – quanto mais de construí-lo. Somos o Brasil do ontem e não do hoje e, mais ainda, do amanhã.

Cristovam Buarque - Pedágio amargo

Revista Veja

A escola não é vista com a nobreza de uma estrada

O título deste artigo lembra o pedágio cobrado aos usuários em rodovias, e raros lembrariam do pedágio pago para ir do presente ao futuro usando a escola. As classes médias e altas aceitam pagar o alto pedágio das mensalidades, e a nação aceita o custo ainda mais alto da omissão, do descuido do país com a educação de base. Dos atuais 50 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar, estima-se que, graças ao gasto financeiro de até 150 bilhões de reais de mães e pais, 10 milhões deles terminarão o ensino médio minimamente alfabetizados para os desafios da contemporaneidade. No mesmo período, o Brasil pagará o amargo pedágio de desperdiçar ao redor de 40 milhões de cérebros que não terão o preparo necessário para facilitar a busca de felicidade pessoal e participar da construção de um país melhor e mais belo.

Miguel Reale Júnior* - Exploração leviana

O Estado de S. Paulo

Pouco se casa com a sabedoria política de MG a tentativa de Zema de vir a ser o líder da Região Sul/Sudeste mediante a exploração do antagonismo com o Norte/Nordeste

A Constituição brasileira não foi fruto de pensado projeto político, pois veio se formando ao longo dos trabalhos da Assembleia Constituinte, construída, portanto, na arte da negociação entre interesses políticos divergentes, vindo a ser “avançada numa parte e conservadora noutra”.

Atomizou-se o processo de sua elaboração, pois foram criadas oito comissões temáticas, cada qual subdividida em três subcomissões. Estes textos foram aglutinados, formando-se conjunto imenso e desordenado, exigindo ser organizado, tarefa que coube à Comissão de Sistematização, composta por 49 membros mais os presidentes e relatores das comissões temáticas. Demorou quatro meses a apresentação de projeto parlamentarista, que as forças conservadoras acusaram de estatizante e xenófobo.

Marcus Pestana* - Estrela política de primeira grandeza

No último 23 de agosto, Eduardo Barbosa nos deixou. Além de grande amigo, era disparadamente um dos melhores e mais dedicados parlamentares que conheci. Sempre disse, aos quatro ventos e em alto e bom som, que Eduardo era o maior especialista em políticas de desenvolvimento social de todo o Congresso Nacional.

Eduardo foi deputado federal por Minas Gerais de 1995 até 2022, se licenciando apenas de 95 a 98, para liderar a Secretaria do Trabalho, da Assistência Social, Criança e do Adolescente do Estado de Minas Gerais, no Governo Eduardo Azeredo. Compartilhamos esse momento, já que eu estava na Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral. Foi aí que nos conhecemos. Testemunhei sua dedicação ao capitanear a transição do desumano modelo das antigas FEBEMs de atenção aos menores sem referência familiar para a humanizada estratégia das Casas Lares.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Recorde de invasões mostra oportunismo do MST sob Lula

O Globo

Movimento aproveita governo de partido próximo para tentar reconquistar espaço político

Os números deixam claro o oportunismo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) diante do retorno ao Planalto de Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de quatro anos de baixa atividade, as invasões de propriedades rurais dispararam nos últimos meses. Em quatro anos de governo Jair Bolsonaro, houve 62 ocupações, segundo reportagem do GLOBO. Apenas nos primeiros seis meses deste ano, foram 61. Contando julho e agosto, o total em oito meses de governo Lula beira 70. Entre as propriedades invadidas estavam fazendas de eucalipto produtivas no Espírito Santo e até uma propriedade da Embrapa em Pernambuco.

Um levantamento das invasões desde 1995 feito pelo portal g1 e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) revela que o MST foi mais ativo na gestão Fernando Henrique Cardoso. Em 1999, chegou a fazer 502 invasões, mais de uma por dia. Nas gestões dos aliados Lula e Dilma Rousseff (2003-2016), manteve a média de quase 210 por ano. O governo Bolsonaro fechou o Ministério do Desenvolvimento Agrário e transferiu o Incra ao Ministério da Agricultura, mas manteve a política de distribuir propriedades a assentados. Mais de 300 mil títulos de posse foram emitidos, e as invasões recuaram a perto de 16 por ano. O MST se sentiu acuado. Com o retorno de Lula, viu uma oportunidade de recuperar poder.

Poesia | O teu riso - Pablo Neruda

 

Música | Tem Dendê/Figa de Guiné | Alcione 50 anos