domingo, 6 de janeiro de 2013

OPINIÃO DO DIA - J. Habermas: Oportunismo orientado por pesquisas de opinião pública

Certamente, a política hoje parece em geral transitar para um estado de agregação que se destaca pela renúncia às perspectivas de futuro e à vontade criativa. O aumento de complexidade das matérias carentes de regulamentação força reações de certo fôlego, com margens de ação reduzidas. Como se os políticos tivessem se apropriado do olhar desmacarador da teoria dos sistemas, eles seguem descaradamente o roteiro oportunista de uma pragmática do poder orientada por pesquisas de opinião pública, a qual prescinde de todos os vínculos normativos. A moratória de energia nuclear é apenas o exemplo mais chamativo. E não Gutemberg, mas a própria chefe de governo “levou à mentira metade da República e quase a CDU inteira” (nas palavras do Frankfurter Allgemeine), quando manteve no cargo o autor do plágio publicamente comprovado em função de sua popularidade. Calculando friamente, ela confiscou a compreensão do cargo público próprio de um Estado de direito em troca de alguns poucos dinheiros, os quais, porém, não pôde depois embolsar nas urnas. Um Grande Rufo* selou a normalidade dessa prática.

A isso subjaz uma compreensão da democracia que, após a reeleição de George W. Bush, o New York Times formulou como post-truth democracy [democracia pós-verdade]. Na medida em que a política torna seu agir inteiro dependente da concordância com estados de ânimos que ela lastreia de eleição em eleição, o procedimento democrático perde seu sentido. Uma eleição democrática não existe para meramente retratar um espectro espontâneo da opinião; ao contrário, deve reproduzir o resultado de um processo público de formação da opinião. Os votos deixados nas cabines eleitorais só recebem o peso institucional da codeterminação democrática se vinculados a opiniões publicamente articuladas, que se formaram no intercâmbio comunicativo das tomadas de posição, das informações e das razões relevantes para o tema. Por essa razão, a lei fundamental privilegia os partidos, os quais, conforme o artigo 21, “cooperam na formação política da vontade do povo”. A União Europeia não poderá assumir um caráter democrático enquanto os partidos políticos evitarem apreensivamente tematizar em geral as alternativas para decisões de longo alcance.

* Grofser Zapfenstrench: toque militar de um dos mais importantes cerimoniais alemães. Ele foi executado em homenagem ao ex-ministro da Defesa Karl-Theodor zu Guttemberg, logo após sua renúncia, em março de 2011, em virtude do plágio que cometeu em sua tese de doutorado (N. T.).”

(Cf. Sobre a constituição da Europa, São Paulo, Unesp, 2012).

Manchetes dos principais jornais do País

O GLOBO
Maquiagem de R$ 200 bi garantiu meta do governo
Venezuela enfrenta semana decisiva
Reforma agrária patina com Dilma

FOLHA DE S. PAULO
Dilma acelera criação de empresas estatais
Sete morrem na primeira chacina do ano em São Paulo
Incerteza política na Venezuela recai sobre a economia

O ESTADO DE S. PAULO
Chavistas tentam estender mandato na Venezuela
Sigilo cerca despesa oficial com cartões
FHC vira "guru" da campanha de Aécio

CORREIO BRAZILIENSE
Crédito para a casa própria crescerá 20%
Corrida à Mesa Diretora

ESTADO DE MINAS
PBH refém da Câmara
Candidatos já põem o bloco na rua
Falta mais que dinheiro
Fora dos trilhos

O TEMPO (MG)
Custo com salário de vereador aumenta até 140% em Minas
Pequenos aderem ao cartão
Uso de álcool na adolescência aumenta risco de dependência

GAZETA DO POVO (PR)
Violência tira mais anos de vida do brasileiro do que doenças
Pesquisa mostra PT com vantagem na eleição de 2014
Ex-atletas, dos campos para os gabinetes
Posse de Chávez pode ser adiada, diz vice do país

ZERO HORA (RS)
Estádios gaúchos :: Negócio novo, torcida nova
Humor e poder: Dilmas criadas para fazer graça

JORNAL DO COMMECIO (PE)
É muito stresse!
Sem Chávez, Venezuela pode ficar mais violenta
Mais uma denúncia liga Lula a Rosemary

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do País

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Sem saudades - Fernando Henrique Cardoso

Melhor imaginar que algo de positivo ocorrerá no futuro porque, de 2012, pouco restou de bom. Nos acontecimentos públicos, quanto desalento

É quase uma constante começar o ano novo com um balanço sobre o que finda e com votos de esperança para o futuro. Neste janeiro, não fosse a reiteração da esperança, haveria dificuldades em manter o ânimo. Melhor imaginar que algo de positivo ocorrerá no futuro porque, do ano que se encerrou, pouco restou de bom. Na vida pessoal, é distinto. Cada um fará o balanço que melhor lhe aprouver; eu pessoalmente nada de monta tenho a lastimar. Mas, nos acontecimentos públicos, quanto desalento. Ainda bem que a História não se repete automaticamente. Vade retro !

Comecemos pela economia e pelas finanças internacionais. Quando parecíamos estar saindo da recessão que se arrastava desde 2008, a recuperação mundial se mostrou mais lenta, e a crise na Europa, ainda mais profunda. É desolação para todos os lados. Os americanos, mais pragmáticos, nadam de braçada em um mar de dólares trocados por títulos de solvência difícil, à custa do resto do mundo. Este não sabe o que fazer com a taxa de câmbio para se defender da inundação de dólares enquanto os Estados Unidos postergam o dia do ajuste final. Sua taxa de desemprego continua elevada, embora não em ascensão; não exibem retomada vigorosa da economia, sem todavia cair no abismo fiscal anunciado pela imprensa, o fiscal cliff . Ou melhor, estão mergulhados nele, mas com escafandro: mantêm as ruas aquietadas e vão contornando sem violência os que protestam nas praças, como no caso do movimento Occupy. Não conseguem, é verdade, escapar do abismo político das posições radicalmente distintas entre republicanos e democratas, muito maior do que aquele no qual está imerso o Tesouro. Os dois partidos não se entendem para definir uma política fiscal que alivie as aperturas do Tesouro, pois os republicanos não aceitam impostos que taxem mais os ricos, nem apoiam medidas que deem alívio às dificuldades dos mais pobres, sobretudo na questão da saúde. A sociedade americana parece bloqueada.

Os europeus pretendem levar a sério o que os americanos dizem, não o que fazem. Pilotam a economia com rédea de ferro, ortodoxos como ninguém conseguira antes. E a economia, tal como o cavalo do inglês que, quando aprendeu a viver sem comer, morreu, vai de austeridade em austeridade desfazendo o tão penosamente construído modelo social europeu, rompendo, ou melhor, sufocando o Estado de bem-estar social e destruindo as bases de um pacto de convivência aceitável. É governo caindo por todo lado, e desemprego fazendo as famílias gemerem sem ilusões. E nada de o PIB crescer nem de as contas públicas melhorarem: da crise de liquidez do setor bancário privado passaram à quebradeira dos Tesouros nacionais, enquanto o euro continua intrépido como se fosse bandeira da Alemanha triunfante. Esta, por sua vez, torna-se capenga pela falta de quem compre as mercadorias que sua produtividade torna baratas em comparação com as produzidas além fronteiras.

Até a China, cujo aparelho produtivo, baseado em exportações, foi criado em aliança com as multinacionais, teve de ajustar-se às circunstâncias, pois lhe falta hoje o vigor do mercado externo de outrora. O país reconstitui penosamente seus objetivos; por ora, essa transição não se completou, e o velho modelo já não produz os mesmos exuberantes resultados. Tenta aumentar o consumo doméstico e criar a rede de proteção social indispensável para dar ânimo às pessoas e fazê-las, em vez de poupar para a velhice e a invalidez, consumir. Ao mesmo tempo, com demanda interna insuficiente, a China reduz suas compras de commodities e busca exportar mais os muitos produtos manufaturados que fabrica. O Brasil sofre com isso. Se aqui a crise não produziu um tsunami, suas marolas converteram-se em marasmo, que obriga à navegação à vela em tempos de calmaria.

Se pelo menos a situação política mundial desse algum sinal de melhoria, haveria consolo. No final de 2011, meus votos foram pela construção de uma melhor governança global, processo que se avizinhava. Não foram atendidos, demos marcha a ré. As esperanças suscitadas pelo G-20 viraram poeira, e, pelo menos até agora, a regulação do mercado financeiro virou balela. No plano das relações de poder, apesar dos avanços já alcançados - as razoáveis relações sino-americanas, o deslocamento do eixo do mundo para a Ásia, a progressiva aceitação da Rússia como parte do jogo de poder mundial e o reconhecimento do peso político específico de alguns dos países de economia emergente, como o Brasil -, não houve progresso de monta. O que parecia um ressurgimento que permitiria o reconhecimento do mundo árabe-islâmico como parceiro global - a Primavera Árabe - ainda é uma incógnita. Como se não bastassem a desastrada intervenção europeia na Líbia, que resultou em faccionalismo e violência, a revolta fomentada na Síria, com enorme custo humano, o fracasso da intervenção ocidental no Afeganistão e o congelamento de uma situação política precária no Iraque, há ainda o impasse nas relações palestino-israelenses. Este, graças à aceitação pela ONU do Estado Palestino na condição de observador, junto com a enigmática revolução egípcia, poderá ser rompido. Sabe-se lá usando quais meios. Oxalá não os nucleares, pretextando a nuclearização do Irã.

Há, portanto, boas razões para desconfiar de que 2013 nos prepare dias melhores. Resta o consolo de que entre nós brasileiros, a despeito do já dito e do desapontador "pibinho", que parece desenhar outro apenas melhorzinho para o ano em curso, pelo menos o Judiciário desempenhou seu papel. Sem me regozijar pelo que não me anima - a desolação da cadeia para quem quer que seja -, é forçoso reconhecer que as instituições republicanas funcionaram. Há choro e ranger de dentes entre alguns poderosos. Há tentativas desesperadas de negar as evidências e acusar de farsa o que é correto. Mas tem prevalecido a serenidade dos que acreditam, como diz a bandeira dos mineiros sobre a Liberdade, que a Justiça pode tardar, mas não falha. São meus votos.

Fonte: O Globo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora (RS)

Mais uma denúncia liga Lula a Rosemary

Ex-secretária faria intermediação entre Lula e o BB

SÃO PAULO - A ex-secretária da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, intermediava pleitos do Banco do Brasil para o ex-presidente Lula. Entre 2007 e 2010, Rose, como era conhecida, teve 39 reuniões com ocupantes de postos importantes na instituição, 25 delas com vice-presidentes. As informações foram divulgadas pela edição desta semana da Veja e, segundo a revista, as reuniões constam na agenda de Rose, apreendida durante a Operação Porto Seguro, da Polícia Federal. Rose foi indiciada pela PF pelos crimes de formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva.A atuação de Rose como intermediária entre diretoria do Banco do Brasil e Lula foi confirmada à revista pelo ex-vice presidente do Banco do Brasil, Ricardo Oliveira: "A Rose levava as demandas institucionais do banco para o presidente. Esse contato direto foi muito positivo", disse Oliveira à revista. Na agenda da ex-secretária constam 16 reuniões com Oliveira, que seria um dos aliados de Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil.

Oliveira disse ainda, segundo a revista, que Rose foi acionada, por exemplo, para convencer o presidente a aprovar a compra da Nossa Caixa pelo banco, um negócio bilionário, de R$ 5,3 bilhões.

O Banco do Brasil informou em nota encaminhada à revista que a relação da instituição com Rose sempre foi institucional. A revista afirma que Rose cobrava, em troca, ingressos para shows, eventos em resorts e almoços em restaurantes caros, que eram pagos pelo banco.

A Operação Porto Seguro revelou que, além de receber "pequenos agrados", Rose foi beneficiada duas vezes pelo Banco do Brasil. Seu ex-marido José Cláudio Noronha foi nomeado para o conselho de administração da Aliança Brasil Seguros, a seguradora do BB que hoje se chama Brasilprev, usando um diploma falso de curso superior.

O atual marido, João Batista de Oliveira, dono da pequena empresa New Talent, conseguiu um contrato de R$ 1,1 milhão com a Cobra Tecnologia, subsidiária do banco, para uma obra de reforma. Também neste caso, houve documento falso: um atestado de capacidade técnica emitido para a New Talent pela Associação Educacional e Cultural Nossa Senhora Aparecida, mantenedora da faculdade Facic, que pertencia a Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas e também indiciado pela PF.

A Assessoria de Imprensa do Instituto Lula informou que as informações contidas na reportagem não atingem o ex-presidente Lula. Em relação à declaração do ex-vice-presidente do BB que, segundo a revista, teria dito que Rose "levava demandas institucionais do banco para o presidente", a assessoria comunicou que essa era uma das atribuições do cargo de Rose como chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo e que não vê irregularidades nisso.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Oposição quer que PF apure relação de Rose e BB

Ex-chefe de gabinete de Lula teria tido 39 reuniões com integrantes da cúpula do banco entre 2007 e 2010

Fernanda Krakovics, Silvia Amorim

brasília e são paulo Partidos de oposição no Congresso Nacional, como o PPS e o DEM, defenderam ontem que a Polícia Federal apure a natureza dos contatos frequentes entre a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Nóvoa de Noronha e integrantes da cúpula do Banco do Brasil (BB) e da Previ, além de empresários. A relação de contatos foi divulgada neste fim de semana pela revista "Veja", que atribui a Rosemary a intermediação de pleitos do Banco do Brasil junto ao ex-presidente Lula. Entre 2007 e 2010, Rose, como era conhecida, teria tido 39 reuniões com ocupantes de postos importantes do BB, 25 delas com vice-presidentes.

Segundo a revista, as reuniões constam da agenda de Rose, apreendida durante a Operação Porto Seguro, da PF. Rose foi indiciada pelos crimes de formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva.

O PPS ainda vai apresentar requerimento de informações ao Ministério da Fazenda, pedindo que o Banco do Brasil explique o porquê de tantos encontros com a chefe de gabinete.

- Vamos dar entrada via Comissão Representativa do Congresso. Queremos saber o porquê de tantas reuniões, queremos que o BB explique isso. Além disso, estamos estudando a possibilidade de entrar no Ministério Público em São Paulo e vendo que medidas cabem em relação ao ex-presidente Lula. Ela falava em nome dele - disse Rubens Bueno, líder do PPS na Câmara.

O ex-vice-presidente do BB Ricardo Oliveira disse à "Veja" e confirmou ao GLOBO que Rose intermediava pleitos institucionais do banco junto ao ex-presidente Lula, inclusive a aprovação da compra da Nossa Caixa, um negócio de R$ 5,3 bilhões.

- Até então, os assuntos estavam entre coisas que se podia supor de baixo alcance, entre Rosemary e Paulo Vieira. Mas agora os alvos são interesses no Banco do Brasil, em fundos de pensão e até empresários, interesses maiores - disse o presidente do DEM, senador Agripino Maia.

A assessoria de imprensa do Instituto Lula informou que o conteúdo da reportagem não atinge o ex-presidente Lula. O advogado de Rose, Celso Vilardi, disse que as reuniões faziam parte da rotina de trabalho dela.

- São compromissos que dizem respeito ao dia a dia de trabalho dela. O restante trata-se de ilações da revista "Veja" que não condizem com a realidade - afirmou.

Fonte: O Globo

'Em vários momentos, ela (Rose) me deu acesso a ele (Lula)'

Ex-vice-presidente do BB confirma encontros com ex-chefe de gabinete

BRASÍLIA - Ex-vice-presidente de Governo do Banco do Brasil, Ricardo Oliveira confirmou ontem que se reunia com frequência com Rose e diz que o objetivo seria defender assuntos institucionais do BB junto a Lula. A agenda de Rose, diz "Veja", registra 16 encontros.

- Para nós, do BB, é muito importante ter acesso facilitado ao presidente e aos ministros - disse. - Em vários momentos, ela me deu acesso a ele (Lula) e isso foi bom para o banco.

Um desses assuntos teria sido convencer Lula a autorizar o BB a comprar a Nossa Caixa, que pertencia ao governo de São Paulo, comandado pelo PSDB. Uma corrente do governo federal era contra, argumentando que a operação fortaleceria os tucanos.

Segundo Oliveira, a proximidade com Rose também servia para que Lula prestigiasse eventos do banco, como o comparecimento dele a uma reunião de 1.800 gerentes, em São Paulo, em março de 2010.

Oliveira não confirma que, em troca da intermediação dos pleitos do BB, Rose pedia ingressos para shows e eventos.

Em nota, a assessoria do BB declarou que a relação do banco "sempre foi estabelecida de forma institucional com a ex-chefe do gabinete da Presidência em São Paulo". E lembrou que o escritório da Presidência funciona no mesmo prédio da sede do BB na capital paulista.

Fonte: O Globo

O poder oculto de Rose

A agenda de Rosemary Noronha, a amiga de Lula, revela sua influência no Banco do Brasil, nos fundos de pensão e no trato com empresários poderosos

Não era bem o que parecia. Quando o nome de Rosemary Nóvoa de Noronha veio a público com a deflagração da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, a amiga íntima do ex-presidente Lula e então chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo não passava de uma "petequeira". A expressão, cunhada pelo ex-deputado Roberto Jefferson para designar funcionários públicos que se deixam corromper em troca de ninharia, parecia feita para ela. Rose, como é conhecida, foi acusada de integrar uma quadrilha especializada em fraudar pareceres oficiais para beneficiar empresários trambiqueiros. Defendia os interesses dos criminosos no governo e, em contrapartida, tinha despesas pagas por eles — de cirurgia plástica a prestações de carro. A versão da petequeira foi providencialmente adotada pelo PT. Rose, ventilou o partido, agiria apenas na arraia-miúda do governo e sem nenhuma relação com a sigla. Eis uma tese que os fatos vêm insistindo em derrubar.

No mês passado. VEJA revelou que a amiga de Lula usava o cargo para agendar reuniões com ministros de estado: abria as portas, inclusive de gabinetes no Palácio do Planalto, a interesses privados. Agora, descobre-se que sua área de atuação abrangia também setores de orçamentos bilionários, como o Banco do Brasil (BB) e o fundo de pensão de seus funcionários, a Previ. Rose, a petequeira, participou ativamente das negociações de bastidores que definiram a sucessão no comando tanto do BB quanto no da Previ, defendeu pleitos de caciques do PT junto à cúpula do banco e atuou como lobista de luxo de empresários interessados em ter acesso à direção e ao caixa da instituição. Sua agenda de compromissos como chefe do gabinete da residência em São Paulo, obtida por VEJA. mostra que, graças à intimidade com o então presidente, a mulher que num passado não muito remoto era uma simples secretária se transformou numa poderosa personagem do governo Lula. Com integrantes da cúpula do BB, em cujas dependências funcionava o gabinete que chefiava, suas audiências eram corriqueiras. De 2007 a 2010, foram pelo menos 39 reuniões com ocupantes de postos importantes da hierarquia do banco. Apenas com vice-presidentes do BB, ela se reuniu 28 vezes. A explicação para tantos encontros: Rose usava a proximidade com Lula para influir nas decisões que envolviam o Banco do Brasil, inclusive sobre quem deveria ser escolhido para ocupar cargos de direção. Ela era frequentemente procurada e bajulada pela cúpula da instituição, interessada em fazer com que seus pleitos chegassem ao ex-presidente da República.

"A Rose levava as demandas institucionais do banco para o presidente. Esse contato direto foi muito positivo", admite Ricardo Oliveira, vice-presidente do BB até o ano passado e até hoje um dos mais fiéis aliados do presidente do banco, Aldemir Bendine. A agenda de Rose registra dezesseis reuniões com Oliveira. Ele conta que a lista de serviços que ela prestou à cúpula da instituição incluiu missões espinhosas. Segundo Oliveira, Rose foi acionada, por exemplo, como ponta de lança da ofensiva destinada a convencer Lula a autorizar o BB a comprar a Nossa Caixa, um negócio de 5,3 bilhões de reais. Prestigiada, operou no processo que resultou na escolha do próprio Bendine, em 2009, para o comando do banco. Na ocasião, intercedeu junto a Lula por dois candidatos ao posto: Bendine e Ricardo Flores, petista que ocupava uma das vice-presidências da instituição. Preterido, o companheiro Flores — sempre com a providencial ajuda de Rose — ganhou a presidência da Previ. fundo de pensão que tem uma carteira de investimentos de 150 bilhões de reais. Flores e Rose se tomaram amigos — mas só até a Operação Porto Seguro estourar. Agora, ele diz: "Eu não me lembro dessas audiências com a Rose" Bendine, embora não tivesse seus encontros registrados, também costumava se reunir com ela, mas preferia deixar os assuntos mais comezinhos a cargo de Ricardo Oliveira, seu fiel escudeiro. Na luta por poder dentro do banco, Rose chegou a costurar um acordo, jamais cumprido, pelo qual Flores sucederia a Bendine no comando do BB. O fracasso do acerto acabou por minar a unidade do grupo. Bendine e Flores viraram inimigos figadais. Para refrear a guerra, a presidente Dilma Rousseff demitiu Ricardo Oliveira do BB e Ricardo Flores da Previ. Em troca do acesso privilegiado a Lula, Rose cobrava um tratamento à altura de seu prestígio. Pedia ingressos para shows, eventos em resorts e almoços em restaurantes caros patrocinados pelo banco. Mas não era só. A investigação da PF já havia revelado um contrato de 1,2 milhão de reais firmado sem licitação entre uma subsidiária do Banco do Brasil e uma empresa de fundo de quintal registrada em nome de familiares da ex-secretária.

Agora, sua agenda dá pistas que podem ser úteis à polícia: no mesmo período em que o contrato era negociado, Rose teve reuniões, no gabinete da Presidência, com funcionários do banco encarregados justamente da área onde ela arrumou a boquinha — entre eles, José Salinas, vice-presidente de tecnologia do BB até junho de 2010. A pedido do amigão e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, Rose chegou a advogar pela permanência de Salinas no posto. Não foi atendida — ninguém ganha todas. Mas o pupilo de Dirceu não ficou na chuva. Salinas hoje despacha em Nova York como gerente regional do BB na América do Norte. Em nota, o Banco do Brasil afirmou que a relação da instituição com Rosemary Noronha sempre foi institucional.

A agenda de Rose mostra suas incursões em outras áreas sensíveis. Ela registrou, por exemplo, um encontro em março de 2009 com o então ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Antonio Dias Toffoli, companheiro petista nomeado depois para o Supremo Tribunal Federal — no registro, fez constar que seria uma audiência para "despacho". Os apontamentos revelam certa proximidade de Rose com Toffoli: além de marcar presença em sua posse no Supremo, ela recebeu, em São Paulo, o chefe do gabinete do ministro no tribunal. Chama atenção a diversidade de áreas por onde Rose transitava. E as suspeitas decorrentes daí são inevitáveis. É de indagar, por exemplo, por que a chefe administrativa do gabinete presidencial em São Paulo despachava com dirigentes de fundos de pensão de estatais. Com Newton Carneiro, diretor administrativo e financeiro da Petros, o multimilionário fundo dos servidores da Petrobrás, foram cinco reuniões entre 2009 e 2011.

Nesse mesmo período, houve outros dois encontros com um emissário da presidência da Funcef, fundo de pensão dos servidores da Caixa Econômica Federal. As reuniões com empresários, muitos deles com interesses diretos no governo, eram igualmente frequentes. Com aval de Brasília, Rose se encarregava até de dar as boas-vindas a empresas estrangeiras recém-chegadas ao país. Foi assim com a Boiron, multinacional do setor de medicamentos, cuja representante no Brasil se reuniu duas vezes com a ex-secretária em 2009. A empresa francesa, com negócios em oitenta países, diz que foi recebida por Rose para "apresentar o seu projeto para o Brasil". Hã? Isso mesmo. O rol de compromissos inclui ainda representantes de uma companhia japonesa, bancos privados, empresas aéreas e associações empresariais. Coisa digna de ministra de estado. Petequeira?

Fonte: Revista Veja

Sigilo cerca despesa oficial com cartões

Quase metade dos gastos (46,2%) com cartões corporativos do governo federal foi mantida em sigilo em 2012, ano em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor no País. A justificativa é que são informações estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado, informa a repórter Alana Rizzo. Ao todo, os portadores dos mais de 13 mil cartões de pagamento gastaram, de forma secreta, R$ 21,3 milhões dos R$ 46,1 milhões pagos.

46% dos gastos via cartão corporativo do governo são mantidos em segredo

Administração. Presidência da República e órgãos oficiais de investigação, como Abin e Polícia Federal, são os que mais recorrem ao sigilo de despesas sob o argumento de que as informações são estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado brasileiro

Alana Rizzo

Em 2012, ano em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, quase metade dos gastos com cartões corporativos do governo federal foi mantida em segredo, O argumento é que são informações estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado brasileiro.

Entre janeiro e setembro, 46,2% das despesas via cartão foram classificadas como sigilosas - as informações referentes aos meses finais de 2012 ainda não foram enviadas pelo Banco do Brasil à Controladoria-Geral da União (CGU) para divulgação no Portal da Transparência do governo.

Ao todo, na administração pública, os portadores dos mais de 13 mil cartões de pagamento do governo espalhados pelo País gastaram, de forma secreta, R$ 21,3 milhões dos R$ 46,1 milhões pagos pelo chamado suprimento de fundos. A maioria é de compras e saques da Presidência da República, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Na Presidência, 95% das despesas com cartões são sigilosas.

Pela legislação, o uso do chamado suprimento de fundos - ou seja, os cartões - não é regra e deve ser usado como exceção e em casos de despesas excepcionais ou de pequeno vulto, como compra de material de consumo e contratação de serviços.

A Abin diz que utiliza o cartão de forma "ostensiva" para atender às demandas administrativas de 26 superintendências esta¬duais vinculadas. O Gabinete de Segurança Institucional, a quem a Abin é subordinada, afirma que os cartões de pagamento são usa¬dos em ações de caráter sigiloso em conformidade com a lei.

A Polícia Federal, órgão sub¬metido ao Ministério da Justiça, cujos gastos secretos por meio de cartão corporativo são altos, não quis comentar o assunto.

A Secretaria de Administração, responsável pela gestão dos cartões da Presidência, informou que os cartões corporativos se destinam a atender as despesas eventuais de pronto pagamento e que, por sua excepcionalidade, não podem se subordinar ao pro¬cesso normal de empenho. A Vice-Presidência da República, que gastou R$ 537,8 mil com os cartões, informou que não poderia responder aos questionamentos da reportagem porque seus servi¬dores estavam em recesso.

Sem amparo legal específico, a fiscalização das despesas sigilosas é compartilhada dentro do governo. Cabe à Secretaria de Controle Interno (Giset) da Secretaria-Geral acompanhar os gastos relacionados à Presidência da República, incluindo a Abin. Já as despesas da PF são fiscalizadas pela Controladoria-Geral. No entanto, os relatórios de contas da Ciset e da CGU revelam que os órgãos utilizam artifícios para burlar o controle e não divulgar os gastos.

Atraso. Os últimos dados disponíveis na página da CGU são de setembro. Até a última sema¬na, o portal estava desatualizado e divulgava informações referente à fatura de maio, um atraso de mais de seis meses na divulga¬ção de informações públicas.

O sigilo e a demora na publicação dos dados vai na contramão da Lei de Acesso e do compro-misso assinado pela presidente Dilma Rousseff de implantação do projeto Governo Aberto. Durante a abertura da 1.a Conferência de Alto Nível Parceria para o Governo Aberto (OGP) em abril do ano passado, Dilma ressaltou o "grande compromisso" do go¬verno com a transparência e destacou o Portal da Transparência. "O Portal divulga todas as despesas do governo federal em base diária e nos mínimos detalhes. Quem acessá-lo nesta manhã verá que todos os gastos realizados até a noite de ontem estão lá ex¬postos e configurados."

Em nota, a CGU informou que o Banco do Brasil é o responsável pelo envio dos dados e a Controladoria, pela publicação. O atra¬so, segundo o órgão, foi causado por "problemas de ordem técnica" ocorridos no processamento das informações no mês de julho, o que prejudicou a atualização dos meses subsequentes. O banco alegou que a demora foi provo¬cada por mudanças no sistema dos cartões.

Incorporados ainda no governo Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de diminuir os gastos e dar mais transparências às contas, os cartões corporativos provocaram uma crise em 2008. Denúncias de mau uso, incluindo o pagamento de despesas pessoais e saques sem justificativas, levaram a então titular da Secreta¬ria da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a pedir demissão. Uma CPI foi criada no Congresso. A ex- ministra será secretária adjunta de Netinho de Paula na pasta da Promoção da Igualdade Racial na gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Maquiagem de R$ 200 bi garantiu meta do governo

Sem artifício usado com bancos públicos, despesas iriam a R$ 1 trilhão em 2012

Especialistas criticam a "contabilidade criativa" usada nas contas públicas para atingir o superávit fiscal de 3,1% do PIB. Injeção de recursos no BNDES criou subsídio de R$ 15 bilhões.

Maquiagem de R$ 200 bilhões para alcançar meta fiscal preocupa mercado e investidores

BRASÍLIA - Se o Brasil está muito longe do abismo fiscal que os EUA chegaram a ver de perto, algumas fissuras começam a surgir. Malabarismos contábeis e os novos rumos das contas públicas despertam desconfiança e já preocupam o mercado financeiro e investidores. Para analistas ouvidos pelo GLOBO, o governo vem criando mecanismos perigosos para estimular o crescimento econômico com impacto importante nos cofres públicos. As despesas primárias (que não consideram gastos com juros) flertam com a cifra inédita do trilhão. Segundo o especialista em contas públicas do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) Mansueto Almeida, sem os artifícios contábeis, essas despesas, que devem fechar 2012 próximas de R$ 800 bilhões, já poderiam ter batido R$ 1 trilhão. Ou seja, cerca de R$ 200 bilhões mais altas.

Mesmo assim, o Executivo ainda precisou lançar mão do abatimento de R$ 25 bilhões a que tem direito com gastos em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para poder cumprir a meta de superávit primário (economia feita pelo governo para pagar juros) de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pleo país) prevista para 2012. A justificativa está no fato de o país ter tido um ano difícil, com frustração de arrecadação e sucessivas reduções de tributos para tentar reaquecer a economia em meio à crise internacional.

Para estimular o consumo e novos investimentos, em vez de aumentar o capital dos bancos públicos e das estatais, o governo preferiu emitir títulos públicos para reforçar o caixa dessas instituições. Com isso, esses recursos não são caracterizados como despesa primária, como aconteceria se tivesse simplesmente registrado as capitalizações pelas vias tradicionais. Mansueto destaca que a dívida dos bancos públicos federais com o Tesouro Nacional, que passa ao largo do resultado das contas públicas, saltou de R$ 10 bilhões em 2007 para nada menos que R$ 400 bilhões em 2012.

- Isso significa que, se a metade desse valor tivesse sido usada para capitalizar esses bancos pelas vias tradicionais, as despesas já teriam chegado a R$ 1 trilhão - explica o especialista.

Responsabilidade fiscal sob risco

Outro mecanismo usado pelo governo, que compõe o arsenal que os especialistas vêm chamando de contabilidade criativa, é o uso dos lucros dos bancos públicos e os dividendos pagos pelas estatais para engordar o caixa do Tesouro Nacional. Se as capitalizações não são computadas como despesas, estas duas rubricas são registradas como receitas primárias. Ou seja, o governo empresta sem caracterizar despesas e recebe de volta como receita. Para fechar a conta ano passado, o governo chegou a antecipar o pagamento de dividendos do BNDES e da Caixa Econômica ao Tesouro Nacional.

As sucessivas injeções de recursos no BNDES, como a anunciada na semana passada, não contam como despesas. Porém, elas representam um subsídio implícito (a diferença dos juros de captação do banco e das taxas que empresta) de R$ 15 bilhões só em 2012, o que tampouco é computado como gasto. O valor equivale ao orçamento de um ano do programa Bolsa Família, que atende 45 milhões de pessoas.

O governo enviou ao Congresso Nacional no último dia do ano passado um projeto que permite novos gastos com desonerações fiscais que não estão previstas no Orçamento, desde que as receitas públicas sejam maiores do que o esperado. Neste caso, elas não precisam ser submetidas aos parlamentares como seria de praxe. A medida é vista com desconfiança por analistas, que veem risco a um dos princípios fundamentais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O que mais preocupa estes especialistas é a falta de transparência do governo para lidar com as contas públicas. Para o especialista José Roberto Affonso, ao usar artifícios fiscais, o governo mina a credibilidade que levou anos para conquistar junto a mercado e investidores.

- Não está proibido na LRF reduzir a meta de superávit em períodos de crise, ou até mesmo, fazer um saldo negativo, o que seria mais do que justificável em anos de crise. O que não pode é tentar negar que está fazendo malabarismo fiscal quando todos estão vendo - disse Affonso.

- Trata-se de um expansionismo envergonhado, porque ninguém admite publicamente que está aumentando as despesas e que isso terá um impacto sobre o resto da economia num futuro não distante - acrescenta Felipe Salto, especialista em contas públicas da Tendências.

Juros mais baixos e incentivos tributários

De janeiro a novembro de 2012, o aumento das despesas primárias foi de R$ 80 bilhões. Deste total, só R$ 10 bilhões correspondem aos investimentos públicos, dos quais R$ 5 bilhões são recursos do programa Minha Casa Minha Vida, que conta com dinheiro do FGTS do trabalhador. De 1999 a 2011, as despesas primárias saltaram de R$ 337,9 bilhões para R$ 724,4 bilhões.

Um técnico da equipe econômica diz que as críticas à política fiscal não consideram indicadores positivos da economia nem benefícios, como a queda dos juros básicos, incentivos fiscais ao setor produtivo e cortes nas tarifas de energia. Para ele, a queda de dívida líquida federal de 60%, na década de 80, para 45,5%, em 2007, e 35%, em 2012 é um sinal de bons resultados da política fiscal. Ele lembra que a credibilidade do país lá fora se comprova pelas menores taxas de captação registradas para os bônus de 2023 no mês passado no mercado internacional.

Para o professor Adolfo Sachsida, do Ipea, a fatura da folia fiscal virá em 2015. E com o Orçamento engessado, o governo poderá ter de usar expedientes que representam um retrocesso como, por exemplo, fazer o ajuste das contas públicas por meio de uma inflação mais alta.

Fonte: O Globo

Dilma acelera criação de empresas estatais

Quatro delas foram abertas nos últimos dois anos pelo governo federal

Governo acelera a criação de estatais que não geram receita

Das dez empresas concebidas desde Lula, só uma já tem perspectiva de operar de forma independente

Empresa que nunca funcionou e incluída em plano de desestatização gastou R$ 110 mil para remunerar conselheiros

Gustavo Patu, Breno Costa

BRASÍLIA - A prática de criar estatais foi ressuscitada pela administração petista e acelerada pela presidente Dilma Rousseff, mas a maior parte das novas empresas está longe de fazer jus a essa qualificação.

Levantamento feito pela Folha mostra que, em uma década, os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma deram à luz dez estatais, quatro delas nos últimos dois anos -não foram incluídas na conta subsidiárias de empresas preexistentes, como a CaixaPar, o Banco Popular e a recém-lançada Infraero Serviços.

Da lista, apenas uma já deu os primeiros passos rumo à geração de receitas suficientes para financiar seus investimentos e operações: a Hemobrás, fundada em 2004 para fabricar e vender medicamentos derivados do sangue.

As demais ou não saíram do papel ou são mantidas com recursos da arrecadação de tributos como uma repartição pública.

Aprovada por lei no mês passado, a EPL (Empresa de Planejamento e Logística) já está classificada pelo Ministério do Planejamento entre as estatais dependentes do Tesouro Nacional, ao lado de outras cinco criadas nos governos do PT.

Trem-bala

A EPL tomou o lugar da Etav, uma breve empresa criada no ano anterior exclusivamente para viabilizar o trem-bala nacional -e que, de um orçamento de R$ 166 milhões, desembolsou apenas R$ 3 milhões com salários e despesas administrativas.

Também necessitam do dinheiro do contribuinte a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), o Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) e a Amazul (Amazônia Azul Tecnologias de Defesa).

A maior delas, a EBC, não é propriamente uma novidade: surgiu em 2007 a partir de uma ampliação da antiga Radiobrás. No ano passado, segundo dados preliminares, ela gerou cerca de R$ 70 milhões em receitas com os serviços de radiodifusão, mas suas despesas ultrapassaram os R$ 400 milhões.

Criado em 2008 para fabricar chips eletrônicos, o Ceitec informou uma receita de R$ 300 mil no ano passado com a venda de seus produtos para a iniciativa privada. A legislação considera microempresas aquelas com receita anual até R$ 360 mil.

Outras duas estatais estabelecidas por lei nos últimos anos ainda não existem na prática: a PPSA, concebida para explorar o petróleo do pré-sal, e a ABGF, apelidada de Segurobras, para garantir obras de infraestrutura.

Legado esportivo

O caso mais inusitado é o da Brasil 2016, ou Empresa Brasileira de Legado Esportivo, criada no final do governo Lula para desenvolver projetos ligados à Olimpíada do Rio de Janeiro. Descartada antes de esboçar qualquer iniciativa, ela foi incluída no Programa Nacional de Desestatização.

Mesmo sem nunca ter entrado em operação, registrou como único gasto em seu balanço R$ 110 mil para remunerar conselheiros.

A Hemobrás, até agora, é a única incluída no orçamento federal de investimentos, que reúne as empresas utilizadoras de recursos próprios, como a Petrobras, a Eletrobras e os bancos públicos.

Ela recebeu aportes do Tesouro Nacional para a abertura de uma fábrica em Pernambuco, ainda não concluída. De um orçamento de R$ 264 milhões em 2012, R$ 50 milhões foram investidos até outubro.

Fonte: Folha de S. Paulo

Dilma é a que menos desapropria desde Collor

Queda no ritmo da reforma agrária se alinha a demanda menor de sem-terra

Consolidação do Bolsa Família e alta do salário mínimo contribuem para que governo seja menos pressionado

André Caramante, Daniel Carvalho

SÃO PAULO - O governo Dilma Rousseff é o que menos desapropriou imóveis rurais para fazer reforma agrária nos últimos 20 anos. Na primeira metade do mandato, 86 unidades foram destinadas a assentamentos.

Comparado ao mesmo período das administrações anteriores desde o governo José Sarney (1985-90), o total supera só o de Fernando Collor (1990-92), que desapropriou 28 imóveis em 30 meses.

Levantamento da diretoria técnica da Câmara e pesquisa da Folha no "Diário Oficial da União" mostram que Dilma desapropriou 58 imóveis em 2011 e outros 28 em 2012.

A queda no ritmo ocorre em meio à redução da demanda dos sem-terra pelo país.

A consolidação do Bolsa Família e a valorização do salário mínimo nos últimos anos contribuíram para isso.

O número de famílias acampadas despencou de 2003 para 2011. Passou de 59 mil para 3.210, segundo a Comissão Pastoral da Terra.

O governo cita cortes no Orçamento e greve de servidores como razões para os baixos números em 2012 (leia texto nesta página).

A desapropriação por meio de decretos presidenciais é o meio clássico para obter terra para a reforma agrária.

Além de áreas desapropriadas, o governo também pode assentar famílias em terrenos comprados ou em lotes vagos de projetos antigos.

Alexandre Conceição, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), considera "uma vergonha" o desempenho da gestão Dilma.

Para ele, o governo não faz reformas estruturais por ter um apoio heterogêneo.

"Essa composição dá estabilidade política ao governo, amplas margens de apoio na opinião pública, mas impede reformas estruturais, que afetariam interesses das classes privilegiadas", diz Conceição.

"O desempenho é pífio, e a tendência é que a situação não mude em 2013. Não vemos vontade política", afirma Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

FHC X LULA

FHC (1995-2002) chegou a 3.535 imóveis desapropriados e disse ter assentado 540,7 mil famílias. Lula desapropriou 1.990 imóveis de 2003 a 2010 e afirma ter beneficiado 614 mil famílias.

Em 2005 e 2006 houve um pico de famílias assentadas (127.506 e 136.358, respectivamente, segundo os balanços oficiais), mas desde 2007 os números não param de cair.

A Folha apurou que o número preliminar de assentados em 2012 é de 23.073 famílias. Em 2011, foram 22 mil.

Integrante da bancada ruralista, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC) aprova o ritmo de Dilma.

"O problema é dar viabilidade para que os assentados produzam; 70% dos assentamentos estão vivendo de Bolsa Família. Não produzem nem para se alimentar", diz.

Fonte: Folha de S. Paulo

Reforma agrária patina com Dilma

Em seus dois primeiros anos no poder, a presidente Dilma Rousseff não chegou a assentar 43 mil famílias no campo, o pior desempenho das últimas gestões: nesse mesmo período de governo, FH assentou 105 mil famílias, e Lula, 117 mil.

Com Dilma, reforma agrária em queda

Governo assentou 22 mil famílias em 2011, pior marca desde FH; MST enfrenta dificuldade de mobilização

SÃO PAULO - Com menos de 44 mil famílias assentadas em dois anos, o governo Dilma Rousseff marca forte descenso no programa de reforma agrária. Em 2011, foram assentadas 22 mil famílias, a pior marca desde o governo Fernando Henrique. O Incra não divulga dados de 2012, mas reduziu a meta de 35 mil para 22 mil famílias a serem atendidas, apesar da demanda ser de, pelo menos, um milhão de famílias.

Segundo o Incra, nos dois primeiros anos de governo, Fernando Henrique assentou 105 mil famílias. Já o ex-presidente Lula, 117,5 mil no mesmo período de gestão. No momento de maior crise política, entre o escândalo do mensalão, em 2005, e a campanha de 2006, Lula deu mais peso aos apelos dos movimentos sociais, assentando 263,8 mil famílias. Já o ponto mais alto de Fernando Henrique na reforma agrária foi no ano de sua reeleição, 1998, com 101 mil famílias assentadas.

O principal movimento social camponês do país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também tem diminuído sua atuação. Entre os fatores da desmotivação no campo estão o crescimento econômico, os programas sociais e a melhoria dos salários e condições de vida na área urbana. Apesar da dificuldade de mobilização, um dos líderes do MST, Gilmar Mauro, afirmou que este ano o "caldo tende a engrossar" com mais ocupações e acampamentos.

O país conta hoje com 1,23 milhão de famílias assentadas; e a demanda, segundo os estudos mais otimistas, é por no mínimo mais um milhão de unidades agrárias familiares. Segundo o geógrafo Bernardo Mançano, coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária (Nera), da Unesp, a demanda por terra varia entre 1 milhão e 7 milhões de famílias. Ele vê um risco de desassentamento no país.

- Sem políticas de atendimento às famílias, o Brasil pode viver um processo de desassentamento, com as pessoas deixando a terra - diz Mançano.

Para Mançano, a reforma agrária só ganha espaço se houver pressão pública. Ele lembra que, em 2005 e 2006, o MST se mobilizou e, como estava frágil, o governo Lula se mexeu.

- No Brasil, a reforma agrária só andou sob pressão. Se analisarmos a evolução dos assentamentos, os picos coincidem com os momentos de maior mobilização. Houve uma perda do poder de pressão do MST por vários motivos, como aquecimento da economia, renda maior nas cidades e programas sociais. A capacidade de mobilização do MST está cada vez mais limitada- explica o coordenador do Nera.

Mançano afirma que, diferentemente de Lula, Dilma não tem ligação histórica com o MST e os movimentos agrários, e o MST perde espaço de diálogo com o governo.

- Dilma é diferente de Lula. Ela não tem essa dívida com os movimentos no campo. Se não conseguirem fazer uma mobilização forte, este ano esse número de famílias assentadas vai cair para cinco mil - diz o pesquisador.

Para Mançano, a luta no campo ganhou diferentes contornos nos últimos anos. Saíram os latifundiários, entrou o agronegócio. Diminuiu a pistolagem, entrou em campo a "judicialização". Segundo o pesquisador, os recursos dos sem-terra para combater no campo do Judiciário são muito limitados:

- A violência no campo vem caindo. A questão, hoje, é mais judicial. O maior problema é que as famílias assentadas estão acuadas pelo agronegócio e não há políticas públicas. Se continuar nesse ritmo, não é que vai cair o número de famílias assentadas. Vai acontecer é desassentamento.

O Incra não forneceu dados de 2012, mas informou que houve redução na meta, de 35 mil para 22 mil famílias assentadas. Segundo Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST, o número de assentamentos em 2012 não atingiu 10 mil famílias, ou seja, menos da metade da meta.

-Nossa avaliação, e do movimento sem-terra em geral, é que o governo Dilma tirou da pauta a reforma agrária- analisa Gilmar Mauro. - Em termos de média, a de Fernando Henrique foi 45 mil assentados por ano, a de Lula, 60 mil, 65 mil. E a de Dilma está em 20 mil.

Gilmar Mauro admitiu que existe uma dificuldade de mobilização dos trabalhadores sem-terra. Mas afirma que há 85 mil famílias acampadas no país. No governo Fernando Henrique, o número era de 90 mil, segundo o MST.

- No primeiro ano do governo Lula esse número saltou para 130 mil porque havia expectativa de que o governo Lula pudesse fazer a reforma agrária. Foi se estabilizando e atinge hoje patamar de 85 mil famílias, que não é insignificante. Os programas sociais e a possibilidade de emprego, evidentemente, colocam algumas famílias, que poderiam ser potenciais lutadores da reforma agrária, na condição de terem algum trabalho e irem sobrevivendo, mas isso não significa que a demanda por reforma agrária esteja acabada - disse Mauro.

O MST está organizando um calendário com ocupações, manifestações de rua e um acampamento em Brasília. Um dos focos de crítica, além do governo, é o Poder Judiciário, já que a posse de terra de dois assentamentos em São Paulo está sub judice, com risco de revisão da desapropriação feita pelo governo e de desassentamento das famílias.

- O Judiciário brasileiro está colocando um freio grave à reforma agrária. E o governo não está desapropriando, então a reforma agrária enfrenta uma das piores situações no país. Estamos numa grande jornada de lutas, com outros movimentos do campo porque todos estão com o mesmo diagnóstico. O caldo tende a engrossar no próximo período - conclui Mauro.

Fonte: O Globo

"Fio desencapado" que preocupa o Planalto

O candidato a líder do PMDB coleciona um histórico de problemas com o governo e não conta com a simpatia da presidente

Karla Correia

O Congresso se aproximava do recesso parlamentar e a bancada federal do PMDB decidiu anunciar, com calculado alarde, o apoio a um dos itens mais importantes da agenda legislativa da presidente Dilma Rousseff : a MP 579, que prorrogou as concessões do setor elétrico, com a condição de reduzir os valores da conta de luz a partir do início deste ano. Com a ajuda de um dos principais partidos da base aliada, a medida acabou aprovada pela Câmara e pelo Senado, em votações que ocorreram no mesmo dia.

Mais do que unificar o partido em torno da proposta da presidente, a reunião da cúpula do PMDB que precedeu o anúncio do apoio à MP teve uma só finalidade: enquadrar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e evitar que qualquer ato de rebeldia do parlamentar pudesse comprometer o resultado da votação. Favorito para assumir a liderança de uma das maiores bancadas aliadas do Congresso neste ano, Cunha é visto como um "fio desencapado" dentro da base governista, tanto pela proximidade que tem com os interesses de empresas do setor elétrico quanto pelo fator de risco que representa na relação com o governo federal.

A hipótese, bastante viável, causa arrepios no Palácio do Planalto. Preocupada com a possível escolha de Cunha para a liderança do PMDB, Dilma articula nos bastidores em favor da candidatura de Sandro Mabel (GO) ao cargo. De volta ao PMDB depois de rápida passagem pelo PR, atingido de raspão pelo escândalo do mensalão, Mabel seria uma alternativa infinitamente mais palatável ao Planalto que Eduardo Cunha, segundo interlocutores de Dilma.

A biografia e o histórico de sequelas causadas ao governo pelas rebeliões e movimentações do deputado, sobretudo no setor elétrico, que a presidente costuma tratar com especial atenção, motivam a desconfiança do Planalto em relação ao parlamentar, seguidor do modelo fisiológico de fazer política que cunhou o modus operandi do PMDB.

Evangélico, flamenguista roxo, Eduardo Cunha chegou à política no fim da década de 1980 sob as bênçãos de Paulo César Farias, então tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello para a Presidência da República. Integrante do comitê eleitoral de Collor no Rio de Janeiro, Cunha foi nomeado presidente da Telerj, a empresa pública de telecomunicações do estado, pouco depois da eleição de Collor. Já fora da estatal, filiou-se ao PPB (hoje PP) em 1994 e tornou-se o braço direito de outra estrela em ascensão na política carioca: Anthony Garotinho, hoje colega de Câmara e desafeto de Cunha. Eles já chegaram a trocar insultos pela internet. No início dessa legislatura, os dois se atacaram pelo Twitter. Garotinho questionou a fonte do patrimônio financeiro de Eduardo Cunha, que, em resposta, o chamou de "quadrilheiro".

"Contrabandos"

Mas nem só de brigas vive o possível próximo líder do PMDB. Em seu terceiro mandato de deputado federal, Cunha é um fenômeno dentro da legenda, onde sua desenvoltura o levou em pouco tempo da posição de noviço para um assento entre os caciques peemedebistas. "Poucos deputados conhecem tão bem o regimento da Casa e sabem como fazer uso dele. É um "caxias", estudioso e esforçado", derrete-se um aliado. "É também um cabeça-dura que não sabe quando encerrar uma briga, não tem noção de limites", alfineta outro colega de partido.

Seu talento para o confronto deixou marcas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Relator da MP que prorrogaria a validade da CPMF em 2007, Cunha segurou o quanto pôde a entrega do parecer como forma de pressionar o governo pela nomeação de cargos em Furnas, incluindo o ex-prefeito Luiz Paulo Conde para a presidência da estatal. A demora de Cunha em entregar o relatório deixou o governo sem margem de manobra quando a MP chegou ao Senado e a derrota com a queda da CPMF se transformou em uma das grandes mágoas de Lula em sua relação com o Congresso.

Com esse currículo, o deputado não teve dificuldades em conquistar a antipatia da presidente Dilma Rousseff. A presidente já rejeitou indicações do PMDB para o setor elétrico única e exclusivamente pela influência de Cunha na escolha dos nomes apontados pelo partido. Dilma também já se acostumou a vetar rotineiramente emendas incluídas em textos de medidas provisórias pelo deputado, todas favorecendo empresas privadas do setor. No Planalto, diz-se que a presidente guarda na gaveta de sua mesa uma "lupa anti-Eduardo Cunha" para analisar cada texto aprovado pelo Congresso, em busca de contrabandos inseridos pelo parlamentar.

Quem é ele

Nome: Eduardo Consentino da Cunha
Idade: 54 anos
Profissão: economista
Filiações: PPB (1994-2003), PP (2003), PMDB (desde 2003)
Cargos: presidente da Telerj (1991-1993); subsubsecretário estadual de Habitação (1999); presidente da Companhia de Habitação do Rio de Janeiro (1999-2000)
Mandatos eletivos: deputado estadual, 2001-2003 (PPB); deputado federal, 2003-2007 (PPB-RJ), 2007-2011 (PMDB-RJ), e desde 2011

Fonte: Correio Braziliense

Ciceroneado por Fernando Henrique, Aécio Neves molda candidatura

Ex-membros da gestão de Fernando Henrique ajudam senador a formatar discurso econômico

Julia Duailibi e Bruno Boghossian

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tornou-se o principal operador político da pré-campanha do senador Aécio Neves à Presidência da República pelo PSDB em 2014.

Desde o segundo semestre de 2012, FHC, que lançou o senador candidato em dezembro, e Aécio cumprem juntos agenda de almoços e cafés com empresários e integrantes do mercado financeiro no eixo Rio-São Paulo. Em alguns encontros, aproveitaram para pedir ajuda financeira aos candidatos do PSDB na eleição municipal - o desempenho nas urnas era visto como determinante na montagem da candidatura para o Planalto em 2014.

A ação de FHC em prol de Aécio começou a se formatar após uma conversa entre os dois no apartamento do ex-presidente, em São Paulo, no começo de 2012. No encontro, os dois traçaram os principais movimentos para construir a candidatura não só no partido, mas em setores da sociedade.

Por meio da ação de FHC, Aécio passou a se encontrar com ex-integrantes da equipe econômica do tucano para formatar um discurso econômico. Oficialmente, as reuniões são para discutir conjuntura nacional e internacional e orientar o partido, num momento em que o PSDB fala em rediscutir seu programa. Mas o pano de fundo é formatar o discurso para a campanha de 2014.

No último dia 26, FHC e Aécio se reuniram pela manhã no apartamento do senador no Rio com Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e Edmar Bacha, formulador do Plano Real. A agenda, que se estendeu até o almoço e contou, depois, com a presença do ex-jogador Ronaldo, foi mais uma da série de encontros com os economistas.

Desde a campanha presidencial de 2002, FHC viu o PSDB esconder atos da sua gestão, sob a alegação de que a população não aprovara a era tucana. A derrota na disputa presidencial de 2010 levou a um resgate da herança FHC, inclusive em temas mais polêmicos como privatizações e reforma do Estado.

A partir desse resgate, FHC passou a atuar mais na vida partidária - o tucano costuma parafrasear o ex-líder espanhol socialista Felipe González, segundo o qual ex-presidentes são como vasos chineses, grandes e bonitos, mas que ninguém sabe onde pôr.

Passou, então, a defender a renovação do partido. No iFHC, núcleo de memória e centro de estudos que montou, criou agenda com jovens economistas e de outros setores da sociedade. Começou a ajudar na procura de um marqueteiro, o "João Santana do PSDB", como brincam tucanos, numa referência ao responsável pela comunicação do PT e pela imagem da presidente Dilma Rousseff.

A ação de FHC pró Aécio tem ainda um viés político. Ajuda a agregar setores do PSDB paulista, principalmente a ala sob a influência do ex-governador José Serra, no projeto do senador.

"Os dois sempre foram muito próximos. O partido tentou se afastar da nossa herança. O grande pensador do PSDB é FHC", declarou o presidente do PSDB mineiro, Marcos Pestana.

Em movimento ensaiado, FHC lançou Aécio ao Planalto com o apoio do presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Também no final do ano, em outro encontro em seu apartamento com Guerra, o ex-senador Tasso Jereissati (CE) e o secretário-geral do partido, Rodrigo de Castro (MG), decidiu-se que a estratégia presidencial do PSDB passava pela indicação do senador como presidente do partido.

No início, Aécio resistiu. Argumentou que causaria desgaste se tornar porta-voz das críticas a quase dois anos da eleição. Também disse que a liderança do PSDB afastaria potenciais legendas aliadas que hoje estão na órbita do governo. O mineiro tentou articular uma segunda opção, mas a tendência é que assuma a função de presidente do PSDB, até como forma de mostrar comprometimento com 2014.

"Ele gostaria que Aécio fosse mais arrojado. Mas esse também é o perfil do Aécio", afirmou um interlocutor de FHC, comentando o que muitos paulistas falam nos bastidores: Aécio parece titubear em relação à candidatura ao Planalto. "Aécio está se movimentando, sim. Principalmente no campo das ideias", diz o deputado mineiro Paulo Abi-Ackel.

Economia. O discurso do senador para 2014 será pautado pelo baixo crescimento do PIB, que deve fechar 2012 em torno de 1%. Para os tucanos, se a economia "patinar", o debate sobre o PIB será central em 2014, quando Dilma tentará se reeleger. Aécio desenha um discurso no qual mostra o Brasil na lanterna do crescimento entre os emergentes e aponta os dois primeiros anos de Dilma como "tempo perdido" para a economia - entre os países da América do Sul, o Brasil pode fechar 2012 com crescimento apenas maior que o do Paraguai.

O time de economistas da era FHC passou a municiar Aécio com análises sobre a conjuntura econômica nacional e internacional. As ponderações abordam o enfoque crítico na dobradinha inflação alta com crescimento baixo. "A rigor, a Europa está em crise. Os Estados Unidos estão se recuperando. O mundo em desenvolvimento cresce mais que o Brasil e com inflação menor. Estamos no final da linha na América Latina. O problema não está lá fora", disse Bacha, em palestra para a bancada do PSDB no Congresso mês passado.

No governo FHC, Malan e Armínio eram vistos como monetaristas, por defenderem o controle rígido da política monetária em contraposição aos desenvolvimentistas, mais favoráveis a políticas de incentivo ao crescimento. Durante a era FHC, (1995-2002), marcada pela estabilidade econômica, reformas do Estado e privatização, o País cresceu uma média anual de 2,48%. Nos dois mandatos de Lula (2003-2010), o índice foi de 4,65%. No primeiro ano de governo Dilma, o PIB cresceu 2,7%.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Relações intrincadas - Merval Pereira

As manobras contábeis feitas pelo governo brasileiro no fim do ano para tentar tapar o buraco que havia na formação do superávit primário, que serve para amortizar a dívida pública, envolvem os mesmos princípios de manipulação fiscal que vêm sendo adotados pelo Ministério da Fazenda desde a crise econômica internacional que teve início em 2007/2008. Mais uma vez o governo utilizou-se de bancos oficiais - Caixa Econômica Federal e BNDES - para, com a antecipação de dividendos ao Tesouro, cobrir parte do superávit que deveria ter sido poupado.

Apesar de só no mês de dezembro os dois bancos terem antecipado R$ 7 bilhões aos cofres do governo, o buraco continuava aberto e foi preciso utilizar pela primeira vez o Fundo Soberano, que transferiu para o Tesouro mais R$ 12,4 bilhões. Na verdade, o governo não poupou esse dinheiro, apenas fez parecer contabilmente que o fizera, demonstrando que não está em condições de reduzir os gastos públicos.

O economista José Roberto R. Afonso, em artigo recente publicado na revista da Universidade Federal Fluminense (UFF), com base na sua tese de doutorado na Unicamp, intitulado convenientemente "As intrincadas relações entre a política fiscal e creditícia no Brasil pós-2008", demonstra como o BNDES e outros bancos públicos já vêm sendo utilizados em manobras fiscais para estimular a economia brasileira sem deixar registrado o aumento da dívida pública.

"A política fiscal brasileira em resposta à crise mundial foi tímida nos estímulos tradicionais, comparada à do resto do mundo, mas inovou ao conceder volumosos e crescentes empréstimos aos bancos públicos à custa da emissão de títulos governamentais", explica Afonso, analisando "a forma peculiar" como passaram a interagir as políticas fiscal e creditícia no país, gerando "governo com um patamar alto de dívida (bruta) e uma carteira de crédito superior a dos maiores bancos do país, empresas cada vez mais líquidas e menos endividadas, e a taxa de investimento nacional que segue reduzida".

Segundo o economista, ao contrário da grande maioria dos outros países, o Brasil não criou um novo programa de investimentos fixos governamentais a partir da crise de 2008, "apesar de ostentar das mais baixas taxas no mundo". Nem mesmo reformas estruturais foram realizadas, mais uma vez destoando da tendência mundial recente de reestruturação de sistemas tributários e até sociais, cujo caso mais emblemático é o da reforma da saúde pública nos Estados Unidos.

Esta atitude, ressalta o economista, contraria uma tradição nacional, pois o país enfrentou muitas crises no passado recente sempre promovendo mudanças estruturais, como foi o caso da desestatização no governo Fernando Henrique até um novo regime monetário e fiscal na segunda metade dos anos 90 do século passado. Em lugar de instrumentos fiscais tradicionais, pouco acionados na resposta do governo à crise mundial no Brasil, "outros menos conhecidos e analisados foram cruciais para a expansão do crédito que puxou a saída da recessão e moldou o crescimento posterior na economia brasileira".

O mais importante foi a concessão de empréstimos pelo Tesouro a bancos públicos, custeados pela emissão de títulos governamentais. Segundo José Roberto Afonso, o crédito foi tão importante para a economia brasileira para sair da crise que se pode dizer que "o famoso tripé de política econômica (câmbio flutuante, metas de inflação e austeridade fiscal) virou um quatrilho (acrescido da expansão creditícia). Como no filme homônimo, tais pilares se misturam e interagem de forma intensa e permanente: um influencia o outro, mas, ao mesmo tempo, é pelos outros influenciado".

Muito da retomada do crédito no país depois da crise foi liderada pelos bancos públicos, mas, para tanto, eles precisaram captar recursos excepcionalmente junto ao Tesouro Nacional, que, por sua vez, o fez à custa de expandir a dívida pública. Para o economista, o nível da dívida pública brasileira "é alto, muito acima da média dos países emergentes nos padrões internacionais, que contam a dívida bruta".

Se esse quatrilho da política macroeconômica rendeu inegáveis resultados no curto prazo, por meio da sustentação e depois da forte expansão do consumo, e logrou sucesso em transformar recessão em crescimento acelerado, José Roberto Afonso destaca que ele "deixou, no entanto, novas armadilhas sem resolver antigos desafios como a baixa taxa de investimento, da economia e particularmente dos governos, e o elevado nível de endividamento público, no conceito internacional".

Fonte: O Globo

De costas para a sociedade - João Bosco Rabello

Se a decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso do mensalão, representa um marco em direção ao fim do ciclo de impunidade histórica de agentes públicos no Brasil, a Câmara dos Deputados, em sentido contrário, se consolida como a resistência à moralização das práticas e costumes políticos.

O presidente da instituição, Marco Maia (PT-RS), e o que provavelmente o substituirá, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), indiferentes à opinião pública, empenham a simbologia do cargo maior do Parlamento em favor da peça farsesca que procura desqualificar a decisão judicial traduzindo-a por "ato político" da Suprema Corte.

Maia o faz pela estratégia de redução de danos adotada pelo seu partido diante da perda de capital político imposto pelo mensalão. Alves o segue para garantir o cumprimento do acordo com o PT, que deverá fazê-lo sucessor.

Discurso diferente teria como consequência imediata a condenação pública à inacreditável posse de José Genoino (PT-SP) e o risco de uma sangria de votos no chamado baixo clero, onde rivais com pouca ou nenhuma chance garimpam votos.

É possível, mas não provável, que o peemedebista, com a experiência de 11 mandatos consecutivos na Câmara Federal, uma vez no cargo, coordene uma saída conciliadora e abandone o discurso de enfrentamento com o Judiciário.

Mas a simples necessidade de fazê-lo, pelo risco de perder os votos de seus pares, mostra o quanto o Legislativo virou às costas à sociedade, com índices negativos que o tornam uma das instituições mais desacreditadas do País.

Mesa pronta

Recolhido em Alagoas, na esperança de evitar que sua candidatura à presidência do Senado relembre sua deposição anterior do cargo, Renan Calheiros deixou definido o acordo de composição da Mesa Diretora. Jorge Viana (PT-AC) assumirá a Primeira Vice-Presidência e Romero Jucá (PMDB-RR), a Segunda. Flexa Ribeiro (PSDB-PA) fica com a Primeira Secretaria e Armando Monteiro (PTB-PE) com a Terceira. Eunício Oliveira (CE) é a aposta para suceder Renan na liderança do PMDB, e Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), ex-presidente da CPI do Cachoeira, deve ser contemplado com a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Outro cargo cobiçado, a presidência da Comissão de Orçamento, seria oferecida ao senador Luiz Henrique (PMDB-SC).

Na Câmara

Já a liderança do PMDB na Câmara, entre Eduardo Cunha (RJ) e Sandro Mabel (GO), pende para o primeiro, apoiado pelo candidato à presidência da Casa, Henrique Eduardo Alves (RN). Ambos desagradam ao Planalto. Cunha bem mais que Mabel. Com avião...

Em campanha pela presidência da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN) visitará 12 Estados, a partir do dia 15, começando pela Região Sul. Ele afirmou que vai viajar no avião de seu correligionário, o deputado e ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso. "Pedi e ele me atendeu como companheiro de PMDB. Pagarei o combustível."

...sem voto

Mas Cardoso não descarta a possibilidade de votar em seu conterrâneo, Júlio Delgado (PSB-MG), adversário de Alves. Vai depender da bancada estadual. "Será um voto solidário, não solitário", diz.

Olho no olho

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o governador Geraldo Alckmin tentam acertar os ponteiros em conversa marcada para o final do mês.

Fonte: O Estado de S. Paulo

A tragédia nossa de cada ano - Eliane Cantanhêde

Entra prefeito, sai prefeito; entra governador, sai governador; entra presidente, sai presidente e todo ano começa com tragédias ditas naturais, mas que, de naturais, têm só uma parte. O resto é descaso do setor público.

Quem liga a TV no Ano Novo e no Carnaval sabe que vai encontrar shows de fogos e desfiles de escolas cada vez mais espetaculares e sabe também que vai passar janeiro e fevereiro assistindo imagens horripilantes de enxurradas, deslizamentos, casas e bens destruídos, vidas que não serão mais vividas.

Faz parte desse ritual vasculhar os orçamentos públicos para identificar responsáveis: o governo federal? O estadual? Sem esquecer que há sempre quem culpe as próprias vítimas, essas descuidadas que moram em barracos e/ou barrancos.

Já na largada do ano, com os desabrigados contados aos milhares no Rio, a ONG Contas Abertas pesquisou três programas do Ministério da Integração Regional para prevenção e reconstrução em 2012 e, como quem procura acha, descobriu: dos R$ 5,8 bi autorizados, R$ 3,7 bi foram empenhados, ou reservados, e só R$ 1,9 bi acabou sendo efetivamente pago. Dá 32,2%.

Enquanto os números saltavam das telas e escandalizavam na internet, o ministro da pasta, Fernando Bezerra, cumpria seu papel no ritual de todo início de ano: sobrevoava as áreas atingidas, compungido, ao lado do governador Sérgio Cabral.

Com a frente fria se deslocando ao norte, os estragos e as cenas vão se repetir no Espírito Santo, se é que já não estão se repetindo. E podem se alastrar. Onde mais? Minas? Santa Catarina? Só mudam os rostos: do governador, dos atingidos, talvez dos ministros, ora da Integração, ora do Planejamento...

Mas a culpa nem é de um governo, de um governante. É antiga, vem de décadas. O Brasil ignora que o seguro morreu de velho e que prevenir é sempre melhor do que remediar.

Fonte: Folha de S. Paulo

Dilma e a política - Tereza Cruvinel

Em seu primeiro biênio de governo, a presidente Dilma Rousseff fez valer, quase sempre, sua maioria parlamentar, embora tenha sofrido derrotas dignas de nota, de cujos efeitos se defendeu com vetos ou medidas provisórias. Assim foi no caso do Código Florestal e no dos royalties do petróleo. Dilma não faz política. Não tem gosto nem paciência para os jogos que seduzem os políticos. Seus aliados reclamam há dois anos do descaso dela. Apesar disso, e dos resultados econômicos decepcionantes, ela fidelizou a base graças à alta popularidade. Agora, começa o difícil terceiro ano. Os institutos de pesquisas, por meio de séries históricas, mostram que ele costuma derrubar a popularidade dos presidentes. Dilma talvez precisasse ser mais afável com aqueles de quem precisará para disputar a reeleição. Mas, de seu círculo próximo, vem o aviso: não há chance de isso acontecer.

Neste comecinho de ano, voltaram os rumores de que a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, poderia deixar o cargo. Foram catalizados pela descoberta de que ela não foi convocada para uma reunião com Dilma e outros auxiliares, em 27 de dezembro, para discutir vetos e medidas legislativas. Nem ela nem o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, enfraquecido pelo envolvimento de seu adjunto na Operação Porto Seguro. No Palácio, o fato é minimizado por um colaborador. Dilma, que trabalha em ritmo frenético, esticou o expediente até altas horas naquele último dia de despacho em 2012. Nem sempre ela convoca todos os auxiliares afetos a um tema para reuniões que improvisa. Pode ter sido apenas isso, mas o desconforto da ministra Ideli, de tão conhecido, já nem é negado dentro do governo. E ele decorre da inapetência política da presidente. Ela gosta é de gestão. A coordenadora política pauta a si mesma, faz os acordos possíveis ou necessários, mas depois, se não gosta deles, Dilma os desautoriza. Nessas condições, nem Ideli nem o mais hábil articulador político farão uma ponte segura entre o Executivo e o Legislativo.

Essa ponte se baseia no cumprimento dos acordos, na reciprocidade, no compartilhamento do poder, por meio de nomeações ou de liberações de verbas, e também nos pequenos, mas significativos gestos que Dilma não faz. Todo líder parlamentar quer poder dizer aos liderados que tem acesso ao governante, que encaminha os pleitos e consegue o atendimento de alguns. Dilma não tem tempo para isso. Quando as coisas azedam com algum ator político, faz um afago reconciliador e a vida segue. Assim foi há pouco tempo, quando o líder do governo no Senado, Eduardo Braga, quis lhe entregar o cargo, sentindo-se desprestigiado. Ela o recebeu, encheu de atenções, tiraram fotografias e ficou tudo bem. Por ora. Menos sorte têm os líderes partidários, que são muitos. De vez em quando ela os recebe coletivamente, como no coquetel que lhes ofereceu no fim do ano passado. Ela promove um sarau, mas eles gostam é de conversa ao pé do ouvido.

Em 2013, o Congresso terá novos presidentes e novos líderes. Todos estarão pensando intensamente em se reeleger em 2014. Dilma vai se tornar alvo mais claro da oposição, até agora ocupada pelo esforço de desconstruir o mito Lula. Na economia, tudo indica que o pior passou e ela colherá melhores resultados. Se a popularidade cair, do alto em que está, ainda ficará em posição vantajosa. Mas, gostando ou não, será tempo de fazer política, de arbitrar conflitos, de ter mais presença nos debates que passam pelo Congresso e, principalmente, de estreitar nós e laços.

Em defesa da política

Na semana passada, os políticos foram muito espancados, particularmente um, José Genoino, por tomar posse como deputado apesar de condenado no julgamento do mensalão. Antes do trânsito em julgado, seus direitos políticos são plenos, precisou lembrar o ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Políticos devem ser criticados por seus erros, mas, quando a crítica transborda das individualidades, fragilizamos a ideia da representação política. É o que tem acontecido no mundo e no Brasil, embora não possamos retornar à praça grega da democracia direta. Em defesa da política é o título do livro do cientista político Marco Aurélio Nogueira, lançado em 2001, mas atualíssimo. Deve ser lido pelos que estão envenenados pelo antipoliticismo. Como seria a sociedade em que não houvesse mais políticos? Quem faria o que eles fazem? O seu fim não significaria o renascimento da autoridade em estado bruto? Questões como essas são discutidas com argúcia no livro da série Livre Pensar, do Sesc.

Territórios do poder

Henrique Eduardo Alves, provável presidente da Câmara, não planeja exatamente "desobedecer" ao Supremo, mantendo os deputados condenados no mandato depois do trânsito em julgado. Em campanha, ele tem dito aos pares que, se eleito, pretende é chamar o assunto para a Câmara, reafirmando sua prerrogativa constitucional exclusiva, abrindo os processos de cassação logo que se conclua o trânsito em julgado. Está visto que essa disputa prosseguirá, impondo ao Congresso, em 2013, uma tarefa importante: a definição clara dos limites do Judiciário para interferir no funcionamento da democracia representativa.

Fonte: Correio Braziliense

PT, um partido em busca de um discurso – Elio Gaspari

Parte da cúpula do PT deu-se conta de que a defesa dos mensaleiros e a hostilidade diante das sentenças do Supremo Tribunal Federal vêm custando caro ao partido. Está quebrando a cabeça para organizar um novo repertório, com administradores e ações capazes de construir uma imagem de gestores. Nessa conta, ruínas como a Infraero são casos perdidos. Trata-se de achar algo novo. Se tudo der certo, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, poderá ajudar o serviço de reconstrução. Falta transformar sua prosa em ação. (Uma das primeiras medidas de sua administração foi interditar as barracas de comércio de uma quadra de escola de samba. Felizmente, recuaram.)

Suspeita-se de que o modelo de marquetagem pelo qual lançam-se projetos em cerimônias no Planalto está esgotado. Com ele, as iniciativas pirotécnicas destinadas a glorificar ministros que são candidatos a governos estaduais. Se a busca for eficaz, brilharão estrelas de tocadores de projetos que já deram resultados.

Um bom início para essa mudança poderia ser a criação de um limite no tempo que cada comissário gasta falando mal dos outros e, sobretudo, dos meios de comunicação. Algo como 15 minutos por dia. Depois disso, deveriam ser obrigados a contar o que estão fazendo para melhorar o filme.

Fonte: O Globo

Populismo - inimigo da democracia - Suely Caldas

No livro Os inimigos íntimos da democracia, o cientista político búlgaro Tzvetan Todorov assim define o populismo: "O populista se recusa a afastar-se do aqui e agora; foge das abstrações, das distâncias, da duração, e privilegia o concreto, o próximo, o imediato. O democrata é levado a defender valores impopulares, pois também se preocupa com as gerações vindouras; o populista joga com a emoção do momento, forçosamente efêmera". Por isso, completa Todorov, "o modo de apresentação do populismo é a demagogia".

Ao perseguir o imediato e desprezar o futuro, o político populista não move um dedinho para construir e consolidar as instituições que sustentam a democracia. Ele não tem a dimensão de um estadista, não tem apego à verdade e, se for preciso, mente para conseguir sucesso popular - sua incansável obsessão.

O populismo tem prosperado na América do Sul. Mais na Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia. No Brasil, menos, porque as instituições têm funcionado como antídoto. É impensável, por exemplo, o IBGE manipular e mentir sobre dados de crescimento econômico e inflação, como faz seu congênere argentino, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). Nos últimos anos, o IBGE tem mudado metodologias de suas pesquisas e não aparece uma só voz a discordar e acusar de manipulação política. Quanto mais fortes as instituições, mais difícil fica o governante usar a força para impor a mentira.

Foi pela força da demissão de funcionários e intervenção no Indec que, em 2007, o então presidente Néstor Kirchner impôs a mentira da inflação, depois de um fracassado plano de congelar preços. Kirchner tentava imitar o ditador brasileiro Emílio Médici e seu ministro da Fazenda na época, Delfim Netto, que obrigaram a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a incorporar ao cálculo da inflação um falso congelamento de preços que o comércio nunca respeitou. Ao chegar à Fazenda no governo Geisel, em 1974, o professor da FGV e economista Mario Henrique Simonsen desmascarou a mentira e corrigiu o índice.

A falsa inflação do Indec é escancarada, desacreditada e desmoraliza a imagem da Argentina mundo afora. A diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, já ameaçou suspender o país do fundo se o governo continuar informando dados distorcidos. A falsificação levou várias consultorias a montar estruturas próprias de cálculo da inflação. A Fundação Libertad y Progreso, por exemplo, acaba de calcular em 164% a inflação acumulada nos cinco anos de governo Cristina Kirchner, encerrados em 2012. Para o Indec, não chegou nem a 45%. Para 2013 o governo estima um índice de 10,8% e as universidades e consultorias, entre 27% e 30%.

O Brasil se diferencia da Argentina em graduação. Com a piora dos indicadores, o governo Dilma tem recorrido a artifícios contábeis para maquiar resultados. Ora alonga o prazo para a Petrobrás registrar suas importações e alivia o saldo da balança comercial, ora usa estatais (BNDES, Petrobrás e Caixa) em operações triangulares para tentar cumprir a meta fiscal, como fez agora, ao fechar as contas de 2012. O resultado é o descrédito, mas nada é feito fora da lei nem é imposto pela força da intervenção, como fazem Kirchner e Hugo Chávez. Há, ainda, diferenças nos atentados contra a liberdade de imprensa e de expressão. Enquanto Chávez confisca TVs e rádios e Kirchner faz uma lei para impor a censura, aqui Dilma vive repetindo preferir "o barulho da imprensa livre ao silêncio da ditadura". Não deixa de ser um recado às investidas do PT contra a "mídia conservadora e golpista, que precisa ser controlada".

No meio das diferenças estão as instituições lá e cá. Não há dúvida de que o ex-presidente Lula se encaixa no perfil do populista descrito por Tzvetan Todorov, mas ele não acabou com a Lei de Responsabilidade Fiscal nem com a Comissão de Ética Pública e fez avançar a Lei de Acesso à Informação, promulgada por Dilma. E a independência demonstrada pelo Judiciário ao julgar o mensalão foi a mais recente e eloquente prova de progresso institucional, que não se vê nos vizinhos hermanos.

Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo