Desde abril é possível acompanhar um julgamento aqui nos Estados Unidos que parece impossível acontecer em terras brasileiras, e, no entanto, por tudo que se conhece, deveria ser frequente. Trata-se do júri popular a que está submetido o ex-senador John Edwards, candidato a vice na chapa democrata de John Kerry em 2004 e várias vezes candidato a candidato à Presidência da República, acusado de seis crimes, todos relacionados ao uso de dinheiro de campanha eleitoral para esconder e sustentar uma amante com a qual teve um filho.
O julgamento de John Edwards ocorre na pequena cidade de Greensboro, de 270 mil habitantes, na Carolina do Norte, estado pelo qual Edwards foi senador.
A história tem todos os ingredientes de uma novela, sem direito a final feliz, com doses de dramalhão mexicano que vão desde a mulher com câncer à exploração de uma herdeira milionária de 101 anos.
Na campanha de 2008, quando mais uma vez tentou ser indicado candidato do Partido Democrata à Presidência, Edwards se envolveu com Rielle Hunter, uma especialista em videografia que trabalhava em sua campanha, e a revelação desse caso fez com que ele tivesse que abandonar a campanha eleitoral.
Antes, porém, tentou escondê-lo, negando que o filho fosse seu, e chegou a gravar uma entrevista no programa Nightline, um dos mais importantes jornalísticos da rede de televisão ABC, admitindo o caso, mas garantindo que ele havia terminado e que o filho não era seu.
Ao mesmo tempo, Andrew Young, um assessor de sua campanha, apresentou-se como o pai da criança, mesmo sendo casado com três filhos.
Descobriu-se depois que o assessor assumiu a paternidade por dinheiro, originário basicamente de dois doadores milionários da campanha: Rachel Mellon, a herdeira de 101 anos do banqueiro e filantropo Paul Mellon, e o advogado texano Fred Baron, tesoureiro da campanha de Edwards que fez sua fortuna defendendo vítimas de exposição ao amianto.
A fortuna de Rachel (Bunny) Lambert Mellon vem dos dois lados: antes do casamento com o banqueiro Paul Mellon tinha fortuna própria. Seu pai foi presidente da Gillete, seu avô, um químico que inventou o Listerine, um produto para higiene bucal.
Sempre foi uma admiradora de John Edwards e financiava suas campanhas oficialmente. Desta vez, doou secretamente, por meio de um decorador, US$ 725 mil para resolver o que achava ser um problema pessoal de Edwards, sem saber que se tratava de um caso extraconjugal.
O advogado de Bunny Mellon, Alex Forger, testemunhou no julgamento e disse que ela se ligou a Edwards por afeição, e não porque ele era um candidato a presidente.
Tinha poucos amigos a esta altura de sua vida, depois que seu marido morreu e a filha ficou doente, e foi apresentada ao senador pelo decorador Bryan Huffman, a quem agradeceu o fato em uma carta de 2008, mostrada no julgamento como uma prova de que o encontro com a milionária fez parte de uma conspiração.
Já Fred Baron sabia bem porque estava dando o dinheiro para o senador John Edwards. Além de US$ 801.318 em dinheiro vivo, ele prestou outros tipos de favores, inclusive uma mesada de US$ 9 mil para a amante, um carro BMW, estadias em hotéis de luxo, voos em jatos privados e o aluguel de uma vila em Santa Bárbara, na Califórnia, onde a amante e a família de Andrew Young - mulher e três filhos - hospedaram-se para se esconder da imprensa depois que ele assumiu a paternidade.
A acusação diz que a família Young aproveitou-se da situação para lucrar, enquanto a defesa alega que o dinheiro não foi para influenciar a campanha, mas para esconder o caso da sua família.
Um ponto fundamental para a acusação é demonstrar que o candidato Edwards considerava que o dinheiro da campanha era seu, e o usava para fins pessoais. Para tanto, foi apresentado um hoje já famoso recibo de um corte de cabelo que custou US$ 400, e que o candidato classificou como gasto de campanha.
Na ocasião esse corte de cabelo já criara problemas para John Edwards, e agora voltou a se transformar em uma peça de acusação contra ele.
Durante as últimas três semanas a equipe de acusação, tendo à frente o advogado David Harbach, da Divisão de Integridade Pública do Departamento de Justiça, descreveu com detalhes particularidades dos momentos cruciais do caso, como visitas secretas e telefonemas à amante no meio da noite, enquanto sua mulher lutava contra um câncer que acabou por matá-la.
As descrições foram tão vívidas que em certos momentos testemunhas choraram, e Cate Edwards, sua filha que esteve presente todos os dias do julgamento, pelo menos uma vez saiu correndo do recinto, não suportando a situação.
O depoimento mais comovente foi o de Jennifer Palmieri, que trabalhou na campanha de Edwards e tornou-se amiga de sua mulher Elizabeth, com quem estava no momento da morte.
Ela disse no julgamento que a mulher de Edwards fez "uma ginástica mental" para não acreditar que seu marido havia tido um filho fora do casamento. E pediu a ele que ficasse calado sobre o caso e abandonasse a campanha para preservar a família.
Mesmo depois que ele admitiu o caso e de o casal ter se separado, Palmieri disse que Elizabeth queria que Edwards estivesse junto quando ela morresse, o que foi feito.
Se o caso lhe parece semelhante ao de um certo senador, há outras semelhanças em outros casos. Dois senadores democratas do estado de Nova York, por exemplo, perderam o emprego acusados de várias falcatruas e foram condenados à prisão por receberem suborno de hospitais e lobistas da saúde. Eles eram adeptos do "é dando que se recebe" e antes de serem apanhados tentaram vender caro a fidelidade ao partido, ameaçando apoiar os republicanos em votações importantes.
Nenhum deles teve sua vida privada poupada. As semelhanças são muitas, e a diferença é uma só: todos foram a julgamento.
FONTE: O GLOBO