segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Marcus André Melo* - A polarização e as eleições

Folha de S. Paulo

Como a polarização afetou as eleições presidenciais e legislativas?

Frustrou-se a expectativa de que a proibição de coligações nas eleições proporcionais melhoraria a representação política. Como já mostrei aqui, a polarização afetiva vertebra a política no país.

Ela impactou não só a forma da disputa eleitoral —o tom belicoso e adversarial— como seu conteúdo, que se esvaziou programaticamente. Não houve discussão de políticas públicas pelos seus protagonistas; ela só apareceu através de outros candidatos.

Avelino, Russo e Pimentel mostraram nesta Folha como as divergências de políticas entre eleitores de Lula e Bolsonaro limitavam-se a um pequeno número de temas. A polarização é fundamentalmente afetiva, em um padrão comum a outros países. Ela se expressa na rejeição ao rival, para além de qualquer conteúdo programático.

Celso Rocha de Barros - Democracia ainda não perdeu

Folha de S. Paulo

Lula ainda tem boas chances de vencer, mas terá que se deslocar ainda mais para o centro

O resultado do primeiro turno mostrou que, embora Bolsonaro tenha um alto nível de rejeição, não houve um grande deslocamento ideológico desde a última eleição presidencial: a direita, e mesmo a direita radical, continuam muito fortes.

Lula ainda tem boas chances de vencer, mas terá que se deslocar ainda mais para o centro enquanto preserva seus eleitores pobres.

Agora a eleição vai se decidir por pequenas transferências de votos, e a importância das alianças casadas nos pleitos estaduais e na eleição para presidente será grande.

PT deve apoiar Eduardo Leite no Rio Grande do Sul em troca do apoio de Rodrigo Garcia em São Paulo, por exemplo. Os votos de Simone Tebet tornaram-se desproporcionalmente importantes.

Não vai ser um mês tranquilo. O Brasil tem grandes chances de ser pior nos próximos quatro anos porque haverá segundo turno agora. Há alguma chance de Lula fazer concessões programáticas aos economistas do centro democrático, ou às ideias de Ciro, mas me permitam mostrar o tipo de disputa que pode ser mais decisiva: governadores eleitos pelo Brasil afora leiloarão seu apoio ao candidato que prometer gastar mais dinheiro com eles.

Mathias Alencastro* - Direita populista veio para ficar

Folha de S. Paulo

País deve se preparar para uma política conflagrada, instável e imprevisível

Três consequências imediatas podem ser retiradas da resiliência, e talvez até do avanço, da direita bolsonarista no Congresso. No que pode ser um paradoxo, ela praticamente erradica o risco imediato de ruptura autoritária.

As vitórias das principais lideranças ideológicas do movimento garantem um espaço político privilegiado para Bolsonaro e seus aliados. Nesse contexto, o incentivo para uma aventura fora do jogo institucional se extingue sozinho.

Em seguida, o avanço bolsonarista encerra a história da direita moderada no Brasil. Predominava a impressão de que a direita, outrora unificada na grande tenda do PSDB, havia se dividido entre três direitas. A social, que aderiu à base petista via Alckmin, a liberal, que tentou se viabilizar eleitoralmente com João Doria e depois Simone Tebet, e por fim a bolsonarista.

Angela Alonso* - Disputa em 2º turno mostra que bolsonarismo veio para ficar

Folha de S. Paulo

Presidente deixará um espólio de destruição duradouro, mesmo que perca eleição

O ressentimento venceu a esperança, ao menos no primeiro turno. O antipetismo fundo de parte da sociedade adiou o dia tão aguardado pela outra parte, a que se envergonha de ser presidida por Bolsonaro (PL).

O segundo turno encomprida a agonia dos ansiosos por retirar essa canga das costas, esse peso dos ombros, esse pesadelo do sono. Ao mesmo tempo alenta a porção conservadora dos brasileiros a dobrar sua aposta.

Seja qual for o resultado, este presidente improvável já entrou para a história nacional e sua obra não sairá fácil da vida e das vistas. Bolsonaro será lembrado —como membro da estirpe dos Garrastazu Médici, que admira— pelos piores motivos.

Sua figura de antiestadista ineficiente e desalmado, inverso perfeito do bom governante, há de assombrar as futuras gerações, que perguntarão como foi possível, como esta sociedade permitiu que um desclassificado em todas as classes a comandasse.

Luiz Carlos Azedo - Segundo turno entre Lula e Bolsonaro será uma disputa dramática

Correio Braziliense

O efeito do voto útil em Lula, que mirou principalmente o candidato do PDT, Ciro Gomes, havia se esgotado sem alcançar seu objetivo. As pesquisas não captaram a reação contrária

Estava escrito nas estrelas que a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) iria para o segundo turno; ontem mesmo, o petista ressaltou que nunca ganhou uma eleiçao no primeiro turno e que teria quer convencer a maioria dos eleitores de que será a melhor opção no segundo. Com 96,93% das urnas apuradas, Bolsonaro  recebeu 43,70% dos votos válidos, enquanto o Lula teve 47,85% dos sufrágios. Os candidatos Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram, respectivamente, 4,22% e 3,06% dos votos válidos.

No sábado, as pesquisas do DataFolha e do Ipec já sinalizam nessa direção. O efeito da forte campanha a favor do voto útil em Lula, que mirou principalmente o candidato do PDT, Ciro Gomes, havia se esgotado sem que o objetivo almejado fosse assegurado. O que as pesquisas não captaram foi o efeito contrário, uma espécie de voto útil por gravidade, a favor de Jair Bolsonaro, até previsível. Era a famosa Terceira Lei de Newton, o princípio da ação e reação, segundo o qual para toda força de ação existe uma força de reação que possui o mesmo módulo e direção, porém em sentido contrário.

Bruno Carazza - Ganhadores e vencedores da eleição

Valor Econômico

Eleitores deixam definição para 30 de outubro

Tudo permanece indefinido na disputa para o cargo público mais importante do Brasil. Depois de uma semana de especulação se Lula se sagraria vencedor já no primeiro turno, Jair Bolsonaro cresceu em seus domínios tradicionais e se fortalece para a definição em 30 de outubro.

O atual presidente recuperou terreno nos Estados que haviam lhe dado a vitória em 2018, no grande arco que parte da região Sul, passa pelo interior de São Paulo, o sul e Triângulo mineiro e avança pelo Centro-Oeste em direção às franjas da Amazônia, seguindo a rota da expansão do agronegócio brasileiro. Sua área de influência no Rio de Janeiro também contou.

Lula, por sua vez, exerceu seu poder de influência sobre Minas Gerais e as regiões Nordeste e Norte, também replicando o que aconteceu em 2018.

A divisão territorial dos votos e uma diferença muito menor do que a esperada entre Lula e Bolsonaro mostram que o país continua dividido.

Fernando Exman - O segundo turno é inimigo das platitudes

Valor Econômico

Em uma sociedade dividida em dois polos, como o Brasil de hoje, cresce o perigo de episódios violentos marcarem a reta final da campanha

Inimigo das platitudes, o segundo turno faz bem à democracia. Pelo menos em tese: é quando os candidatos são levados a debater com mais profundidade seus programas e a fazer acenos a segmentos menos radicais do eleitorado.

O segundo turno traz riscos consigo, é verdade. Numa sociedade dividida em dois polos, como o Brasil de hoje, com ele cresce o perigo de episódios violentos marcarem a reta final da campanha. Por isso, é preciso que o Judiciário mantenha-se firme e vigilante. Ladeado por outras instituições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstrou capacidade para reduzir a margem de atuação dos grupos mais violentos.

Ainda assim, há um aspecto positivo do ponto de vista do eleitor que deixou a sala de votação insatisfeito com a baixa qualidade do debate. Até agora, a campanha foi marcada por ataques mútuos e pouca discussão programática por parte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lula, por exemplo, deve explicar o que quer realmente dizer quando defende a revogação do teto de gastos e a revisão do atual regime fiscal brasileiro. Não basta anunciar que pretende “recolocar os pobres e os trabalhadores no Orçamento”, conforme fez no documento que protocolou no TSE, mas deveria detalhar como isso deve ser executado na prática. Também precisa ir além da promessa de construção de um novo arcabouço fiscal que “disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade”, ainda que “possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica”.

William Waack - Onda disruptiva de 2018 atua em 2022 sob temor de vitória de Lula

O Estado de S. Paulo

Ex-presidente continua o favorito para vencer o segundo turno, mas a disputa será bem mais difícil do que ele e o PT antecipavam

Um pedaço da onda disruptiva de 2018 ainda atuou em 2022. Sobretudo o temor de uma vitória na corrida presidencial do PT em primeiro turno “mobilizou” um voto importante para o bolsonarismo na reta final da eleição.

Não se pode perder de vista o regionalismo na política brasileira, e ele atuou com força no domingo. Especialmente nos principais colégios eleitorais. No Nordeste, onde a vantagem geral do PT nunca foi colocada em dúvida, o que as urnas produziram estava bem dentro das previsões.

Os principais “desequilíbrios” vieram de São Paulo e Rio, pois o Sul também se comportou dentro do esperado. Inclusive com a desmontagem do PSDB, um fenômeno de proporções nacionais e que vem na esteira de uma longa decadência.

O que o tucanato significou de contraponto e antagonismo ao petismo, no plano do embate político “intelectual”, foi substituído agora por uma tendência conservadora mal definida mas que possui raízes sociais e regionais importantíssimas.

Carlos Pereira* - Eleitor quis se livrar de Bolsonaro, mas não deu ‘cheque em branco’ para Lula

O Estado de S. Paulo

Voto no candidato do PT, no primeiro turno, não significou necessariamente apoio à legenda e a seus aliados. Mas foi um voto, fundamentalmente, de rejeição ao presidente

O efeito coattail (cauda do fraque) em uma eleição presidencial é um fenômeno no qual a influência de um candidato a presidente é tão grande que proporcionaria uma maior votação dos membros de seu partido ou da sua coalizão para outros cargos no Legislativo e/ou no Executivo subnacional. Ou seja, argumenta-se que tais candidatos foram eleitos na “cauda do presidente”.

As origens desse conceito são incertas. Seu primeiro registro é de um discurso do então deputado Abraham Lincoln, em 1848, ironizando o Partido Democrata por criticar os Whigs por se esconderem na cauda do candidato à presidência, Zachary Taylor.

Esse fenômeno aconteceu no Brasil quando Bolsonaro foi eleito presidente em 2018. A cauda de Bolsonaro foi tão grande que gerou um extraordinário desempenho do seu então partido, PSL, que, tendo apenas um deputado eleito em 2014, elegeu 52 em 2018. Vários governadores também se elegeram na cauda de Bolsonaro, notadamente Witzel (RJ), Zema (MG), Doria (SP), Caiado (GO), entre outros.

João Gabriel de Lima* - O chute na trave e a onda Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Presidente e ex-presidente falaram muito de seus feitos no passado, com poucas propostas para o futuro

A eleição deste ano foi a primeira na história brasileira a opor um presidente e um ex-presidente da república. Cada um deles usou uma estratégia vitoriosa em campanhas anteriores. Ambos foram criticados – com razão – por falar muito de seus feitos no passado, mas trazer poucas propostas para o futuro.

O ex-presidente Lula seguiu o que fizera em 2002. Em sua primeira campanha presidencial, Lula convidou o empresário José de Alencar, dono da Coteminas, para ser seu vice. Depois de formar duplas com companheiros de esquerda – José Paulo Bisol em 1989, Aloísio Mercadante em 1994 e Leonel Brizola em 1998 – Lula decidiu criar, em suas próprias palavras, uma chapa “capital-trabalho”. Alencar pertencia ao Partido Liberal, de centro-direita – ironicamente, um homônimo do PL que hoje tem em seus quadros o presidente Jair Bolsonaro.

Neste ano, Lula usou a mesma estratégia de, à partida, conquistar o centro. Convidou Geraldo Alckmin, ex-PSDB, para ser seu vice na chapa. Passou a campanha cortejando apoios em todas as áreas do espectro político, e reatou com ex-aliados na centro-direita, como o prefeito carioca Eduardo Paes, do PSD. Na última semana de campanha, fez uma live com artistas e um encontro com empresários e mercado financeiro – ao qual compareceram alguns aliados habituais do presidente Bolsonaro, como o empresário Flávio Rocha e os sócios da produtora olavista Brasil Paralelo.

Marcelo Godoy - Lula pode até ganhar, mas o bolsonarismo já venceu

O Estado de S. Paulo

Eleição de Damares Alves e de outros ex-ministros do presidente Jair Bolsonaro mostram vitalidade da direita

O petista Luiz Inácio Lula da Silva pode até vencer a eleição presidencial, mas seu governo terá de conviver com um Congresso ainda mais bolsonarista do que o eleito quando o chefe da extrema direita se tornou presidente em 2018. Não é só o Senado que terá diversos ex-ministros do governo de Bolsonaro, muitos deles figuras carimbadas nas lives presidenciais dos últimos três anos e meio. O eleitor também escolheu nas listas do PL, do PP e do Republicanos deputados identificados com a ala mais estridente do atual governo.

Em São Paulo, a deputado federal Carla Zambelli está reeleita. Não só ela. O filho do presidente Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles também garantiram cadeiras no Parlamento. Em Santa Catarina Jorge Seif, ex-secretário da Pesca, está eleito senador em Santa Catarina. No Rio de Janeiro, o general Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde responsável pelo desastre da condução do combate à covid-19, é o deputado federal mais votado do PL.

Vera Rosa - Segundo turno é imprevisível

O Estado de S. Paulo

Diz o dicionário político que segundo turno é outra eleição. Mas em um País no qual a campanha virou uma guerra, com um duelo interminável entre um presidente da República e um ex-presidente, o que vamos assistir nesse novo round é um plebiscito sobre o governo de Jair Bolsonaro (PL) e os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A contagem dos votos provocou nervosismo na campanha de Lula, que tinha a esperança de liquidar a fatura no primeiro turno. Bolsonaro, porém, se mostrou competitivo para a segunda rodada da disputa, assustando o desafiante.

Lula só passou à frente de Bolsonaro às 20h05, com 70% das urnas apuradas. O petista precisa dos votos de quem escolheu Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno, além de se aproximar da Faria Lima e da classe média.

Merval Pereira - Segundo turno sem favorito

O Globo

Bolsonarismo mostrou mais força do que os simpatizantes do campo político oposto imaginavam; resultado tem indefinição que há muito não se via

país que sai das urnas é totalmente diferente do que as pesquisas mostraram e, principalmente, o que a rejeição do presidente parecia indicar. O bolsonarismo mostrou uma força muito maior do que os do outro campo político imaginavam. O sonho de Lula vencer no primeiro turno tornou-se um pesadelo, e a diferença entre os dois está na margem de erro, o que torna o segundo turno indefinido.

Pela primeira vez nos últimos tempos não há candidato favorito para o segundo turno, e Bolsonaro sai com força no Congresso, reforçando sua representação no Senado. A força do bolsonarismo em São Paulo torna o sonho do PT de conquistar pela primeira vez o governo de São Paulo cada vez mais longe. Em Minas, o governador Zema eleito no primeiro turno não poderá se afastar da campanha presidencial a favor de Bolsonaro. Parece que a melhoria da economia teve peso muito maior do que os opositores de Bolsonaro imaginavam.

Vera Magalhães - Brasil mais à direita das pesquisas

O Globo

Petista tem de sinalizar ao centro para enfrentar força de chegada do bolsonarismo, sobretudo no Sudeste

O Brasil que saiu das urnas em 2 de outubro está à direita do que apontavam todas as pesquisas -- presidenciais, para os governos e para o Senado.

Voto envergonhado ou silencioso, antipetismo de chegada, descalibragem dos critérios socioeconômicos dos institutos de pesquisas ou erro das mesmas: os próximos dias serão pródigos em análises de dados para tentar mostrar o que houve para que os levantamentos não captassem a força de Jair Bolsonaro e de seus candidatos.

Mas o recado das urnas não pode ser ignorado, e ele vai demandar certamente diferentes estratégias das duas campanhas que disputam o segundo turno.

Da parte de Lula, todo o cuidado dos últimos dias era para evitar que, caso não houvesse a tão decantada vitória em primeiro turno, a tropa não se abatesse. Isso porque, diziam os coordenadores, faltaria muito pouco para passar a régua. Abertas as urnas, não é bem assim.

Fernando Gabeira - As nuvens no horizonte

O Globo

É preciso estar preparado para tudo e admitir de novo que a realidade não foi exatamente o que diziam as previsões

Escrevi uma coluna baseado nas pesquisas de intenção de voto, com que trabalhei durante todo o tempo. Nelas havia a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno. Mas não havia nenhuma indicação de vitória de Jair Bolsonaro.

Não me guiava apenas pelas pesquisas, mas pela intuição. Pesquisas tratam de recortes, por gênero, renda, lugar de moradia, religião. Pensava nas pessoas em sua totalidade, no ser humano, e achava que um presidente que disse que não era coveiro na pandemia e riu de quem tinha falta de ar jamais seria aceito pela maioria do povo brasileiro. Era uma intuição que as pesquisas confirmavam: 52% dos entrevistados rejeitavam Bolsonaro.

As urnas começaram a ser abertas, e as expectativas foram se transformando. São Paulo, sobretudo ali onde há uma grande concentração de eleitores, apresentava no início um resultado diferente do esperado.

Da mesma forma, ao longo do Brasil foram aparecendo resultados favoráveis a Bolsonaro, principalmente em estados em que já era apontado como vencedor. Mas havia alguma coisa estranha no ar. Ventos do Sul indicavam uma situação inesperada. O inesperado, se consideramos a pesquisa, começou a se instalar nos resultados.

Demétrio Magnoli – Domingo do espanto

O Globo

Ciro e Tebet praticamente desapareceram da cena, abandonados por eleitores que, na última hora, sufragaram Bolsonaro

As urnas falaram, mas em língua incompreensível para a maioria dos analistas. As sondagens eleitorais dos institutos sérios indicavam a hipótese — na margem de erro — de triunfo de Lula no primeiro turno. No lugar disso, os eleitores produziram um segundo turno competitivo entre Lula e Bolsonaro. O que deu errado?

O mapa do voto traz a resposta fundamental. O presidente extremista saiu-se muito melhor do que indicavam as pesquisas no Sudeste e no Sul. Ao longo de diversas eleições, o PT produziu “ondas vermelhas” de última hora. Desta vez, foi o bolsonarismo que deflagrou o movimento inesperado, uma onda espraiada por todo o Centro-Sul em eleições para governadores e o Congresso.

Ao que parece, as filas diante das seções eleitorais não se deveram, apenas, ao procedimento de certificação digital. Nelas, havia eleitores que, em tese, não iriam votar. Mais: o feitiço do “voto útil” voltou-se contra o feiticeiro. Ciro Gomes e Simone Tebet praticamente desapareceram da cena, abandonados por eleitores que, na última hora, sufragaram Bolsonaro.

Qual foi a mágica?

Um mergulho no oceano de dados do Datafolha oferece uma explicação. A rejeição geral a Bolsonaro, pouco superior a 50%, é puxada para cima pelo eleitorado mais pobre, de renda inferior a dois salários mínimos (s/m). A rejeição geral a Lula, que gira ao redor de 40%, é puxada para baixo pelo mesmo estrato dos eleitores. Contudo, em todos os demais estratos, inclusive na classe média-baixa (2 a 5 s/m), a rejeição de Lula não só é superior à de Bolsonaro, como situa-se em torno do perigoso patamar de 50%. O Brasil não tão pobre saiu para votar — contra Lula.

Thomas Traumann* - Há chance concreta de Bolsonaro se reeleger

O Globo

A possibilidade, tratada com desdém desde a desastrosa gestão na pandemia, tornou-se real

Os perto de 6 milhões de votos de vantagem do ex-presidente Lula sobre o presidente Jair Bolsonaro na votação deste domingo apontam para um segundo turno renhido. Nunca houve viradas nas seis disputas presidenciais que foram para o segundo turno, mas a distância menor que as projeções das empresas de pesquisa impede uma afirmação categórica.

Das 108 ocasiões desde 1998 em que as disputas para governador foram para tira-teimas, o candidato que chegou na frente foi o vencedor em 77. Das 31 viradas, 17 ocorreram quando os dois candidatos terminaram a menos de cinco pontos percentuais dos votos um do outro. Somente em cinco casos ocorreram viradas com uma diferença acima de dez pontos percentuais.

O timing é de Bolsonaro, que venceu em 13 estados, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e toda a região Sul e Centro-Oeste, contrariando não apenas as empresas de pesquisa, mas até seus próprios líderes no Congresso que quase o abandonaram no meio da disputa. A possibilidade de reeleição de Bolsonaro, tratada com desdém desde a desastrosa gestão na pandemia de Covid-19, tornou-se real.

Bolsonaro chegou aos 50 milhões de votos sem firmar um compromisso de campanha para além de um genérico “mais do mesmo” sobre o quem vem fazendo no governo. Considerado há meses um caso perdido pelos agentes econômicos, ele não recebeu nenhuma cobrança sobre seus planos, se é que eles existiam. Assim como em 2018, a campanha de Bolsonaro foi um misto de antipetismo e voluntarismo messiânico. Deu mais certo do que os próprios bolsonaristas esperavam.

Alberto Carlos Almeida* - Bolsonaro mostrou força e fraqueza

O Globo

O presidente nunca nutriu a imagem de defensor dos mais fracos, daqueles que ocupam a base da pirâmide social, dos pobres

O que levou ao resultado do primeiro turno foi um voto extremamente comum e trivial. Os dados são públicos: praticamente 80% dos que consideravam o governo Bolsonaro ruim e péssimo votaram no candidato do PT. Pode-se comparar o voto em 2022 ao de 1998, com o sinal trocado. Nesses dois anos, o presidente no cargo disputou a reeleição, o principal opositor foi Lula, conhecido por 100% do eleitorado nacional. A grande diferença é que, em 1998, o presidente que disputava a reeleição, Fenando Henrique, ostentava apenas 20% de ruim e péssimo na avaliação de seu governo, ao passo que, em 2022, essa proporção ficou um pouco acima de 45%. O sinal foi trocado: 1998 configurou-se como uma eleição de continuidade, e 2022 ainda é predominantemente de mudança. Um voto bastante trivial.

Bolsonaro mostrou força e fraqueza. Um presidente que disputa a reeleição leva tradicionalmente grande vantagem sobre seus adversários. Além de ter ficado atrás de Lula, ele ficou próximo de ser derrotado em primeiro turno. Sua força tem a ver com um percentual mais elevado que o previsto pelas pesquisas, e pela eleição de vários candidatos bolsonaristas, muitos deles ex-ministros com votações expressivas.

Bernardo Mello Franco - Onda do voto útil morreu na praia

O Globo

Bolsonaro chega vivo ao 2º turno, e Lula precisará de palanque mais amplo para derrotá-lo

A onda do voto útil morreu na praia. Lula confirmou a liderança apontada nas pesquisas, mas não conseguiu o impulso final para vencer no primeiro turno. Agora enfrentará um adversário revigorado pelo desempenho nas urnas.

Jair Bolsonaro chegou a liderar a apuração até pouco depois das 20h. Faltava contar os votos do Nordeste, mas a imagem do capitão em primeiro lugar devolveu o ânimo à sua tropa.

O mesmo não se pode dizer dos aliados de Lula. No fim da noite, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, informou que seus correligionários não estavam “tristes” nem “abatidos”. Pode ser, mas a decepção era visível no palanque do ex-presidente.

A análise fria dos números ainda sugere um favoritismo de Lula. Ele teve quase 6 milhões de votos a mais que Bolsonaro, e ficou a 1,58 ponto percentual de alcançar a maioria absoluta.

Em seis corridas ao Planalto definidas no segundo turno, nunca houve uma virada na fase final. No entanto, a história recente do Brasil mostra que é temerário projetar o futuro com base no que já aconteceu.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Bolsonaro mostra força e leva disputa com Lula ao 2º turno

Valor Econômico

Bolsonaro sente-se revigorado para tentar manter-se no Planalto pelo voto, acirrando uma disputa que parecia decidida a favor de Lula

O presidente Jair Bolsonaro mostrou força nas urnas, com votação bem acima da prevista, assim como os principais candidatos por ele apoiados. O ex-presidente Lula, que se empenhou pelo voto útil para encerrar a disputa no primeiro turno, colocou 5,8 milhões de votos de diferença em relação a Bolsonaro, mas ainda assim faltaram-lhe 2,3 milhões de votos para que alcançasse seu objetivo. Bolsonaro frustrou os planos petistas no maior colégio eleitoral do país, o Sudeste (43% do eleitorado nacional), com vantagens importantes em relação ao rival especialmente em São Paulo, enquanto que em Minas Gerais encurtou a distância que o separava do favorito, Lula.

O mapa do voto dos candidatos se manteve quase igual ao da eleição presidencial anterior, com menos brilho para o bolsonarismo que, ainda assim, deu demonstração de vigor nas urnas. Lula teve vitórias acachapantes no Nordeste, ganhou no Amazonas e no Pará, enquanto Bolsonaro garantiu vantagem de mais de 13 pontos percentuais em todos os Estados do Centro-Oeste, e venceu com tranquilidade no Sul. A pequena dianteira dos petistas no Rio Grande do Sul, dada pelas pesquisas, revelou-se uma ilusão. Bolsonaro obteve 49,9% dos votos, ante 42,2% do rival, e empurrou seu ex-ministro Onyx Lorenzoni à frente de Eduardo Leite (PSDB) na corrida para governador no segundo turno. O vice-presidente Hamilton Mourão conquistou vaga no Senado.