Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso
Marcas para 2010: Merval Pereira
Não foi por acaso que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez comparações entre o lulismo e o peronismo no seu artigo de domingo, no qual acusa o governo Lula de estar cometendo “pequenos assassinatos” da democracia na direção do que chamou de “subperonismo”, onde predominam “uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão”.
Fixar a imagem de que a candidata oficial, Dilma Rousseff, não tem luz própria e sua vitória representaria a supremacia de um projeto pessoal é uma tática oposicionista. A própria Dilma parou de dizer que sua eleição seria “um terceiro mandato de Lula” justamente para fugir desse estereótipo.
A comparação fica cada vez mais forte à medida que o presidente Lula vai exacerbando sua faceta populista, especialmente nessa parte final de seu segundo mandato, e menosprezando as intermediações institucionais.
Assim como Perón transformou duas mulheres — Evita e Isabelita — em ícones políticos, tendo feito até mesmo Isabelita presidente da Argentina, também Lula teria escolhido Dilma apenas por questão de gênero, não por suas qualidades próprias.
O fato de o PT não ter tido nenhum candidato natural à Presidência da República a não ser Lula nesses vinte anos desde a primeira disputa, em 1989, mostra que a consequência da centralização das ações políticas em torno da figura do líder carismático é a fragilidade da proposta partidária, que acabou transform a n d o s e e m u m m e ro apêndice de um projeto de poder personalista.
No documentário “Peões”, de Eduardo Coutinho, a ex-metalúrgica Tê, uma das fundadoras do PT, define com objetividade o que aconteceria em 2002 com a eleição de Lula à Presidência: “É o Lula que chega à Presidência, não é o PT”.
Tê ainda guardava consigo uma imagem saudosa do que ela idealiza o PT original, criado “no fundo do quintal” com o objetivo de não fazer política tradicional e realizar trabalhos de base nas comunidades.
Lula se referia ao PT como “a primeira oportunidade para os operários saírem das fábricas e dirigirem a política”. Mas o sindicalista radical que pensava como Tê admite que se tivesse sido eleito em 1989 não estaria preparado para exercer o cargo, e se convenceu de que o PT deveria se abrir para ganhar a eleição.
Quase 30 anos depois de sua fundação, o PT passa a ser apenas um braço operacional político do lulismo, tendo que engolir a decisão de seu líder de indicar sua escolhida, a chefe do Gabinete Civil Dilma Rousseff para sua sucessão, e dependendo apenas de Lula para o sucesso da empreitada.
Dependendo da disposição de Lula, o PT pós-Lula pode ter o mesmo destino do peronismo argentino, com diversos grupos disputando entre si seu espólio político.
Um arco político tão grande de apoios, que vai se reproduzindo no jogo da sucessão, tem espaço para partidos da extrema-direita à extremaesquerda, assim como no peronismo houve espaço para o radicalismo de esquerda dos montoneros, e também para o conservadorismo de direita de Menem.
A crescente influência sindicalista no governo Lula, um ponto de ligação com o peronismo, é um fenômeno político recorrente na história política que deságua na ocupação das estruturas do Estado.
Assim como aconteceu com os diversos movimentos sociais — MST, UNE, — cooptados pelo governo com verbas oficiais generosas, os sindicatos ocupam amplos espaços no Estado e formam uma verdadeira aristocracia operária que manipula as centrais sindicais e os fundos de pensão e outros órgãos federais.
A presidência do Serviço Social da Indústria (Sesi), que já serviu de base para políticas liberais, ser ve agora de base política ao sindicalista Jair Meneghelli, com um alto salário e um orçamento de fazer inveja ao mais fisiológico dos burocratas, que o fizeram abrir mão, como suplente, de assumir o mandato de deputado federal para continuar na sinecura oficial.
Outro quinhão do poder com caixa avantajado é o Sebrae, que foi dado de presente a Paulo Okamoto, antigo tesoureiro do PT, amigo íntimo de Lula.
O sociólogo Francisco Oliveira foi o primeiro a registrar que a elite do sindicalismo passou a constituir uma nova classe social, ao ocupar posições nos conselhos de administração dos principais fundos de pensão das estatais e do BNDES.
Só a Previ, comandada pelo sindicalista Sérgio Rosa, tem hoje mais de 200 cargos nos conselhos das maiores empresas do país, entre eles a Vale do Rio Doce, cuja presidência andou cobiçando.
Esse mesmo processo ocorreu tanto com o peronismo quanto com o Solidariedade, na Polônia, e está atingindo também o PT.
O próprio Lula, antes de chegar ao poder central do país, considerava Lech Walesa, o líder do Solidariedade e posteriormente presidente da Polônia, um “pelegão”.
No documentário de João Moreira Salles “Entreatos”, Lula conta como seu sindicato perdeu uma verba no exterior para o Solidariedade, e atribui essa “derrota” ao peleguismo de Walessa.
Se em 2002 o PSDB procurava atemorizar os eleitores com o caos na Argentina, hoje a oposição usa a mesma imagem para criticar as fragilidades políticas da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Comparando-a ora a uma consequência do “subperonismo” lulista, ora ao ex-presidente argentino De La Rúa, cujo curto governo foi dominado por crise econômica permanente, com movimentos populares violentos de protestos, o PSDB quer colocar a marca da insegurança na candidatura Dilma.
Não deu certo com Lula.
Além do mais, essa preocupação não deve afetar a maioria do eleitorado, mas pode fazer com que a sua parte mais elitizada fique preocupada com o futuro.
E, sobretudo, Dilma não é Lula.
Em feitio de autocrítica: Dora Kramer
Em análise precisa sobre a guinada personalista que o presidente Luiz Inácio da Silva imprimiu à democracia brasileira nos seus dois mandatos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu as pistas dos caminhos que levam o País aos poucos a abrir mão dos valores institucionais para adotar como referência única a popularidade de um líder político voraz no exercício do poder.
"Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições", escreve o ex-presidente em seu artigo de domingo no Estado.
Palavras de um opositor político? Sim, mas nem por isso devem ser atribuídas ao mero ofício da luta política e, por isso, relegadas ao campo do bate-boca entre adversários.
Nestes últimos sete anos nos desacostumamos da prática, mas é na oposição que se produz o contraditório, ponto de partida para a discussão do estabelecido.
A questão central é a qualidade do debate proposto: se fruto de esperneio à deriva, desconsidera-se; se produto de argumentação consistente, vale a pena refletir a respeito.
No artigo Para onde vamos?, Fernando Henrique fala sobre os efeitos - presentes e futuros - do acúmulo de "transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes".
O fenômeno já fora identificado e publicamente denominado "rotina de desfaçatez" pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.
Marco Aurélio, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, falava sobre a concentração de escândalos que assolava o Brasil e da naturalidade com que eram tratadas as malfeitorias. Fernando Henrique falou de movimentos mais amplos e mais sutis. De algo que "pode levar o País devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco tem a ver com nossos ideais democráticos".
Não condenou o pragmatismo, por ele também adotado enquanto ocupou a Presidência da República. Apontou, sim, o patrocínio de um método de rendição e aprofundamento de um estado de coisas de regressão a um sistema de governo autoritário, agora de cunho "popular".
Cita exemplos: "Por que fazer o Congresso engolir uma mudança na legislação de petróleo mal-explicada? Por que anunciar quem venceu a concorrência para compras de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro? Por que, na política externa, fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz e com os direitos humanos?"
Fernando Henrique faz questionamentos relevantes. Nenhum deles, entretanto, levado em conta pelos dois pré-candidatos à Presidência da República do partido no qual ele ocupa a presidência de honra e onde fala sozinho.
"Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem", escreve FH, em descrição perfeita do misto de apatia de resultados e oposição com hora marcada que conduz as ações do PSDB.
Expiatórios
Os políticos tucanos pararam de trocar acusações sobre a divulgação da polêmica pesquisa patrocinada pelo ex-deputado e empresário Ronaldo Cezar Coelho sobre o grau de aceitação de uma chapa com José Serra na cabeça e Aécio Neves na vice.
O problema foi transferido para o departamento de marketing do PSDB, que agora se divide entre os que acusam o cientista político Antônio Lavareda e os que apontam o jornalista Luiz Gonzalez como responsável por levar a pesquisa aos jornais.
Cenografia
Ao mineiro Aécio Neves não convence essa tese. Tem absoluta certeza de que a pesquisa foi parar na imprensa pelas mãos de aliados de Serra que resolveram ignorar o acordo de cavalheiros firmado entre os governadores de São Paulo e Minas Gerais.
Pelo acerto, cada qual cuidaria de "segurar seus radicais" até a hora do entendimento oficial. Na perspectiva de Aécio, isso significa não ser tratado como coadjuvante no processo.
Daí a reação do mineiro pedindo, em tom de ultimato, uma decisão do partido até dezembro.
Pão, pão
Se prevalecer a avaliação corrente na seara oposicionista, a eleição de 2010 acontecerá exatamente na forma considerada ideal pelo presidente Lula: o plebiscito.
Os tucanos acham que Marina Silva não terá fôlego - vale dizer, dinheiro e tempo de televisão - suficiente para sustentar a candidatura presidencial e que Ciro Gomes será devidamente (por Lula) mantido fora da disputa nacional.
Indagados se isso é bom ou ruim, não dizem sim nem não.
À sombra dos laranjais: Raymundo Costa
A invasão da fazenda da Cutrale deixou o Palácio do Planalto e o PT sem discurso para barrar a comissão de inquérito do Congresso que investiga as contas do MST. Nada sugere que a CPI possa ter um fim diferente de outras CPIs sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o movimento sem-terra está em xeque, inclusive entre aliados que consideram que o MST perdeu o rumo e o sentido.
A relação do presidente com o MST é tensa, apesar dos panos quentes colocados pelo ministro Alexandre Padilha, novo coordenador político do governo e integrante do grupo que assessora a pré-campanha presidencial de Dilma Roussef.
No governo federal, o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) politizou eleitoralmente a questão. Cassel comprou uma briga que nem Lula nem Dilma se dispuseram a comprar, ao preço do dia.
Lula até classificou de "vandalismo" a invasão da fazenda da Cutrale, em Iaras, no interior de São Paulo. As cenas da destruição dos laranjais é tudo o que o presidente e sua pré-candidata não querem associadas a eles na campanha de 2010.
Aliados históricos do MST, de outro lado, se declararam chocados ao saber que o "vandalismo" atingiu também empregados da fazenda. Alguns desses aliados disseram que o movimento perdeu o sentido. Pode ser. O que não se pode afirmar é que a invasão tenha isolado politicamente o MST.
Além de Cassel, que viu "criminalização dos movimentos sociais" em atos efetivamente criminosos, o MST ganhou o apoio de uma penca de intelectuais daqui e de lá de fora. Assinam, entre outros, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, o professor Antonio Cândido e até o cientista político Chico de Oliveira, contumaz crítico dos desvios do PT no governo.
Vinte anos após a queda do Muro de Berlim, que se comemoram na próxima segunda-feira 9, os intelectuais veem na CPI "um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST". Segundo o manifesto dos pensadores, "prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira".
Nem tanto ao chão, nem tanto à terra. É possível que o MST tenha se desviado do ideal que representava em sua origem. Mas é preciso registrar que o movimento sem-terra mais tradicional do campo brasileiro radicaliza à medida que perde a clientela para organizações rurais situadas ainda mais à esquerda do espectro ideológico.
No governo, Lula mudou seu modo de ver o MST, assim como mudou a maneira como encarava muitas outras questões nos duros tempos da oposição. Os sem-terra também mudaram e elegeram como prioridade a destruição do agronegócio, em vez da reforma agrária e da redistribuição das terras improdutivas.
A relação do presidente com o MST está há mais de dois anos desgastada, desde um jantar na Granja do Torto, em Brasília, quando Lula, após ouvir o que dirigentes sem-terra tinham a dizer (críticas contundentes à política agrária do governo), retirou-se e deixou-os falando sozinhos.
Deve-se, no entanto, ficar atento à medida exata deste desencontro. Lula, PT e o MST têm uma relação umbilical. Pode-se ter certeza que a fúria do movimento, na CPI, será dirigida contra os congressistas e nunca contra o presidente da República, apesar de Lula ter dado de ombros à criação da comissão mista do Congresso para investigar as contas dos sem-terra.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra já havia jogado a toalha em relação ao presidente. Integrantes do seu núcleo dirigente diziam que nada mais restava ao MST a não ser esperar o fim do governo Lula, uma vez que também não tinha como ficar contra um presidente da República ao qual sempre esteve aliado e dono de uma popularidade nas alturas.
Até o incidente da Cutrale.
No oficial, os dirigentes e afins do comando do MST vendem a versão de "armação"; no paralelo, que a invasão saiu de controle e "companheiros mais exaltados" tratoraram os laranjais.
A primeira desculpa é recorrente; a segunda, esfarrapada. Quem conhece a disciplina dos acampamentos sem-terra sabe que ninguém pega um trator e derruba laranjais por conta e risco próprios.
Antes quem andava zangado com o MST era Lula; hoje o MST é que se diz emburrado com o presidente. No Palácio do Planalto se diz que a CPI é contra o MST e não contra o governo. O MST rebate: a CPI começa em mim e termina em você.
Na avaliação do grupo que assessora Dilma, já foram desapropriados, no atual governo, 43 milhões de hectares, quase o que foi desapropriado sob Mao Tse-Tung, na China, e mais que os 20 milhões da revolução mexicana. O grupo discute reconciliar reforma agrária e meio ambiente.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
Fernando de Barros e Silva: A Marcha de Jesus e o Diabo
SÃO PAULO - Uma multidão acompanhou ontem em São Paulo a Marcha para Jesus, manifestação das igrejas neopentecostais que existe no país desde 1993. A PM falava à tarde em pelo menos 1 milhão de participantes; os organizadores esperavam 6 milhões até a noite.
Há muita imprecisão nessas estimativas, mas é fato que a marcha dos evangélicos -ao lado da Parada Gay, que mobiliza outras tribos e sentimentos- responde pela maior concentração popular da cidade, o que indica a força dessa nova fé.
São dezenas de igrejas reunidas, entre as quais a Universal do Reino de Deus, mas a coordenação é da Renascer em Cristo, do casal Estevam e Sônia Hernandes. O tema neste ano foi "marchando para derrubar gigantes" -e o maior deles, como dizia Estevam, "é o gigante da discriminação e do estereótipo".
O líder da Renascer usou o evento para fazer alusão ao episódio em que ele e sua mulher foram condenados e cumpriram pena nos EUA por contrabando de dinheiro. Para não deixar dúvidas, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), da Igreja Universal, dizia que a marcha era um "ato de revogação de todas as injúrias e difamações" contra o casal Hernandes. Aonde chegamos?
Há poucos dias, convidado a uma inauguração na Rede Record, o presidente da República disse que a emissora, como ele, era "vítima de preconceito". Lula, é claro, nada falou sobre o processo judicial em que Edir Macedo, dono da Record, e outros nove líderes da Igreja Universal são acusados de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
A fala do presidente sobre o "preconceito" que vitimaria a Record é muito parecida com o que diz o líder da Renascer a respeito da "discriminação". E o silêncio de Lula sobre as denúncias que atingem a cúpula da Universal e seus negócios equivale a um ato de revogação de qualquer suspeita sobre os amigos, como fez ontem o senador Crivella.
Há um ar de família entre a marcha dos evangélicos e a marcha da política. Diante da coalizão entre Jesus e Judas, querer legalidade hoje no país parece até coisa do Diabo.
Reação às críticas de Lula
Depois de ser acusado de extrapolar sua competência ao determinar a paralisação de obras com indícios de irregularidades, Tribunal de Contas da União emite nota justificando as medidas
Lúcio Vaz
Brasília – Os órgãos técnicos do Congresso Nacional e do Tribunal de Contas da União (TCU) reagiram às afirmações de que a Corte de contas estaria extrapolando sua competência ao determinar a paralisação de um número elevado de obras públicas nos últimos anos. As críticas foram feitas por empresários, parlamentares, ministros e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado elaboraram um estudo afirmando que o TCU apenas cumpre sua missão constitucional e que as paralisações são determinadas, na verdade, pelo Congresso. O secretário-geral de Controle Externo do TCU, Paulo Wischer, reforça esses argumentos e lembra que, na realidade, o número de obras paralisadas tem diminuído nos últimos anos. Caiu de 88 em 2003 para 41 neste ano.
"Não existe esse rigor. O que temos feito é dar seguimento às leis editadas pelo Congresso. Não criamos a leis. E é bom que se diga que o percentual de obras com irregularidades vem caindo ano após ano, desde 2002, em relação ao total de obras analisadas. O que demonstra que não há qualquer tendência do TCU em perseguir quem quer que seja", afirmou Wischer. Ele acrescentou que o tribunal só sugere a paralisação em último caso. "Quando é detectada alguma impropriedade, mas temos consciência de que o prosseguimento não vai causar algum dano irreparável, é possibilitada a continuidade. Tanto assim que o TCU começou a adotar o sistema das retenções cautelares".
Apesar de ser apenas uma recomendação, o fato é que o Congresso tem aceito 100% das sugestões feitas pelo TCU nos últimos anos, como reconhece o secretário-geral. "Diria que 100% é aceito. Nos últimos anos, o Congresso até incluiu algumas obras em que nós havíamos sugerido a continuidade. Agiram com um rigor um pouco maior do que o nosso", comentou. Ele não quis analisar a possível motivação das críticas feitas ao TCU: "Não nos cabe buscar a motivação. O que buscamos é mostrar que agimos dentro dos estritos limites da legislação".
Fatos ou mitos As consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado emitiram uma nota técnica conjunta para apresentar subsídios aos parlamentares "para a correta compreensão de recorrentes críticas formuladas por agentes públicos e privados, com grande repercussão na imprensa, a respeito do trabalho realizado pelo Congresso, com o auxílio do TCU, relativamente às obras com indícios de irregularidades graves". As duas consultorias dizem que a nota busca investigar se as críticas "são procedentes, se estão calcadas em fatos ou se apenas veiculam argumentos difusos, de natureza subjetiva ou opinativa. Nesse sentido, procura-se separar fatos de mitos".
A nota técnica lembra que o anexo de obras irregulares da Lei Orçamentária Anual teve origem em 1994, no escândalo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Naquele caso, os problemas das obras eram conhecidos dos órgãos de controle, mas o Congresso não tomou nenhuma medida de proteção ao Tesouro. Recursos financeiros continuaram sendo alocados para a obra em que eram evidentes os indícios de graves irregularidades.
"Esse caso motivou o Congresso a rever os procedimentos relativos à alocação de recursos do Orçamento da União para obras com indícios de irregularidades", diz a nota. Foi reforçado o controle preventivo. "O Congresso passou a determinar ao TCU que fizesse levantamentos anuais nas obras mais importantes e os informasse para subsidiar a elaboração da proposta de orçamento anual."
As consultorias concluem que as críticas a esse sistema de controle têm, de algum modo, contribuído para aperfeiçoar o processo, mas fazem uma ressalva: "É preciso, porém, analisá-las e compreendê-las em toda a sua extensão, pois, às vezes, críticas bem-intencionadas, mas com visão parcial do processo, podem levar a situações de maior exposição do erário ao risco, diante de interesses contrapostos na execução de obras e serviços no setor público".
Brasília-DF: Luiz Carlos Azedo
Cabral e Hartung estrilam
Os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), montam resistência à aprovação do modelo de partilha desenhado pelo deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), relator do tema no marco regulatório do pré-sal. Apesar de as novas regras darem aos estados uma fatia maior dos royalties, os dois batem na concentração dos recursos nos cofres da União, que ficou com 30% do bolo.
Ontem, no Rio, os governadores se reuniram com representantes de suas bancadas na Câmara dos Deputados. Não foi descartado fechar posição contra a aprovação da proposta sem uma nova distribuição dos royalties. Juntos, os estados têm 56 deputados, número insuficiente para atrapalhar a votação do marco regulatório, mas com peso para abalar a maioria desejada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
E, de quebra, para criar um mal-estar na coalizão governista que está sendo montada em apoio à candidatura da ministra Dilma Rousseff (PT).
Bolada
Além de engordar o caixa dos ministérios responsáveis pelas obras do PAC com remendos ao Orçamento de 2009, o Executivo destinou às estatais um generoso naco dos R$ 34 bilhões em créditos suplementares editados neste ano. Do total, as empresas ficaram com reforço de caixa para investir às vésperas da eleição da ordem de $ 17 bilhões
Oposição busca antídoto ao discurso governista
Estratégia é desconstruir imagem de Dilma como "mãe" do PAC e discutir temas como saúde e segurança
Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA. A oposição já identificou as prováveis armadilhas da estratégia eleitoral governista e procura uma espécie de antídoto ao discurso de defesa da intervenção estatal na economia e do sucesso dos programas sociais. Em vez de falar do Bolsa Família, a intenção dos oposicionistas em 2010 é explorar as fragilidades do governo Lula nas áreas de saúde e segurança pública.
— Não vamos cair na armadilha de que precisamos encontrar uma porta de saída para os beneficiários do Bolsa Família, pois isso passa a ideia de suspensão do programa. E não é o caso, até porque nossa ideia é dar prosseguimento a todos eles. Mas temos, sim, de apresentar novas alternativas, vinculadas especialmente à criação do emprego com carteira assinada, que garantirá a independência do cidadão, e áreas de interesse direto da população como saúde e segurança — afirma o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
O PT está determinado a insistir na comparação com a gestão tucana do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
— É preciso estabelecer no debate dos programas as diferenças entre os dois governos.
Todos os pontos nos favorecem: a política social, a economia e a política internacional. Até porque se a privatização tivesse continuado, nós não teríamos conseguido enfrentar a crise como enfrentamos.
As empresas e bancos estatais ajudaram o país a sair da crise — afirma o secretário-geral do PT, deputado José Eduardo Cardozo.
— Vamos explorar o conceito de redução da desigualdade de renda e da oportunidade de direitos, além de mostrar a importância do papel do Estado no enfrentamento da crise financeira, inclusive o papel dos bancos e empresas públicas — reforça o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Mesmo tentando fugir de armadilhas, os tucanos se preparam para enfrentar a comparação.
Uma das estratégias passa pela desconstrução da imagem que o presidente Lula tenta vender para sustentar a ideia de que a ministra Dilma Rousseff, pré-candidata petista, é a “mãe” do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mostrando que as obras de infraestrutura pouco avançaram. Outro tema a ser bastante explorado é a segurança.
— A desordem no Rio jogou por terra a expectativa do Lula e do governador Sérgio Cabral de surfarem na onda de otimismo gerada pela escolha da cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 — avalia Sérgio Guerra.
Fora desse campo, os pré-candidatos Ciro Gomes, do PSB, e Marina Silva, do PV, tentam entrar no debate com agendas próprias. Marina quer incluir na agenda de 2010 o tema do desenvolvimento sustentável, enquanto Ciro começa a traçar metas do seu “plano nacional de desenvolvimento”, deixando claro que vai evitar a polarização PT-PSDB.
Mesmo com a entrada de Marina na disputa presidencial, porém, são poucos os que acreditam que a agenda verde poderá dominar os próximos debates eleitorais. Tudo indica que o assunto só terá chances de ganhar destaque maior se a candidata crescer nas pesquisas e ameaçar os favoritos na corrida presidencial.
De olho em 2010, Lula reforça intervenção na economia
Governo quer teoria do Estado forte de volta à pauta eleitoral. "Não se pode transformar empresas em repartições públicas", contesta FH
Vivian Oswald, Martha Beck e Cristiane Jungblut, Brasília
O debate sobre a exploração do petróleo na camada do pré-sal e as recentes divergências entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Vale, Roger Agnelli, anteciparam uma discussão que deve ganhar os palanques na eleição de 2010: a maior presença do Estado na economia. Cada vez mais, a relação entre o Estado e o setor privado entrará na campanha da ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, segundo integrantes da equipe econômica. O tema também conta com a simpatia de outros pré-candidatos, como José Serra (PSDB), Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV).
Em mais de uma ocasião, Dilma enfatizou que “a tese do Estado mínimo é uma tese falida”. As turbulências provocadas pela crise econômica deram ao governo a chance de reforçar a tese de que o Estado é necessário para garantir a estabilidade e sustentar a economia quando o setor privado se retrai. No auge da crise, houve uma intervenção explícita para que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal reduzissem taxas de juros.
Oposição condena a reestatização
No Congresso, parlamentares governistas endossam a postura do presidente Lula, inclusive em relação à política de aumento dos gastos públicos, defendendo um Estado mais atuante. Já a oposição condena a tentativa de reestatização.
Os governistas acreditam que o debate sobre o tamanho do Estado voltará na eleição do ano que vem, sobretudo com o pré-sal, e que o governo Lula é quem sairá ganhando com ele.
— É um dos diferenciais entre o nosso governo e o do presidente Fernando Henrique Cardoso, que estarão em análise no país (em 2010). Houve um conjunto de mudanças importantes para o país, por conta de um Estado mais eficiente.
Houve o fortalecimento da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, capitalização do BNDES. E no pré-sal, o novo modelo amplia o papel da Petrobras — disse o líder do governo na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT-RS).
— A oposição vai querer mascarar o debate real. Nós experimentamos um modelo e, eles, outro. Esse debate não interessa para eles, interessa para nós — acrescentou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).
Para a oposição, está clara a conotação eleitoral do debate: — O governo acha que pode ganhar a opinião pública com o debate entre o público e o privado. Eles estão achando que podem tornar viável a candidatura da Dilma como grande defensora e realizadora do Estado. Dilma quer se apresentar como o novo Stálin brasileiro, comandante dos planos integrados de desenvolvimento — diz o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).
— Há uma política de aumentar o gasto público — criticou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), para quem o atual governo se caracteriza pela gastança fiscal mesmo em momentos de queda de arrecadação, como na crise deste ano
“Nem estatismo nem estadofobia”
Na campanha eleitoral de 2006, já houve um embate entre o presidente Lula e o tucano Geraldo Alckmin sobre a questão das privatizações feitas na década de 1990. O governo espera repetir este debate na eleição de 2010. Para o cientista político da UnB Leonardo Barreto, não se trata apenas de uma situação macroeconômica propícia ao aumento do Estado, mas de uma disposição ideológica.
PMDB governista sai à frente na luta interna de 2010
Maria Inês Nassif, de São Paulo
O PMDB é sempre um parceiro sujeito a surpresas, mas ainda assim, no conjunto da obra, o PT, ao fechar o pré-acordo eleitoral com o partido de Michel Temer, definiu algumas vantagens sobre o seu mais competitivo adversário na disputa para a Presidência em 2010, o PSDB. A primeira, pelo menos em relação aos tucanos, é o fato de ter uma candidata única e claramente definida, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O PSDB tem dois pré-candidatos, os governadores José Serra e Aécio Neves, um é favorito - Serra -, mas esse favoritismo apenas serviu, até agora, para congelar as articulações partidárias, no aguardo de uma definição pessoal de sua candidatura.
A segunda vantagem do PT sobre o PSDB reside no fato de seu maior eleitor ser um presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cujos índices de aprovação, mesmo no período de crise financeira, oscilou entre 70 e 80%. O PSDB, depois de oito anos de governo, não teve uma situação semelhante em 2002 - Fernando Henrique Cardoso deixou a Presidência com índices de aprovação bem inferiores.
A terceira dianteira do PT em relação ao competidor, nesse primeiro momento de definição eleitoral, é que, além de ser um partido com uma grande capilaridade, tem como referência de aliado uma agremiação mais capilar que ele, o PMDB. Isso o PT não teve nas eleições anteriores - aos seus aliados tradicionais, pequenos partidos de esquerda, agregou a partir de 2002 pequenos partidos de direita, o que obrigou um corte e costura regional complicado. Uma aliança com um grande partido, no mínimo, pode colocar o PT na campanha com uma referência eleitoral - nacional -- que os petistas nunca tiveram. O PMDB é o aliado preferencial e submete não apenas os PTs regionais, mas os pequenos partidos, à exceção de Estados onde eles são indiscutivelmente fortes. Este último teria sido o caso do PSB se o deputado Ciro Gomes não tivesse se declarado candidato a presidente: o PT, sem discutir, estaria no palanque dos governadores Eduardo Campos, de Pernambuco, e Cid Gomes, do Ceará, candidatos do PSB à reeleição, e da governadora Wilma Faria (RN) ao Senado.
A aliança do PSDB com o ex-PFL em 1994, 1998 e 2006 desempenhou, para o PSDB, esse papel de funcionar como uma referência para as articulações: a partir de um dado - a unidade nacional em torno de um único candidato a presidente - os tucanos fecharam as alianças regionais e a união de duas legendas fortes serviu de polo de atração para os pequenos aliados sem que fossem necessárias enormes concessões regionais em troca de poucos votos. Em 2002, o DEM foi substituído pelo PMDB - o PSDB teve a então pemedebista Rita Camata, hoje no PSDB, como vice, e o então PFL foi para as eleições rachado com o candidato tucano, José Serra.
O PSDB tem a seu favor, em 2010, a aliança com o DEM; um pré-candidato com mais aceitação nas pesquisas de opinião pública, o governador de São Paulo, José Serra; favoritismo no primeiro colégio eleitoral do país, o Estado de Serra, que tem quase um quarto dos eleitores nacionais; e potencial de ter um bom desempenho no segundo colégio eleitoral do país, Minas Gerais, de onde vem o segundo pré-candidato, o governador Aécio Neves - embora em Minas, em 2006, Lula tenha sido o vitorioso nas eleições presidenciais; um forte eleitorado no Sul do país que pode ser reforçado no Paraná, por ação ou omissão do governador Roberto Requião (PMDB). Não existe a definição de quem será o candidato, contudo, e isso atrapalha os arranjos regionais. "Uma definição rápida de candidaturas é fundamental", afirma o deputado José Aníbal (PSDB-SP), defensor de uma chapa puro-sangue, com Serra na cabeça e Aécio na vice, e da definição até dezembro desse ano. "A candidata do governo já está nas ruas", adverte. Apesar de ter consolidado uma aliança prévia, nacional, com o DEM, a falta de um candidato oficial faz o PSDB perder agilidade para resolver problemas sérios de palanques eleitorais no país inteiro. "Do lado do DEM, a maior dificuldade é ficar nessa situação insólita: normalmente, é a oposição que se articula mais rapidamente em torno de um candidato e o governo demora a definir uma candidatura", afirma um dirigente do partido que será o maior aliado do PSDB nas eleições. Nos pleitos em que o PT era oposição, a permanência de Lula como candidato sempre colocou o partido na dianteira do processo eleitoral, já com nome definido, e depois o governo definia a sua posição. "Dessa vez, o governo já tem três candidatos na rua, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PV) e Ciro Gomes (PSB), e nós não conseguimos escolher nenhum". A espera, na avaliação do integrante do PSDB, apenas fortalece Lula. "A exposição de Dilma no último mês foi total e, sem candidato na oposição, não tem como evitar nesse momento a transferência da popularidade do Lula para ela."
"Precisamos dar um caráter plebiscitário às eleições", afirma um dirigente petista que não quis se identificar. Para isso, a torcida é para que o adversário escolha o governador paulista como candidato à Presidência. Serra é mais agressivo e mais identificado com os governos de Fernando Henrique Cardoso. A polarização, se ocorrer, no cálculo da direção petista, por si só neutraliza, sem que o PT tenha que fazer grandes coisas, as candidaturas de Marina Silva e Ciro Gomes - e se isso acontecer de fato, pode tirar Ciro da disputa presidencial e levá-lo a uma candidatura ao governo de São Paulo apoiada pelo PT.
Com a candidata na rua, o PT, segundo o mesmo dirigente petista, soma a seu favor a estrutura e a coesão partidária que, segundo ele, são próprias ao partido, e a popularidade de Lula. Pode agregar em suas bases políticas, de forma mais expressiva que em 2006, os movimentos sociais. Parte deles debandou depois de 2005, ano do chamado escândalo do mensalão, mas os dirigentes do partido acusam um movimento de retorno, pelo menos no período eleitoral. "Há um certo susto em relação à reação dos setores conservadores contra o MST", confirma outro dirigente. A tendência seria a de repúdio à candidatura tucana, que, na visão desses setores, tenderia a criminalizar os movimentos sociais. No caso, uma reação eleitoral à investida do PSDB e do DEM, que criaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o MST, movimento que exerce grande poder de atração e de organização sobre os demais.
A partir dessas questões conjunturais, a direção do PT, unidíssima a Lula, passou a definir as questões táticas. Resumem-se a duas coisas: palanques estaduais para a ministra Dilma e tempo de televisão. A aliança com o PMDB, mesmo que não oficial, é capaz de construir bons palanques regionais. Já o horário de propaganda eleitoral não tem jeito: ou o PMDB fecha oficialmente com o PT - e isso significa conseguir na convenção do PMDB o número de votos suficiente para aprovar a aliança eleitoral -, ou Dilma ficará sem o tempo de propaganda eleitoral gratuita que a lei garante ao seu pré-aliado. Nesse exato momento está se definindo o futuro. O PMDB está em pleno processo de realização de convenções municipais. Pelos seus estatutos, as mesmas eleições que escolhem os diretórios municipais definem os delegados às convenções estaduais. Em dezembro, os delegados dos municípios e demais convencionais estaduais escolherão as direções estaduais e os delegados à convenção nacional.
O PMDB tem 4.671 diretórios municipais e 27 estaduais - está organizado em todo o país. Quando terminar de escolher todos os diretórios estaduais, estarão definidos os quase 600 (cerca de 580, num cálculo complicado que, no final desse processo, será estabelecido com precisão pelas convenções) delegados à convenção nacional que até junho terá de aprovar, ou não, a aliança com o PT, e definir, ou não, o nome do vice na chapa encabeçada pelo PT. A convenção é formada pelos delegados eleitos nas convenções estaduais e pelos 91 deputados federais, 17 senadores e membros do diretório nacional. "Hoje temos 70% dos convencionais", garante um líder pemedebista governista. "Se a decisão fosse hoje, certamente o PMDB governista venceria", diz o presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP).
Mesmo se esses cálculos forem verdadeiros para a convenção nacional de hoje, eles não serão os mesmos em junho de 2010, data fatal para a aprovação oficial da coligação com o PT, se a intenção for a de garantir o tempo de televisão do PMDB a serviço de Dilma no período eleitoral. "Para que a ala governista do PMDB ganhe na convenção, oferecemos a Vice-Presidência e as alianças nos Estados", diz o petista. "Nós não queremos apenas horário de televisão: nós queremos o PMDB todo", completa Berzoini. A inversão da lógica tradicional do PMDB, de tentar unidade partidária via negociações regionais - a partir de um acordo para a Vice-Presidência da República, tecer os acordos regionais -, acena para os convencionais estaduais que estão escolhendo seus delegados à convenção nacional com a possibilidade de ter a Vice; aos prefeitos, que nesse momento presidem as convenções municipais, com a proximidade com este governo federal e eventualmente com um próximo; aos candidatos do PMDB ao governo, com a chance de ter Lula nos seus palanques.
São Paulo, Minas, Rio, Paraná, Bahia e Ceará não apenas terão o poder de decidir, pelo número de eleitores, as eleições de 2010, mas também o de definir a convenção nacional do PMDB, pelo número de convencionais que têm. O PT e o PMDB, nas conversas que seus dirigentes têm para se articular regionalmente, não contam com o PMDB de São Paulo no palanque de Dilma -- é inimaginável pensar o ex-governador Orestes Quércia aliado ao PT no Estado: ele já declarou apoio a Serra e é muito difícil quebrar a hegemonia dele na convenção estadual. A estratégia é tirar espaço dos quercistas na convenção nacional. Um nome paulista na chapa como vice-presidente - aliás, não um nome qualquer, mas o do presidente da Câmara, Michel Temer, que disputa poder diretamente com Quércia no Estado - pode ajudar. "Não é impossível rachar esse bloco porque as lideranças municipais de São Paulo estão ressentidas com a liderança quercista. O partido está acabando no Estado", afirma um dos negociadores com o PMDB.
O grupo de Quércia trabalha com o objetivo de não perder sua influência na convenção nacional. Os delegados estaduais à convenção nacional do PMDB são uma reserva de valor do grupo dominante no Estado. Quércia, por exemplo, encabeça a lista dos delegados paulistas à convenção nacional (e, como presidente do PMDB paulista, tem direito a mais um voto na convenção nacional); sua esposa, Alaíde, é a terceira delegada à convenção nacional do diretório atual, que será renovado no mês que vem. No Mato Grosso do Sul, o governador André Puccinelli, candidato à reeleição, ameaça ir para a oposição em represália à decisão de Zeca do PT de se candidatar ao governo levando consigo a totalidade dos 27 votos do Estado na convenção nacional. No Paraná, o governador Roberto Requião negocia com oposição e governo uma aliança local que dê a ele conforto e garantias para se eleger para o Senado e sua moeda de troca são quase 50 votos à convenção nacional. O lançamento, pelo governador, da campanha por uma candidatura própria do PMDB, faz parte desse jogo de pressão duplo - para os tucanos, basta que Requião retire seus votos da convenção a qualquer pretexto para que o PT perca o tempo de propaganda eleitoral do pré-aliado. Os convencionais mineiros são cerca de 70, o segundo maior colégio da convenção nacional. No Rio, o número de convencionais aproxima-se dos 60.
Paralelamente, as direções dos dois partidos tentam fechar os acordos regionais - embora prevejam que eles estejam efetivamente organizados apenas no próximo ano, bem perto do prazo fatal definido pela lei. "A experiência mostra que é isso que acontece em todas as eleições: é difícil ter as alianças e candidaturas de todo o país feitas no ano anterior", afirma Berzoini. Por enquanto, as dificuldades dadas como inconciliáveis, no fechamento das alianças regionais entre o PT e o PMDB, são Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nos dois primeiros Estados, o domínio do PMDB local está nas mãos de oposicionistas - Jarbas Vasconcelos, em Pernambuco, e Luiz Henrique, em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, é tradicional a rivalidade entre o PT e o PMDB, e o partido hoje praticamente segura o governo de Yeda Crusius (PSDB). Lá, o PMDB governista, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e do deputado Eliseu Padilha, está tentando ao menos uma das legendas para disputar o Senado - no ano que vem, serão eleitos dois senadores por Estado. O PMDB e o PSDB locais são o palanque da candidatura do tucano (Serra ou Aécio) e o ministro Tarso Genro (PT) transita entre os aliados tradicionais, os partidos de esquerda - inclusive ao PDT, que lá é forte -, e, se as eleições fossem hoje, segundos os institutos de pesquisa, ele venceria. "No segundo turno das eleições gaúchas o normal é se juntarem todos os partidos contra o PT", pondera um petista da direção partidária que não considera, nos seus cálculos, o Estado como favas contadas na geografia do poder petista pós-eleições.
Em Pernambuco, o PMDB, o DEM e o PSDB são palanque para Serra (ou Aécio) e a candidatura de Dilma pode ter perdido a chance de ter um grande palanque no Estado, numa aliança entre o PT, o PSB do governador Eduardo Campos e pequenos partidos de esquerda, com a candidatura de Ciro Gomes a presidente. O PT pode lançar candidato ao governo no Estado para compensar a saída do PSB de seu palanque nacional no primeiro turno. Em Santa Catarina, o mais forte pemedebista é o governador Luiz Henrique e ele se aliou ao DEM de Jorge Bornhausen.
Também figura na lista das tentativas impossíveis de aliança o Estado de Tocantins, onde a relação do pemedebista Marcelo Miranda com o PT chegou ao desgaste absoluto. Lá, o PMDB e o DEM se aliam para lançar a senadora Kátia Abreu (DEM), já considerada a favorita na disputa. No Mato Grosso do Sul, onde o ex-governador Zeca do PT lançou-se ao governo e o atual governador é um pemedebista, André Puccinelli, a direção nacional do PT não faz apostas e tende a não enquadrar o ex-governador às exigências estaduais. Puccinelli concentra umas duas dezenas de votos de convencionais do PMDB, mas tem também um histórico de agressividade em relação ao PT. O caso recente foi a agressão ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, mas o PT estadual é seu alvo constante.
A candidatura de Ciro a presidente é um complicador que parte do PSB não queria ter tido. Em três Estados, o destino de governadores que disputam a reeleição seria mais seguro com uma aliança com o PT já no primeiro turno - e dirigentes do PT acreditam que, à medida que Dilma crescer nas pesquisas, há possibilidades de Ciro ser convencido, internamente, a aceitar a candidatura ao governo de São Paulo. Sem essa possibilidade à vista, o PT articula palanques próprios no Ceará, no Rio Grande do Norte e em Pernambuco.
No Ceará, o governador Cid Gomes propôs ao PT uma fórmula em que ele, o governador, apoiaria dois candidatos a presidente, em troca dos dois candidatos a presidente fazerem campanha para a sua reeleição. Ele sugeriu fazer campanha para Dilma e para o seu irmão, Ciro. Nesse Estado, as alianças costumam ser tão flexíveis que o próprio PT tem dificuldade de aceitar. Os irmãos Gomes tradicionalmente fazem alianças brancas com o PSDB de Tasso Jereissati. Em 2010 o senador tucano disputa a reeleição, mas está na estratégia do PT nacional tentar tirá-lo da Casa legislativa. A aliança com o PMDB no Estado foi fechada em torno de uma vaga ao Senado, que será destinada a Eunício Oliveira. A direção do PT pretende colocar um nome forte ao Senado; se necessário, definir um candidato ao governo no Estado também. Nos dois casos a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, pode ir para o sacrifício - ela não quer deixar a prefeitura.
Em Minas, o trabalho do PT e do PMDB é tentar quebrar a hegemonia eleitoral do governador Aécio Neves. Considera-se que, a exemplo de Lula, o governador terá grande poder de transferência de votos para o seu candidato, que deverá ser o seu atual vice, Antonio Anastasia. Acontece que, em 2006, Lula também foi bem votado no Estado. O cálculo é o de que, se Aécio for o candidato ao governo, a transferência dos votos do tucano para o seu candidato tornará imbatível a candidatura do PSDB ao governo e ele "fechará" quase todo o colégio eleitoral estadual. Dilma teria grandes dificuldades de transitar entre os votos mineiros, nessa hipótese. Se Serra for candidato, as dificuldades diminuem, mas podem se reduzir mais se PT e PMDB não dividirem o palanque no Estado. O PT está em pleno processo de escolha entre dois candidatos, o ministro Patrus Ananias e o ex-prefeito Fernando Pimentel. O ministro Hélio Costa, do PMDB, reivindica a vaga ao governo pela coligação. No Estado, as bancadas na Assembleia Legislativa se incumbiram das tentativas de conciliar interesses. "Existe boa vontade das duas partes em resolver o problema", disse Berzoini. O mais certo, no entanto, é que não se decida agora: no Estado, qualquer estratégia se inicia no momento em que o PSDB decidir quem é o candidato. Essa decisão terá o poder de definir a posição do ex-presidente Itamar Franco no pleito do ano que vem, se na posição de candidato a governador ou senador, com certeza aliado de Aécio. Os partidários da candidatura Aécio no PSDB e no DEM apostam nessa aliança como um sólido palanque estadual para a candidatura tucana em 2010, com poder de impedir a transferência da popularidade de Lula para Dilma.
Governistas formam comissão de campanha
Paulo de Tarso Lyra e Raymundo Costa, de Brasília
O PMDB governista formou uma supercomissão, integrada pelos pesos-pesados do partido que firmaram o pré-compromisso de apoio à candidatura da ministra Dilma Rousseff a presidente. O grupo começa a discutir com o PT as alianças estaduais, o programa da candidata e a participação da legenda no futuro governo, se a aliança sair vitoriosa da eleição de 2010.
A reunião, agendada para amanhã, é o primeiro passo para formalizar a aliança política entre PMDB e PT. Respaldados pelo peso institucional e pela popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o grupo governista sente-se mais confiante para isolar os pemedebistas que defendem o apoio à candidatura presidencial do governador de São Paulo, José Serra (PSDB).
O desafio à vista é a disputa pelo controle do diretório do PMDB de São Paulo, comandado há décadas pelo ex-governador Orestes Quércia. Com o apoio de Lula, o presidente da Câmara, Michel Temer, promete desta vez enfrentar seu "criador" na política paulista. O tamanho do desafio pode ser medido pela demonstração de força dada por Quércia na semana passada: o ex-governador levou 62 dos 65 prefeitos filiados ao PMDB para uma reunião com Serra no Palácio dos Bandeirantes.
Principal nome dos governistas para compor a chapa ao lado de Dilma, Temer também prometeu ao presidente Lula levar 60% dos delegados de São Paulo a apoiar a aliança com o PT na convenção partidária marcada para junho de 2010.
Mesmo no Rio Grande do Sul, onde a rivalidade política das duas legendas é histórica, há chances, remotas, de uma aproximação. O PT lançou o nome de Tarso Genro para o governo estadual. O ministro da Justiça de Lula articula uma aliança com o PMDB por meio do ex-governador Germano Rigotto (PMDB).
A avaliação corrente no grupo que assessora Dilma é que a provável candidatura de Serra sofrerá com o desgaste do governo de Yeda Crusius, que em algumas pesquisas aparece com uma reprovação recorde de 74%. É a pior avaliação entre todos os governadores. O principal adversário desta tese é o deputado Eliseu Padilha que, a exemplo de Quércia, controla com mão de ferro o PMDB gaúcho. Ex-ministro tucano, Padilha tende a apoiar Serra em 2010.
Compõem o estado-maior pemedebista, além de Michel Temer, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima; o ministro das Comunicações, Hélio Costa; os deputados Eunício Oliveira (CE), Jader Barbalho (PA), e Henrique Eduardo Alves (RN, líder do partido na Câmara); além dos senadores Romero Jucá (RR, líder do governo) e Renan Calheiros (AL, líder do partido).
A formação do grupo faz parte da estratégia do governo de sedimentar a força de um bloco institucional no PMDB, a partir de Estados do centro-sul, mais fortes economicamente, como Rio, São Paulo e Minas. Em contrapartida, o PMDB retribui dando provas de que busca um entendimento mais amplo, o que se evidencia na própria indicação dos nomes para a supercomissão. Pelo menos três deles - Hélio Costa (MG), Geddel Vieira Lima (BA) e Jader Barbalho - são de Estados nos quais a aliança política está emperrada.
O caso do Pará é o que está mais bem encaminhado. Jader deve aceitar concorrer ao Senado, ao lado do petista Paulo Rocha, apoiando a reeleição da atual governadora, Ana Júlia Carepa (PT). Em troca, quer indicar o vice na chapa e recuperar os espaços políticos que tinha na gestão estadual. A alternativa é vantajosa para Ana Júlia que, além de mal avaliada perante a opinião pública, não controla o PT local, o que a torna ainda mais fraca politicamente.
Na Bahia, uma aproximação entre Geddel e o governador Jaques Wagner (PT) parece quase impossível, o que resulta em dois palanques para Dilma. O PT acha que Geddel errou ao romper com Wagner. O pemedebista reclama que o rompimento começou na disputa pela Prefeitura de Salvador, quando os petistas lançaram o nome de Walter Pinheiro contra João Henrique (PMDB), que acabou reeleito.
O governador diz que aceita uma reconciliação, desde que o gesto venha de Geddel. O ministro considera o recuo uma humilhação. Emissários políticos minimizam os prejuízos, afirmando que "não seria humilhante se a reaproximação fosse em atendimento a um pedido presidencial", que ainda não foi feito.
Minas é outro Estado onde Dilma deve ter dois palanques. O embate começa dentro do próprio PT, porque o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel querem concorrer ao governo. A segunda etapa do processo seria a disputa contra Hélio Costa, que tem bom recall entre os eleitores, lidera as pesquisas até o momento mas não controla o PMDB mineiro.
A situação pode se alterar com as decisões do governador, Aécio Neves (PSDB). Ele já anunciou que lançará o seu vice-governador, Antonio Anastasia, ao governo mineiro. Se Aécio concorrer ao Senado, em vez disputar a Presidência, tem eleição garantida, deixando apenas uma vaga em aberto para o Senado.
No Rio, o Planalto acredita que não há problemas no apoio à reeleição do governador Sérgio Cabral. Os outros palanques para Dilma no Estado seriam os de Anthony Garotinho (PR) e Marcelo Crivella (PRB). O prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), na expectativa do governo, poderá enfrentar Benedita da Silva - que tem maioria no diretório fluminense - em uma disputa à candidatura petista ao Senado. Lindberg contaria com a simpatia de Lula, que o estimulou a concorrer à Prefeitura de Nova Iguaçu em 2004. Outra alternativa seria Lindberg ser indicado a vice de Cabral pelo PT.
Lula não viu: Miriam Leitão
O presidente Lula viajou durante três dias pelas obras da transposição do Rio São Francisco. O que ele não viu? Que do total de um milhão de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) no rio, 700 mil estão degradados. A recuperação mal começou. É preciso plantar 27 milhões de mudas por ano, o Ministério da Integração prevê 1,5 milhão, 5% do necessário, mas só 200 mil estão sendo produzidas
Conversamos com quem está trabalhando para a proteção do rio. É um desconsolo.
O que Lula não viu foi a vasta tarefa ambiental que precisa ser feita para recuperálo e protegê-lo dos impactos da obra de transposição.
As APPs — que são alto de morro, beira de rio, entorno de nascente, encostas — do São Francisco chegam a 1 milhão de hectares porque o rio é imenso e há muito tempo está mal tratado.
Dos 700 mil hectares que precisam de recuperação, metade pode ser cercada para que a vegetação nativa se recupere naturalmente, mas a outra metade exige plantio de 27 milhões de mudas por ano, de acordo com o Plano Integrado de Desenvolvimento Florestal Sustentável do São Francisco, estudo feito pela Universidade Federal de Lavras, a pedido do próprio governo.
O projeto que está sendo executado pelo Ministério da Integração Nacional prevê a produção anual de apenas 1,5 milhão de mudas, pouco mais de 5% do que seria necessário. Isso é o que está no site, porque se existe uma tarefa difícil é tirar do governo o que está sendo feito para proteger o rio. O Ministério da Integração mandou um texto no mais puro burocratês. A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) pediu as perguntas por escrito na quarta, mandou a resposta no domingo, num claro corte e cola de documento velho. Não há uma resposta compreensível.
Para o Ibama ligamos durante uma semana inteira.
Já os pesquisadores das universidades de Lavras e do Vale do São Francisco conversaram conosco. Eles acham que o número de mudas previsto no projeto do governo é insuficiente e não está sendo atingido. Estariam sendo produzidas não mais que 200 mil, menos de 1% do que precisa ser feito.
O coordenador do Centro de Referência em Recuperação de Áreas Degradadas do Alto do São Francisco, Antonio Claudio Davide, ligado à Universidade de Lavras, percorreu de helicóptero mais de 1.500 quilômetros de extensão do rio para medir a degradação e planejar o projeto de recuperação.
— Gostaria de saber onde estão esses um milhão e meio de mudas, que já seriam muito insuficientes.
Aqui no centro, estamos produzindo 70 mil mudas, que dariam para plantar cerca de 35 a 40 hectares. Precisamos cobrir 350 mil hectares! O fato é que não existe no governo a consciência da importância da recuperação dessas áreas. E sem replantio, não dá para falar na recuperação do São Francisco — explicou Davide.
Os números são tão imensos quanto a dimensão do Velho Chico: de acordo com o plano feito pela Universidade de Lavras, é preciso investir R$ 4,7 bilhões em 18 anos, somente para reflorestamento.
São R$ 2,37 bilhões para produção e plantio de mudas; R$ 1,8 bilhão para cercar áreas onde haverá regeneração natural; e o restante em infraestrutura, estudos, contratação de pessoal, treinamento. Um gasto anual de R$ 261 milhões, de 2008 a 2025.
Na avaliação de Davide, o projeto de recuperação das APPs está andando em “velocidade de carroça”. Há baixa produção de mudas; resistência de produtores rurais, que querem usar todas as áreas para agropecuária; falta de profissionais qualificados; e pior, as liberações de recursos não têm regularidade. Tem hora que o dinheiro sai, tem hora que não sai.
— O orçamento anual do meu centro é de R$ 350 mil.
Em 2008, o dinheiro veio, mas em 2009 ainda não recebi nada. O ano está perdido.
Agora em novembro, receberei R$ 200 mil, mas é para financiar o trabalho dos próximos sete meses.
Perdi mais da metade da minha equipe e agora terei que recontratar e treinar todo mundo — afirmou.
Enquanto o projeto de recuperação está nesse ritmo, as obras de transposição são exibidas como troféu de campanha eleitoral. De acordo com o 8º Balanço do PAC, de outubro de 2009, as obras do eixo Leste estão 16% concluídas e as do eixo Norte, 13,7%.
Para o coordenador do Programa de Conservação da Fauna e Flora da Universidade Federal do Vale do São Francisco, José Alves, não há garantias de que o projeto de recuperação será feito de forma correta, antes e após a conclusão das obras de transposição do rio: — Estamos trabalhando de forma isolada e os custos e os desafios da recuperação são muito grandes.
Não há continuidade nos repasses por parte do governo federal. É preciso fazer um inventário de toda a fauna e flora, e isso tem que ser feito agora. Coletar espécies raras que só existem no local, aprender a fazer a produção e o plantio das mudas, como armazenar as sementes. Do jeito que está, não temos nenhuma garantia de que depois da transposição, o projeto de recuperação será executado de forma correta — disse Alves, que coordena os estudos sobre a flora.
Isso é só para fazer uma parte do projeto de revitalização: a recuperação da vegetação. Não ocorre lá o que estava na carta de Pero Vaz: “Em se plantando, tudo dá.” É preciso fazer as mudas das espécies certas, esperar crescer, plantar na hora certa, torcer para que as chuvas venham, contar as perdas, proteger as que se firmarem. Tudo numa vasta extensão de um rio que atravessa cinco estados.
Muito precisava ser visto e feito. Abrir dois canais com a força do Exército brasileiro é a parte mais fácil.
Querela florestal: Xico Graziano
Aumenta a confusão sobre o Código Florestal. Agenda desastrosa. Ao invés de encontrar soluções, o governo cria novos problemas, acirrando a briga entre ambientalistas e ruralistas. A mídia se delicia.
O assunto atormenta os agricultores nacionais, a exemplo de José Batistela, ali na região de Araras. Quieto em seu canto, o velho sitiante acompanha essa polêmica há anos. Gente simples, italiano como grande parte dos colegas da roça, cujas famílias desembarcaram há mais de século para trabalhar no colonato do café, seu José não consegue entender por que não se resolveu ainda essa pendenga ambiental.
Fosse ele o presidente, pensa o agricultor, dava um pito bravo nesses ministros que vivem às turras, um falando mal do outro pelas costas, e os colocava fechados numa sala, exigindo uma boa proposta para o País. Afinal, para que mais serve um presidente da República senão para arbitrar e decidir sobre os graves problemas da Nação?
Passam-se os meses e a encrenca sobre a legislação florestal continua, parecendo drama enrolado de novela chata. Seu José gostaria, pelo menos, de avaliar o que se passa. Talvez, pensa, o presidente Lula esteja ocupado demais nessas viagens para lá e para cá, cada dia num lugar diferente, aproveitando a fama para conhecer o mundo.
José Batistela aceita, resignado, essa distância do chefe da Nação, vivendo no mundo da lua, curtindo a popularidade que pode ser efêmera como o voo sexual das libélulas. Vira para seu neto e pergunta: escuta, menino, você não acha que o Lula deveria pelo menos delegar a alguém essa tarefa de bater logo o martelo nisso, encontrando uma boa saída para esse impasse ecológico entre produzir e conservar?
Claro que sim, responde o jovem. Normalmente, quem assume esse papel na ausência do presidente é o chefe da Casa Civil. Talvez lá se pudesse promover esse necessário acerto de contas entre o passado e o presente da agropecuária brasileira.
Sei não, medita seu José. Aquela mulher com jeito de casca grossa não parece ter nenhum talento conciliador. Além do mais, só a vejo também andando mais que notícia ruim, sempre atrás do chefe, tirando fotografia, fazendo o que nunca entendi direito. Com tanto passeio do poder, quem será que está governando o Brasil?
Vai saber... Importa que o País, mesmo enfrentando dificuldades variadas, assumiu na última década forte liderança agrícola mundial. Tradicionalmente mandava no mercado de açúcar, café e tabaco. Agora, graças ao suor dos agricultores e aos modernos sistemas de produção, passou a dominar na carne bovina, nas aves, na soja, no suco de laranja. O Brasil virou uma potência agropecuária.
Assustam-se por aqui os estrangeiros ao conhecerem a integração da lavoura com a pecuária, o plantio direto, as safras sucessivas no mesmo terreno, a fruticultura deslanchando, a silvicultura dando um show de produtividade, o etanol se impondo. Nem as terríveis barreiras comerciais impedem o País de vencer o jogo da competição rural internacional.
O caipira José Batistela acompanhou essa fantástica evolução do campo. Suas mãos grossas e calejadas pelo cabo da enxada testemunharam o avanço da engenharia agronômica, o conhecimento aplicado livrando o homem do duro serviço braçal. Somente quem tirou à mão o leite da vaca, no frio da madrugada, reconhece o valor de uma ordenhadeira mecânica.
Meu Deus, questiona-se José Batistela. Se a agricultura ajuda tanto o desenvolvimento do País, por que o governo não destrava logo esse assunto do Código Florestal, propiciando uma solução negociada, nem tanto ao mar nem tanto à terra? Por que não acaba com essa chateação na vida do agricultor, perdido por aí como cachorro caído da mudança, sem saber para que lado correr, levando xingo à toa, empurrado para os braços de um ruralismo atrasado sem ter a chance de mostrar que gosta da novidade ambiental?
Presidente Lula, ergue a sobrancelha José Batistela, pensando com seus botões. Pare nesta semana um dia que seja lá naquele lindo Palácio do Planalto, chame os ministros do Meio Ambiente e da Agricultura, bote à mesa do lado as ONGs ambientalistas, situe do outro a turma ruralista da CNA e, por favor, promova um acordo, o senhor que tem experiência nessa matéria desde a época das brigas sindicais. Atue, presidente.
Não permita que os agricultores brasileiros continuem massacrados pela opinião pública, injustiçados como se fossem criminosos ambientais. Embora exista uma meia dúzia de perdulários que ainda trabalham como se na escravatura vivessem, ofereça a chance aos agricultores de mostrarem sua modernidade. Impeça essa estúpida rivalidade entre ruralistas e ambientalistas, cheiro de coisa antiga.
Comece a reunião, presidente, determinando uma moratória no desmatamento deste País por, no mínimo, cinco anos. Em seguida, ordene aos ministros que se acertem para regularizar aqueles que, no passado, retiraram seu sustento das áreas protegidas na beirada dos rios. Se eles erraram, nada os distingue do pessoal da cidade que também ocupou equivocadamente as várzeas, erguendo residências nas áreas de preservação. Cidade vale igual o campo.
Descubram como compensar a reserva legal surrupiada indevidamente. Nada de perdoar os algozes da floresta. Há que encontrar caminhos, oferecer estímulos para a recuperação ambiental, conscientizando os agricultores. Educação ambiental funciona melhor que o reio da fiscalização.
José Batistela quedou pensativo. Não parece difícil encontrar saídas nessa querela florestal. Pensou em escrever uma carta ao presidente expressando suas melhores ideias. Ficou em dúvida: qual endereço colocaria no envelope?
Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
MST corta madeira, vende e dinheiro some
Pinus suficiente para encher 10 mil caminhões saiu de assentamento; rombo pode chegar a R$ 3 milhões, valor que deveria ser aplicado em lotes
José Maria Tomazela, Iaras
Uma cooperativa do Movimento dos Sem-Terra (MST) cortou e vendeu cerca de 400 mil metros cúbicos de pinus no Assentamento Zumbi dos Palmares, em Iaras, no sudoeste paulista. Parte do dinheiro foi desviada.
A quantidade de madeira cortada equivale à carga de 10 mil caminhões. Os recursos deveriam ter sido aplicados nos lotes. O rombo, que pode chegar a R$ 3 milhões, é investigado pelo Ministério Público Federal.
Impedido de derrubar outros 1,4 mil hectares de árvores, o MST abandonou os assentados. A região, no centro-oeste do Estado, é a mesma que os sem-terra querem transformar num grande polo de assentamentos da reforma agrária.
A floresta de pinus pertencia ao Instituto Florestal, órgão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, e foi comprada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) num processo de arrecadação de terras para fazer assentamentos. O plano era executar o manejo da floresta de acordo com as normas ambientais e investir o dinheiro na infraestrutura do lugar.
"Assim que tivemos a imissão de posse na área, em 2007, houve uma série de incêndios intencionais que estão sendo investigados pela Polícia Federal", contou o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires da Silva. As chamas atingiram quase mil hectares do pinheiral. Há suspeita de que os próprios interessados teriam ateado fogo para apressar o corte raso do pinus.
Por meio de convênio assinado em 2008, o Incra contratou a Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados da Reforma Agrária de Iaras e Região (Cocafi), criada pelo MST, para extrair e vender a madeira. O dinheiro seria aplicado na infraestrutura do assentamento. Em poucos meses, máquinas e motosserras a serviço da cooperativa botaram abaixo mais de 300 mil árvores. À medida que as toras eram retiradas, os sem-terra cadastrados pelo Incra iam sendo assentados sobre os restos da floresta. A infraestrutura nos lotes não foi feita e eles procuraram o Ministério Público de Ourinhos. O corte e a venda da madeira foram embargados.
ABANDONO
O assentado Antonio da Silva, de 64 anos, reclama que tiraram os pinus de metade de seu lote, de 15 hectares, mas nada deram em troca. "A terra é um areião e precisa de calcário e adubo." Ele é um dos que acusam a cooperativa de desviar o dinheiro que seria aplicado em água, estradas e recursos para os assentados. O agricultor Roberto Ramos aponta as toras amontoadas no lote e lamenta os desvios. "Essa madeira poderia valer muito adubo." Ele e a família deixaram a região de Campinas há seis meses, a convite do MST, mas nada plantaram até agora. "Fomos colocados aqui e abandonados."
Ouvido no inquérito que apura o desvio de madeira, o assentado Donizete Marques diz que a cooperativa e o Incra trabalhavam juntos. "Mas o dinheiro que era para ser posto aqui nunca apareceu", reclama.
Quando ocorreu o embargo, as pilhas de madeiras não puderam ser retiradas. Por determinação no Ministério Público, fiscais do Incra se revezam na vigilância das toras. As 16 famílias que não puderam entrar no lote montaram os barracos na beira da floresta. Como não recebem cestas básicas, sobrevivem de doações dos vizinhos e da caça.
Na sexta-feira, a assentada Antonia Iara Souza, que veio de Leme, preparava para o almoço um tatu capturado pelo marido. Ele trabalha na fazenda de laranja da Cutrale, na mesma região, invadida e depredada pelo MST. "Graças a Deus ele não estava na ocupação, por isso não foi despedido", conta.
O Zumbi dos Palmares sediou, na quinta-feira, um encontro de lideranças do MST para denunciar a grilagem de terras públicas na região. De acordo com o coordenador nacional Gilmar Mauro, são 60 mil hectares ocupados por empresas de reflorestamento e produtoras de suco de laranja, como a Cutrale, terra que ele considerou suficiente para assentar as 4 mil famílias que estão acampadas em todo o Estado.
Desde o início da ação do MST na região, em 1995, foram assentadas 450 famílias. Nos últimos meses, a migração de sem-terra para a região aumentou e muitas famílias saíram do Pontal do Paranapanema, no extremo oeste, na esperança do assentamento rápido.
AMEAÇAS
Assentados que denunciaram o desvio de madeira agora sofrem ameaças. Marco Tulio Mariano recebeu de um integrante do MST o recado para avisar sua mãe, Antonieta Vacca, que "fechasse a boca", senão ia amanhecer "cheia de formiga". Sangenes Aparecida Vieira foi ameaçada com um revólver por um dirigente. Genário da Silva Santos conta ter sido "enterrado vivo" pelo coordenador do MST de Iaras, Miguel Serpa, e seus subordinados. "Deixaram só o rosto de fora."
A reportagem procurou Serpa em seu lote, mas familiares disseram que ele estava viajando e não tinha data para retornar. Não informou destino nem levou celular. No inquérito da Polícia Civil de Borebi, que apura a invasão da Cutrale, Serpa é citado como líder dos invasores.
João Henrique Cruciol, outro dirigente da Cocafi negou desvios. "Fizemos a prestação de contas ao Incra." Disse que compete ao órgão dotar os assentamentos de infraestrutura e afirmou que só uma parte dos assentados está sem benefícios "porque não chegou a vez deles".
Minha Casa, Minha Vida privilegia corretora sindical
Dirigida por petistas, Fenae tem monopólio informal da venda de seguros do programa
Duas seguradoras fecham acordo com corretora para explorar mercado em que giram cerca de R$ 40 mi; CEF afirma que atuação é livre
Fernando Barros De Mello
Uma corretora dirigida por sindicalistas da Caixa Econômica Federal, que são filiados ao PT e também doadores de candidatos a deputado e prefeito pelo partido, é a maior negociadora de seguros de entrega de obras do Minha Casa, Minha Vida, programa do governo federal lançado há sete meses.
A Fenae Corretora é a única a ter acordo com a Caixa para a venda do seguro-garantia do programa habitacional -um negócio de milhões de reais. Empreiteiras e corretores ouvidos pela Folha afirmam haver um monopólio informal.
Construtoras que participam do programa são obrigadas a contratar um seguro para garantir a entrega das moradias, caso as próprias empreiteiras não cumpram o prometido.Duas seguradoras, Caixa Seguros e J Malucelli, dominam o mercado até o momento. A Fenae Corretora é quem faz a intermediação entre construtoras e seguradoras.
Em julho, Caixa Seguros, J Malucelli e Fenae divulgaram comunicado ao setor financeiro anunciando um acordo "para explorarem juntas esse mercado". À Folha, o setor de relações com investidores da J Malucelli confirmou que quase a totalidade dos seguros é negociada, até agora, pela parceria das três empresas.
A Caixa diz que quaisquer seguradoras e corretoras podem participar e o mercado é livre. A Fenae afirma ser uma das mais experientes da área.
O Minha Casa, Minha Vida -que é uma das principais bandeiras da pré-campanha da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) ao Planalto- promete investir R$ 34 bilhões na construção de um milhão de casas populares. O valor a ser segurado é de 10% de cada obra.Isso representaria um prêmio de cerca de R$ 40 milhões para as seguradoras que atuarem nesse nicho -considerando uma taxa conservadora de gratificação de menos de 1,5% sobre o valor total segurado.
A comissão a ser recebida pelos corretores de seguro, segundo documento da própria J Malucelli, chega a 10% do prêmio recebido pelas seguradoras (o que representaria um total de R$ 4 milhões para a Fenae, caso seja a única a explorar o mercado).
Em pouco mais de três meses, mais de R$ 4 bilhões em financiamentos da Caixa para o Minha Casa foram garantidos pela J Malucelli, segundo a própria empresa. Alexandre Malucelli, vice-presidente da J Malucelli Seguros, diz que a Fenae "é a corretora cativa da Caixa Seguros" e que por isso foi escolhida para a parceria.
"O seguro-garantia é complexo e a Caixa tem o direito de indicar a seguradora de sua confiança. O que combatemos é o abuso, a imposição de representantes", diz André Dabus, coordenador de Crédito e Garantia do Sincor-SP (sindicato dos corretores). "Os corretores entendem que banco é banco, corretora é corretora. Monopólio não é sadio. Esperamos que a Caixa não fique na contramão da história."
Doações
A Fenae Corretora é ligada à Fenae (Federação Nacional das Associações de Pessoal da Caixa Econômica Federal), entidade associada à CUT (Central Única dos Trabalhadores). Pedro Beneduzzi Leite preside tanto a corretora como a entidade sindical.
Filiado ao PT desde 1990 e com carreira no Paraná, ele já foi doador de campanha do presidente do PT, Ricardo Berzoini (R$ 4 mil em 2006), e da mulher do ministro Paulo Bernardo (Planejamento), Gleisi Hoffmann, a quem destinou R$ 4 mil em 2008, quando ela disputou a Prefeitura de Curitiba.
Alexandre Monteiro, diretor-executivo da Fenae Corretora, é doador de campanha de Ricardo Berzoini (R$ 9 mil) e de Geraldo Magela (R$ 1,5 mil).
Já Fernando Ferraz Rêgo Neiva, presidente e membro efetivo do conselho fiscal, foi candidato pelo PT-MG a deputado federal em 2006.
Congresso protela votação sobre Zelaya
Presidente do Legislativo de Honduras afirma que não há prazo para debater restituição
TEGUCIGALPA. Enquanto candidatos às eleições presidenciais tomavam as ruas de Tegucigalpa, deputados aliados de Manuel Zelaya intensificaram a pressão para que o Congresso hondurenho convoque uma sessão extraordinária para debater o mais breve possível a restituição do presidente deposto, ameaçando iniciar uma greve de fome. O governo interino, no entanto, resiste à medida, principal ponto do acordo para pôr fim à crise política no país. Ontem, o presidente do Congresso, José Alfredo Saavedra, disse apenas ter recebido os termos do acordo, mas ressaltou não haver data prevista para o debate.
Como parte do acordo, ontem era esperada a chegada dos representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA) na Comissão de Verificação, que acompanhará a implantação do acordo: o ex-presidente chileno Ricardo Lagos e a secretária do Trabalho dos EUA, Hilda Solis.
Além deles, participam da comissão os hondurenhos Arturo Corrales, pelo lado de Micheletti, e o embaixador de Honduras na ONU, Jorge Arturo Reina, representando Zelaya.
Sob pressão dos EUA, negociadores de Zelaya e do governo Roberto Micheletti, que assumiu após a destituição, chegaram a um acordo sexta-feira, deixando para o Congresso a decisão sobre a volta do presidente deposto ao poder. Zelaya afirma que, pelo acordo, deve voltar ao cargo no máximo na quinta-feira. Já o governo interino diz que o acordo prevê prazo apenas para a formação do governo de conciliação nacional, sem mencionar se Zelaya faria parte dele ou a data para votar a restituição.
Ontem, simpatizantes de Zelaya foram às ruas como forma de pressão, enquanto candidatos pareciam dar finalmente o impulso final à campanha para as eleições de 29 de novembro.
EUA suspendem proibição de vistos a hondurenhos Víctor Cubas, deputado da corrente do Partido Liberal que apoia Zelaya, disse que os deputados estão dispostos a iniciar hoje à tarde uma greve de fome se o debate no Congresso não for convocado. A questão é que o Congresso está em recesso.
Caso os legisladores não sejam convocados, os deputados zelayistas ameaçam marcar a sessão extraordinária recorrendo ao regulamento legislativo.
Zelaya pediu ontem que o Congresso aja com responsabilidade e “sem jogos sujos” Numa primeira consequência do acordo, o Consulado dos EUA voltou ontem a atender pedidos de vistos de Hondurenhos.
O serviço havia sido suspenso em 26 de agosto, como parte das sanções contra a deposição de Zelaya, em junho.
Ontem, o embaixador americano em Honduras, Hugo Llorens, negou que o secretário adjunto de Estado para o Continente Americano, Thomas Shannon, tenha se reunido separadamente com o principal candidato às eleições presidenciais, Porfirio “Pepe” Lobo, para negociar o respaldo do Partido Nacional a Zelaya.
Llorens negou ainda que os EUA tenham obrigado Zelaya a assinar o acordo, em troca de não levar o filho Héctor a julgamento por tráfico de drogas.
As duas informações haviam sido publicadas pelos jornais espanhóis “El País” e “La Vanguardia”.
— As informações são invenções maliciosas e nada têm a ver com a verdade — disse Llorens à imprensa hondurenha.
Shannon visitou o país na semana passada, conseguindo que as duas partes assinassem o acordo, após quatro meses de crise
Marcos Novaro: ¿Qué significó 1989 y la caída del muro para Argentina?*
En 1989 la historia argentina pareció de pronto alinearse con la del mundo. La hiperinflación que se desató durante ese año, coincidentemente con el derrumbe del muro de Berlín y el resquebrajamiento del modelo soviético, tuvo un rol decisivo en ello: empujó a una porción considerable de las elites dirigentes y de la opinión pública nacional a abrazar, de modo bastante inesperado, la fe en el mercado y en la globalización como únicas vías para recuperar el crecimiento económico, lograr la estabilidad y salvar al país del aislamiento y el atraso en que había ido cayendo. La sorpresa que ello provocó fue doble: primero, obedecía a que quienes adquirieron un protagonismo central en ese nuevo consenso y en empujar al país por el camino que parecía abrírsele hacia el futuro eran los mismos que hasta ese preciso momento más habían batallado contra la idea de que la democracia y el progreso social pudieran estar asociados, siquiera colateralmente, con el libre mercado; segundo, porque el giro que ellos realizaron y su coincidencia con el triunfo del capitalismo sobre el socialismo nivel global venía a desmentir una a esa altura ya larga tradición nacional de andar a contramano del mundo.
Desde sus orígenes, en verdad, Argentina se había caracterizado por ser un país sensible a los vientos que soplaban desde las naciones desarrolladas. Pero en el medio siglo previo a 1989 fue en reiteradas ocasiones incapaz de sacar provecho de ellos, de interpretarlos correctamente y adaptarse a tiempo a los incentivos y restricciones que creaban. Lo que en alguna medida puede atribuirse a la creencia de sus gobernantes, y de la sociedad en general, de ser “un caso aparte” y de estar llamados, no a seguir tendencias, sino a crearlas. Así, los generales que dieron el golpe del ´43, habían dado rienda suelta al neutralismo, justo cuando el Eje comenzaba a derrumbarse; y Perón insistió durante diez años con el tercerismo, esperando en cualquier momento estallara la tercera guerra mundial, mientras otros países de América Latina se alineaban con Estados Unidos y se beneficiaban de la acelerada expansión del comercio mundial en la posguerra.
Peor aún le fue a la Revolución Argentina, que pretendió emular el desarrollismo franquista justo cuando mayo del ´68 hacía trizas en todo el mundo las tradiciones de autoridad y moralidad que ese modelo necesitaba para funcionar, y al último Perón, que volvió al poder aupado en una ola de redención popular en el preciso momento en que la “primavera de los pueblos” se consumía en la región en una seguidilla de fracasos y la crisis del petróleo liquidaba cualquier posibilidad de satisfacer sus demandas, y sólo atinó en respuesta a legar una apenas contenida (y pronto feroz) puja distributiva y las recetas disciplinadoras de López Rega. Pero todavía habría que soportar el non plus ultra de la incomprensión y la inubicuidad, que fue el que ofreció el Proceso inaugurado en 1976: las dos premisas con que este régimen actuó frente a lo que entendía mandaba el escenario internacional nos legarían sendos dramas nacionales, que aún nos acompañan y nos distinguen en el concierto de las naciones. En primer lugar, bajo el supuesto de que las preocupaciones por los derechos humanos no eran más que expresión de una ola de “mala conciencia liberal” post Vietnam, o peor aún, prueba de la infiltración comunista en el Departamento de Estado, ignoró todas las señales en cuanto a que el país se estaba volviendo un leading case en la violación sistemática de los valores que Occidente ahora enarbolaba, precisamente, para combatir con mejores chances que en el sudeste asiático al comunismo.
En segundo lugar, convencido de que la abundancia de dinero a bajas tasas continuaría indefinidamente, se endeudó sin ton ni son para financiar políticas que perseguían la ambiciosa meta de emular al mismo tiempo al desarrollismo de los militares brasileños, fomentando carísimas inversiones en sectores básicos de la economía, privadas y públicas, y a sus ortodoxos pares chilenos, operando un ajuste estructural de la economía que eliminara de raíz la inflación.
Entre 1979 y 1981, en medio del clima de delirio que acompañó el colapso de esas políticas, cuando las tasas de interés internacionales rompían todos los records, la CIDH y Carter condenaban al terrorismo de estado, y buena parte de la sociedad se consideraba traicionada en su buena fe y sus esfuerzos por integrarse a un mundo que les daba la espalda, lo más granado de la dirigencia (no sólo la militar) no tuvo mejor idea que hacerse eco de esos sentimientos de ofendido nacionalismo, y proclamar que si los extranjeros no comprendían a la Argentina sería “peor para ellos” (con esa frase se cerró una recordada publicación empresaria de aquellos años).
Antes de que Galtieri pergeñara su aventura malvinera, ya estaba suficientemente abonado el terreno para una confrontación a toda orquesta entre la Argentina y el mundo.
Deuda y desaparecidos fueron los dos peores legados que recibió la democracia argentina. Y hay que decir que al menos eso sirvió para que sus dirigentes y la opinión pública fueran comprendiendo que desde entonces el país necesitaría más del mundo de lo que éste necesitaba de un “modelo” argentino. Alfonsín no tardó en entender lo que ello implicaba, y desde 1985 buscó por todos los medios adaptar su proyecto democratizador a las tendencias modernizadoras y aperturistas que estaban avanzando en el mundo, inspirándose para ello en lo que hacía la socialdemocracia española. Sólo que no encontró mucho eco en los grupos de interés, ni en la oposición, ni siquiera en su propio partido. Todavía era fuerte la creencia de que la autarquía era la solución para los problemas nacionales, que era preferible una buena pelea con el Fondo y Estados Unidos que cualquier arreglo y que la Argentina no arrastraba problemas estructurales irresueltos, sino que, fruto de designios extraños, había sido sometida a malas políticas que artificialmente la habían empobrecido. Debería todavía atravesarse el calvario de la hiperinflación para que esas ideas terminaran de debilitarse, y madurara en su lugar un nuevo consenso. Que había venido forjándose, incluso entre los sindicalistas y políticos peronistas, al calor de los sucesivos fracasos de una economía regulada, cerrada e inflacionaria. Pero que encontró un decisivo respaldo en la simultaneidad con los sucesos que tenían lugar en el bloque soviético.
Nunca una crisis nacional fue tan oportuna como entonces, ni un liderazgo emergente estuvo tan bien provisto, en términos de sus dotes de ubicuidad y adaptabilidad, para sacar provecho de la situación resultante. Con lo bueno y lo malo que podía resultar de ello. Porque si la caída del muro pudo ser leída en el escenario local como la prueba que faltaba sobre los males del estatismo, las economías autárquicas y las trabas a la iniciativa privada, también conllevó la asunción, desde una perspectiva que por momentos adquirió visos de fanatismo ideológico (apenas velado por el discurso del fin de las ideologías), de que “pobres habría siempre”, que el mercado consistía, antes que en instituciones reguladas que aseguraran la competencia, en que el grande se comiera al chico, y que la democracia debía liquidar todo impedimento a que los económicamente exitosos impusieran sus fines y modos de actuar al resto de la sociedad. Con lo que se terminó tirando con el agua sucia del intervensionismo heredado, la misma posibilidad de identificar y defender intereses públicos.
Esta nueva versión del “exceso” y la “particularidad” argentinas bien puede entenderse como fruto de una continuidad dentro del cambio. Porque lo cierto es que si nuestro país lograría presentarse desde 1989 como modelo ejemplar de las reformas de mercado y la modernización capitalista, sería no sólo porque estaba dispuesto a adaptarse a las tendencias imperantes en el mundo, sino a que al hacerlo creía reencontrarse con su “misión histórica”: ser un caso aparte, que gracias a sus exclusivas dotes, y las aun más exclusivas de sus líderes, podría saltearse etapas, abstenerse de replicar el esforzado camino de otras naciones, que habían invertido años y cuantiosos recursos en crear instituciones y bases sólidas para sus economías, e irrumpir rutilante y sorpresivamente en el Primer Mundo. La oferta que hizo en este sentido Carlos Menem resultó demasiado tentadora para ser rechazada, y durante años veló el buen juicio de empresarios, sindicalistas y políticos, tanto peronistas como liberales. Con las consecuencias por todos conocidas.
* Publicado en La Nación, 1 de Noviembre de 2009