sexta-feira, 24 de maio de 2019

Opinião do dia: Zygmunt Bauman*

Embora o mal em si – objeto de nossa investigação – possa ser visto como companheiro permanente e inalienável da condição humana, seus modos e formas de operação, particularmente em sua atual encarnação liquefeita, fenômenos novos; merecem um tratamento distinto, no qual, precisamente, sua novidade seja colocada no centro das atenções. É da natureza de todos os líquidos serem incapazes de manter por muito tempo qualquer um de seus aspectos e formas sucessivamente adotados. Os líquidos estão perpetuamente in statu nascendi – sempre “se tornando”, sem adquirir alguma forma consumada: uma qualidade percebida por Heráclito, mais de dois milênios atrás, ao observar que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, como constatou Platão no diálogo Crátilo. O que se deve – e urge – fazer quando se pretende representá-lo da forma mais ampla possível é descobrir as nascentes do rio e seus mais volumosos tributários, traçar a trajetória do seu leito(ou, se surgir necessidade, suas múltiplas trajetórias – coexistentes ou alternadas) e mapeá-la (mesmo estando alerta para o fato de que aquilo que se pode alcançar, em ultima instância, é mais da natureza de um instantâneo que uma imagem conclusiva e permanente do fenômeno em questão.

*Zygmunt Bauman (1925- 2017) foi um sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. ‘Mal líquido’, pp.7-8, Editora Zahar, 2019

César Felício: Todos os populismos se parecem

- Valor Econômico

O modo de fazer política de Bolsonaro e Cristina

O presidente Jair Bolsonaro está muito preocupado, a julgar por suas palavras, com a possibilidade de a ex-presidente Cristina Kirchner ser protagonista nas eleições da Argentina e dar as cartas no próximo governo. Para quem viveu o governo de Cristina, é irresistível estabelecer o paralelismo entre o atual chefe de Estado brasileiro e a atual senadora argentina.

O exercício é possível, separando-se, desde o início, o que os distancia. O regime militar provoca uma repulsa unânime na sociedade argentina, tornando-se impensável o aparecimento de qualquer força política que se proponha a fazer o resgate da memória da ditadura, por mais conservadora que seja. Bolsonaro exalta o período autoritário. Cristina alinhava-se taticamente ao governo venezuelano no cenário internacional e mantinha relações glaciais com os Estados Unidos. O presidente brasileiro é um cabo eleitoral de Trump. Na política econômica o governo Bolsonaro também em nada se assemelha ao kirchnerismo, ao menos por ora. Afora algumas declarações polêmicas e gestos não houve desvio de curso do liberalismo de Paulo Guedes para o dirigismo divorciado do bom senso que existiu na Argentina. Ao contrário de Bolsonaro, por outro lado, Cristina nunca cortou recursos da área social.

No resto, há muita semelhança.
No tempo de Cristina a polarização política levou à sociedade argentina a uma situação de quase ruptura. Era o que se chamava à época de "la grieta" (fenda, fissura, rachadura) que tornava a convivência civilizada impossível nas redações, nas universidades, nos ambientes de trabalho e mesmo nas famílias.

Cristina tinha o seu guru de além-mar. Ela se inspirava em um cientista político que morava no exterior, um estudioso do populismo, Ernesto Laclau (1935-2014). Autor do livro "La Razón Populista", Laclau via a atividade política como o exercício de uma guerra, em que a confrontação permanente é a pedra angular. Era a partir da identificação e da denúncia de inimigos do povo que líderes carismáticos, como Cristina, conseguiam forjar alianças e consolidar o poder.

Em tempos que antecederam a fúria das redes sociais, Cristina declarou guerra ao principal veículo de mídia do país. Convocava redes nacionais de TV e rádio para vituperar contra a "cadeia nacional do ódio e do desânimo". Seus aliados colocavam cartazes nas ruas com a foto dos jornalistas "inimigos", para que a população pudesse identificá-los e agredi-los quando fossem encontrados.

*José de Souza Martins: Liberdade para o capitall

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Os impasses que estamos vivendo, quanto à Previdência Social e a outras "onerações" que bloqueiam a racionalidade da livre circulação do capital, nos vêm de longe. Faz tempo que empresas, no mundo inteiro, esperneiam para remover os supostos entraves que o trabalho e o trabalhador representariam à reprodução ampliada do capital. Mas o trabalhador é comprador e consumidor. É o único ser dos dois lados do processo do capital. Mata quando é morto economicamente.

Empresas querem outras remoções: a liberação das terras das populações indígenas, a supressão das salvaguardas de proteção do ambiente, o confisco das terras de posseiros, de quilombolas e sobretudo a destruição de seus legítimos e justos modos de produção, de onde vem parte de nossa comida. É a marginalização dos que, até aqui, tem carregado nas costas o desenvolvimento econômico brasileiro, o que inclui os que, ainda crianças, começaram a trabalhar na roça e na fábrica e descobrem-se agora seres humanos invisíveis ao direito.

Copiar experiências de outros países tem preço, nem sempre resolve problemas. Antes os multiplica. Coisa de gente que não tem originalidade onde ela é mais necessária. Aqui, o capitalismo da cópia é apenas caricatura. É que, antropologicamente, vemos o que os outros não veem; sabemos o que eles não sabem. Ainda que no âmago do processo histórico brasileiro esteja nossa historicidade diferente, a do nosso protagonismo alienado e precário, de colonizados.

Claro que nisso está também nosso capitalismo de grandes potencialidades que não se realizam por insuficiência de talentos empresariais, por excesso de amadorismo. E pelas limitações de gestão pública na administração das condições da riqueza, de sua multiplicação e de sua distribuição social. Principalmente, por um afã de lucro incapaz de reconhecer que o fundamento do lucro capitalista é a capacidade de compreender e administrar com justiça as circunstâncias, as possibilidades e as irracionalidades do capital. Aliás, precisamos da volta de um empresariado criativo, que ocupe o lugar do empresariado cúmplice das voracidades de poder e riqueza.

Maria Cristina Fernandes: Bomba do 03 foge ao protocolo

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Em outubro de 2009, num seminário sobre a revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), um diplomata belga citou a defesa da bomba atômica brasileira, feita pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, como escada para a tese de que a vocação pacifista do Brasil ainda não gozava da confiança da comunidade internacional. Indignou diplomatas brasileiros presentes com a pressão, repudiada como indevida.

Dez anos depois, o deputado que provocou a altercação tornou-se presidente da República e não tocou mais no assunto. Mas Eduardo Bolsonaro, deputado federal mais votado do país e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, voltou ao tema em palestra na Escola Superior de Guerra.

"Se tivéssemos [a bomba], talvez fôssemos mais temidos pelo [Nicolás] Maduro, pela China ou pela Rússia. São bombas nucleares que garantem a paz", concluiu o filho 03, dizendo que o tema havia saído de pauta mas poderia voltar. "Terrorista e ditador sanguinário só respeitam a força."

Militares receberam a declaração como uma gota a mais no pote até aqui de asneiras da prole bolsonarista. E diplomatas, como uma ingerência a mais de um deputado que aposta em sobreviver ao pai como liderança da direita no continente. O que ninguém entendeu é como um parlamentar tão alinhado com os Estados Unidos, que têm a inexistência de outra potência nuclear no continente como cláusula pétrea de sua diplomacia, sustentou tamanha aleivosia.

Eduardo nunca escondeu seus vínculos com radicais da direita internacional, como o ex-marqueteiro de Donald Trump Steve Bannon. Mas tem acesso ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, e ao vice-primeiro ministro italiano, Matteo Salvini, que já o receberam em seu gabinete, além do presidente americano, de cujo encontro com o pai na Casa Branca, foi a única testemunha.

Como tudo no governo Bolsonaro, a reprise do enredo da bomba tem sinais trocados. Acontece num momento de renovada pressão para que o Brasil assine o protocolo adicional do TNP. Quando foi estabelecido, há 50 anos, o tratado veio assentado num tripé: a não proliferação de armas nucleares, a cooperação pacífica para a transferência de tecnologia nuclear para fins pacíficos e a destruição das armas existentes. Os dois últimos ficaram no papel e o primeiro é um copo meio cheio ou meio vazio, dependendo do gosto do freguês.

Quando o TNP foi assinado, eram cinco os países detentores da bomba (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França). Hoje são nove (mais Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel), argumentam os críticos, mas poderiam ser 21, retrucam os mais moderados.

Claudia Safatle: Manifestação é decisão insensata

- Valor Econômico

"A conjuntura piora em uma velocidade enorme", diz Delfim

Domingo, dia 26, data marcada para manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e às reformas, será um ponto de inflexão nos rumos do governo e, consequentemente, do país. Se a convocação for muito bem-sucedida, com comparecimento maciço, Bolsonaro tenderá a achar que as forças da rua poderão viabilizar restrições à democracia ou até mesmo o fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Se ele der qualquer passo nessa direção, produzirá uma crise institucional que provavelmente desaguará em um processo de "impeachment" e o país terá uma nova eleição. Se, ao contrário, for fraca, ele virará a rainha da Inglaterra. Ficará isolado e haverá uma reorganização interna do governo.

"Foi uma decisão insensata", avalia o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto, ao considerar as duas hipóteses acima. "Já vimos duas dessas provocações darem com os burros n'água. A do Jânio Quadros e a do Collor." Delfim diz que sua intuição é de que a manifestação será "murcha".

Nesse caso, Bolsonaro terá que se render à ideia de que fazer uma política republicana de divisão do poder com os partidos não significa participar da corrupção.

Quando o partido do mandatário não tem maioria, o entendimento, em qualquer república democrática, é de que um conjunto de partidos vai se unir e dividir o poder. O Centrão, grupo informal de partidos composto por DEM, PRB, PP, PR, PTB, MDB e SD, nesse sentido, está exercendo o legítimo direito de participar do governo se o governo assim o quiser, considera o ex-ministro.

Na Alemanha, Angela Merkel, da União Democrática Cristã (CDU) fez acordo com o Partido Social-Democrata (SPD), da oposição, para quem destinou uma cota relevante de ministérios. Não se tem notícia de que isso implicou tolerância com a corrupção, cita.

A opção de Bolsonaro, no entanto, tem sido pelo confronto. Há dúvida se isso decorre de ignorância ou se são movimentos táticos que obedecem a uma estratégia. O ex-presidente José Sarney disse, em entrevista ao "Correio Braziliense", no domingo, que "Bolsonaro está colocando todas as suas cartas na ameaça do caos". Delfim acredita que "é um misto das duas coisas, fruto da incompreensão de como funciona o exercício da política na democracia". Ele alerta: "Se alguém tiver a ilusão de que vai poder violar os dispositivos da Constituição de 1988, terá uma grande surpresa".

Mercados reavaliam disputa EUA-China e voltam a cair: Editorial / Valor Econômico

Os mercados americanos voltaram a um período de quedas, depois de um terrível dezembro de perdas e de recuperação significativa no ano. Os investidores neste período acreditaram que os Estados Unidos e a China chegariam a um acordo para encerrar a guerra de tarifas e julgaram estar certos diante do otimismo de Trump ao adiar o prazo inicial (março) para um entendimento. O presidente americano mudou de ideia e aumentou de 10% para 25% as tarifas sobre US$ 200 bilhões em importações provenientes da China. As retaliações americanas, porém, mudaram de qualidade após Trump proibir empresas americanas de negociar sem autorização oficial com a Huawei, a gigante de equipamentos e celulares que tem papel global na implantação da tecnologia 5G. A Hikvision, de equipamentos de vigilância, deve ser o novo alvo. As empresas de tecnologia puxaram as baixas, ao lado das ações de energia, com a queda de 5% da cotação do petróleo tipo Brent.

Pode estar em curso uma reavaliação dos preços dos ativos diante de um agravamento das relações EUA-China e também da frustração da perspectiva, antes segura, de que o Federal Reserve reduziria a taxa de juros a curto prazo. Os mercados colocam ambas no contexto de uma desaceleração global que já estava a caminho e que tende a se aprofundar se as duas maiores economias do mundo continuarem a adotar medidas protecionistas.

O norte da bússola do Fed tem oscilado bastante nos últimos meses. As preocupações com a desaceleração global e com a guerra tarifária de Trump exerceram um papel importante para a interrupção do ciclo de aperto monetário em dezembro e nos sinais de paciência emitidos ao longo do primeiro trimestre pelo presidente do Fed, Jerome Powell. As atas da reunião de maio indicaram nova mudança de ênfase, e a desaceleração global e guerra tarifária mal aparecem no radar do banco.

*Luciano Huck: Ouvindo o outro lado

- O Estado de S.Paulo

Em menos de 40 anos a Coreia do Sul tornou-se um país desenvolvido investindo em educação

Pense num país tomado pela corrupção, com parte da população vivendo em favelas, baixos índices de desenvolvimento humano e de educação, sem compromisso com a sustentabilidade, refém da violência urbana e do subdesenvolvido. Errou quem pensou no Brasil. Estamos falando da Coreia do Sul.

Na década de 1980, porém, enquanto por aqui o Chacrinha balançava a pança e animava as massas, do outro lado do planeta começava uma verdadeira revolução silenciosa. Em menos de 40 anos a Coreia do Sul transformou-se numa democracia pujante e num país desenvolvido. Erradicou a pobreza, reduziu os abismos de desigualdades, criou oportunidades, virou sinônimo de inovação e vanguarda tecnológica, reconstruiu seu patrimônio histórico, galgou o topo das listas de desenvolvimento humano, ganhou voz na geopolítica global e, de quebra, fez jovens de todo o planeta se encantarem com a sua música, o K-pop. Como? Simples... Fazendo da educação prioridade de Estado.

Por total obra do destino, eu estava em Seul exatamente na semana em que o Brasil saiu às ruas para protestar contra os cortes dos investimentos em educação. Inspirado pela curiosidade, e no contexto da caminhada a que me propus, em que aprender é mais importante do que ter certezas, resolvi mergulhar no sistema público de ensino sul-coreano, visitar escolas, conversar com alunos, ouvir professores e dialogar com autoridades. Foi inspirador.

No Brasil, quando o tema são políticas públicas, para qualquer direção que olharmos existem demandas e necessidades de enorme complexidade. Na educação, porém, não precisamos reinventar a roda.

Elena Landau*: Adeus às ilusões

- O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro só tem sido fiel à agenda conservadora

Previdência e previdência. De fato, uma condição extremamente necessária, mas não suficiente para retomada de crescimento sustentável. Se a reforma passa, abre-se um caminho, expectativas melhoram e o ambiente pode desanuviar. Mas se não passa, não há plano B possível.

Tremenda aposta arriscada dada a inabilidade e a falta de apetite do presidente em negociar com o Congresso, o fraquíssimo ministro da Casa Civil e a ausência de base governista. Bolsonaro foi eleito com legitimidade para mudar muito mais que as regras da aposentadoria. Na campanha, vendeu a imagem de um presidente que iria impor um programa liberal na economia e delegou a tarefa ao seu Posto Ipiranga. Acreditou quem quis.

O presidente só tem sido fiel à agenda conservadora, usando seu poder até para editar decretos inconstitucionais, como o de porte de armas. Se estivesse de fato convencido da importância de reformas liberais, teria mostrado o mesmo empenho com que vem impondo o retrocesso nos costumes. Mas, como previsto, ele não deixou para trás sua vocação intervencionista e nacionalista.

A fixação na Previdência não é apenas uma estratégia política equivocada, é também um erro na condução da política econômica que ficou nesse samba de uma nota só.

Celso Ming: Arrecadação maior do que a da reforma

- O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro deixou escapar mais uma ideia estapafúrdia. Quer arrecadar mais de R$ 1 trilhão, mais do que o ministro Paulo Guedes pretende arrancar com a reforma da Previdência em dez anos, com um esquema que implique reavaliação a mercado do patrimônio declarado no Imposto de Renda.

O capitão ainda procurou mostrar prudência a respeito do assunto, porque pediu que a Receita Federal estudasse o tema “com muito cuidado”. Mas não escondeu o entusiasmo: “Com certeza, será aprovado por unanimidade nas duas Casas do Congresso”...

Embora queira aumentar arrecadação, explica ele com estranha inocência (ou desconhecimento), não se trata de aumento de imposto, apenas de antecipação. Faltam pormenores sobre a proposta. Não se sabe quem teria assoprado essa esquisitice ao presidente. Uma das confusões consiste em pretender que valorização de patrimônio equivalha a aumento de renda e, portanto, constitua fato gerador de imposto.

Nessa toada, o proprietário acabaria por ter de vender seu pedaço de terra de um dia para outro para antecipar o recolhimento de um imposto futuro que, nesse caso, não iria acontecer porque a propriedade teria sido vendida antes de o futuro chegar. E se o imóvel não for vendido, como descontar a antecipação cobrada desse jeito?

Mesmo considerando a viabilidade da proposta e ainda se tratando de um imóvel, que critério usar para definir o valor atualizado de mercado? Será preciso recorrer a avaliadores profissionais? E as dívidas serão atualizáveis e dedutíveis do patrimônio positivo?

Imagine-se agora que se trate de semoventes, bois, cavalos, cabras. Outra vez, que critério de avaliação adotar? O do boi gordo ou o do boi magro? Quem vai fiscalizar a procedência da avaliação transmitida à declaração?

Soluções polonesas contra os não liberais na Europa

Partidos liberais deixam divergências de lado, se unem para fazer frente ao governo conservador e oferecem uma esperança

Karolina Wigura e Jaroslaw Kuisz / The New York Times, O Estado de S.Paulo

Hoje, muitos consideram a Polônia uma advertência para a Europa: um país afastando-se rapidamente da democracia liberal. O partido Lei e Justiça, que governa há quatro anos, representa algumas das tendências mais preocupantes encontradas na Europa.

É verdade que a democracia sofreu sob o domínio do Lei e Justiça. Mas há outra história sobre a Polônia que precisa ser contada, uma sobre como os liberais estão aprendendo a lutar pela democracia. Não há garantia de que o Lei e Justiça será derrotado, mas a mudança está acontecendo.

As eleições europeias estão sendo vistas como um teste decisivo para a onda não liberal na Europa. Se o Lei e Justiça e seus aliados em todo o continente tiverem bom desempenho, muitas pessoas acreditam que isso mudará a face da União Europeia e ajudará outros partidos não liberais nas próximas eleições nacionais.

É por isso que é importante procurar lições na Polônia. E, numa época em que a extrema direita forma alianças e compartilha mensagens, estratégias e táticas, os democratas também deveriam aprender uns com os outros.

Presidencialismo esvaziado: Editorial / O Estado de S. Paulo

Quando um presidente da República fala, costuma-se prestar atenção. Afinal, é de sua autoridade política e institucional que emanam decisões de impacto em todo o país, nos diferentes setores da sociedade. No caso do presidente Jair Bolsonaro, contudo, suas falas desencontradas e seus discursos desconexos têm tornado incompreensíveis suas intenções e seus planos, mesmo para aqueles que estão em seu entorno e cujo trabalho é auxiliá-lo. Bolsonaro começa a se tornar um presidente cuja palavra não é levada em conta, já que não é possível ter certeza se ele mesmo sabe do que está falando.

O resultado disso, aliado ao fato de que Bolsonaro negligenciou a formação de uma base parlamentar sólida, é que o Congresso já está atuando há algum tempo como se vigorasse no Brasil algo assemelhado a um sistema parlamentarista, isto é, como se o presidente não existisse ou fosse figura meramente decorativa, cabendo aos congressistas elaborar e aprovar a agenda nacional.

Nessa espécie de “parlamentarismo branco”, as lideranças da Câmara, por exemplo, articulam-se para conceber uma proposta de reforma da Previdência própria, diferente da que foi encaminhada pelo governo. Além disso, começou a tramitar uma proposta de reforma tributária igualmente patrocinada pelos deputados, sem participação do governo. No Senado, uma reunião de líderes de bancadas na quarta-feira passada concluiu que o governo está sem rumo e que é necessário construir uma agenda própria, especialmente em relação a temas econômicos.

É evidente que uma situação como essa é estranha, pois o sistema brasileiro é presidencialista e o País não pode depender exclusivamente dos humores de alguns líderes do Congresso que, por ora, são a favor das reformas.

*Claudia Costin: Democracia sob ataque

- Folha de S.Paulo

Políticas públicas decorrentes do populismo não resolvem problemas da população

Em livro recente lançado no Brasil, “O Povo contra a Democracia”, o cientista político alemão Yascha Mounk analisa o crescimento, em escala mundial, de uma ultradireita populista, associado à descrença nas instituições da democracia liberal.

Parece que não fazem mais sentido, para parte da população, valores como separação de Poderes, direitos de minorias ou acordos internacionais que limitem a ação do Estado.

Para Mounk, os dois termos, democracia e liberal, devem ser entendidos separadamente.

A democracia trata da ideia de que o povo governa, enquanto o adjetivo liberal, que o qualifica, remete ao respeito aos direitos das minorias e à consideração do que demanda ação concertada de nações para proteger futuras gerações.

Assim, de acordo com ele, podem existir democracias não liberais, em que o desejo da maioria tem condições de contrariar direitos de grupos étnicos ou sociais, como também liberalismo sem democracia, situação em que interesses fragmentários, inclusive o de elites, têm canais de expressão, o que não ocorre com os da maior parte da população.

O mal-estar atual ocorre devido à percepção, motivada ou não por líderes políticos, de que a ordem internacional instalada, as mudanças nos costumes ou a proteção oferecida a refugiados trazem uma ameaça às pessoas “de bem”.

Reinaldo Azevedo: Qual é o tamanho do exército golpista?

- Folha de S. Paulo

Não é preciso esforço para ver as digitais do presidente na convocatória dos protestos

Há apenas um aspecto positivo nas manifestações marcadas para este domingo. Vai dar para saber o tamanho do exército de Bolsonaro para dar continuidade ao trabalho de assalto às instituições, que começou, a rigor, ainda antes da posse, quando Sergio Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça. A vaidade do doutor vendeu a pauta da moralidade, já eivada por agressões à ordem legal, ao consórcio de extremistas que se alinhou com o presidente.

Setores da imprensa passaram a operar no "modo negação", fazendo um esforço danado para tentar dar uma lavada na pauta: "Ah, agora os manifestantes vão defender a reforma da Previdência e o pacote anticrime de Moro (sempre ele...)". Papo-furado! O que anima as convocações é a pregação para fechar o Congresso e o Supremo.

Imagens dos membros do tribunal e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ilustram os ataques mais estúpidos à ordem legal e às instituições. Acho particularmente encantadora a turma que prega a aplicação do artigo 142 da Constituição —que, salvo engano, está em aplicação. Explico.

Vinicius Torres Freire: O aumento de imposto de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Sem saber o que fazia, Bolsonaro anunciou com orgulho plano vago de tributar imóveis

Jair Bolsonaro não entendeu o que dizia quando afirmou ter um plano infalível para aumentar a receita do governo em mais de R$ 1 trilhão, sem aumentar impostos. Disse o que disse porque também não entendeu o que ouviu dentro de seu governo: há um projeto embrionário de aumentar impostos sim, mas que nem de longe renderia receita na casa do trilhão.

O imposto não deve render nem mesmo o que imaginam certas pessoas do governo, estimativa muito mais modesta que a do trilhão, mas ainda assim ambiciosa demais.

Pelo que vaza de modo confuso de algumas pessoas do governo, existe um plano de cobrar um imposto sobre a correção do valor de imóvel declarado à Receita Federal (na declaração de Imposto de Renda), atualização que é atualmente proibida. Quando se vende o imóvel, paga-se imposto sobre a valorização, sobre o ganho de capital, que em parte é apenas inflação, na verdade.

Havia um projeto do Senado que permitiria a atualização de valores e, assim, evitaria paulada maior no Imposto de Renda. Foi arquivado no ano passado.

Hélio Schwartsman: Pegos na mentira

- Folha de S. Paulo

Autoengrandecimento curricular não está restrito a políticos

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, mentiu no currículo. Disse que passou um período na Universidade Harvard, mas isso nunca passou de um plano jamais realizado. Witzel não está só. Da leva de políticos que ascendeu em tempos bolsonarianos, os ministros Damares Alves e Ricardo Salles também já foram apanhados turbinando o CV.

É coisa desse pessoal de direita!, acusará o leitor esquerdófilo. Infelizmente, não é tão simples. Dilma Rousseff e Celso Amorim, para citar apenas dois, também foram flagrados em momentos de autoengrandecimento curricular. O fenômeno não está restrito a políticos.

Levantamento da DNA Outplacement mostra que 75% dos currículos enviados aos RHs de 500 empresas no Brasil continham informações distorcidas. Os pontos sobre os quais os candidatos mais mentem são salário (48%) e fluência no inglês (41%). Escolaridade e títulos acadêmicos são deturpados por 10% dos profissionais.

Bruno Boghossian: Retaguarda garantida

- Folha de S. Paulo

Vontade de proteger militares fechou os olhos do tribunal

“A manutenção da prisão assumiria certamente contornos de prejulgamento. Estaríamos antecipando a pena. Estaríamos ferindo de morte a presunção de inocência.”

Se os versos fossem recitados por Gilmar Mendes, hordas iradas iriam às ruas para apedrejar o STF. A frase, porém, é do general Lúcio Góes, do Superior Tribunal Militar. Ele foi relator do julgamento que mandou soltar oficiais e praças que atiraram 257 vezes e mataram o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo.

Dez ministros disseram que não havia razão para manter os militaresem prisão preventiva. Outros três sugeriram que, soltos, eles deveriam sofrer restrições, como a proibição de participar de operações. A maioria achou que não era necessário.

O tribunal adotou a linha que preserva o direito do indivíduo de não ser punido antes da condenação. Mas a vontade de proteger a corporação era tão grande que alguns juízes fecharam os olhos para os fatos.

A única a votar pela manutenção da prisão foi a ministra Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, que é civil. Ela lembrou que os oficiais e praças mentiram inicialmente sobre o caso e que houve um “excesso claro e evidente”. “Com todo o respeito, desonraram a farda”, afirmou.

Reforma da fachada: Editorial / Folha de S. Paulo

Depois de tramitação difícil, MP que reorganiza ministérios passa na Câmara

Medidas provisórias para reorganizar a estrutura dos ministérios são providência corriqueira de presidentes que iniciam mandatos, e sua aprovação em geral não passa de mera formalidade. A norma do gênero editada por Jair Bolsonaro (PSL), desde sua origem, cercou-se de celeuma que exagerou sua importância política e administrativa.

Ainda na campanha eleitoral, a bandeira da redução do número de pastas na Esplanada havia proporcionado um discurso fácil —e enganoso— para quem, como Bolsonaro, prometia racionalizar a máquina do Estado e se diferenciar das perdulárias gestões petistas.

Nesse sentido, a MP 870, de 1º de janeiro, determinou um primeiro escalão com 22 ministros, sete a menos que os do governo Michel Temer (MDB), mas também sete acima do anunciado em 2018. De todo modo, a confortável distância do recorde de 39 atingido no primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Luiz Carlos Azedo: A política das redes sociais

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Os políticos que emergiram das redes sociais, inclusive presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional”

Foi-se a época em que a política era monopólio dos políticos, dos militares e dos diplomatas. Na política moderna, principalmente depois da II Guerra Mundial, passou a ser também o universo de atuação da burocracia e dos cidadãos, em razão da ampliação da presença do Estado na vida da sociedade e do surgimento de partidos de massas de caráter democrático. Eram esses os grandes atores da democracia representativa, que parecia consolidada após o fim da União Soviética e o colapso do chamado socialismo no Leste Europeu, até que a crise fiscal colocou em xeque as políticas social-democratas e social-liberais e os partidos políticos e a imprensa foram ultrapassados pelas redes sociais na formação da opinião pública.

O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário. O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão se modernizando mais rapidamente.

Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar partido dessa disputa.

Nelson Motta: O mito do Mito

- O Globo

‘Coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real. Coisa só possível por hipótese. Ficção”é a definição de “mito” do Aurélio.

“Um fato considerado inexplicável ou inconcebível, enigma. Uma crença geralmente desprovida de valor moral ou social, desenvolvida por membros de um grupo, que funciona como suporte para suas ideias ou posições. Ex. o mito da supremacia da raça branca.”, segundo o Michaelis.

E também “Afirmações fantasiosas, inverídicas, disseminadas com fins de dominação, difamatórias, propagandísticas, como guerra psicológica ou ideológica. Ex. O mito do comunista que come criancinhas.”

“Valor social ou moral questionável, porém decisivo para o comportamento dos grupos humanos em determinada época. Ex. O mito do negro de alma branca”, diz o Houaiss.

Ou eles não sabiam o que diziam quando inventaram um mito messiânico vitorioso ou Bolsonaro estás e revelando amais completa tradução do que dizem os dicionários. Pior para nós.

Nenhum mito resiste ao confronto coma realidade. Mitos não reclamam que o país é ingovernável por causa das corporações e dos partidos que só querem mamar. Mitos não fazem mimimi. Nem perdem 15 pontos de aprovação em três meses. Nem são derrotados em votações por seu próprio partido.

Sem ofensa, Bolsonaro pode ser tudo, até um bom presidente, tudo menos um mito. É imperativo linguístico e semântico, de significado. Foi uma ignorância que deu certo, ao menos nas eleições. Cansados de salvadores da pátria populistas e corruptos, os eleitores preferiram algo que não existia, um mito.

Mas o destino dos mitos é serem corroídos e desmitificados pelo tempo e a realidade. Grandes líderes não são mitos, são história e exemplo.

Para piorar, nosso Mito diz que dorme muito mal, quatro horas por noite, acorda várias vezes, tem um revólver na mesa de cabeceira. Como qualquer ser humano de 60 anos, deve se levantar exausto, de péssimo humor e sem cabeça e energia para enfrentar um país desabando.

O mito tem que dormir para o presidente acordar.

Míriam Leitão: A sociedade em movimento

- O Globo

Congresso, ONGs, e os próprios cidadãos se manifestam e colocam barreiras contra o que acham inaceitável 

A Câmara dos Deputados melhorou a proposta de reforma administrativa do governo. Anulou seu pior defeito que era a divisão da Funai e sua entrega às áreas erradas. Agora volta ao seu lugar original. Reverteu o esvaziamento da Finep. O retorno do Coaf ao Ministério da Economia não chega a ser um erro dos parlamentares. Afinal, por que considerar que com o ministro Paulo Guedes ele não desempenhará seu papel e com o ministro Sérgio Moro sim? É indiferente onde fique desde que tenha independência.

A sociedade se move. Nas democracias, é assim que funciona. O Executivo tem o direito de fazer suas propostas, como essa, de organização administrativa, e o Congresso influencia no resultado final. Às vezes piora, às vezes corrige. O governo faz as propostas de políticas públicas, mas os cidadãos se manifestam contra o que acham inaceitável. A pressão contra o contingenciamento na educação fez reverter uma parte dele. O grande problema continua a ser o setor à deriva, como se comprova a cada ida do ministro ao Congresso.

O desprezo pela questão ambiental e climática é enorme no atual governo, mas em depoimento na Câmara, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que lutará pelo Código Florestal. E explicou o motivo: “agora que voltei da viagem à Ásia, tive cada vez mais a certeza da necessidade de produzirmos de forma sustentável.” Ela disse que o código é importante para que o seu setor acesse os mercados externos. O mundo gira.

Merval Pereira: Simples e errada

- O Globo

São muitos os entraves para que se concretize ideia de taxa para permitir a atualização do valor dos imóveis no IR

O incipiente estudo da Receita Federal, revelado de maneira indireta pelo próprio presidente Bolsonaro, feliz pela possibilidade vislumbrada de arrecadar mais de 1 trilhão de reais, causou rebuliço na equipe econômica e no Congresso.

Pelo mesmo motivo: temor de que arrefeça o ânimo dos deputados e senadores para votar a reforma da Previdência, diante da perspectiva de uma entrada de dinheiro maciça nos cofres do governo. Provavelmente isso não vai acontecer.

São muitos os entraves para que a ideia mirabolante de criar uma taxa para permitir a atualização do valor dos imóveis na declaração do Imposto de Renda se concretize. Mas a proposta, que aparentemente é uma oportunidade para o governo conseguir uma arrecadação extra de impostos, não resolve os problemas estruturais da economia brasileira, como bem lembrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ecoando com mais liberdade o sentimento da equipe econômica.

A começar pelo ministro Paulo Guedes, que não foi informado dessa proposta, nem sabe quem a levou diretamente a Bolsonaro. Que, por sua vez, não consultou o seu Posto Ipiranga. Pela satisfação com que o presidente revelou parte de seu segredo aos parlamentares da bancada nordestina, estava convencido de que havia descoberto o pulo do gato.

Os proprietários pagariam menos imposto sobre a valorização de seus imóveis na hora da venda, e o governo ganharia uma arrecadação extra. Um jogo de ganha-ganha que ninguém acredita que exista. “Uma receita extraordinária não vai resolver o problema do déficit estrutural da Previdência, que é crescente”, definiu Rodrigo Maia.

Que voltou a defender a necessidade da reforma. “A gente precisa entender que arrecadação que acontece apenas uma vez não é alternativa à reforma da Previdência.”

Bernardo Mello Franco: A bancada da selfie perdeu e não viu

- O Globo

Os deputados do PSL não viram a última derrota do governo na Câmara. Estavam de olho no celular, onde faziam vídeos e selfies para seus eleitores

Os deputados do PSL não viram a última derrota do governo na Câmara. Estavam de olho no celular, onde faziam vídeos e selfies enquanto levavam outro baile do centrão.

As redes sociais ajudaram a eleger boa parte dos novatos no Congresso. Agora a devoção ao smartphone começa a cobrar seu preço. Obcecados pelos aparelhinhos, os parlamentares prestam pouca atenção no que acontece à sua volta. As consequências do vício puderam ser observadas na noite de quarta-feira.

A Câmara discutia a medida provisória que cortou ministérios e remanejou órgãos federais. O governo orientou sua tropa a manter o Coaf no Ministério da Justiça. Faltou dizer que a tarefa era convencer os colegas, e não a claque da internet.

Inspirados no presidente tuiteiro, os deputados do PSL passaram a sessão nas redes. Com o celular em punho, muitos pareciam falar sozinhos. Faziam transmissões ao vivo no Facebook, no Instagram e no YouTube. Nos intervalos, aproveitavam para compartilhar memes e correntes de WhatsApp.

Falando para seus seguidores, os governistas atacavam o Congresso e descreviam os adversários como defensores da corrupção. A pregação irritou até parlamentares que costumam votar com o Planalto. “Isso aqui não é um circo em que as pessoas pegam o celular para ficar transmitindo o que se passa”, protestou o líder do DEM, Elmar Nascimento.

Apoio ao Coaf precisa ser preservado: Editorial / O Globo

Espera-se que plano de fortalecimento da estrutura do conselho seja executado

A decisão da Câmara, ainda a ser submetida ao Senado, de devolver para o Ministério da Economia (ex-Fazenda) o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foi tomada depois de embates envolvendo interesses variados.

Sempre devido à subordinação que o organismo passou a ter ao ministro da Justiça e Segurança Público, ex-juiz Sergio Moro, da Operação Lava-Jato.

Há quem não perca a oportunidade de retaliar Moro pela prisão do ex-presidente Lula — condenação referendada por duas instâncias. Este grupo tem a liderança óbvia do PT.

Existe também o político que se sente desconfortável com o acesso direto de Moro a um instrumento poderoso para detectar lavanderias de dinheiro sujo e encontrar laranjais plantados para encobrir corruptos e/ou fugitivos do Erário.

A partir do conhecimento que acumulou, junto com procuradores em Curitiba no rastreamento de doleiros, antes mesmo da Lava-Jato, Moro pode ter assustado muita gente, ainda mais por também ter sob seu comando a Polícia Federal.

*Cristovam Buarque: Colapso do Colapso

- Blog do Noblat / Veja

Corte de verba para educação
Nos dias de hoje, há uma sensação se colapso no ar. Não apenas por causa de represas rompidas, ruas inundadas, prédios tombados, mas também pelo sentimento de desgoverno provocado por partidos desmiolados, corporações insanas, governo destrambelhado, judiciário esquizofrênico e ostentatório no meio da pobreza persistente, economia em resistente recessão, filas imensas de desempregados, feminicidios diários e muitos outros sintomas de caos. Mas este colapso é histórico, vem de séculos de uma sociedade sem liga.

Nascemos ocupando um território deste lado, mas olhando para o outro lado do Atlântico. Não fizemos escolas e ainda menos universidades até diversos seculos depois da ocupação. Avançamos destruindo índios e explorando negros. Tropeçamos há cinco seculos nas divisões de grupos, classes, raças, regiões, sem um projeto comum sem perspectiva para o futuro: sem coesão nem rumo. Progressamos colapsando como um edifício sem alicerce nem estrutura.

Ocupamos o território, mas não montamos as necessárias redes de ocupação eficiente; criamos um sistema escolar, inclusive universitário, mas não demos substância educacional; nos transformamos em uma das maiores economias do mundo, mas concentrando a renda social e, sem produtividade, não avançamos na renda per capita.

No meio deste colapso, o governo corta recursos para a universidade, provocando o desabamento do que foi realizado até aqui.

Ricardo Noblat: Bolsonaro em território hostil

- Blog do Noblat / Veja

Viagem arriscada
Do ponto de vista da segurança, sem problemas. Em sua primeira viagem ao Nordeste depois de empossado no cargo, o presidente Jair Bolsonaro usará aviões e helicóptero em todos os seus deslocamentos.

Manifestantes serão mantidos a longa distância dele. E as pessoas com as quais confraternizará no Recife e em Petrolina, cidade do sertão de Pernambuco, foram escolhidas a dedo. Não haverá surpresas.

Do ponto de vista político, aí o bicho poderá pegar. Começou a pegar desde anteontem quando Bolsonaro convidou os deputados federais do Nordeste para um café da manhã no Palácio do Planalto.

As duas fotos que ilustram este texto, de autoria de Orlando Brito, mostram Bolsonaro constrangido com o resultado e o vazio do salão que deveria ter acolhido quase 170 deputados. Compareceram apenas 47.

O Nordeste foi a única região do país onde Bolsonaro teve menos votos do que Fernando Haddad (PT) no segundo turno das eleições do ano passado. Todos os governadores eleitos ali fazem oposição ao seu governo.

Bolsonaro os encontrará, esta manhã, no Recife para anunciar medidas que beneficiarão o Nordeste. Os governadores querem a conclusão de todas as obras da região que estão paradas por falta de dinheiro.

Estão previstas manifestações contra Bolsonaro no Recife e em Petrolina, terra do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PMDB). Bolsonaro fora avisado de que receberia o título de cidadão de Petrolina.

Diante de pressões contrárias, a Câmara Municipal desistiu da ideia.

Dora Kramer: Com faca e sem queijo

- Revista Veja

A inépcia de Bolsonaro transfere o poder de fato para o Congresso

Numa coisa Jair Bolsonaro está coberto de razão: não tem os atributos necessários para exercer o cargo para o qual foi eleito. Não nasceu para ser presidente da República. Se, como diz, nasceu para ser militar, perdeu a chance de sair-se bem na vocação de origem quando foi afastado da carreira por indisciplina ainda na patente de capitão, mas essa é outra história que não nos interessa diretamente, embora também tenha a ver com inépcia.

É diante da inaptidão que estamos agora. Por causa dela já se pode detectar de modo algo dissimulado, mas nítido aos olhos mais treinados da República, um processo de transferência do poder de fato do Executivo para o Legislativo. Quanto mais tolices são cometidas a partir do Palácio do Planalto e adjacências, mais o Congresso vai assumindo as rédeas da coisa pública, aqui entendida como aquilo que afeta a vida do público.

O presidente, é óbvio, detém o poder de direito, e é prerrogativa exclusiva dele o acesso àqueles instrumentos chamados metaforicamente de “a caneta”. Mas, como os maneja mal, erode sua confiabilidade para o exercício do cargo, criando um vácuo que, como se sabe, na política é espaço que não fica vago. Donde o Parlamento vai se ocupando dele. No momento, de maneira mais acentuada, a Câmara e logo adiante com protagonismo a ser compartilhado com o Senado.

O destino de uma nação: Editorial / Revista Veja

A aprovação da reforma da Previdência pode desencadear o círculo virtuoso de que o país tanto precisa para voltar a crescer

Há momentos na história econômica de um país que são transformadores, que deixam seu legado de mudança por décadas. Há 25 anos, os leitores mais maduros de VEJA certamente se lembram, aconteceu a implantação do Plano Real. O Brasil vivia um caos econômico em que a renda da população, especialmente a dos mais pobres, era corroída sem dó pela inflação. Tal situação atrapalhava a vida financeira de empresas e pessoas. Com a criação da nova moeda, um outro patamar de desenvolvimento se estabeleceu.

Assim como o Plano Real, a reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro evidentemente não será uma panaceia para todos os males da nação. Mas sua aprovação, no menor espaço de tempo possível, pode desencadear o círculo virtuoso de que o país tanto precisa para voltar a crescer. Trata-se da sinalização que os empresários daqui e do exterior esperam para liberar investimentos congelados diante do atual cenário de incerteza. No futuro, poderemos olhar para trás e identificar este momento como um divisor de águas em nossa história

Pelo projeto em tramitação na Câmara, seria gerada uma economia de mais de 1 trilhão de reais em dez anos, ceifando privilégios de determinadas categorias, notadamente a elite do serviço público, e proporcionando folga ao caixa da União. Pai da economia moderna, Adam Smith produziu uma frase que define bem o acerto deste governo em reformar nossa Previdência atual: “É injusto que toda uma sociedade contribua para custear uma despesa cujo benefício vai apenas para uma parte dessa sociedade”.

Guedes diz que Constituição provocou gastos excessivos na área social

Por Thais Carrança e André Guilherme Vieira | Valor Econômico

SÃO PAULO - Em discurso a cerca de 30 empresários reunidos na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, cujo minuto inicial foi disponibilizado aos jornalistas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a Constituição Federal provocou gastos excessivos na área social e que a inclinação social-democrata adotada pelos últimos governo, “do ponto de vista técnico” se tornou obsoleta.

“Com a Constituição viemos a gastar mais na área social e passamos 30 anos investindo com uma ênfase maior na plataforma social-democrata, que é uma plataforma do ponto de vista técnico mais obsoleta”.

Na fala aos empresários, o ministro da Economia disse também que “o sistema de repartição, a legislação trabalhista, os impostos elevados” foram “um mal comum” que levou ao excesso de gastos pelo Estado brasileiro.

“São 40 anos de excessos de gastos públicos financiados pela reciclagem dos petro dólares do governo [militar de Ernesto] Geisel. O resultado foram crises cambiais recorrentes que até hoje cobram o preço. Foram quase US$ 400 bilhões em reservas para conter crises cambiais”, afirmou Guedes.

O ministro deixou a sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e evitou falar com a imprensa sob justificativa de estar atrasado para evento de posse do presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alfredo Cotait Neto.

*Monica De Bolle: Humanos direitos

-Época 

Poderia ter falado do Brasil de Bolsonaro, onde a resposta para todos os males é: fuzil.

Onde quer que homens e mulheres forem perseguidos por causa de sua raça, religião ou visão política, esse lugar deve, naquele exato momento, virar o centro do universo. (Elie Wiesel)

O gigante Elie Wiesel faleceu em 2016. Tive recentemente o imenso privilégio de ouvir palavras semelhantes ser proferidas pelo príncipe Zeid Ra’ad Al Hussein, da Jordânia. Al Hussein foi o alto comissário para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a ONU, até o ano passado. Foi ele quem proferiu o discurso de formatura para os mais de 400 alunos de mestrado e doutorado da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, na qual dirijo o programa de estudos latino-americanos e leciono.

O discurso foi emocionante ao destacar o momento que o mundo atravessa como único: jamais testemunhamos tantas violações dos direitos humanos sem que líderes internacionais levantem suas vozes e condenem as atrocidades, tornando esses lugares o centro do universo. O príncipe destacou as Filipinas de Rodrigo Duterte e a Hungria de Viktor Orbán em sua fala. Contudo, poderia ter falado da Turquia de Erdogan, da Rússia de Putin, da China de Xi Jinping.

O Brasil que temos hoje merece ser o centro do universo pelas razões wieselianas.

Da Declaração Universal dos Direitos do Homem — o homem como designação para o ser humano —, reproduzo abaixo os cinco primeiros artigos:

Artigo 1º: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Pensem nesse artigo quando forem dar aquela “lacrada” no Twitter — como eu odeio essa palavra — ou quando estiverem prestes a regurgitar qualquer dos impropérios da Bolsofamília.

Artigo 2º: “Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

Opinião política ou de outra natureza, sublinhem ou usem um marcador de texto para não esquecer. Se alguém resolver conclamar manifestação para impedir seu direito de ter a posição política que bem entender — por exemplo, no próximo domingo, dia 26 de maio —, lembre-se do que acaba de ler. É seu direito ser de esquerda, defender o comunismo, o socialismo, como também é seu direito ser de direita. Seu dever é compreender que a posição do outro é tão legítima quanto a sua. Porque, no dia em que a do outro não for respeitada, pode ter certeza de que a sua tampouco será.

Artigo 3º: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade, e à segurança pessoal”.

Entrevista / presidente da CNBB: ‘Estamos muito abertos a esse diálogo, a essa cooperação ’

- O Globo

Considerado um bispo centrista — embora a Igreja não aceite estas classificações — Dom Walmor Azevedo assumiu a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defendendo o diálogo, mas reafirmando compromissos históricos da entidade. Em entrevista ao GLOBO, ele criticou os cortes na Educação e as propostas do governo de ampliar o acesso da população às armas. Também afirmou que a Igreja brasileira prepara um guia para tentar prevenir casos de abusos e, principalmente, garantir celeridade nas investigações canônicas sobre denúncias.

• Quais os desafios de assumir a presidência da CNBB?

Vivemos um tempo de reconstrução, de estabelecimento de diálogos, e a Igreja tem uma grande tarefa porque está no coração do mundo para anunciar o reino de Deus. Ao faze risso, somos chamados a contribuir para que as pessoas escolham o que está no Evangelho: o bem, a verdade, a justiça e o amor maior.

• O bispo de Limeira, que renunciou após ser acusado de desvios e de acobertar casos de assédio sexual, participou da assembleia da CNBB neste mês. Não é um ponto de constrangimento?

Não considero constrangedor no sentido de nos amedrontar ou de nos enfraquecer, mas acho entristecedor. Exatamente porque, como diz o Papa Francisco, nós nos consagramos na vida religiosa para sermos servidores da vida, e não para machucá-la. E é por isso mesmo que o Papa Francisco fala, e nós aqui adotamos: tolerância zero.

• Nesse sentido, a saída do bispo é simbólica?

Este acontecimento está exatamente no horizonte do que diz o Papa Francisco de tolerância zero para questões que ferem a moral de qualquer um dos consagrados.

• Há uma reclamação de que as apurações de casos de abuso da Igreja são muito lentas.

Estamos buscando exatamente celeridade na execução e conclusão de um guia para a proteção de menores, a fim de que todos os bispos e igrejas tenham o caminho para fazer isso (apurar) com celeridade.

Carlos Drummond de Andrade: A Bruxa

A Emil Farhat

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse nesse minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e calma.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me,
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.

Chico Buarque: "Geni e o Zepelim