segunda-feira, 4 de maio de 2015

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

De fato, não há do que nos envergonharmos quanto às nossas marcas de origem, reinterpretadas no tempo da democratização do País pelo constituinte de 1988 com as instituições que nos deixou, às quais cabe agora exercer um importante papel saneador na vida republicana. Mas a sociedade tem de tomar o destino em suas mãos, que não lhe virá dos tribunais e de suas leituras hermenêuticas nem de elites ilustradas, como na nossa tradição. A crise atual é a sua oportunidade.

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Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio em artigo ‘As marcas de origem e a crise atual’. O Estado de S. Paulo, 3 de maio de 2015.

País regride em avanço do poder de compra

• Brasil fica atrás de outros emergentes no processo de evolução do poder aquisitivo, que equivale a 29,5% do americano

• Em 2014, nível de renda recuou ante americano; falta de reformas emperra o desenvolvimento

Érica Fraga – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Brasil voltou a ficar estagnado na sua trajetória rumo ao desenvolvimento econômico, na contramão de um grupo de países emergentes de diferentes regiões que continua avançando para um nível de renda mais elevado, como Chile, Uruguai, Coreia, Taiwan, Polônia e Estônia.

O aparente fim do ciclo de alta dos preços das matérias-primas --carro-chefe das exportações brasileiras--, aliado à falta de reformas que poderiam aumentar o ritmo de crescimento, dificulta a retomada do desenvolvimento brasileiro (leia mais ao lado).

O poder aquisitivo do brasileiro como fatia da renda americana --referência para comparações globais-- começou a se recuperar em meados da década passada. Em 2011, chegou ao patamar de 30% pela primeira vez desde o fim da década de 1980.

Depois de três anos nesse nível, no entanto, a proporção voltou a recuar levemente em 2014, para 29,5%.

Os cálculos foram feitos com base em dados do PIB (Produto Interno Bruto) per capita dos países, expresso em Paridade do Poder de Compra (PPC), divulgado em abril pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Essa medida é comumente usada para comparar o poder aquisitivo médio de diferentes nações.

Um país consegue se desenvolver à medida que a sua renda média se aproxima do patamar de países ricos.

Esse processo, chamado de convergência econômica, ocorre em etapas. A primeira é a transição de um nível de renda baixo para médio. A seguinte, bem mais difícil de ser atingida, é a evolução para um patamar de renda alto.

A transformação do Brasil em um país de renda média ganhou fôlego entre as décadas de 1950 e 1970, embalada pela urbanização e pelo surgimento da indústria básica.

"O crescimento inicial é mais fácil. Você consegue evoluir acumulando capital. Mas, depois, o retorno sobre esse capital decresce e outras fontes são necessárias", afirma Filipe Campante, professor de políticas públicas da universidade Harvard.

Em 1980, a renda per capita brasileira medida em PPC chegou a equivaler a 38% da norte-americana.

Mudança
Com a crise econômica dos anos 1980, o processo de convergência sofreu um revés que se estendeu até meados da década passada, quando teve início uma modesta recuperação, abortada com a perda de fôlego do crescimento nos últimos três anos.

"A convergência da renda brasileira para o nível americano aumentou nos anos 2000 graças ao boom das commodities", afirma Robert Wood, analista sênior da consultoria EIU (Economist Intelligence Unit).

Segundo o economista Otaviano Canuto, consultor do Banco Mundial, a transição para um nível de renda alto depende, principalmente, da adoção de um conjunto de normas na economia que sejam favoráveis ao desenvolvimento de capital humano e tecnológico.

Nações com renda maior priorizam educação e abertura econômica

SÃO PAULO - Embora não exista uma receita única de crescimento, há algumas medidas em comum que os países emergentes que têm conseguido avançar no processo de convergência de renda adotaram.

"Todos que chegaram lá tiveram uma melhora substancial na qualidade da educação", afirma o economista Otaviano Canuto, consultor do Banco Mundial.

Economistas citam também uma maior abertura da economia como um caminho comum, que aumenta a competição e o acesso a tecnologias mais avançadas.

Os países asiáticos são símbolos dessa estratégia. Filipe Campante, professor da Universidade Harvard, cita também o caso do Chile, uma economia aberta que tem conseguido modernizar a produção das commodities que exporta, como frutas.

Já a economia brasileira ainda é considerada fechada, mantendo várias barreiras às importações, por exemplo.

A redução de custos de transação, alcançada com medidas para diminuir a burocracia, também é vista como característica comum de nações que têm conseguido sustentar um movimento de convergência de renda.

A maior parte é bem colocada em rankings de facilidade para fazer negócios e liberdade econômica, ou vem evoluindo. São os casos de países do leste da Europa, como Polônia e Estônia, e de alguns latino-americanos, como Chile, Colômbia e Uruguai.

O Brasil, ao contrário, tem enfrentado dificuldade para avançar nessa área.

"Há muita resistência a reformas nessas áreas por parte de grupos que se beneficiam das regras existentes", afirma Canuto.

Segundo o economista, a existência de muitos subsídios concedidos pelo governo também atrapalha:

"Os agentes econômicos ganham mais interagindo com o setor público no Brasil do que competindo".

O analista Robert Wood, da EIU, afirma que, sem reformas que ataquem esses problemas, dificilmente o Brasil atingirá um nível mais elevado de desenvolvimento econômico e, como consequência, de renda.

Para ele, as medidas buscadas pela equipe econômica do governo de Dilma Rousseff podem elevar o crescimento para algo entre 2% e 3% ao ano.

"Isso é insuficiente para acelerar o processo de convergência de renda".
(EF)

Governo agora escala Levy para evitar que Supremo comprometa ajuste fiscal

• Depois de percorrer gabinetes de parlamentares em defesa dos interesses da área econômica do governo no Congresso, ministro da Fazenda faz desta vez investida na Corte, onde tramitam ações que têm potencial de ameaçar programa de equilíbrio financeiro

Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em meio ao esforço do governo para fazer prosperar o ajuste fiscal, e na iminência de julgamentos caros aos cofres públicos no Supremo Tribunal Federal, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem feito uma peregrinação para defender seus pontos de vista e cultivar boas relações com os integrantes da Corte.

Depois de percorrer gabinetes de parlamentares em defesa dos interesses da área econômica do governo no Congresso, nos últimos 40 dias Levy fez ao menos quatro visitas ao Supremo. Duas delas para conversar com o presidente, ministro Ricardo Lewandowski. Em outra ocasião, esteve com o decano Celso de Mello e com o ministro Marco Aurélio Mello.

A presença frequente de Levy na Corte se dá às vésperas da formação do quórum completo no STF – após a indicação do 11.º integrante pela presidente Dilma –, o que vai criar condições para a retomada do julgamento dos chamados planos econômicos. As ações sobre o tema que tramitam no Judiciário discutem o ressarcimento por perdas nas cadernetas de poupança relativas aos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990.

A discussão foi adiada em 2014 e está parada desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, há nove meses. Para discutir o tema, há exigência de quórum mínimo de oito ministros. Mas três dos atuais dez integrantes se declararam impedidos de analisar a questão. O caso só poderá ser retomado se o nome do advogado Luiz Fachin, indicado por Dilma, for aprovado em sabatina no Senado. A Advocacia-Geral da União calcula em R$ 150 bilhões o eventual impacto no sistema financeiro nacional de um julgamento desfavorável aos bancos.

‘Cortesia’. O périplo de Levy parece ter despertado simpatias. Integrantes do STF que já o receberam dizem que o ministro tem “elegância ímpar”. Segundo essas versões, ele não citou as ações de interesse econômico por parte do governo em tramitação na Corte. “Creio que ele queira ter um bom relacionamento, sim. Mas nós vamos votar segundo a nossa ciência e consciência e nada mais”, diz Marco Aurélio Mello. As visitas, segundo Levy, foram encontros de “cortesia”.

Visitas do ex-ministro Guido Mantega e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, ao STF eram comuns quando começou a análise sobre os planos econômicos. Essas idas à Corte, contudo, tinham um fim específico. As visitas de “cortesia” de Levy, porém, são vistas como novidade entre os ministros. Celso de Mello, que integra o tribunal desde 1989, disse só ter recebido anteriormente um ministro da Fazenda: Pedro Malan, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Outras ações. Os próprios ministros lembram outros temas caros ao governo sob avaliação do STF. Entre eles, duas ações que questionam a validade das medidas provisórias do ajuste fiscal (664 e 665), essenciais para fechar as contas do Tesouro Nacional, segundo Levy.

No gabinete de Celso de Mello, há outro tema de importância para o governo: a ação que determinará a constitucionalidade da inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo de contribuições como PIS e Cofins.

Em um dos encontros com o ministro Lewandowski, Levy tratou no dia 7 de abril de ações que discutem critérios para conceder isenção tributária a entidades filantrópicas. O ministro da Fazenda não confirmou discussões sobre o tema, mas admitiu ao sair da reunião que essa “seria” uma preocupação do governo. Fontes da AGU calculam que, se todas as ações sobre o tema forem julgadas em conjunto contra a União, haveria um impacto de R$ 79 bilhões na arrecadação.

O governo pediu ao Supremo para julgar de forma conjunta todas as ações sobre o tema na Corte e discutir o caso com o quórum completo de 11 ministros. As ações que estavam pautadas para o dia seguinte da reunião de Levy com Lewandowski foram adiadas.

Lava-Jato: contratos de R$ 44,6 bi em vigor

• Empresas investigadas e Petrobras mantêm negócios; 81,5% foram firmados a partir de carta-convite

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA- As empreiteiras suspeitas de integrar o "clube do cartel" têm contratos ainda vigentes com a Petrobras no valor total de R$ 44,6 bilhões, aditivados por 321 vezes, seja para ampliar prazos de execução ou preços praticados. Ao todo, 65 contratos permanecem ativos, dos quais 53 — 81,5% — foram firmados a partir de cartas-convite da estatal e o restante, por dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Desde dezembro do ano passado, a grande maioria das empresas do "clube" está proibida de participar de novas concorrências por decisão da própria estatal, em razão das investigações na Operação Lava-Jato. Agora, pela primeira vez, é possível mensurar a dimensão dos contratos dessas construtoras que ainda vigoram na Petrobras. O valor total equivale, por exemplo, a mais de duas vezes o tamanho do prejuízo da estatal em 2014, registrado no balanço contábil divulgado na semana passada.

A reportagem do GLOBO protocolou um pedido na Petrobras, via Lei de Acesso à Informação, para receber os dados dos valores dos contratos que continuam vigentes com cada uma das empresas investigadas. O portal de transparência da estatal não fazia essa distinção, divulgando apenas planilhas brutas mensais, o que impedia o dimensionamento das contratações. A companhia chegou a recusar a informação, o que foi contestado pela reportagem no pedido protocolado.

Bendine: convite "gera riscos" para estatal
Na segunda-feira passada, dia 27, a Ouvidoria da Petrobras entrou em contato e comunicou uma mudança do portal de transparência, a partir daquele dia. Agora, a estatal permite consultas por empresa, pelo estágio da contratação, por período e pelo tipo de seleção do empreendimento. Para se ter uma ideia de como essas informações eram nebulosas até então, apesar do caráter público, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a instaurar um processo de auditoria que permita calcular as fatias de cada empresa na estatal.

O GLOBO pesquisou quais os contratos ativos para 27 empresas suspensas pela Petrobras em dezembro ou investigadas em processos de responsabilidade administrativa abertos pela Controladoria Geral da União (CGU) — alguns empreendimentos constam em só uma dessas listas. 

A Odebrecht, suspensa e investigada pela CGU, lidera: são 19 contratos vigentes, que somam R$ 17 bilhões. O mais longevo deles se estende até 2022. Em 18 casos, a empreiteira participou das disputas por meio de cartas-convite. Entre os serviços em execução estão montagem de plataformas, instalação de dutos, operação de embarcação, perfurações e tratamento de resíduos oleosos.

A Odebrecht chegou a ter um contrato suspenso, referente a um navio de perfuração, no valor de R$ 549,2 milhões, como consta no sistema. A parceria vigoraria até 2021, mas acabou cancelada. A Petrobras ignorou o questionamento da reportagem e não explicou por que ocorreu o cancelamento. Já a Odebrecht Óleo e Gás afirmou que não houve suspensão e que a parceria segue "em operação normal".

Uma das contratações, com a Odebrecht Óleo e Gás, foi feita em 2014 por dispensa de licitação. Até junho, a empreiteira presta serviços de embarcação e instalação de dutos, a um custo de R$ 95 milhões. Um aditivo no mesmo ano prorrogou o prazo da parceria. Outro ampliou o valor do contrato.

Para deixar de exigir concorrência entre empresas, a estatal se baseou no decreto n° 2.745, de 1998, editado para facilitar as licitações e simplificar a escolha das empresas. Esse decreto é apontado por investigadores da Lava-Jato como um dos facilitadores do esquema montado na estatal.

Outro facilitador, segundo as investigações, foi a preferência pela modalidade de convite, em que no mínimo três fornecedores são convidados para disputar uma licitação. Para isso, essas empresas precisam estar inscritas previamente num cadastro. Essa foi a forma de seleção em oito entre dez contratos do "clube" que continuam vigentes na Petrobras.

Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado no último dia 28, o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, disse discordar do modelo de convite, que "gera riscos", e defendeu mudanças na forma de fazer as contratações. Já o decreto n° 2.745, com critérios diferentes da Lei de Licitações, foi defendido por Bendine. Segundo ele, o decreto levou vantagem competitiva à estatal e não é a porta de entrada da corrupção detectada na companhia.

A Camargo Corrêa, por meio do consórcio CNCC, tem dois contratos ativos na Petrobras, conforme os registros da estatal. O valor é de R$ 5,1 bilhões. Por meio da assessoria de imprensa, a empresa afirmou que apenas uma parceria permanece vigente, de construção de unidade de processamento na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O contrato é de R$ 3,7 bilhões, e já teve execução de 95%, informa a empreiteira. O segundo contrato, de R$ 1,4 bilhão, acrescenta, foi concluído há dois anos, e referia-se a uma unidade de processamento na refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.

A UTC, por meio de um consórcio, executa obras no valor de R$ 3,9 bilhões, com vigência até este ano. O presidente da empreiteira, Ricardo Pessoa, é apontado como chefe do "clube do cartel"! Depois de quase seis meses preso em Curitiba, o executivo obteve habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira e poderá ficar em prisão domiciliar, a exemplo de outros oito executivos investigados por conta de supostas fraudes nas licitações e pagamentos de propina. Procurada, a UTC não se manifestou.

Procurador teme ação de executivos soltos
Na defesa que fez da continuidade das prisões preventivas dos empreiteiros, a Procuradoria Geral da República (PGR) usou como argumento a extensão dos contratos vigentes. Soltos, os empresários poderiam interferir no andamento dessas parcerias. A argumentação não convenceu os ministros do STF. Além de executivos da UTC e da Camargo Corrêa, foram soltos empreiteiros da OAS, que tem contrato vigente com a Petrobras no valor de R$ 192.3 milhões; da Engevix Engenharia, com R$ 227,4 milhões ativos; da Galvão Engenharia, que integra um consórcio responsável por serviços de R$ 2.05 bilhões até 2016; e da Mendes Júnior.

A assessoria de imprensa da Petrobras respondeu que "o bloqueio cautelar não implica em paralisação ou rescisão de contratos vigentes, nem a suspensão de pagamentos devidos por serviços prestados". Já a Odebrecht, também pela assessoria, afirmou que todos os contratos prosseguem normalmente e cumprem o cronograma estabelecido, sem alterações. "A Odebrecht tem tomado todas as medidas necessárias para preservar seus direitos. A empresa, que não participa e nunca participou de nenhum tipo de cartel, reafirma que todos os contratos que mantém, há décadas, com a Petrobras, foram obtidos por meio de processos de seleção e concorrência que seguiram a legislação vigente".

TCU desaprova compra da Rio Linhas Aéreas pelos Correios

• Órgão diz que negociação traz riscos ao erário e ao interesse público

 Vinícius Sassine - O Globo

BRASÍLIA- Parecer técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou riscos ao erário e ao interesse público na associação entre os Correios e a Rio Linhas Aéreas, empresa de transporte de carga postal. Num documento de 20 de abril, a equipe técnica recomenda o fim do negócio por medida cautelar que pode ser adotada pelo TCU.

A estatal e a empresa estão em fase final de negociação. Os Correios querem comprar 49,99% do empreendimento e contratá-lo sem licitação para operar a rede postal noturna. Isso é investigado pelo tribunal desde fevereiro.

Os auditores que assinam o parecer listam sete razões para que a medida cautelar seja adotada, entre elas a existência de uma dívida de R$ 99,7 milhões da empresa e a obrigação de a estatal fazer um aporte adicional de R$ 13 milhões na compra dos 49,99%, além do investimento mínimo de R$ 24 milhões. Não há "clareza quanto ao efetivo custo de aquisição dos 49,99% do capital da Rio Linhas Aéreas, o que introduz o risco de a transação custar mais do que os valores previstos", diz o relatório.

Desde 2010, a empresa já assinou pelo menos seis contratos com os Correios para operar a rede postal noturna, no valor de R$ 517,2 milhões. Mesmo em caso de concretização da sociedade, a estatal pretende executar os contratos até o fim. "Surge razoável dúvida se haverá uma duplicação de gastos e esforços por um período significativo com a manutenção dos atuais contratos"," apontou o relatório do TCU.

Outros problemas apontados são o fato de o processo de aquisição estar avançado e a alegação dos Correios de que a nova empresa será administrada como sociedade privada, pois o acordo de acionistas definiu "elevado grau de controle" pela estatal.

O parecer ressaltou que a dispensa de licitação envolverá serviços de "centenas de milhares de reais" e afronta a Lei de Licitações e a Constituição. A dispensa foi defendida pelos Correios com base em parecer do Ministério das Comunicações, pasta à qual está vinculado.

Por conta da dívida da Rio Linhas Aéreas, a estatal pediu que seus donos apresentassem fiança bancária de R$ 33 milhões antes da compra. Além disso, o parecer técnico cita a existência de irregularidades na execução dos contratos, que levaram à aplicação de multas de R$ 19 milhões, definidas pela própria estatal.

A decisão sobre a adoção da medida cautelar caberá ao ministro relator do processo, Bruno Dantas, que decidiu ouvir antes as partes envolvidas. Os prazos se encerram nesta semana.

O entendimento prevalecente é de que os Correios adotaram o modelo de empresa paralela para se livrar da fiscalização e da necessidade de fazer licitação para serviços básicos, nos moldes do foi feito por Caixa e Petrobras. Nestes casos, foram usadas sociedades de propósito específico (SPEs) e não empresas já existentes.

Em resposta ao GLOBO, os Correios afirmaram que não fecharão a operação de compra de 49,99% da Rio Linhas Aéreas em caso de inadimplência da empresa. E a parceria só prosseguirá se aprovada pelo Ministério da Fazenda e por seus órgãos estatutários: "A empresa assinou e vem honrando termo de confissão de dívida reconhecendo tais débitos (...). Foi autorizado o parcelamento desses débitos, devidamente atualizados, a serem integralmente quitados".

Sobre a dívida da Rio Linhas Aéreas, os Correios disseram que o valor foi identificado pela consultoria e considerado para determinar o preço da empresa. A Rio Linhas Aéreas não respondeu até o fechamento desta edição. 

PSDB e PPS pressionam Cunha por CPI do BNDES

Oposição vai pressionar Cunha por CPI do BNDES

• Líderes farão nova investida após Ministério Público abrir investigação para apurar se Lula praticou tráfico de influência em operações do banco

Beatriz Bulla, Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Após o Ministério Público Federal abrir investigação para apurar se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticou tráfico de influência em operações do BNDES, a oposição espera contar com o apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para tentar emplacar a criação de uma CPI do banco na Casa.

Para os oposicionistas, o requerimento para investigar os contratos do BNDES, protocolado no último dia 16 pelo líder do PPS, Rubens Bueno (PR), ganhou força após a veiculação da reportagem da revista Época.

A Procuradoria da República em Brasília instaurou há cerca de uma semana uma investigação formal para apurar se Lula praticou tráfico de influência internacional e no Brasil entre os anos de 2011 e 2014 para facilitar negócios da Odebrecht comrepresentantes de governos estrangeiros onde a empresa toca obras com dinheiro do BNDES.

Na Câmara, o pedido para investigar os contratos do banco é o sétimo requerimento na lista de espera para formar as comissões. Apenas cinco CPIs podem funcionar simultaneamente conforme o regimento da Casa e, atualmente, quatro já estão instaladas.

Nesse sentido, parlamentares apostam na relação mais próxima com o peemedebista e no seu discurso de independência em relação ao Palácio do Planalto para que ele não renove três das quatro comissões em andamento. Cunha decide sobre o objeto e a viabilidade da criação de cada CPI. Assim, se o presidente entender que o pedido de investigação das demais é genérico, pode passar na frente o caso dos contratos do BNDES.

"Se ele entender que não existe fato determinado para as demais, ele instala a do BNDES e pronto", disse o líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP). O tucano deve conversar com Cunha amanhã para reforçar a intenção de discutir os trâmites da instalação do grupo. "Todos os líderes da oposição querem essa CPI. Como existe ainda uma vaga, lutaremos por ela", afirmou Sampaio.

Fila. O presidente da Câmara, porém, não tem dado sinais de que está disposto a atropelar o trâmite. Ontem ele disse que a fila das CPIs deve ser cumprida. "Eles (líderes da oposição) sabem que é preciso esperar a vez dela", afirmou Cunha, que não acredita na possibilidade de a oposição aprovar um projeto para permitir a instalação de mais de cinco CPIs simultaneamente.

Parlamentares chegaram a discutir nos últimos dias a possibilidade de aprovar um projeto de resolução em caráter de urgência para que a Câmara autorizasse o funcionamento de seis CPIs simultaneamente. A intenção era assegurar a instalação da comissão para investigar os contratos do BNDES. Para aprovar a medida é necessário contar com 257 votos na Câmara.

Especialistas debatem sobre voto distrital

• Aprovação da proposta para as Câmaras Municipais de grandes cidades pelo Senado ainda gera certo ceticismo e muitas divergências em relação ao modelo

Iuri Pitta - Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Mudar o atual sistema eleitoral não é consenso, mas mobiliza a comunidade acadêmica e os políticos há pelo menos uma década. Com a aprovação do voto distrital puro para as Câmaras Municipais de grandes cidades pelo Senado, um primeiro passo para aprimorar o sistema de representação no País parece ter sido dado, mas permanece certo ceticismo e muitas divergências em relação a esse modelo.

O Estado entrevistou três cientistas políticos sobre o assunto, confira a íntegra das entrevistas abaixo:

Bruno Pinheiro Wanderley Reis

• Cientista político da UFMG, estuda financiamento de campanhas na Universidade da Pensilvânia (EUA)

Estado - O sr. considera válida e adequada uma das premissas adotadas nessa discussão sobre o voto distrital: a de que se trata de um "ponto de partida" para a tão desejada reforma política mudar o sistema de votação na eleição para vereador das grandes cidades e, posteriormente, ampliar as mudanças para os demais legislativos e para as outras questões?

Bruno: Preliminarmente, vou fazer uma explicitação de um viés. Eu não acho que o sistema distrital seria uma boa ideia. Ele tende a favorecer máquinas locais e a fazer proliferar "distritos seguros", elevando barreiras à entrada de um modo indesejável. Dito isso, porém, nada impede que cogitemos de reformas que incidam sobre parte do sistema, sem necessariamente mexer nele inteiro. Mas devemos ter noção de que isso não é necessariamente "experiência" no sentido de que, se der errado, voltamos pra trás. Isso nunca é assim. Toda mudança cria relações de poder específicas e clientelas próprias, e pode muito bem acontecer de, mesmo com resultados negativos, a mudança se mostre irreversível. Mais interessante de um ponto de vista federativo (embora bastante arriscado) seria deixar cada estado ou município resolver as regras que quer adotar. Mas deveríamos nos preparar para um festival de casuísmos locais...

Estado - Um primeiro risco, então, seria a dificuldade de se reverter o modelo adotado, sem entrar no mérito de qual sistema que se escolha?

Bruno: Isso. A proposta do (senador José) Serra tem um sabor de "experimento" que, de fato, nunca acontece no mundo real, em instituições políticas. Gradualismo, de um modo geral, faz sentido, é claro. Exatamente porque não conseguimos ver todos os efeitos de uma mudança, cabe cautela nessas manobras. Mas a gente deve ter clareza de que, a rigor, não há volta. Feita uma mudança, interesses se realinham, e o cenário com que vamos nos defrontar depois já é outro, com dinâmica própria.

Estado - Tratando agora especificamente do voto distrital, de suas vantagens e desvantagens. O sr. já apontou um problema, o risco de se criar "distritos seguros" e de proliferar os casuísmos locais. Isso é um problema que já ocorre hoje, o Rio, por exemplo, tem locais em que o acesso dos candidatos depende de autorização de por forças paramilitares, sejam ligadas ao narcotráfico, sejam milícias. O voto distrital puro necessariamente agravaria situações assim? O que poderia ser feito para amenizar ou coibir esses redutos dominados por alguma força paramilitar ou mesmo por uso de máquina político-administrativa?

Bruno: São coisas diferentes. Uma coisa é uma área territorial qualquer em que o cidadão tem dificuldade de contar com os serviços do estado, e máfias criminosas se insinuam. Outra coisa é a franca hegemonia de uma máquina partidária sobre determinados distritos eleitorais. Isso pode se dar, em princípio, em qualquer lugar do país. O valor importante a ser preservado nessa discussão é a perspectiva de representação adequada da pluralidade dos interesses existentes na sociedade. Isso depende fundamentalmente de visibilidade dos atos dos representantes eleitos, e do grau de competitividade política pelas posições em jogo. A ideia de que vamos ter visibilidade garantida por termos um representante por distrito é bem fantasiosa. Frequantemente sabemos melhor o que se passa na Câmara em Brasília do que aquilo que faz o síndico do prédio em que moramos. Essa visibilidade depende da existência de um sistema de comunicação plural e uma imprensa independente ativa e diversificada. E tudo isso vai depender também da existência de oposição partidária local viável. Se temos um só representante por distrito, e o PMDB tem um cara no local que controla os canais de comunicação e os fluxos de recursos, a competição seca, e a visibilidade dos atos vai embora junto.

Estado - O sistema distrital misto, que combina a divisão por distritos geográficos e mantém bancadas partidárias em toda a extensão da cidade ou Estado, é suficiente para resolver essas questões colocadas?

Bruno: Esse é bem mais engenhoso. Os alemães fizeram um bom trabalho de combinar os méritos dos dois sistemas mais famosos. Mas isso porque, apesar do nome com que o sistema é conhecido no Brasil, deve-se sublinhar que se tratade um sistema proporcional. É a distribuição dos votos entre as listas partidárias que define o tamanho das bancadas e a relação de forças partidárias no parlamento alemão. Os eleitos nos distritos (cujo número equivale a aproximadamente metade das cadeiras) simplesmente garantem sua própria cadeira, e tomam o lugar dos últimos da lista, caso já não estivessem eleitos por ela também. É um bom sistema. Mas gosto ainda mais da variante sueca. Ela é idêntica, exceto pelo fato de que os distritos não elegem um só. São distritos pequenos (com cinco a oito deputados na última vez em que vi isso), mas isso assegura um desejável pluralismo local, evitando o risco de eventuais monopólios longos demais.

Estado - Para você, esse modelo sueco serviria para o Brasil? Existe um sistema mais "adequado" para um país continental e desigual como o Brasil?

Bruno: Eu não correria para grandes mudanças. Como diz o meu colega Jairo Nicolau, todo cientista político tem sua reforma política de estimação, mas devemos a todo custo evitar pautar o debate por elas. Sim, gosto do sistema sueco. Mas, se trata de reformar o sistema brasileiro, precisamos de um diagnóstico sobre o que é que funciona mal entre nós, para atuarmos especificamente sobre aquilo. 

De outra maneira, ficamos perdidos, e não é à toa que nada acontece. No caso do Brasil, apesar de a imprensa sempre culpar o Congresso por não sair a reforma, a verdade é que pelo menos desde 2003 são os deputados quem está sempre trazendo a discussão de volta, embora o desacordo sobre o que fazer só aumente. O motivo me parece muito claro: é o financiamento de suas campanhas. A ciência política brasileira demorou mais do que deveria para acordar para esse problema, e para a legitimidade da conversa sobre reforma. Tendemos a uma posição muito defensiva, de dizer que tudo estava bem e não precisávamos mudar nada. De fato, o Brasil nunca tinha tido tanta estabilidade política e econômica quanto teve no período entre 1995 e 2013, e isso não deve ser minimizado. Mas o financiamento estava erodindo a base do regime, inclusive entre os próprios políticos.

Estado - Então resolver a questão do financiamento de campanha deveria ser a prioridade, e é ela quem cria problemas como falta de representatividade e de corrupção envolvendo políticos?

Bruno: Claro que há corrupção para além do financiamento de campanhas. Como em toda parte. Mas o fato de que todos os 513 deputados federais, e mais as centenas de deputados estaduais e os milhares de vereadores País afora tenham de correr para bancar pessoalmente sua próxima campanha dali a quatro anos, é um problemão para as instituições de controle. E isso, assim como a fragmentação partidária, decorre do sistema eleitoral. Daí que o esforço de se equacionar devidamente o tema do financiamento das campanhas não é um assunto desconectado do sistema eleitoral. Foi esse o problema que os deputados federais puseram na mesa com a "proposta Caiado" em 2003. Para lidar com o problema do financiamento de campanhas, eles propuseram (até por falta de ideia melhor no debate da época) a novidade do financiamento público exclusivo. Para viabilizá-lo, se dispuseram a propor a lista pré-ordenada (mais conhecida como lista fechada). O financiamento público exclusivo era uma proposta radical, sem precedente, e muito problemática. Mas era uma proposta séria, que tentava lidar com um problema real, e foi muito mal tratada tanto na imprensa quanto na ciência política. Minha impressão é de que eles atiraram no que viram e acertaram no que não viram.

Estado - O sr. disse que é importante ter o financiamento mais fragmentado, desconcentrar as fontes de financiamento, mais do que simplesmente reduzir a extensão territorial da campanha, como propõe o sistema distrital. Como fazer isso?

Bruno: Fazendo o que quase todo mundo faz. Impondo tetos nominais (relativamente "baixos") para as doações, por doador. Esse é o teto usual, e por isso mundo afora as pessoas presumem que, se há tetos, então o sistema é mais equânime. Ocorre que o Brasil adotou um tipo de teto muito peculiar, que é um percentual da renda do doador. Isso provavelmente tem o efeito oposto, de concentrar as doações entre poucos, enormes doadores. Se o teto é 2% do faturamento bruto para as empresas, e 10% da renda bruta para as pessoas físicas, então o dono da padaria da esquina vai poder doar apenas alguns milhares, mas o banco e a empreiteira vão poder doar milhões. Os candidatos a deputado ou vereador, na prática, simplesmente não têm escolha, a não ser submeterem-se ao ritual humilhante de bater na porta do grande doador. Sabendo desde o início que, sendo um candidato entre centenas, será o doador quem ditará os termos da conversa. Um candidato a presidente ou governador ainda pode chegar a ter uma conversa minimamente horizontal com o doador, mas os das proporcionais, sem chance. As exceções parciais são os raros candidatos que já são "donos" de algum "reduto", ou então as chamadas "celebridades". Esses dependem menos de dinheiro para serem lembrados na hora agá. 

Já li em jornais que, ao contrário do Obama com sua máquina de arrecadação desconcentrada online, os políticos brasileiros "preferem" bater na porta das grandes empresas. Ora, não são eles quem prefere. É a legislação que praticamente determina. Tetos nominais forçam a pulverização dos doadores. Ou então os grandes doadores vão ter pelo menos de se virar para encontrar "laranjas" para doarem por eles - por sua própria conta e risco. Hoje eles têm o controle legal do financiamento das campanhas, e assim estão em posição de exercer influência desproporcional sobre os mandatos.

Estado - Depois da Operação Lava Jato, os partidos têm reclamado da queda nas doações aos partidos. Esse ambiente de "torneira seca" e os desdobramentos da investigação, inclusive com prisão de executivos envolvidos nas contribuições às legendas, pode ser visto como momento de se mudar o sistema de financiamento das campanhas? Ou o sr. é cético em relação à disposição dos políticos de mudar esses mecanismos?

Bruno: Na verdade, acho que os políticos querem mudar o financiamento de campanhas há muito tempo. Por isso o tema da reforma política entra na pauta em todo início de legislatura no Congresso. Se formos recapitular essa história veremos que é a Câmara dos Deputados quem tem pautado mais insistentemente a reforma política nas últimas décadas. Candidatos a presidentes da Câmara têm feito campanha junto ao plenário prometendo tocar a reforma. O que falta é consenso, maioria clara para a aprovar alguma reforma específica. E esse impasse tem sido favorecido também por falta de massa crítica sobre o assunto na sociedade, na imprensa e (até recentemente) mesmo na ciência política. 

Durante a crise do "mensalão", em 2005, político que falasse em reforma política a propósito do episódio costumava ser acusado de diversionista, de querer erguer uma cortina de fumaça sobre a investigação, que a hora era de punir os culpados etc. Mas o escândalo tornava evidente o que já se sabia havia muito tempo: havia problemas sérios com o financiamento. Agora, com a Lava Jato, talvez de fato não tenha mais jeito de ignorarmos a questão. Desta vez, não apenas políticos, mas também executivos das empreiteiras foram presos. Agora, além de entrar na sala, o elefante sentou no sofá, está espalhando a comida e quebrando a decoração. Não vai dar mais pra ignorar.

Além da Lava Jato, há também a decisão iminente do STF, de proibir a doação feita por pessoas jurídicas. O ministro Gilmar Mendes "sentou em cima" do processo quando pediu vistas há mais de um ano, mas o placar vigente, de seis a zero, deixa evidente que as doações serão proibidas se não houver mudanças na lei. A obstrução do Gilmar está dando tempo ao Congresso para tentar sair em busca de alguma coisa. O grande aumento recente no fundo partidário deve ser compreendido nesse contexto. É uma provisão de recursos que os partidos fizeram, para atravessar esse período de incerteza. Neste momento, sei que há conversas sobre a introdução de tetos nominais para os doadores, e entendo que esse é o caminho a ser trilhado.

Não me atreveria a mudar, numa tacada só, um sistema de doações tão pesadamente empresarial como o nosso para a proibição completa das doações por pessoas jurídicas. Temo que isso nos expusesse ao risco de aumentar o descontrole sobre as prestações de contas. Mas acho que os eventuais tetos nominais devem ficar em valores que induzam os candidatos a diversificar as suas fontes. O princípio básico é que nenhum doador deve poder ser o "dono" de uma campanha, e assim o teto deve ficar bem abaixo do orçamento típico de uma campanha.

Estado - Entidades civis, como CNBB e OAB, defendem o chamado modelo belga, com eleição para o Legislativo federal em dois turnos (o primeiro para eleição das bancadas partidárias, apenas com voto nas legendas, e o segundo para formar a lista de cada partido, conforme o número de cadeiras obtidas na votação prévia). O que o sr. acha dessa proposta?

Bruno: Me desculpem os proponentes, mas essa é uma proposta ingênua. Se eu sou um eleitor engajado, com fortes simpatias partidárias, eu vou simplesmente votar no meu partido no primeiro turno, favorecendo a sua quota de cadeiras, e depois votar num candidato fraco do partido rival, tentando tumultuar a lista deles e tirar do legislativo um adversário poderoso. Não faz sentido deixar o sistema de representação política e os partidos vulneráveis a esse tipo de sabotagem pelos adversários. E esse não é o sistema belga. A Bélgica tem um sistema federativo complicado, mas o sistema eleitoral é convencional. É um sistema proporcional, com listas pré-ordenadas mas flexíveis, em que o eleitor pode optar por votar em uma das listas tal como apresentadas ou tentar modificá-la. Em um turno só. Ela é famosa por uma razão histórica simples: foi o primeiro país a introduzir, em 1899, o sistema de representação proporcional, com listas partiidárias fechadas.

A última coisa que devemos tentar fazer a esta altura é improvisar, inventar sistemas de efeitos desconhecidos. A política no Brasil ainda nos impõe desafios importantes, mas é preciso reconhecer que o país nunca tinha sido tão estável quanto nos últimos vinte anos. E temos resultados importantes para mostrar: tanto estabilidade econômica quanto importantes melhorias nos indicadores sociais. 

Agora precisamos de ajustes, mas é preciso moderação e cabeça fria ao avançarmos, para não colocarmos tudo a perder.

José Álvaro Moisés

• Cientista político e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP

Estado - Quais são as vantagens e desvantagens do voto distrital puro?

José: A primeira questão é para que reformar o sistema de representação. Precisamos de uma reforma que dê mais poder ao eleitor, maior controle sobre o eleito. O diagnóstico que as manifestações de rua desde 2013 e pesquisas de opinião mostram é uma crise de representatividade. Uma pesquisa nossa sobre democracia e representação mostra que, de 2006 para 2014, cresceu a parcela da população que acredita que a democracia pode funcionar sem partidos ou sem Congresso. Eram cerca de 30% em 2006 e agora são 45%. Se quase metade das pessoas acha que pode haver democracia sem partidos ou sem Congresso, isso mostra que as instituições de representação da população não estão funcionando a contento. Dito isso, quais são os requisitos para resolver o problema. O primeiro é diminuir a circunscrição eleitoral. O Estado de São Paulo tem 35 milhões de eleitores, o que torna qualquer campanha de deputado federal muito cara e complexa. Segundo requisito é aproximar o representante do representado. Nesses pontos, o voto distrital cumpre essa função. A iniciativa da CCJ do Senado em adotar o voto distrital nos municípios é um ponto de partida para quebrar resistências, descongelar o processo de reforma do sistema. É um primeiro passo.

Estado - Se é um primeiro passo, quais seriam os próximos?

José: A experiência do voto distrital majoritário em países como EUA e UK, que é o modelo aprovado no Senado, mostra dificuldades de incluir movimentos minoritários no sistema, eles tendem a ficar de fora, sub-representados. Vejo como melhor experiência uma combinação das vantagens do modelo distrital com as do proporcional, como o sistema alemão. Nesse modelo, o eleitor vota duas vezes - no partido e em um candidato - em distritos pequenos. Isso aumenta o poder de escolha e de controle do eleitor sobre os eleitos. Outro efeito benéfico é forçar os partidos e os candidatos a procurarem o eleitor de forma mais orgânica, e não da forma distanciada que vemos hoje, pela propaganda na TV, além de reduzir o custo das campanhas. Não faz sentido um candidato a deputado federal gastar em campanha R$ 1 milhão ou mais. O Brasil tem uma das campanhas eleitorais mais caras do mundo. E também importante: ao se aproximar eleitores e eleitos e se reduzir o custo das campanhas, um terceiro efeito positivo é reduzir o campo de corrupção que temos visto hoje.

Estado - O sr. considera então positivo começar a mudança, ainda que tenha ressalvas ao modelo aprovado?

José: Ela dá início a um processo que tem duas partes. Primeiro, mostra que é possível fazer mudanças institucionais, fazer reformas adequadas e obter resultados positivos com isso. Segundo, começar a reforma altera a cultura política que tanta gente vê com ressalvas hoje. Cultura política não é imutável. Se houver liderança para uma mudança institucional, você muda o comportamento das pessoas. Foi assim com o uso do cinto de segurança pelos motoristas, tem sido assim com o combate aos motoristas alcoolizados. As pessoas percebem progressivamente as vantagens das mudanças a partir de um processo racional. Pesquisas sobre participação política mostram relação direta entre o envolvimento das pessoas e a existência de uma estrutura que lhes dê oportunidade. Se os partidos não têm primárias, por exemplo, as pessoas não participam e se distanciam.

Estado - Aproveitando essa citação, os partidos brasileiros resistem a prévias por receio de perder o controle sobre a escolha de seus candidatos. Da mesma forma, os parlamentares eleitos pelas regras atuais também resistem a mudá-las. Hoje parece haver críticas ao sistema mesmo por parte de quem se beneficia dele. Isso cria uma janela de oportunidade para, enfim, aprimorar o sistema?

José: Sem dúvida é uma janela de oportunidade. O sistema se exauriu. Vemos isso nas manifestações até exageradamente hostis às instituições democráticas. Quase metade da população quer jogar os partidos políticos na lata de lixo da história. Isso é muito grave. Iniciar a mudança é importante, pois se trata de um processo longo, complexo e demorado, mas fundamental. Hoje temos um sistema com muito mais custo que benefício ao eleitor.

Eduardo Graeff

• Mestre em ciência política e ex-secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso

Estado - O voto distrital é o melhor modelo para se aprimorar o sistema eleitoral?

Eduardo: Melhor é um exagero, mas é melhor do que o que temos hoje. O sistema atual está ruim, desgastado, anacrônico. Foi feito quando o País tinha um universo muito menor de eleitores. O Estado de São Paulo, com 35 milhões de eleitores, milhares de candidatos e 70 deputados federais e 94 estaduais eleitos, é um exemplo de que do jeito que está só pode dar confusão e de que não funciona. Quem conhece os 70 deputados federais de São Paulo? Não acho que a discussão seja uma comparação de sistemas, ou de se encarar um modelo como um remédio. O debate é muito mais complexo. Mas que, pensando em cidades como São Paulo, Piracicaba ou Americana, por exemplo, sem dúvida que o voto distrital aprovado pelo Senado, para eleger vereadores, seria melhor que o modelo atual. Hoje o sistema é inviável financeira e operacionalmente para os candidatos, e ineficiente para o eleitor, já que é muito difícil para ele se orientar com a quantidade de nomes nas listas de candidatos dos partidos. O sistema eleitoral precisa ser um processo mais inteligível e atraente para o eleitor. Para se eleger vereadores, o voto distrital cumpre essa função.

Estado - Críticos do voto distrital puro apontam alguns problemas, como o risco de se levar ao bipartidarismo, já que isso ocorre com Estados Unidos e Inglaterra, principais países a adotarem esse sistema e nos quais parece haver um esgotamento dessa característica.

Eduardo: Não concordo com essa crítica. Vamos pensar apenas nos municípios. O Brasil tem prefeitos dos mais variados partidos, provavelmente filiados às mais de três dezenas de legendas existentes hoje. Sendo assim, não haveria por que o voto distrital para vereador restringir ou levar o País ao bipartidarismo. Não vai haver concentração partidária nos municípios.

Estado - E a questão da sub-representação de fatias minoritárias do eleitorado?

Eduardo: Estamos falando do que chamam de correntes de opinião, mas o que foi aprovado no Senado diz respeito por ora aos vereadores. Temos que fazer opções. É preciso ter entre vereadores representantes, por exemplo, do setor de saúde, ou do funcionalismo público, ou é mais importante ter um vereador de Sapopemba? Seria bom para o debate como um todo testarmos isso. Por exemplo, a cidade de São Paulo tem algumas questões macro, como por exemplo o abastecimento de água ou a mobilidade urbana. São dois temas candentes e que dependem de uma decisão do município como um todo, não são temas locais. A bem da verdade, são temas que extrapolam o município, a Prefeitura é uma instância até pequena para essas discussões. São Paulo não tem água para todos os paulistanos beberem e tomarem banho, precisa de água de fora do município. No transporte idem, a articulação em áreas conurbadas depende de vários municípios, uma região metropolitana tem artérias viárias que no fundo dependem de investimentos estaduais ou federais. Não são problemas que vão ser resolvidos só em Sapopemba, o debate vai ser mais complexo. Talvez para questões de arborização, buraco de rua, o vereador atue para resolver no âmbito local, mas no resto o debate tende a ser mais complexo.

Estado - Aproveitando sua experiência como secretário-geral da Presidência, que prognóstico o sr. faz para esse debate na Câmara, uma Casa maior e mais complexa que o Senado?

Eduardo: Quem é contra o voto distrital para se eleger deputados, e eu vejo isso basicamente no PT, é contra esse projeto aprovado no Senado, acredito que por receio de que o eleitorado goste da experiência no âmbito municipal e queira aplicá-la também nas demais esferas. Estamos antecipando o debate. Se prevalecer o que foi aprovado na CCJ do Senado até o STF, porque vai ser questionado lá, vai ser aprovado por lei, depende de maioria simples, ao contrário de emenda constitucional. 

Mudar o sistema para eleger os deputados federais de uma vez só dependeria ou de consenso entre os partidos ou de pressão popular. Não consigo ver a Paulista com 200 mil pessoas pedindo voto distrital ou qualquer outro modelo em substituição ao atual. Qualquer consenso partidário hoje no Brasil é improvável, para não dizer arriscado. Melhor fazer essa discussão no âmbito das Câmaras Municipais e entender que outras mudanças vão vir daqui a 4, 8, 16 ou 20 anos. E isso não é necessariamente ruim. É um processo, mudanças assim são complicadas. 

A Inglaterra passou recentemente por um debate assim, os eleitores foram consultados e preferiram ficar como está. No Chile, estão adotando um modelo que poderíamos observar com atenção: os distritos lá eram binominais (dois deputados eleitos por distrito), um modelo criado no ocaso da ditadura Pinochet para dar sobrevida aos conservadores, e agora vão ser plurinominais, o que dá mais chance à diversidade de partidos. Aqui poderíamos ter algo assim, para acabar essa história de 70 deputados federais para todo o Estado de São Paulo. Isso dá para fazer sem emenda constitucional, por lei ordinária, pois não se mexeria no sistema de proporcionalidade e promoveria mais proximidade entre o eleitor e o eleito.

O PT promove parasitagem do Estado em todas as classes, diz humorista

Entrevista - Marcelo Madureira

• Ex-militante do PCB e hoje 'coxinha' assumido, humorista diz que incompetência do governo atual é pior que a roubalheira

Ricardo Mioto – Folha de S. Paulo

O humorista Marcelo Madureira, 56, acha que o PT promove no país a vitória da parasitagem do Estado: a classe média quer um emprego público, os pobres querem bolsas assistencialistas e os ricos querem "Bolsa BNDES".

Enquanto isso acontece, os artistas, que ficaram reféns de dinheiro público, se omitem, afirma. "Em um momento como este, cadê o Caetano Veloso, o Chico Buarque?"

Madureira é um entusiasta dos protestos contra o PT e esteve nos eventos de março e abril, inclusive discursando aos manifestantes.

Ele, que foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na juventude, diz que a esquerda contemporânea tem "formação política tabajara" e não tem senso de humor. Leia, abaixo, a entrevista concedida à Folha.

Folha - Existe agora uma nova direita no país?

Marcelo Madureira - Não dá para limitar a discussão aos termos esquerda e direita. A pergunta é que tipo de sociedade queremos. Aí eu digo: certamente não é a que o PT quer. Certamente não é aquelas que as pessoas que se dizem de esquerda propugnam, mesmo porque elas não sabem bem o que querem. É muito estranho. Hoje as pessoas se dizem de esquerda, mas não sabem dizer se são a favor ou contra a propriedade privada dos meios de produção.

Uma crítica comum é que existe uma "esquerda de Facebook", que não se dedicou muito à leitura...

Sim, é toda uma geração politicamente despreparada. A esquerda de hoje tem uma formação política tabajara. Você precisa perceber algo: o que as pessoas querem é ser legais, parecer legais, querem ser do bem. Na minha época era mais fácil. A direita era o mal, a esquerda era o bem.

Mas isso não existe mais. O mundo se apresentou muito mais complexo. Essa tentação de ter resposta para tudo não convence mais.

Mas sempre houve a noção de que os fins justificam os meios...

Mas os fins serem a conta bancária da cunhada? [risos]

Sua crítica maior ao PT é a corrupção?

Não. Muito pior que a roubalheira, é a incompetência. A questão na Petrobras não é só roubar, é a gestão desastrosa. O que nos alivia é: embora tenham batido os recordes, talvez sejam incompetentes para roubalheira também.

O pior é que o PT reforça a vitória do atraso. Que sociedade é essa que você quer construir em que o sonho das pessoas se limita a, se for da classe média, passar em um concurso público; se for pobre, arranjar Bolsa Família; e, se for rico, conseguir uma "Bolsa BNDES"? Todo mundo passa a querer ser parasita do Estado. Não há país que dê certo assim.

Mas, enquanto isso foi acontecendo, o que se viu na oposição foi certo silêncio.

A oposição deixou a desejar? Deixou. Foi omissa, em alguns momentos até cooptada. O preço disso está sendo pago.

Há muita crítica ao papel do PSDB neste momento.

Eu votei no Aécio, até fiz um videozinho para a campanha. O PSDB tem certo reconhecimento de que há uma perplexidade, essa complexidade nas coisas. Há discussões densas que têm de ser feitas, as soluções não são simples, precisamos pensar também no longo prazo.

Mas, sim, eu vejo uma parcela grande da juventude querendo fazer política, e com frequência eles não encontram representação. Em alguns casos, o que acaba surgindo entre eles é até uma ideia meio exagerada de política liberal, de Estado mínimo. Eu não comungo totalmente com isso. É algo que precisa ser discutido com calma.

Talvez seja um pouco uma reação pendular, uma maneira de reforçar a oposição ao pensamento estatista.

Sim, é um movimento pendular, você vai em busca de um oposto, mas neste caso me parece oposto demais

Essa é uma contradição que a esquerda aponta: nas manifestações recentes, tem o liberal de Chicago, o conservador cristão, até o cara que pede a volta dos militares.

Vejo isso como pluralismo, acho até admirável, desde que se respeite as regras da democracia. Eu não tenho nada contra os cristãos, contra o pessoal do quartel. Mas acho suprema ignorância pedir a volta dos militares.

Você se incomoda de ser chamado de coxinha?

Eu não. Meu único ponto é que as coxinhas de São Paulo são muito melhores do que as do Rio. Vou mandar trazer um monte e fazer uma "Coxinha's Party". Quem não tem senso de humor, não sabe rir de si mesma, é a esquerda.

Como ficou sua relação com o meio artístico quando você criticou a esquerda, declarou voto no Aécio?

Eu não frequento muito o meio artístico, prefiro ficar em casa lendo, vendo filme. Mas é lamentável o papel da classe artística. É digno de pena. Em um momento como esse, os artistas completamente omissos. Cadê o Caetano Veloso, o Chico Buarque?

Muitos artistas e até jornalistas têm hoje situação muito complicada de dependência de dinheiro público, não?

Sim, e não foi só a classe artística. Foi o meio acadêmico, uma parcela dos intelectuais. Veja o MST [Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra] também. Está todo mundo imbricado de verbinhas. A explicação? Bom, no fundo, como sempre, basta seguir o dinheiro.

No nível pessoal, creio que tenha perdido oportunidades de trabalho, de comerciais. Não vou aqui falar apontando nomes, mas acontece isso de "não, o Madureira não".

Influenciou sua relação com os colegas do "Casseta"?

Não, nesse caso não. Alguém inventou que tínhamos brigado. Nada disso. Sempre fomos pluralistas e, para falar a verdade, o pessoal lá não pensa muito diferente de mim, não...

Vocês fizeram piada com vários governos.

Sim, embora não se faça muita piada política no Brasil. Eu atribuo o fato de o "Casseta & Planeta" ter saído do ar à pouca disposição da TV Globo de deixar a gente fazer piada política.

Mas vocês fizeram isso por quase 20 anos.

Sim, mas aí começaram cortes, cortes e mais cortes de conteúdo. Não acho que isso seja censura, veja bem. Cada empresa tem as suas regras. Se você não concorda, você pede demissão. Censura vem do Estado.

Mas, de qualquer forma, o programa foi perdendo "punch", aquela verve crítica, que era vital. Mas isso é uma decisão dos empresários.

Você foi militante do PCB. É inevitável ser de esquerda na juventude?

Eu posso falar do meu caso. Eu fui procurando ao longo do tempo pensar, ter senso crítico, falar "pô, eu tô errado". Eu já defendi até o Partido Comunista da União Soviética. E agora? Não vou ficar aqui fazendo revisionismo histórico da minha própria vida.

Na época, era o que parecia mais certo. Não faço, digamos, que nem "O Globo" fez, aquele papel ridículo. [Em 2013, o jornal publicou que apoiar o golpe de 1964 tinha sido um erro.]

Bandeira contra terceirização vira aposta para resgatar popularidade

• Planalto quer encabeçar mudanças em projeto no Senado e se reaproximar de base eleitoral que faz oposição à proposta

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois de delegar a condução da economia ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e da política ao vice-presidente Michel Temer, o Palácio do Planalto decidiu adotar como agenda própria do seu governo a mudança do projeto da terceirização. Conta com ela como uma forma de se reaproximar das bases eleitorais, sindicais e partidárias.

Na avaliação de lideranças do governo no Congresso e do PT, apoiar alterações no projeto durante a tramitação no Senado pode ajudar a presidente Dilma Rousseff a atrair o eleitor desiludido com os rumos da atual gestão e crítico ao ajuste fiscal proposto pelo Executivo. Parte do pacote, previsto para ser votado nesta semana, atinge benefícios trabalhistas e previdenciários.

"Para o governo, sem dúvida, é um tema muito importante. A discussão de certa forma resgata a relação com os movimentos sociais e é uma bandeira que passa pelo PT e pelo governo. Acredito que acaba catalisando, unificando todos, Lula, o governo e o PT, dando um discurso melhor e colocando de volta a turma na rua", ressaltou o líder do governo no Senado, Delcidio Amaral (PT-MS).

Uma nova manifestação contra o projeto patrocinada pelo PT e encampada pela CUT poderá ocorrer em Brasília e em vários Estados no final deste mês. Ao levantar a bandeira, o governo e o PT também buscam se diferenciar da agenda considerada conservadora encampada até aqui pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos principais defensores de que não haja restrições ao projeto de terceirização.

A expectativa de lideranças do PT é de que o tema da terceirização também permaneça em discussão na mídia, possibilitando ao partido se associar a setores contrários à terceirização. "Vamos fazer todo o esforço para ter uma discussão exaustiva porque tem uma repercussão muito grande sobre os trabalhadores. Sem dúvida, é um tema que nos favorece. Vamos construir na sociedade uma posição contrária ao projeto", ressaltou o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). "Quanto mais se debater com repercussões na imprensa, temos a probabilidade de ter uma pressão maior quando o projeto voltar para a Câmara, onde teve uma votação apertada."

Pela tramitação no Senado, a matéria deverá passar pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Econômicos (CAE), Direitos Humanos (CDH) e Assuntos Sociais (CAS). A atuação do governo se dará fortemente nesses colegiados. CAE e CDH, por exemplo, são presididas, respectivamente, pelos petistas Delcídio Amaral e Paulo Paim. As outras duas por peemedebistas próximos ao Planalto, como José Maranhão na CCJ e o ex-ministro Edison Lobão na CAS.

Interlocutores da presidente Dilma avaliam ainda que não se pode deixar que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), assuma sozinho a reação ao projeto de Cunha e se coloque como defensor de um setor que historicamente esteve ao lado do PT.

Autoria. Nesse sentido, a legenda leva ao ar amanhã, em rede nacional de rádio e TV, o programa partidário com a mensagem de que é o responsável por avanços sociais e trabalhistas, como a política de valorização do salário mínimo. "O programa deve passar pela defesa do PT e do nosso histórico", afirmou o vice-presidente do PT e líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE).

Movimentos contundentes pela nova bandeira contra a terceirização foram dados pelas principais lideranças do governo e do partido no Dia do Trabalho.

Dilma também entrou em cena na data e deu seu recado em vídeos divulgados nas redes socais. A presidente já deixou claro que é contra a terceirização ampla e que vai vetar o projeto se ele passar no Senado sem mudanças em relação ao texto aprovado na Câmara.

Oposição quer investigação de marqueteiro

• Líderes do PSDB comparam inquérito da Polícia Federal sobre operação de João Santana a mensalão e a petrolão

• Em nota, PT defende marqueteiro de campanhas de Lula e Dilma; Santana pede retratação da PF

- Folha de S. Paulo

BRASILIA, SÃO PAULO - A oposição defendeu neste domingo (4) os antecedentes históricos do PT legitimam o inquérito da Polícia Federal que investiga o marqueteiro João Santana.

Santana é alvo de investigação, conforme revelou a edição de domingo da Folha, por ter trazido por meio de suas empresas US$ 16 milhões para o Brasil em 2012 em uma operação que os investigadores suspeitam de lavagem de dinheiro para beneficiar o PT.

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), disse que "o mensalão e o petrolão foram arquitetados para desviar dinheiro público e financiar o projeto do PT para se manter no poder".

O tucano afirmou que, "sendo o marqueteiro João Santana uma peça importante nessa obsessão petista do poder pelo poder, é provável, como desconfia a Polícia Federal, que os recursos trazidos para o Brasil de Angola tenham como origem empresas brasileiras que prestam serviço no país africano".

O vice-líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), defendeu que a lavagem de dinheiro se tomou uma prática petista.

"A informação não me surpreendeu. Está se revelando rotina do partido a lavagem de dinheiro via despesas eleitorais", afirmou o senador.

Para o deputado Marcus Pestana, presidente do PSDB mineiro, o fato também pode ser reincidente. "Lembremos que o esquema do mensalão foi desvendado a partir da relação do PT, seu publicitário [Marcos Valério] e empresas privadas com depósitos no exterior", disse.

Já o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR) chamou atenção para a importância de apurar a origem do dinheiro. "O pagamento dos impostos poderia ter servido apenas para esquentar um dinheiro de origem duvidosa. É um caso que não pode cair no esquecimento como aconteceu com os pagamentos feitos pelo PT no exterior ao marqueteiro Duda Mendonça na época do mensalão."

Retratação
No domingo (3) o PT divulgou uma nota em defesa de Santana. O partido considerou "satisfatórias as explicações e provas documentais divulgadas pela Pólis", empresa do marqueteiro investigada pela PF.

Para responder às denúncias, Santana criou um site (www.averdadesobreapolis. com.br) com documentos referentes a contratos e pagamentos das campanhas do prefeito de São Paulo Fernando Haddad e do presidente de Angola José Eduardo dos Santos. Ambas foram feitas em 2012, ano em que aconteceu a remessa do dinheiro.

Ele também gravou um vídeo em que pede retratação à PF. "Confio na Justiça, mas espero retratação futura pelos danos possíveis causados a minha imagem".

0 site também declara que a informação publicada pela Folha de que parte do dinheiro entrou no Brasil pela empresa Pólis Caribe, na República Dominicana, não procede. "A remessa oriunda de Angola para o Brasil foi totalmente realizada pela Pólis Propaganda & Marketing", diz a nota. O marqueteiro tem ainda empresas na Argentina e em El Salvador.

Aécio Neves - O Dia do Trabalho

- Folha de S. Paulo

Quando se critica a má gestão do governo do PT e, em especial, os erros sucessivos da política econômica dos últimos anos, muitos acham que a oposição é pessimista e gosta de mostrar só o que não funciona. Mas é justamente o contrário.

Temos tudo para ser um grande país se o governo não atrapalhar tanto, com os seus sucessivos erros, o crescimento econômico e o avanço social dos brasileiros.

Ao contrário de vários países emergentes, no Brasil há uma Justiça e órgãos de controle independentes, que estão lutando contra o aparelhamento político das estatais, patrocinado pelo governo do PT; temos uma indústria diversificada e um setor agropecuário que é um dos mais competitivos do mundo e um amplo sistema de proteção social estabelecido pela Constituição em 1988.

O natural seria estarmos crescendo entre 4% e 5% ao ano, em vez de termos uma estagnação (crescimento econômico igual a "zero") no triênio 2014, 2015 e 2016, segundo projeções do mercado. Isso é ainda agravado pelo fato de, nesses mesmos três anos, a inflação média esperada ser de 6,7% ao ano, uma anomalia para um país que não cresce.

O baixo crescimento tem efeitos perversos para a vida dos trabalhadores. Na última semana, o IBGE mostrou que a taxa de desemprego cresceu pela terceira vez consecutiva neste ano e a renda real dos trabalhadores já teve queda de 3% neste período.

Além disso, como a correção real do salário mínimo está ligada ao crescimento do PIB, a estagnação da economia aponta para um crescimento "zero" no valor real do salário mínimo nos próximos dois anos e um aumento médio, no segundo governo Dilma, inferior a 1% ao ano!

O governo, depois de negar sistematicamente nas eleições a necessidade de qualquer ajuste fiscal, propõe agora um ajuste rudimentar cuja parte mais visível foi um corte real de 50% no investimentos dos ministérios da Saúde e da Educação, no primeiro trimestre do ano, redução dos direitos do trabalhadores e propostas de aumentos de vários impostos e da conta de luz, que somam R$ 52 bilhões de uma meta de R$ 58 bilhões de superavit primário do governo federal.

A presidente Dilma está chamando os trabalhadores para pagar do seu bolso 89% do custo do ajuste fiscal, sem ter fechado um único ministério ou cortado um único cargo de confiança. Não houve o que comemorar no Dia do Trabalho. O governo estragou a festa.

O presidente dos Correios escreveu artigo em resposta ao texto por mim publicado nesse espaço. Tendo em vista os erros e deliberadas imprecisões e omissões contidas no texto dele, convido a quem se interessar pelo tema a acessar psdb.org.br/acao-irregular-cor reios para mais informações.

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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Rodrigo Maia - Modelo de democracia

- O Globo

A reforma política é a oportunidade de mudanças estruturais esperadas há décadas pelos brasileiros. É a chance de construir um modelo de democracia no qual a população se sinta mais representada. Mas, para isso, é preciso corrigir distorções como as coligações proporcionais — que permitem eleger candidatos com pouca expressão eleitoral e eliminar outros com maior votação — e a pulverização do Parlamento, decorrente do excesso de partidos: hoje são 28 na Câmara dos Deputados.

Presidida pelo Democratas, a comissão especial que trata do assunto no Congresso aprovará um consenso sobre temas prioritários, como o financiamento de campanha e o sistema eleitoral. O foco no que é mais essencial é condição inescapável para tirar a reforma política do papel. Entre a utopia e a realidade, é preciso encontrar o caminho possível de atender aos anseios da sociedade.

A objetividade é o corolário de um debate que já produziu consensos ao longo dos últimos 20 anos. Todos concordam com a redução dos altos custos das campanhas. Por isso, a comissão tem discutido com tanta ênfase a definição de um teto para limitar as despesas. Os gastos de propaganda na TV, por exemplo, não podem ser de R$ 80 milhões, como aconteceu na campanha do PT para a Presidência em 2014.

No escopo do financiamento das campanhas, é relevante a discussão sobre o veto a doações, a partidos ou candidatos, de empresas que prestam serviço ao governo ou recebam algum tipo de incentivo fiscal.

A pauta da reforma eleitoral inclui ainda outros pontos importantes, como o fim da reeleição para presidente, governadores, prefeitos e do voto obrigatório — na maioria das democracias é o eleitor quem escolhe se exerce ou não o direito de ir às urnas.

Quanto ao sistema de eleições legislativas, ganha corpo o distritão, que prevê a extinção das coligações proporcionais e a eleição dos candidatos mais votados de cada grande distrito eleitoral: estado ou município. Além de respeitar a vontade declarada do eleitor, esse modelo estimula o confronto de ideias entre os partidos — com menos disputa interna, o debate fica mais focado nas diferenças programáticas.

Quanto maior a participação, melhor. Pelo portal e-Democracia, os eleitores podem participar em tempo real das audiências públicas interativas, enviando comentários e sugestões. Na internet, também foi disponibilizado um glossário explicando os principais itens da reforma.

Nos estados, a comissão realizou diversas audiências públicas. Em Brasília, recebeu especialistas e entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e o Tribunal Superior Eleitoral. No âmbito dos partidos, ouviu o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho, e os presidentes nacionais Aécio Neves (PSDB), Renato Rabelo (PCdoB) e Carlos Siqueira (PSB), entre outros.

Todo esse trabalho começa a materializar uma agenda positiva para o país. A construção de sistemas políticos e eleitorais mais justos é um avanço tão necessário quanto urgente. Cabe ao Parlamento dar a resposta que a sociedade espera e inaugurar um novo tempo na democracia brasileira.

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Rodrigo Maia é deputado federal (DEM-RJ) e presidente da Comissão Especial da Reforma Política

Denis Lerrer Rosenfield - Se eu fosse petista

- O Estado de S. Paulo

Se eu fosse petista, não adotaria uma postura esquizofrênica. De um lado, em seus momentos de responsabilidade, o PT levou a cabo uma prática social-democrata, que se assemelha aos governos social-democratas alemães ou ao trabalhismo inglês. De outro, o partido manteve inalterada a sua doutrina socialista, que retoma essencialmente o que era considerado como a concepção socialista/comunista do século 20. Na brecha dessa esquizofrenia, foi introduzido o aparelhamento partidário do Estado, como se essa fosse uma espécie de terceira via de sua manutenção "socialista" do poder, da qual o seu fruto mais visível é a corrupção instalada no aparelho estatal.

Se eu fosse petista, assumiria uma postura social-democrata, abandonando a fraseologia marxista e de conflito de classes. No governo o PT, com nuances internas nos governos Lula e Dilma Rousseff, adotou, na prática, uma política de tipo social-democrata, privilegiando programas sociais, dentre os quais o mais visível foi o Bolsa Família. Na mesma esteira, embora com apoio cubano, fez o programa

Mais Médicos, visando a fornecer atendimento a populações desatendidas de municípios carentes. O programa Minha Casa, Minha Vida seguiu a mesma orientação, com o objetivo de prover habitação para a população das mais baixas faixas de renda. Do mesmo modo, fez o programa Minha Casa Melhor, com a finalidade de possibilitar a aquisição de mobília e eletrodomésticos dessas mesmas moradias.

Se eu fosse petista, faria o que fez a social-democracia alemã e o trabalhismo inglês. Diga-se de passagem que a direita seguiu o mesmo caminho no caso da Democracia Cristã na Alemanha e na Itália ou dos governos gaullistas na França. Não é só a esquerda que faz política social! O marxismo e o comunismo não lhe foram, nesse sentido, de nenhuma valia, se considerarmos suas medidas sociais, próprias de governos inseridos numa economia capitalista. Ou seja, trata-se de iniciativas que são não só plenamente compatíveis com a economia de mercado, mas somente nesta podem tornar-se viáveis, dada a riqueza proveniente da livre-iniciativa e da liberdade de empreender, em relações regradas segundo as normas do Estado Democrático de Direito.

Se eu fosse petista, lutaria por uma verdadeira renovação doutrinária, e não por esse arremedo anacrônico constituído pelas "teses" das diferentes tendências partidárias e pela resolução do partido. Acontece que o programa partidário está baseado na luta de classes, na tutela estatal, na intervenção da economia, no menosprezo ao lucro, no desrespeito ao direito de propriedade, no desprezo à democracia representativa e sempre colocando como objetivo final a criação de uma "sociedade" socialista no Brasil. Note-se que o PT jamais deixou de prestar solidariedade aos governos comunistas de Hugo Chávez, Nicolás Maduro e dos irmãos Castro. Por mais que esses governos pisoteiem os direitos humanos que o PT diz representar, nenhuma crítica governamental nem partidária é a eles endereçada. Lembre-se que a ditadura cubana vivia das mesadas da União Soviética! Tudo, evidentemente, na visão deles é culpa do "imperialismo", apesar de o comunismo soviético, em décadas do século 20, ter ocupado mais da metade do planeta. Sucumbiram esses países às suas próprias contradições. Fracassaram simplesmente.

Se eu fosse petista, não endeusaria Lula. Em seus governos, o PT jamais abandonou essas posições doutrinárias. O ex-presidente, por exemplo, teve uma política sistemática de apoio e financiamento de uma organização revolucionária como o MST. Deu sustentação a invasões de propriedades rurais, em manifesto desrespeito ao direito de propriedade, algo muito próprio da esquerda revolucionária.

Sustentou, embora sem sucesso, várias tentativas de controle da imprensa e dos meios de comunicação, por intermédio das conferências nacionais. Apoiou iniciativas de conselhos populares e conferências com o claro intuito de minar as bases da democracia representativa. Apoiou o aparelhamento partidário do Estado, tendo a corrupção do mensalão como símbolo e legado seu. Aliás, também em seu governo é que foram assentadas as bases do petrolão.

Se eu fosse petista, depuraria o governo Dilma de suas contradições. A presidente Dilma distanciou-se de algumas posições de Lula e do PT, sinalizando uma renovação. Em seu primeiro mandato procurou afastar-se da corrupção, tentando uma faxina ética em seu Ministério, não tendo, porém, conseguido sustentar essa posição. No que diz respeito ao MST, relegou essa organização revolucionária a posição secundária. Foi, ademais, defensora intransigente da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, não tendo levado adiante o projeto de "controle social dos meios de comunicação" deixado por seu antecessor. Por outro lado, no que concerne aos conselhos populares tentou, com um decreto, fazer valer essa proposta revolucionária que solaparia as bases mesmas da democracia representativa. Sua recaída esquerdista foi manifesta. Seguindo, ainda, a mesma orientação de esquerda, seguiu as linhas de um capitalismo de compadrio com intervenção estatal crescente, cujo desfecho estamos hoje vivenciando com produto interno bruto (PIB) negativo, inflação que estourou o teto da meta e juros estratosféricos. Agora, neste seu segundo mandato, volta-se para os ditos "movimentos sociais" que desprezara.

Se eu fosse petista, aceitaria as críticas e faria uma autocrítica. No que diz respeito à corrupção, o PT nega, contra todas as evidências, a sua participação. Afastou o tesoureiro João Vaccari Neto somente depois de ele ter sido preso e, ainda assim, fazendo a sua defesa. No mensalão, considerou os seus artífices "guerreiros do povo brasileiro", em clara afronta às nossas instituições republicanas. Pior ainda, o PT ataca essas mesmas instituições republicanas, como o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Polícia Federal, e a imprensa e os meios de comunicação, que são os pilares de uma sociedade livre.

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*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da UFRGS.