sábado, 20 de setembro de 2008

A grande questão


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. O desafio que se coloca para a campanha do candidato democrata Barack Obama é convencer o eleitorado de que a nova versão que o senador republicano John McCain está construindo para sua imagem pública não corresponde à realidade. Ou se, ao contrário, McCain conseguirá convencer os eleitores de que essa nova versão corresponde a uma necessidade do momento. O mesmo que disse o presidente Bush ontem, ao anunciar o pacote que deu alívio aos mercados internacionais: "Intervir no mercado não é desejável, mas desta vez não havia outra solução", explicou o presidente americano.

O McCain contrário à liberdade do mercado financeiro, e favorável a uma regulamentação menos flexível para controlar as irresponsabilidades que foram cometidas em busca do lucro máximo, simplesmente é uma novidade forjada durante a campanha, em busca da simpatia do eleitor de classe média, que, por sua vez, anda em busca de segurança.

Na verdade, o aprofundamento da crise econômica pegou o Partido Republicano no contrapé, e obrigou a Casa Branca a adotar medidas de intervenção no mercado financeiro em intensidade tamanha que deixaram de ser pontuais para se tornarem sistêmicas, revogando todo o credo dos conservadores na força do mercado.

O presidente George W. Bush, que já entrara para a História como um dos piores presidentes dos Estados Unidos devido à guerra do Iraque, corria o risco de acrescentar ao seu currículo a pecha de ser o responsável pela quebra do sistema financeiro internacional.

Um papel que até agora era exercido pelo presidente Herbert Hoover, que, um ano depois de ter sido eleito, teve que comandar um país quebrado financeiramente pelo crash de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York.

Entregou ao seu sucessor Franklyn Roosevelt um país em recessão, da qual só saiu muitos anos, vários planos econômicos, uma Guerra Mundial e quatro mandatos presidenciais depois.

O democrata Roosevelt substituiu o republicano Hoover e entrou para a História como o homem que tirou os Estados Unidos da profunda crise econômica à custa de uma intervenção governamental forte para financiamento da indústria, criação de empregos, de programas de seguro social e controles rígidos do mercado financeiro.

A legislação protetora foi sendo flexibilizada com a chegada do governo republicano à Casa Branca em 2000, na certeza de que a desregulamentação traria maior produtividade ao setor financeiro.

Essa postura teve no então senador Phil Gramn seu mentor no Senado, e no senador McCain, de quem Gramn era uma espécie de guru econômico, um defensor permanente. O senador Joe Biden, candidato a vice de Obama, ressaltou essa parcela de culpa dos republicanos dizendo que "a mentalidade de cowboy" da era Bush retirou as proteções dos investimentos dos pequenos poupadores, deixando o caminho livre para os especuladores.

Por isso, a intervenção governamental na área financeira retira dos republicanos, e da campanha de McCain em particular, o mote de redução da ação do governo. No mais recente anúncio de propaganda de sua campanha, McCain fala na ampliação do papel do governo caso Obama seja eleito, com todos os efeitos que ela traz consigo, como o aumento dos impostos.

Até aqui, o governo reduzido, deixando para o empreendedorismo do cidadão o papel de alavancar o progresso do país, foi o principal mote da campanha republicana. Já não é mais possível culpar os democratas pela ampliação dos poderes do Estado, e nem pelo aumento do déficit público que as intervenções governamentais provocarão.

Mas, pelo menos McCain não terá um partido democrata culpando o governo pelo gasto do dinheiro do contribuinte, já que as medidas anunciadas ontem pela Casa Branca têm mais adeptos entre os democratas do que entre os próprios republicanos. E o pacote governamental depende basicamente dos democratas, que têm a maioria, para ser aprovado.

O fato de o candidato democrata Barack Obama não ter apresentado um plano alternativo, e sim ter incentivado a busca de um acordo no Congresso para aprovar o plano do governo Bush, só demonstra sua concordância com as medidas que estão sendo anunciadas. É uma atitude sensata, embora possa parecer ao eleitor médio indecisão.

Ao mesmo tempo, McCain anunciou a criação de uma nova agência que fiscalizará, em um eventual governo republicano, o mercado de hipotecas e o financeiro, para monitorar as atividades dos bancos e prevenir problemas antes que eles aconteçam.

A crise financeira que atingiu o sistema bancário americano, levando de roldão o mercado internacional, não teve repercussões no dia-a-dia do americano médio, que, ao contrário, sofreu as conseqüências diretas da bolha imobiliária que a gerou.

Por isso, no curto prazo, as perdas ficarão maquiadas, e o governo republicano pode até sair da crise com a fama de tê-la enfrentado com sucesso. O futuro presidente dos Estados Unidos, seja ele quem for, é quem vai ter que enfrentar as conseqüências desse aumento do déficit público, seja através de corte de gastos, seja com aumento dos impostos.

Mas, na campanha eleitoral, dificilmente ficará claro para o eleitor médio qual a melhor solução. Talvez os debates possam esclarecer qual dos candidatos está mais preparado para enfrentar os problemas futuros.

Glória sem cidadania


Teresa Costa D'Amaral
DEU EM O GLOBO

O Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD) ganhou 5 medalhas de ouro nos Jogos Paraolímpicos de Pequim, por isso talvez eu tenha conquistado o direito de ser lida com boa-fé por quem se emocionou com os atletas brasileiros.

Lutei todas as lutas com o Tenório e o Eduardo, nadei todas as provas com o André, joguei toda partida de futebol com o Zeca, o Vanderson, o Antonio e o Adriano. Velejei pelos mares com o Darke e o Rossano. Vivi cada medalha com alegria.

Mas outros motivos me levam a falar. Um deles, o fato de o IBDD ser o único clube de esporte para pessoas com deficiência que realiza um trabalho permanente de prática desportiva e construção da cidadania. Cada um dos nossos atletas tem apoio social, treinamento, orientação profissional, bolsa, seguro-saúde, preparação física, nutricionista.

A maioria dos atletas brasileiros volta de uma paraolimpíada sem emprego, sem patrocínio. Este ano nem o tradicional prêmio por medalha eles ganharam do Comitê Paraolímpico Brasileiro!

Os clubes e os atletas sobrevivem sem apoio. São pelo menos um milhão de reais mensais garantidos por lei para o CPB aplicar no esporte para pessoas com deficiência, mas o CPB não realiza com adequação e transparência esse investimento, e como não é nem órgão de governo nem ONG, vive no limbo da fiscalização do esporte em que quase tudo é permitido.

Existe em cada atleta muito de esforço pessoal e de infinita vontade de vencer. Não posso negar, existe uma confusa bolsa-atleta do Ministério do Esporte. Mas como seria poderoso todo o imenso volume de recursos, se não se perdesse no mal-organizado apoio às confederações, nas bem-organizadas viagens dos cartolas, na farsa da relação de marketing com empresas. O Lars Grael já se pronunciou contra.

Importante dizer que as confederações estão falidas. A CBDC, que representa o desporto para cegos, fez no início do ano uma rifa para tentar pagar a dívida de mais de um milhão de reais que contraiu para fazer os Jogos Mundiais, etapa indispensável para Pequim. A Abradecar, de desporto em cadeira de rodas, fechou por desvios e dívidas. A Ande, desporto para paralisados cerebrais, mal sobrevive, o próprio IBDD já emprestou dinheiro para ela.

Decisão equivocada do CPB fez com que o Caco, nosso atleta, medalha de ouro em Atlanta, não competisse porque é desafeto de dirigentes. Outra decisão infeliz fez com que as TVs abertas não transmitissem as competições.

Os Jogos de Pequim não foram o que poderiam ter sido para a nossa luta. Mas conquistamos cada brasileiro que viu nossa força. Fizemos muito, muito, por esforço pessoal de cada atleta, poderíamos ter feito mais e melhor se houvesse consistência na construção dessas conquistas. E persistiu a irresponsável aplicação dos recursos destinados ao esporte paraolímpico. E mais infelizmente não posso dizer, ou porque minha responsabilidade como administradora do IBDD não permite ou porque nossa assessoria jurídica não deixa.

TERESA COSTA D"AMARAL é superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD).

A delação legalizada


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

COM A MESMA DESENVOLTURA de outras proezas, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, defendeu na CPI do Grampo a "discussão" sobre a virtual revogação do sigilo da fonte, um das normas éticas fundamentais do exercício da profissão de jornalista, em especial do jornalismo político. A proposta do ministro de todas as Armas é de tal maneira estapafúrdia, de amoralismo cínico e despropositado que não merece ser discutida ou levada a sério. Mas, repudiado pela categoria, a começar pelas entidades de classe, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o Sindicato dos Jornalistas e o apoio da Academia Brasileira de Letra (ABL) e de todos os sensibilizados pela defesa da liberdade de imprensa. Nas minhas seis décadas de exercício como repórter político jamais trai uma fonte ou delatei o informante que em mim confiou. E, de logo, deixo claro de público que jamais revelarei a fonte que acreditou na minha dignidade. Quaisquer que sejam as conseqüências de uma recaída na esterqueira da ditadura.

Lula na sua campanha e na da Dilma

Como o presidente Lula conserva as barbas grisalhas, não cultiva o hábito do dialogo matinal com o espelho, enquanto espalha com o pincel o sabão pelo rosto e com a confiável gilete ou a navalha caída em desuso raspa os fios que enfeiam a fisionomia. Não precisa conferir a cada dia os índices de auto-estima, que disparam em velocidade superior aos dos seus índices recordistas de popularidade nas pesquisas que batem no teto de 62%, e com a pinta que alcançará os 70% com gosto doce da virtual unanimidade. E, se o comedimento nunca foi uma das características do seu temperamento, a série de êxitos emplacados pelo governo ativou os neurônios da confiança no seu esquema para as duas campanhas eleitorais.

A que se arrasta na gaiatice cafona do programa eleitoral e promete favorecer o bloco governista de 16 siglas, com o tempero democrático de esparsas vitórias oposicionistas, inclusive em capitais importantes. O ruído das comemorações e análises da eleição de prefeitos e vereadores será sufocado pelo vagalhão que desabará na praia com especulações, manobras, acordos e rompimentos sobre as eleições de 2010 para o sucessor de Lula, governadores, senadores e deputados federais.

E é aí, no gramado das decisões que Lula treina, para consolidar e ampliar a vitória que considera certa, favas contadas. Quem presta atenção nos conchavos do jogo político e distrai-se com as embaixadas e chutes a gol do presidente-artilheiro acompanhou a escalada nas mudanças do seu temperamento.

Lula diz o que lhe vem à cabeça na autolouvação delirante dos seus feitos, a bater recordes mundiais com a facilidade com que se descasca uma tangerina. E não está nem aí para críticas de uma oposição que está brigando mais para dentro, engasgada na rala sopa de siglas, do que com o adversário nacional, solto no ringue. Promessas e fanfarrices na agenda de todos os dias.

Na efusiva e recente amizade de infância com o governador fluminense, Sérgio Cabral, promessas atropelam a enxurrada de louvação: "Não tenho medo de dizer que Sérgio pode passar à História como o melhor governador que este Estado já teve". E, para enfeitar o buquê prometeu copiar o modelo do projeto das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) para construir 500 no Brasil até 2010. Nem precisava, pois, como o presidente alardeia, "nestes dois anos de mandato, em parceria com Sérgio Cabral, estamos fazendo mais pelo Rio do que foi feito nos últimos 30 anos".

Nos intervalos das folgas, cuida do PT que, depois da temporada dos escândalos do mensalão, do caixa 2, da compra de ambulâncias superfaturadas está mais dócil do que um cordeirinho. Na última rodada de conversa palaciana, o candidato escolhido para presidir o Partido dos Trabalhadores a partir de agosto de 2006 é o amigo de longa militância e seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho.

A ministra Dilma Rousseff não cria problemas e só dá satisfações ao presidente. Vestiu a blusa de candidata e tira excelentes notas no cursilho prático no Palácio do Planalto. Bem humorada, atenciosa, falante e com excelente desempenho nos palanques das viagens do presidente. Nem a pífia campanha da seleção de Dunga esquenta a sua cabeça. Ao contrário, deu razão aos seus reparos de peladeiro nos tempos de torneiro-mecânico em São Bernardo do Campo.

Poder arreganha dentes para nós


Milton Coelho da Graça (*)
DEU EM COMUNIQUE-SE

Quanto mais avança a democracia, quanto mais avança a tecnologia, mais o poder quer xeretar nossas vidas e menos aceita que os jornalistas descubram e divulguem um pouquinho do resultado dessa xeretice.

Por que o ministro da Justiça não mandou um projeto de lei ao Congresso com penas mais duras para violações do sigilo bancário dos cidadãos, como aquela ordenada pelo ex-ministro Antonio Palocci (e respeitosamente cumpridas por dirigentes de estatais) contra o pobre caseiro da casa de diversões mais famosa de Brasília?

Por que Legislativo e Judiciário nada fizeram depois que João Paulo Cunha, presidente da Câmara Federal, graças a informações obtidas por grampos, mandou parar a enxurrada de convocações de empresários pela Comissão de Fiscalização de Atividades Financeiras, onde eram polidamente “escalpelados”?

E, porque nada fizeram, o “Coringa” dessa Comissão continuou subindo na vida. Agora, como presidente da Constituição e Justiça, a mais importante nas duas casas do Congresso, é o pior espinho parlamentar contra o presidente Lula, exigindo sempre um “presentinho” para dar andamento a qualquer iniciativa do Governo. O mais recente “presentinho” exigido é o fundo de pensão Real Grandeza, dos funcionários de Furnas, um dos mais bem administrados do país.

Estou contando tudo isso antes que seja aprovado esse projeto provavelmente elaborado de comum acordo entre os três poderes da República (embora Lula esteja calado). O ministro Tarso Genro explicou hoje (sexta, 19/9): “Quem diz que o texto abre brecha para punir jornalistas não leu o projeto ou não teve clareza jurídica e técnica para compreendê-lo”.

Ministro, li umas três ou quatro vezes. Reconheço que talvez não tenha clareza jurídica para compreender o que V. Exa. pretende. Mas os únicos textos ministeriais que às vezes não consigo compreender são os do ministro Mangabeira Unger.

Em quase 50 anos de carreira, sempre entendi bem todos os outros. E está claríssima a intenção de impor medo e punir qualquer investigação jornalística que se inicie ou inclua informações obtidas através de um e-mail ou grampo, referentes a um tema de interesse público, mesmo que a matéria não reproduza nem se refira a essa origem. “Utilizar o RESULTADO de interceptação” é bastante vago para nos sujeitar a prisãode quatro anos e multa, com anuência e até aplauso, suspeito, de uma significativa parcela do Judiciário.

O projeto modifica o artigo 151 do Código Penal. O parágrafo 1º e seu inciso II (clique aqui para conhecer bem a ameaça) estão cuidadosamente redigidos. As palavras “imprensa” e “jornalista” não aparecem, mas é a nós que se referem.

E já está no forno outra paulada, desta vez anunciada pelo ministro Nelson Jobim, visivelmente entusiasmado pelas fotos com uniforme de combatente. O alvo é o sigilo da fonte.

Todo governante sonha com a absoluta fidelidade do aparelho de Estado, mas a democracia depende vitalmente da lealdade de cada funcionário público o interesse do Estado e da legalidade constitucional acima dos desejos de superiores hierárquicos. Quando o governante usa uniforme e a lei não nos protege, ele não apenas sonha, baixa o sarrafo.

Falo de cadeira porque peguei um mês no DOI-CODI e uma condenação a seis meses no presídio do Hipódromo, por fazer com outros companheiros um jornal clandestino (Notícias Censuradas) quando o ditador Médici proibiu a divulgação de notícias sobre uma epidemia de meningite e prejudicou o combate à doença. Se os médicos no Rio e em São Paulo tivessem baixado a cabeça e não divulgassem o que estava acontecendo, teria havido um número ainda maior de mortes.

Mencionei lá em cima que o presidente Lula até agora está calado sobre esses dois temas. Tenho sincera esperança de que ele ordenará “meia volta volver” a todos os ministros, parlamentares e juízes que sonham com um Brasil sem jornalistas xeretas.

(*) Milton Coelho da Graça, 78, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.

Dois descasamentos e um funeral


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Falou-se muito, desde o início da crise mal chamada de "subprime", no "decoupling", ou descasamento, entre as dificuldades do mundo rico e a robustez das economias emergentes. Mas o que ocorre, ao menos até agora, são dois descasamentos e um funeral.

O casamento vem se dando nos mercados financeiros: as Bolsas caem e sobem sincronizadamente, como prova a formidável gangorra desta semana, que termina gloriosamente, com os mercados salvos pelo Estado no qual quase cravaram a estaca de madeira.

Um dos descasamentos ocorre na vida real, exatamente aquele que se discutia. Os emergentes sofrem menos até agora do que os ricos.

Basta citar um título perdido no pé da página B10 desta Folha: "Crescimento da Argentina se desacelera para 7,5%".

Quando se sabe que pelo menos três países da Europa (Reino Unido, Alemanha e Espanha) embicam para a recessão, um crescimento de 7,5% não deveria ser chamado de desaceleração. Menos ainda quando se dá em um país que também escapou da estaca de madeira brandida com sanha pelos "palpiteiros", como o presidente Lula bem chamou as entidades financeiras que assombravam os emergentes, mas não foram capazes de prever o seu próprio funeral.

Agora o mais interessante na história toda é o descasamento entre a economia real e a economia financeira. Coloque sempre um baita "até agora" em todas as afirmações, caro leitor. Mas, por enquanto, quebraram, só nos Estados Unidos, três das cinco grandes instituições financeiras não ligadas a bancos.

Mas não quebrou, nem nos Estados Unidos, nem em outros países, uma Microsoft, um Wal-Mart, uma Ford, ou General Motors, ou Volkswagen, ou Fiat.
Não quebrou nem o quitandeiro da esquina, em Londres ou em São Paulo. A ver quanto dura. Tomara que para sempre.

A República inexistente

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto em peso, nesta semana, decidiu levar adiante um projeto de lei propondo punição aos meios de comunicação que se atreverem a divulgar o conteúdo de escutas telefônicas ilegais. O texto será dinamitado no Congresso, mas a audácia anti-republicana do lulismo fica outra vez explicitada.

Não existe um caso recente de escândalo nacional cuja execução de escutas ilegais tenha sido responsabilidade da mídia. Criminosos praticam a ilegalidade. Passam a chantagear os grampeados. Como o jornalismo nasce onde começa o interesse contrariado, muitas vezes o público tem a sorte de ter acesso inaudito ao que se passa nos porões do poder.

Um exemplo emblemático ocorreu em 1998. Uma quadrilha grampeou empresários, ministros e o presidente da República às vésperas do leilão de privatização das empresas de telefonia. Ao divulgar o conteúdo dessas escutas ilegais, a mídia cumpriu sua missão de bem informar. O público conheceu algo antes circunscrito a um grupo diminuto de pessoas.

O projeto antigrampo de Lula não é apenas limitador da liberdade de expressão e de informação. É também omisso por não tratar da raiz do problema: o baixo investimento e a desídia da companhias telefônicas na área de segurança dos dados pessoais dos usuários.

Para impedir funcionários de quinto escalão de venderem dados sigilosos por R$ 500, as telefônicas teriam de gastar muito dinheiro.

Segurança interna e controle rigoroso exigiriam treinamento de pessoal e rígidos sistemas de vigilância.

A lei proposta por Lula não toca nesse tema. Seria inconveniente para o Palácio do Planalto incomodar empresários tão generosos durante períodos eleitorais.É mais cômodo inflar uma lei inútil. O governo finge estar preocupado. Imagem, Lula sabe, é tudo.

Partidos de esquerda são os mais rejeitados nas capitais

DA AGÊNCIA FOLHA

Os partidos que se consideram mais à esquerda são os enfrentam a maior rejeição de eleitores nas capitais, de acordo com as pesquisas de intenção de voto. Em 12 das 26 capitais, PSTU, PSOL ou PCO têm candidatos líderes em rejeição -em uma das capitais, esses partidos não têm candidato.

O PSTU, que prega a expropriação de grandes empresas, lidera a rejeição em sete capitais. Entre os partidos fora desse espectro político, o DEM é o que tem mais candidatos rejeitados: quatro. Os dados são de oito pesquisas do Datafolha e de 18 do Ibope. Os entrevistados, além de dizer em quem votariam para prefeito, respondem sobre quem não escolheriam de jeito nenhum.

Neste quesito, três são candidatos à reeleição como prefeitos: Duciomar Costa (PTB), em Belém, Serafim Corrêa (PSB), em Manaus, e João Henrique (PMDB), empatado com ACM Neto (DEM) em Salvador.

Para o PSTU, a rejeição é provocada por campanhas feitas sem "marqueteiros". "A gente não é mercador de ilusões. A gente trata a realidade tal qual ela é e apresenta alternativa", diz Kátia Telles, candidata da legenda em Recife. Em pesquisa do Datafolha, ela é rejeitada por 38% dos eleitores -está junto ao candidato Cadoca (PSC), com 41%.

Kátia, porém, diz que vem sendo bem recebida na campanha e que tem muita receptividade em alguns setores, como sindicatos.

Para a direção do PSOL, com alta rejeição em seis capitais, uma causa possível é a falta de um "enraizamento" do partido. "É apenas a nossa primeira eleição municipal", disse Miguel Carvalho, presidente da sigla em São Paulo.

Segundo cientista político Marcus Figueiredo, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), o eleitorado tende a se afastar de posições radicais que, segundo ele, são mantidas por esses partidos.

"Eles adotam um tom denuncista. Ficam em um discurso de marcar posição política", afirma Figueiredo.

Depois do vendaval


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Arrombada a porta das divergências internas no PSDB na primeira etapa, no segundo turno da eleição municipal paulistana o governador José Serra entra em cena para tentar consertar os estragos e mergulha "de cabeça" na campanha.

Seja quem for o finalista, Geraldo Alckmin ou Gilberto Kassab, trabalhará com igual intensidade: grava nova participação no horário eleitoral, discursa (com entusiasmo?) nos eventos e marca presença ao lado do candidato, em regime de dedicação quase exclusiva.

O governador de São Paulo não superestima a influência do produto do embate municipal com o PT na construção de sua candidatura a presidente em 2010. Mas tampouco subestima o significado político de uma vitória para o presidente Luiz Inácio da Silva nem menospreza os aborrecimentos de uma relação cotidiana com Marta Suplicy na prefeitura.

Reside basicamente nesses dois motivos o imperativo de ganhar.

A administração das mágoas partidárias propriamente ditas fica para depois, inclusive porque os meios e modos de fazer os curativos dependerão do resultado.

Se Alckmin vencer, sai forte internamente. Nessa altura do empate com Kassab nas pesquisas, não tanto quanto acreditou ao insistir na candidatura contra os planos iniciais do governador de aproveitar a eleição municipal para oferecer um horário nobre ao DEM no Sudeste e abrir um espaço de apoio à sua candidatura presidencial no PMDB.

Ainda assim, fica em situação confortável porque terá uma estrutura de poder onde abrigar seus correligionários.

Se for Kassab o oponente de Marta Suplicy na etapa final, o cenário desenhado pelo lado do governador Serra é bem menos tenebroso que o esperado pelos aliados de Alckmin.

Estes jogam hoje como se não houvesse mais pontes a serem preservadas. Atacam o herdeiro-executor de uma administração montada pelo governador, certos de que, se não investirem no tudo para ir ao segundo turno agora, ficarão com nada amanhã em virtude de uma aposta errada.

Na verdade, duas, se considerada também a insistência de Geraldo Alckmin em disputar a Presidência em 2006 com Lula no lugar de Serra.

Apesar de todos os pesares, o clima no Palácio dos Bandeirantes não é de retaliação. Claro, a amenidade é estudada e tem uma escala de gradação. No nível mais alto, Serra faz pose olímpica. Não deixa transparecer um pingo de desagrado e age como se não tivesse havido atropelo algum.

Já seus auxiliares não aderem com tanta disciplina ao lema "o que não tem remédio, remediado está". Reclamam dos "exageros", falam em "desespero", "traição", mas, no essencial, seguem a linha do governador e não tratam Alckmin como peça fora do jogo político, mesmo na eventualidade de ser eliminado já em 5 de outubro.

Não que não preferissem ver Alckmin pelas costas de uma vez por todas. Mas não lhes resta outra saída além do discurso da recomposição porque, a preço de hoje, ele ainda é a escolha viável do partido para disputar o governo do Estado em 2010.

Quanto aos "radicais" de parte a parte não se vêem atritos incuráveis. Os alckmistas, se derrotados, não resistiriam aos apelos da mão estendida, caso essa disposição ao "diálogo" por parte dos serristas não seja fruto de desprendimento meramente tático.

O DEM, de Gilberto Kassab, entende-se direto com José Serra em linha completamente sem ruídos. O partido ganhou um destaque jamais sonhado em São Paulo, ficou contente de ver Serra atuando dois tons aquém do limite da responsabilidade partidária no embate Alckmin-Kassab e, agora, está mais interessado em influir na articulação para a sucessão presidencial.

Na prática, o quadro evidentemente não será tão cor-de-rosa quanto a teoria escrita em feitio de conciliação. Mas não sobra alternativa: se a inimizade é irremediável que pelo menos os negócios sejam tratados à parte.

Novo endereço

Aposta é tucana e corroborada por ala significativa do petismo: o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, deixa o PT para disputar o governo de Minas Gerais em 2010 por uma das duas legendas: PSDB ou PSB. De todo modo, estaria perfeita e definitivamente integrado ao grupo do governador Aécio Neves.

O problema de Pimentel são as feridas abertas no PT por causa da aliança dele com Aécio para eleger Márcio Lacerda agora, na capital. A sessão municipal apoiou o prefeito, mas a estadual e nacional ficaram contra, o que lhe retira a chance de obter a legenda para disputar o governo.

A menos que o presidente Lula resolvesse intervir para manter no partido um de seus quadros mais qualificados, hoje com aprovação popular de 76%.

Mas isso dependeria de dois pré-requisitos: Pimentel querer ficar e de Aécio apoiá-lo aceitando de bom grado entregar ao PT o governo do segundo colégio eleitoral do País exatamente quando o PSDB tentará voltar à Presidência da República.

Lula assume campanha de candidata do PT em Natal

Cida Fontes, enviada especial do Estado

Ao fazer isso, presidente nacionalizou campanha, comprou briga com aliados e rachou os partidos de sua base


NATAL - Ao assumir de forma ostensiva a campanha da candidata do PT, Fátima Bezerra, à prefeitura de Natal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nacionalizou a campanha, comprou uma briga com aliados e rachou os partidos de sua base política no Rio Grande do Norte. "O presidente tem todo o direito de apoiar quem quiser, mas só espero que ele tenha senso de discernimento para participar da campanha como cidadão e não como presidente da República ou do PT", reagiu a candidata do PV, deputada estadual Micarla de Sousa, que, apesar de enfrentar a estrutura das máquinas federal, estadual e municipal, lidera as pesquisas de intenção de voto.

Enquanto Lula patrocinava a aliança entre os contrários da política potiguar - PT, PMDB e PSB - Micarla se associava ao DEM, que faz oposição cerrada a Lula no plano nacional. Sua campanha é sustentada por cinco partidos da base aliada (PV, PTB, PR, PP, PMN). Irritados, os deputados federais cobraram recentemente uma interferência do ministro de Relações Institucionais, José Múcio, filiado ao PTB. Foi em vão, a aliança se consolidou e Micarla ficou isolada. Lula, por sua vez, se transformou no maior garoto-propaganda de Fátima Bezerra, aparecendo nas inserções e nos programas no rádio e TV pedindo votos para a companheira.

"A campanha está federalizada e causando constrangimento para nós. É como se estivéssemos disputando a presidência da República", afirmou o presidente do PR, deputado João Maia, seguindo na mesma linha do presidente da Assembléia Legislativa, Robson Faria (PMN). Dos oito deputados federais do Rio Grande do Norte, seis são integrantes da base aliada e três não apóiam Fátima Bezerra, mas sim Micarla. A presença forte de ministros do PMDB e do PT em Natal para reforçar a campanha da petista não agradou aos aliados de Micarla. "Se eles continuarem vindo depois das eleições, Natal vai virar uma Suíça", ironizou João Maia.

Micarla, de 38 anos e dois filhos pequenos, tem popularidade em Natal e sabe usar a comunicação - herdou de seu pai a TV Ponta Negra, repetidora do SBT. "O presidente Lula veio a Natal contrariando suas próprias palavras", atacou Micarla, ao destacar a promessa que Lula fez aos aliados: ficar fora da campanha onde a base aliada não estivesse unida. "Desejo que o presidente seja responsável", cutucou a candidata do PV, afirmando que, caso seja eleita, não aceitará retaliações por parte dos governos federal e municipal.

Micarla sempre esteve politicamente com a governadora Wilma de Faria, do PSB, que agora está apoiando a candidata petista. E, segundo disse, continua votando a favor de Wilma na Assembléia Legislativa. Mas em relação ao prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, do PSB, primo do senador Garibaldi Alves e do deputado Henrique Eduardo Alves, ambos do PMDB, o rompimento perdura há dois anos. Após ser eleita vice-prefeita de Carlos Eduardo, em 2004, com apoio de Wilma de Faria, Micarla brigou com ele, deixou a prefeitura e se elegeu deputada estadual em 2006.

Ao se juntar ao DEM, Micarla passou a ser qualificada de "oposição" pelos adversários políticos. Mas não se intimida com os ataques nem com o acordo com o líder do DEM, senador José Agripino. "A experiência política e administrativa do DEM em Natal só ajudam", afirmou se referindo a Agripino, que já foi governador do Estado.



Líder em Porto Alegre, Fogaça prescinde do apoio de Lula

Sinara Sandri - REUTERS

PORTO ALEGRE - Enquanto aliados disputam o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até oposicionistas tentam mostrar proximidade, o candidato à prefeitura de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB), não tira proveito de ser de um partido da base do governo e faz campanha alheio à popularidade de Lula.

Líder nas pesquisas de intenção de voto desde o início da campanha, Fogaça aposta mais nas lideranças locais e nas alianças que montou para reforçar sua candidatura.

"Estamos disputando a eleição da capital dos gaúchos. A estratégia é fincar pé nas questões locais e não vincular com o (quadro) nacional", disse Clóvis Magalhães, coordenador da campanha de Fogaça, à Reuters.

Segundo Magalhães, a opção está associada a uma "coerência com o município", e a ênfase se baseia na formação da aliança que sustenta Fogaça e que inclui o PDT e PTB, partidos de grande expressão estadual e que já tiveram experiências na administração da capital.

Além disso, boa parte das lideranças peemedebistas gaúchas tem tradição na defesa de estratégias de construção partidária e de não alinhamento aos governos federais. Em 2006, protagonizaram um movimento em defesa da candidatura própria nas eleições presidenciais e lançaram o então governador Germano Rigotto como pré-candidato, em uma disputa interna que acabou sendo vencida pelo ex-governador do Rio, Antony Garotinho.

"O presidente Lula é fundamental como parceiro para o desenvolvimento de Porto Alegre e o PMDB é o maior parceiro do governo Lula, nem por isso o reivindicamos como cabo eleitoral", disse Magalhães.

ADVERSÁRIO COMUM
Fogaça concorre à reeleição e lidera a disputa, com 33 por cento das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha feita nos dias 17 e 18 de setembro. Por enquanto, assiste de camarote a uma disputa acirrada entre as deputadas federais Manuela D'Ávila (PCdoB) e Maria do Rosário (PT) pela outra vaga no segundo turno. As duas estão rigorosamente empatadas, com 18 por cento da intenções de voto, e brigam pela exclusividade do vínculo com o presidente Lula.

Manuela e Maria do Rosário aparecem emboladas desde as primeiras pesquisas. Na reta final da campanha, as equipes fazem avaliações positivas, acirram às críticas aos adversários, mas já indicam oposição a um possível governo Fogaça como o caminho para superar hostilidades e formar uma aliança no segundo turno.

"Estamos dentro dos limites do debate político e (os ataques feitos na campanha) são perfeitamente superáveis. Com certeza, teremos uma aliança das forças que estão na oposição a Fogaça", disse Adalberto Frasson, coordenador de campanha de Manuela, à Reuters. A avaliação é compartilhada pelo lado do PT, que, apesar das restrições aos PPS -- que integra a chapa de Manuela e é considerado "privatista" e herdeiro da tradição política do ex-governador Antônio Brito -, aposta em um realinhamento com o PCdoB.

"Nosso adversário é o Fogaça. Também acreditamos que seja o adversário dos comunistas", disse Rodrigo Oliveira, coordenador da campanha de Maria do Rosário, à Reuters.



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