Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. O desafio que se coloca para a campanha do candidato democrata Barack Obama é convencer o eleitorado de que a nova versão que o senador republicano John McCain está construindo para sua imagem pública não corresponde à realidade. Ou se, ao contrário, McCain conseguirá convencer os eleitores de que essa nova versão corresponde a uma necessidade do momento. O mesmo que disse o presidente Bush ontem, ao anunciar o pacote que deu alívio aos mercados internacionais: "Intervir no mercado não é desejável, mas desta vez não havia outra solução", explicou o presidente americano.
O McCain contrário à liberdade do mercado financeiro, e favorável a uma regulamentação menos flexível para controlar as irresponsabilidades que foram cometidas em busca do lucro máximo, simplesmente é uma novidade forjada durante a campanha, em busca da simpatia do eleitor de classe média, que, por sua vez, anda em busca de segurança.
Na verdade, o aprofundamento da crise econômica pegou o Partido Republicano no contrapé, e obrigou a Casa Branca a adotar medidas de intervenção no mercado financeiro em intensidade tamanha que deixaram de ser pontuais para se tornarem sistêmicas, revogando todo o credo dos conservadores na força do mercado.
O presidente George W. Bush, que já entrara para a História como um dos piores presidentes dos Estados Unidos devido à guerra do Iraque, corria o risco de acrescentar ao seu currículo a pecha de ser o responsável pela quebra do sistema financeiro internacional.
Um papel que até agora era exercido pelo presidente Herbert Hoover, que, um ano depois de ter sido eleito, teve que comandar um país quebrado financeiramente pelo crash de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York.
Entregou ao seu sucessor Franklyn Roosevelt um país em recessão, da qual só saiu muitos anos, vários planos econômicos, uma Guerra Mundial e quatro mandatos presidenciais depois.
O democrata Roosevelt substituiu o republicano Hoover e entrou para a História como o homem que tirou os Estados Unidos da profunda crise econômica à custa de uma intervenção governamental forte para financiamento da indústria, criação de empregos, de programas de seguro social e controles rígidos do mercado financeiro.
A legislação protetora foi sendo flexibilizada com a chegada do governo republicano à Casa Branca em 2000, na certeza de que a desregulamentação traria maior produtividade ao setor financeiro.
Essa postura teve no então senador Phil Gramn seu mentor no Senado, e no senador McCain, de quem Gramn era uma espécie de guru econômico, um defensor permanente. O senador Joe Biden, candidato a vice de Obama, ressaltou essa parcela de culpa dos republicanos dizendo que "a mentalidade de cowboy" da era Bush retirou as proteções dos investimentos dos pequenos poupadores, deixando o caminho livre para os especuladores.
Por isso, a intervenção governamental na área financeira retira dos republicanos, e da campanha de McCain em particular, o mote de redução da ação do governo. No mais recente anúncio de propaganda de sua campanha, McCain fala na ampliação do papel do governo caso Obama seja eleito, com todos os efeitos que ela traz consigo, como o aumento dos impostos.
Até aqui, o governo reduzido, deixando para o empreendedorismo do cidadão o papel de alavancar o progresso do país, foi o principal mote da campanha republicana. Já não é mais possível culpar os democratas pela ampliação dos poderes do Estado, e nem pelo aumento do déficit público que as intervenções governamentais provocarão.
Mas, pelo menos McCain não terá um partido democrata culpando o governo pelo gasto do dinheiro do contribuinte, já que as medidas anunciadas ontem pela Casa Branca têm mais adeptos entre os democratas do que entre os próprios republicanos. E o pacote governamental depende basicamente dos democratas, que têm a maioria, para ser aprovado.
O fato de o candidato democrata Barack Obama não ter apresentado um plano alternativo, e sim ter incentivado a busca de um acordo no Congresso para aprovar o plano do governo Bush, só demonstra sua concordância com as medidas que estão sendo anunciadas. É uma atitude sensata, embora possa parecer ao eleitor médio indecisão.
Ao mesmo tempo, McCain anunciou a criação de uma nova agência que fiscalizará, em um eventual governo republicano, o mercado de hipotecas e o financeiro, para monitorar as atividades dos bancos e prevenir problemas antes que eles aconteçam.
A crise financeira que atingiu o sistema bancário americano, levando de roldão o mercado internacional, não teve repercussões no dia-a-dia do americano médio, que, ao contrário, sofreu as conseqüências diretas da bolha imobiliária que a gerou.
Por isso, no curto prazo, as perdas ficarão maquiadas, e o governo republicano pode até sair da crise com a fama de tê-la enfrentado com sucesso. O futuro presidente dos Estados Unidos, seja ele quem for, é quem vai ter que enfrentar as conseqüências desse aumento do déficit público, seja através de corte de gastos, seja com aumento dos impostos.
Mas, na campanha eleitoral, dificilmente ficará claro para o eleitor médio qual a melhor solução. Talvez os debates possam esclarecer qual dos candidatos está mais preparado para enfrentar os problemas futuros.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. O desafio que se coloca para a campanha do candidato democrata Barack Obama é convencer o eleitorado de que a nova versão que o senador republicano John McCain está construindo para sua imagem pública não corresponde à realidade. Ou se, ao contrário, McCain conseguirá convencer os eleitores de que essa nova versão corresponde a uma necessidade do momento. O mesmo que disse o presidente Bush ontem, ao anunciar o pacote que deu alívio aos mercados internacionais: "Intervir no mercado não é desejável, mas desta vez não havia outra solução", explicou o presidente americano.
O McCain contrário à liberdade do mercado financeiro, e favorável a uma regulamentação menos flexível para controlar as irresponsabilidades que foram cometidas em busca do lucro máximo, simplesmente é uma novidade forjada durante a campanha, em busca da simpatia do eleitor de classe média, que, por sua vez, anda em busca de segurança.
Na verdade, o aprofundamento da crise econômica pegou o Partido Republicano no contrapé, e obrigou a Casa Branca a adotar medidas de intervenção no mercado financeiro em intensidade tamanha que deixaram de ser pontuais para se tornarem sistêmicas, revogando todo o credo dos conservadores na força do mercado.
O presidente George W. Bush, que já entrara para a História como um dos piores presidentes dos Estados Unidos devido à guerra do Iraque, corria o risco de acrescentar ao seu currículo a pecha de ser o responsável pela quebra do sistema financeiro internacional.
Um papel que até agora era exercido pelo presidente Herbert Hoover, que, um ano depois de ter sido eleito, teve que comandar um país quebrado financeiramente pelo crash de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York.
Entregou ao seu sucessor Franklyn Roosevelt um país em recessão, da qual só saiu muitos anos, vários planos econômicos, uma Guerra Mundial e quatro mandatos presidenciais depois.
O democrata Roosevelt substituiu o republicano Hoover e entrou para a História como o homem que tirou os Estados Unidos da profunda crise econômica à custa de uma intervenção governamental forte para financiamento da indústria, criação de empregos, de programas de seguro social e controles rígidos do mercado financeiro.
A legislação protetora foi sendo flexibilizada com a chegada do governo republicano à Casa Branca em 2000, na certeza de que a desregulamentação traria maior produtividade ao setor financeiro.
Essa postura teve no então senador Phil Gramn seu mentor no Senado, e no senador McCain, de quem Gramn era uma espécie de guru econômico, um defensor permanente. O senador Joe Biden, candidato a vice de Obama, ressaltou essa parcela de culpa dos republicanos dizendo que "a mentalidade de cowboy" da era Bush retirou as proteções dos investimentos dos pequenos poupadores, deixando o caminho livre para os especuladores.
Por isso, a intervenção governamental na área financeira retira dos republicanos, e da campanha de McCain em particular, o mote de redução da ação do governo. No mais recente anúncio de propaganda de sua campanha, McCain fala na ampliação do papel do governo caso Obama seja eleito, com todos os efeitos que ela traz consigo, como o aumento dos impostos.
Até aqui, o governo reduzido, deixando para o empreendedorismo do cidadão o papel de alavancar o progresso do país, foi o principal mote da campanha republicana. Já não é mais possível culpar os democratas pela ampliação dos poderes do Estado, e nem pelo aumento do déficit público que as intervenções governamentais provocarão.
Mas, pelo menos McCain não terá um partido democrata culpando o governo pelo gasto do dinheiro do contribuinte, já que as medidas anunciadas ontem pela Casa Branca têm mais adeptos entre os democratas do que entre os próprios republicanos. E o pacote governamental depende basicamente dos democratas, que têm a maioria, para ser aprovado.
O fato de o candidato democrata Barack Obama não ter apresentado um plano alternativo, e sim ter incentivado a busca de um acordo no Congresso para aprovar o plano do governo Bush, só demonstra sua concordância com as medidas que estão sendo anunciadas. É uma atitude sensata, embora possa parecer ao eleitor médio indecisão.
Ao mesmo tempo, McCain anunciou a criação de uma nova agência que fiscalizará, em um eventual governo republicano, o mercado de hipotecas e o financeiro, para monitorar as atividades dos bancos e prevenir problemas antes que eles aconteçam.
A crise financeira que atingiu o sistema bancário americano, levando de roldão o mercado internacional, não teve repercussões no dia-a-dia do americano médio, que, ao contrário, sofreu as conseqüências diretas da bolha imobiliária que a gerou.
Por isso, no curto prazo, as perdas ficarão maquiadas, e o governo republicano pode até sair da crise com a fama de tê-la enfrentado com sucesso. O futuro presidente dos Estados Unidos, seja ele quem for, é quem vai ter que enfrentar as conseqüências desse aumento do déficit público, seja através de corte de gastos, seja com aumento dos impostos.
Mas, na campanha eleitoral, dificilmente ficará claro para o eleitor médio qual a melhor solução. Talvez os debates possam esclarecer qual dos candidatos está mais preparado para enfrentar os problemas futuros.