sábado, 12 de outubro de 2019

Opinião do dia – Karl Marx

Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.

In XI Teses sobre Feuerbach no livro ‘Ideologia alemã’, escrito entre 1845 e 1846

Merval Pereira - Briga pelo butim

- O Globo

Bolsonaro sem o PSL perde o apoio financeiro, mas o PSL sem Bolsonaro será um partido rico sem uma bandeira

A eleição de Bolsonaro para a presidência da República em 2018, consequência da disfuncionalidade de nosso sistema politico-partidário e da decadência da democracia representativa pelo mundo afora, e a do próprio país, corroída pela corrupção, explicitou no nosso combalido cotidiano político o paradoxo de ter o mais poderoso Congresso dos últimos anos, e o de menor qualidade individual.

O índice de renovação foi o maior dos tempos recentes, mas resultou em um Congresso amorfo, com um quadro partidário mais fragmentado ainda, e os maiores partidos da Câmara, o PSL e o PT, sofrendo, o primeiro, de descontrole, e o segundo de controle excessivo.

Dedicando-se unicamente à libertação de Lula, o PT não tem importância parlamentar. Já o PSL, um nanico que surgiu gigantesco, do nada que significava, graças à filiação de última hora do candidato Jair Bolsonaro à presidência da República, continua no baixo clero, sem organização e sem liderança.

Bolsonaro passou a metade de seu primeiro ano de mandato criticando a velha política, e hoje se dedica a tomar conta do partido que o elegeu para, com métodos iguais aos que critica, organizar um esquema partidário que dê sustentação à sua reeleição.

Míriam Leitão - Ataque à cultura fere a economia

- O Globo

Cultura tem sido usada como alavanca para o desenvolvimento em vários países. No Brasil, está sob ataque do governo Bolsonaro

A cultura brasileira está sob ataque. Isso é perigoso do ponto de vista da democracia, mas é também um erro econômico. Em vários países do mundo, esse setor tem sido uma alavanca ao desenvolvimento. A Inglaterra reposicionou sua mão de obra para a economia da cultura quando perdeu empregos na indústria tradicional para a China. A França fez o mesmo. A censura é um veneno para o setor, porque a liberdade é o único ambiente no qual as artes florescem.

O economista gaúcho Leandro Valiati é professor visitante de economia da cultura da universidade de Sorbonne, na França, e da Queen Mary, na Inglaterra. Ele tem conduzido estudos sobre esse assunto nos dois países. Vê com muita preocupação o que está havendo no Brasil.

— Essas cadeias estão se rompendo no Brasil pela crise enorme que a gente passa no financiamento da cultura em um governo que é contra a cultura por razões de disputa ideológica e isso está gerando o que chamamos de tempestade perfeita — diz Valiati.

Ele conta que no mundo inteiro, mesmo na Inglaterra da era Thatcher, a cultura sempre recebeu financiamento público.

— A Inglaterra tem um departamento de cultura, mídia e esportes que criou o primeiro modelo de políticas públicas para indústrias criativas dentro da lógica de pensar um motor para o desenvolvimento do século XXI — diz o professor.

Quando a produção tradicional começou a migrar para a Ásia, a Inglaterra reposicionou sua mão de obra para outros setores de ponta como as indústrias criativas, de produção de conteúdo, dependente da tecnologia de comunicação. Há desde criação de fundos públicos, treinamento, até a transformação de Londres em cidade hiperconectada. Parte do dinheiro da cultura vem da loteria, mas há outros fundos públicos e o investimento direto no patrimônio, como museus.

— Cultura tem emprego e renda muito positivos. O Brasil é riquíssimo nisso. Cada estado é um pequeno país de tradições, valores culturais, cadeias produtivas da cultura, existe uma economia que é efetiva e na qual o dinheiro público é muito bem investido — explica Valiati.

Ricardo Noblat - O gosto de Bolsonaro de atirar no próprio pé

- Blog do Noblat | Veja 

Guerra de desgaste
Bons tempos aqueles em que um grupo de deputados podia sair impunemente de um partido e carregar para outro seu tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão e sua parte em dinheiro nos fundos eleitoral e partidário. Não pode mais.

É justamente por isso que o presidente Jair Bolsonaro dá tratos à bola para imaginar um modo de não abandonar sozinho o PSL. Seria mais um tiro no pé, entre tantos que ele tem disparado desde que se escalou para exercer uma tarefa sem preparo.

Enquanto não descobre um modo, trava uma guerra de desgaste com o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL. Quer fazer uma devassa na contabilidade do partido nos últimos cinco anos na tentativa de descobrir grossas irregularidades. Não seria difícil.

Em janeiro do ano passado, ao filiar-se ao PSL, Bolsonaro não teve tal cuidado. Limitou-se a celebrar a “comunhão de ideias” que o levava ao partido. Exigiu apenas que Bivar se afastasse da presidência para que ele pudesse usar o PSL ao seu gosto.

E assim foi. Bolsonaro pôs no lugar de Bivar o advogado Gustavo Bebbiano, um amigo recente dele. Eleito, nomeou Bebbiano ministro da Secretaria do governo. Demitiu-o depois que Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, desentendeu-se com Bebbiano.

Ao sugerir que o PSL estava podre antes mesmo de sua entrada, arrisca-se Bolsonaro a que se prove que a podridão aumentou ou ficou do mesmo tamanho sob seu comando indireto, e logo no ano em que ele foi eleito presidente da República. Vai pagar para ver?

Em vários lugares, o Ministério Público investiga casos de desvio de recursos e de caixa 2 do PSL durante a campanha em que elegeu 52 deputados federais e quatro senadores. O laranjal do PSL em Minas Gerais é apenas o mais frondoso deles.

Se de repente Bolsonaro quer se reconciliar com o combate à corrupção sem ligar para o que possa acontecer com alguns dos seus filhos, por que não afasta logo do cargo o ministro do Turismo, soterrado por tantos indícios de roubalheira?

Mas, não. Em defesa do ministro – sabe-se lá por que – ele arranja encrenca com a Polícia Federal e diz que foi mal feito o inquérito que apurou investigou seu auxiliar querido, e pelo visto irremovível. Contraditório, é ou não é?

Do que Bolsonaro na verdade tem medo?

Uma alma atormentada!

Menor do que a cadeira que ocupa por acidente
Sente-se cercado de inimigos. Diz que tem inimigos no exterior e aqui, e que os locais são os piores. É por isso que desconfia de todo mundo – da ex-mulher a parentes complicados da mulher atual.

Suporta um emprego que jamais acreditou que poderia ser seu, que jamais quis e que só disputou para ajudar os filhos a se elegerem. Seu sonho era aposentar-se e ir curtir o resto da vida.

É obrigado todos os dias, inclusive nos fins de semana, a decidir sobre assuntos que pouco entende ou que ignora por completo. Que martírio! E ainda zombam da sua falta de conhecimentos.

Nunca gostou de ler. Gostava de palavras cruzadas. Orgulha-se de ter criado algumas e de tê-las visto publicadas. Foi treinado para obedecer, não para dar ordens. E ordens sempre gritadas.

Apesar de viver protegido por dezenas de agentes de seguranças, e de morar num palácio blindado contra qualquer ameaça, guarda um revólver na mesinha de cabeceira da cama ao alcance da mão.

Não tentaram matá-lo uma vez? Por que não tentarão novamente? Seu ofício é contrariar interesses – menos os da sua família. Daí o inseparável colete a prova de balas. Daí o paranoico que se tornou.

Sofre de insônia crônica. Atravessa madrugadas no apertado closet do quarto. Enquanto a mulher dorme e ronca baixinho, ele vasculha as redes sociais para saber o que falam a seu respeito.

Que vida! Que alma atormentada! Por que simplesmente não pede as contas e vai pescar? Desde que não seja em área proibida. Por sinal, onde está Queiroz, melhor pescador do que ele?

Monica de Bolle* - Por uma macroeconomia verde

- Revista Época

Remover subsídios aos combustíveis e taxar carbono são medidas com potencial político explosivo

Em artigo recente, o economista e professor da London School of Economics Nicholas Stern advertiu que os economistas não estão dando a devida atenção ao maior desafio para o desenho das políticas públicas hoje: o meio ambiente e o impacto econômico das mudanças climáticas. Stern destacou que entre as principais revistas acadêmicas de economia há pouquíssimos artigos que abordam o tema, apesar de sua importância crescente no debate internacional e na mídia. Os desafios, entretanto, são reais e visíveis. Basta acompanhar o que está acontecendo no Equador após a decisão do governo de remover os subsídios aos combustíveis. Basta ver quão empenhada está a União Europeia (UE) em reduzir as emissões de carbono a zero até 2050. Basta ler o projeto de lei do Congresso americano a respeito da criação de um imposto sobre o carbono (House Resolution 763, de janeiro de 2019).

Remover subsídios aos combustíveis e taxar carbono são medidas com potencial político explosivo. Exemplos não faltam: a greve dos caminhoneiros no Brasil em 2018, os protestos dos coletes amarelos que sacudiram a França, a turbulência social que forçou o governo do Equador a se deslocar de Quito para Guayaquil.

Contudo, isso não quer dizer que essas medidas, cujos benefícios na forma de redução de emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa são evidentes, não devam ser adotadas. É certo que a remoção de um subsídio sobre combustíveis fósseis ou a introdução de um imposto sobre o carbono têm efeito imediato maior sobre as faixas de renda mais baixas da população. Essa regressividade está na raiz dos protestos e da turbulência política associados a essas medidas.

Contudo, há formas de evitar ou conter tais efeitos, desde que se tenha a compreensão adequada dos desafios políticos e econômicos. Entre os economistas falta essa discussão, como bem ilustra o caso do Equador. Os subsídios foram removidos para ajustar as contas públicas do país, hoje em dificuldades financeiras e com um programa recém-negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, dado o impacto redistributivo dessa medida, ela não pode ser usada simplesmente para melhorar as contas públicas. Para evitar o efeito negativo sobre a desigualdade, a remoção do subsídio teria de vir acompanhada de um mecanismo compensatório que elevaria o gasto público.

Sérgio Augusto - Sete dias de chabu

- O Estado de S. Paulo

Que fase! Nem as efemérides da semana contribuíram para aliviar a urucubaca governamental

Uma semana para o governo esquecer. Nada deu certo. Crise conjugal com o PSL; vazamento de petróleo atropelando as queimadas na Amazônia; denúncias de torturas no presídio do Pará; Censura da Caixa arrolhada pelo Ministério Público; ministro do Turismo convocado pelo Senado para explicações sobre o laranjal; secretário-geral da ONU cobrando calote do Brasil; Trump negaceando apoio à entrada do Brasil na OCDE; campanha do pacote anticrime brecada pelo TCU; afora os sucessivos vexames dos ministros mais adestrados nessa especialidade, as bisonhas bravatas do presidente e as quase diárias patacoadas de 01, 02 e 03.

Ao fundo ou redor, a intranquilizadora, mas não se sabe ainda se virótica, revolta popular contra o presidente do Equador. Sem contar os prêmios Camões e Nobel.

O Camões foi anunciado em maio, mas ao se negar, no meio da semana, a pôr seu jamegão no diploma a se entregar a Chico Buarque em 2020, o presidente se expôs uma vez mais ao ridículo. “Se ele não assinar, será como um segundo prêmio Camões para mim”, rebateu de primeira o premiado autor.

Quanto ao Nobel, os três que dividiram o de Física pareceram escolhidos a dedo para zombar dos criacionistas e terraplanistas que integram o núcleo mais paleolítico e biruta do bolsonato. O da Paz, bem, o da Paz virou quando Greta Thunberg, papa Francisco, Raoni e Lula se firmaram como os mais cotados nas bolsas de aposta, e que só acabou na sexta-feira, com a premiação do primeiro-ministro da Etiópia.

Que fase!

Nem as efemérides da semana contribuíram para aliviar a urucubaca governamental. Logo na segunda-feira, até porque não podia ser noutro dia, um site de notícias lembrou os 85 anos de uma histórica escaramuça nas proximidades da Praça da Sé, cuja exumação foi como falar em corda em casa de enforcado ou em cítricos no Planalto e no Alvorada.

Em 7 de outubro de 1934, anarquistas, comunistas, trotskistas e sindicalistas, aglutinados pela Frente Única Antifascista, quebraram o maior pau com os integralistas no centro de São Paulo, que por ali pretendiam marchar em comemoração ao segundo aniversário do manifesto do movimento, cuja palavra de ordem era o imperativo de um verbo bem ao gosto bolsonarista: “Armai-vos”. Bem armada estava era a polícia, mobilizada para manter a ordem na passeata, da qual resultaram seis mortos e dezenas de feridos. Os integralistas, com suas indefectíveis camisas verdes, escafederam-se, mas sem os braços erguidos, na tradicional saudação nazi-fascista por eles adotada, é claro.

No Jornal do Povo, o libertário gozador Apparicio Torelly, mais conhecido como Barão de Itararé, useiro e vezeiros em tratar os fascistas tupiniquins de “galinhas verdes”, desmentiu a manchete de um diário paulistano – “Integralistas saem correndo” – com uma singela explicação ornitológica: “Um integralista não corre, voa”.

João Domingos - Um governo em dívida

- O Estado de S.Paulo

Onde estão a reforma tributária e o plano de salvação da indústria?

Com a reforma da Previdência praticamente concluída, muitas perguntas relacionadas com temas fundamentais para a recuperação econômica e a retomada do emprego começam a ficar no ar, à espera de respostas. Cadê o projeto de reforma tributária do governo? Será possível que a qualificada equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, só tinha como ideia para mudar o arcaico, burocrático e confuso sistema tributário brasileiro a criação de um imposto semelhante à CPMF?

E onde está o plano de salvação da indústria do País? O que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica pensam a respeito do setor calçadista, da indústria de confecções, do chão de fábrica das autopeças, da cerâmica? Essas perguntas os congressistas já começam a fazer. Alguns chegam a duvidar de que o governo vá mesmo fazer um projeto de privatização radical das estatais, como Paulo Guedes anunciou. Afinal, parece que alguém já conseguiu tirar a EPL da lista das que serão vendidas ou liquidadas.

Carlos Melo* - Doria e Bolsonaro na mesma pista estreita e limitada

- O Estado de S.Paulo

Com os olhos nos mesmos cargo e eleitores, não há como evitar colisões entre presidente e governador

Doria e Bolsonaro estão na mesma pista estreita e limitada, mas não desistirão de alçar voo. Enquanto simultaneamente não miravam a presidência, o “bolsodoria” fez sentido — foi até uma forma de retirar Geraldo Alckmin do caminho. Agora, com os olhos nos mesmos cargo e eleitores, não há como evitar colisões.

Fenômeno de 2018, Bolsonaro se entende hoje como uma máquina eleitoral. A despeito de seu governo definhar, a razão obsessiva de sua ação é sempre eleitoreira: consolidar os 30% que ainda lhe apoiam, fechando as portas às pretensões de adversários no seu campo. Se conseguir, estará no 2.º turno, torcendo por novo confronto com o PT.

Adriana Fernandes - BNDES na PEC emergencial

- O Estado de S.Paulo

PEC trará uma lista de medidas duras para serem adotadas

A suspensão do repasse obrigatório ao BNDES dos recursos do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT) voltou ao debate, agora, dentro da equipe econômica.

A coluna apurou que a ideia em análise é incluir uma interrupção temporária do repasse ao banco de desenvolvimento, por um prazo de dois anos, dentro de uma proposta do guarda-chuva do pacto federativo, que foi batizada no Ministério da Economia de “PEC emergencial”.

A transferência do dinheiro do FAT está prevista na Constituição e é hoje a principal fonte de novos recursos ao BNDES.

Na reforma da Previdência, o fim dos repasses foi incluído no substitutivo do relator, deputado Samuel Moreira (PDSB-SP), mas acabou sendo retirado depois de forte pressão de um grupo de parlamentares e mobilização dos funcionários do banco contrários ao corte do dinheiro.

O tema já tinha sido tratado, mesmo que indiretamente, na MP que libera o saque do FGTS e que contém artigo dando ao ministro da Economia poderes para disciplinar os critérios e as condições de devolução ao FAT dos recursos especiais repassados ao BNDES para cobrir falta de dinheiro para pagamento de seguro-desemprego e abono salarial.

Luciana Temer* - O desmonte dos conselhos e o espírito da Carta de 88

- O Estado de S.Paulo

Acabar com eles, como pretende o governo federal, é inconstitucional

A Constituição de 1988 representa a etapa final de um processo de redemocratização do País. Foi o documento jurídico-político que selou esse processo, declarando formalmente que somos um Estado Democrático de Direito republicano e prevendo instrumentos para que isso se materialize de fato. Nessa linha, a opção do constituinte originário foi por uma democracia participativa, ou seja, na qual o poder é exercido por representantes eleitos pelo povo, mas também diretamente, além de compreender mecanismos de participação permanente da sociedade nas decisões políticas e nos atos da administração pública.

Vejamos a diferença entre a redação da Constituição de 1969, que dizia no parágrafo único do artigo 1.º que “todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”, para a da nossa atual Carta: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Sutil, não? Mas extremamente significativa. No regime anterior, o povo delegava o poder, no atual, ele delega, mas também exerce diretamente. E quais os instrumentos previstos para esse exercício direto? Os que vêm imediatamente à cabeça são o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis. Todos importantíssimos para que o povo fale por si, sem intermediários, em momentos pontuais.

Mas a Constituição prevê também instrumentos que permitem o exercício de fala permanente e contínuo, os conselhos, formados por sociedade civil e governo, que se sentam à mesma mesa para pensar, discutir e deliberar sobre políticas públicas. São espaços democráticos de participação e controle social. Independentemente de terem natureza consultiva ou deliberativa, são sempre ambientes em que governo e sociedade, em pé de igualdade, debatem e buscam o bem comum.

Marcus Pestana - Ajuste Fiscal e Privatizações (I)

- O Tempo (MG)

O tema central da agenda brasileira de desenvolvimento é o grave desequilíbrio fiscal do setor público. Os monumentais déficits acumulados têm funcionado como verdadeira âncora a decretar o crescimento raquítico da economia brasileira nos últimos tempos. O desarranjo orçamentário dos governos tem repercussões múltiplas: na taxa de juros, na queda do investimento e da poupança, na confiança dos investidores, no aumento preocupante da dívida pública e, portanto, nos níveis de atividade econômica e do emprego.

Qualquer dona de casa ou trabalhador, mesmo sem dominar o árido terreno da teoria econômica, consegue compreender que o governo, assim como qualquer família, não pode gastar indefinidamente muito mais do que ganha, sob pena de chegar a uma situação de insolvência. A família que acumula anos de déficits no orçamento familiar vai se endividando nos carnês, nos bancos e agiotas. Até que a situação se agrava e a família começa a cortar gastos, tenta aumentar a renda familiar, até chegar ao nível de despesas essenciais incompressíveis. Não havendo outra saída começa a se desfazer do patrimônio familiar para pagar dívidas. E chega ao ponto em que não adianta vender a geladeira e o fogão para pagar a conta mensal do supermercado.

O governo também é assim, com uma única diferença, o poder central pode emitir moeda e se endividar até limites mais elásticos. Já os governos estaduais em crise vivem hoje sua hora da verdade. Experimentam déficits anuais gravíssimos e crescentes. E não podem mais se endividar. Diante de tamanho desequilíbrio abre-se a discussão sobre as privatizações de estatais para a obtenção de receitas em favor do ajuste fiscal.

Hélio Schwartsman - Administrando as reformas

- Folha de S. Paulo

Com a reforma da Previdência encaminhada, faz sentido priorizar a administrativa

A reforma tributária, ao lado do metrô paulistano e da paz no Oriente Médio, entra naquela categoria de coisas que todos desejamos, mas dificilmente veremos concluídas em vida. Mudar o sistema de impostos mexe com tantos interesses, que são ao mesmo tempo tão profundos e tão contraditórios, que fica quase impossível chegar a algum tipo de consenso.

Mesmo assim, não desencorajo os parlamentares de tentarem introduzir um sistema menos complicado e mais equitativo. Se começarem por itens menos polêmicos e deixarem as mudanças em questões mais sensíveis para vigorar apenas depois de 10 ou 15 anos —quando os atores com poder de frustrar as negociações já não estiverem em cena—, há uma chance de dar certo.

Julianna Sofia - Final da fila

- Folha de S. Paulo

Sem nova CPMF, equipe de Guedes anda em círculos

A reforma administrativa, cujo objetivo é conter a segunda maior despesa do governo (funcionalismo), será o próximo passo da agenda liberalizante do ministro Paulo Guedes (Economia). Na sequência, as alterações nas regras fiscais e a chamada PEC 3Ds, que propõe desobrigar, desvincular e desindexar o Orçamento da União.

A estratégia joga para o final da fila a reforma tributária e permite à equipe econômica ganhar tempo. Desde que Jair Bolsonaro mandou demitir o chefe da Receita Federal e descartou a proposta de recriação da CPMF, a pasta de Guedes não conseguiu se aprumar. Anda em círculos em busca de uma saída para desonerar a folha de salários.

Passados mais de nove meses da gestão bolsonarista, era de se esperar que o ministro e seus auxiliares estivessem preparados para o mais que provável veto ao imposto sobre pagamentos. Agora, fala-se em ir devagar com a reforma tributária, e um indefectível grupo de especialistas foi reunido no ministério para formular uma proposta governista. Enquanto isso, Câmara e Senado encaminham aos trancos, e de forma autônoma, suas medidas para simplificação dos tributos.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Peça imprópria – Editorial | Folha de S. Paulo

Debate sobre pacote anticrime requer racionalidade, não propaganda apelativa

Desde que chegou ao Congresso, em fevereiro, o pacote anticrime elaborado pelo ministro Sergio Moro atravessa caminho acidentado.

Um grupo criado pela Câmara dos Deputados para discuti-lo já rejeitou várias medidas propostas pelo titular da Justiça, num sinal das dificuldades que ele terá se quiser insistir no texto original quando a discussão chegar ao plenário.

O colegiado repeliu itens que Moro e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) julgam prioritários, como o dispositivo que amplia o conceito de legítima defesa e as hipóteses em que policiais que matam em serviço podem ficar impunes.

Na terça-feira (8), o Tribunal de Contas da União desferiu novo golpe na propositura ao determinar a suspensão da campanha publicitária lançada para promovê-la.

A decisão foi acolhida no dia seguinte pela maioria dos integrantes do TCU. Para eles, os anúncios violam limites estabelecidos pela Constituição para a publicidade oficial, que deveria se restringir a peças de caráter informativo, educacional ou de orientação.

Quando se analisa a comunicação de governo, por vezes é difícil distinguir mensagens institucionais legítimas da propaganda de caráter partidário vetada expressamente pela lei. Por esse motivo, controvérsias nesse campo são frequentes e não raro acabam na Justiça.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.

Música | Beija Flor 2020 Samba