segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Opinião do dia: Ferreira Gullar

Confesso que não sei qual a farsa maior, se essa, do Lula, ou a de Dilma quando afirmou que, se ela perder a eleição, a corrupção voltará ao governo. Parece piada, não parece? De mensalão em mensalão os governos petistas tornaram-se exemplo de corrupção, a tal ponto que altos dirigentes do partido foram parar na cadeia, condenados por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Agora são os escândalos da Petrobras, saqueada por eles e por seus sócios na falcatrua: a compra da refinaria de Pasadena por valor absurdo, a fortuna despendida na refinaria de Pernambuco, as propinas divididas entre o PT e os partidos aliados, conforme a denúncia feita por Paulo Roberto Costa, à Justiça do Paraná.

Foi o Lula que declarou que não se deve dizer o que pensa, mas o que o eleitor quer ouvir. Ou seja, o certo é mentir.

Ferreira Gullar, poeta, ensaísta e crítico de arte. A mentira como método. Ilustrada/Folha de S. Paulo, 28 de setembro de 2014.

Presidente é centro de ataques em debate tenso

• Dilma tenta constranger Marina, mas torna-se alvo preferencial no decorrer do encontro deste domingo da TV Record

Iuri Pitta, Isadora Peron, Pedro Venceslau, Ricardo Galhardo e Vera rosa - O Estado de S. Paulo

Em uma palavra, a definição do penúltimo debate presidencial desta campanha, realizado na noite deste domingo na TV Record, é nervosismo.

Tanto os principais candidatos ao Palácio do Planalto como os de siglas menores travaram embates duros entre si, marcados pelos pedidos de direito de resposta, e demonstraram certa tensão na falta de controle do próprio tempo – raros foram os momentos em que as respostas foram concluídas sem interrupção dos mediadores do programa.

Líder nas pesquisas e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT) foi o alvo preferencial de Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), que também procurou atingir a segunda colocada nos levantamentos. Enquanto os adversários tentavam ligar a petista aos escândalos na Petrobrás, a própria candidata à reeleição recorreu ao tema a fim de colar o rótulo de “privatista” ao tucano.

Até os nanicos Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL) travaram embate particular que imediatamente repercutiu nas redes sociais, assim como respostas inusitadas de Pastor Everaldo (PSC) e Levy Fidelix (PRTB) (mais informações ao lado).

O cenário da disputa, a seis dias do 1.º turno, ajuda a explicar o nervosismo, assim como as regras do debate, com duas rodadas de perguntas entre candidatos logo no primeiro bloco, como havia ocorrido dois dias antes, com os candidatos a governador de São Paulo, e outra rodada depois das perguntas feitas pelos jornalistas. A organização foi acionada quatro vezes por Dilma e uma por Marina para conceder direitos de resposta: a petista obteve uma única permissão para rebater o Pastor Everaldo. O tucano não fez pedidos desse tipo.

CPMF. O primeiro embate entre os protagonistas da disputa envolveu as duas candidatas mais bem colocadas. Dilma, após responder a pergunta de Luciana Genro (PSOL) sobre aposentadorias, pôde escolher para quem perguntar e questionou Marina sobre mudanças de partido e de posição da candidata do PSB.

“No debate da Band, a senhora disse que votou a favor da CPMF. Qual foi seu voto?”, perguntou a petista, auxiliada por material impresso, referindo-se ao mandato da adversária no Senado.

Marina afirmou que mudou de partido “para não mudar de ideais nem de princípios” e reiterou que ela e Eduardo Suplicy (PT-SP) votaram a favor, no governo Fernando Henrique Cardoso, mesmo contra a orientação da bancada petista. Na réplica, Dilma afirmou que a candidata do PSB votou quatro vezes contra a criação da CPMF, citando os “anais do Senado”. A expressão é a mesma usada por inserção do PT, exibida no segundo intervalo do debate, mas a propaganda mostra dois votos de Marina contrários ao tributo. “Atitudes assim produzem insegurança. Não dá para improvisar”, disse Dilma.

A candidata do PSB foi a próxima a perguntar e escolheu Aécio para falar sobre matriz energética. Marina criticou tanto o “improviso” do apagão, no governo Fernando Henrique Cardoso, quanto o gasto “de bilhões e bilhões” da gestão Dilma em termelétricas. A resposta do tucano motivou o primeiro pedido de resposta de Dilma, negado pela produção. Na tréplica, Aécio disse “concordar” com Marina em relação à necessidade de variar a matriz energética, mas disse que era preciso “fazer justiça” a FHC. “O grande desafio era domar a inflação. Lutamos por isso contra o PT, no tempo em que a senhora participava do PT.”

Petrobrás. Na sequência, Aécio usou a pergunta para o candidato do PSC para levantar o tema da corrupção. “Infelizmente, nossas empresas públicas foram tomadas por um grupo político que as utiliza para se manter no poder. A cada debate há uma nova denúncia sobre a Petrobrás”, atacou o tucano, para novo pedido de resposta de Dilma, também negado pela organização.

Os “malfeitos” no governo e as ações de combate à corrupção viriam a opor Dilma e Aécio ainda nesse bloco. A surpresa é que a própria petista citou a Petrobrás, para questionar o tucano: “O senhor assumiria o compromisso de não colocar a privatização da Petrobrás no radar?”

Aécio respondeu: “Eu sou claro. Não vamos privatizá-la, mas reestatizá-la, tirá-la das mãos desse grupo político”, repetiu. Ao fim da resposta, o tucano se atrapalhou ao citar dados da inflação dos governos FHC, Lula e Dilma, ao afirmar que ela seria a única a deixar o governo com índices maiores que o mandato anterior.
Dilma rebateu o adversário ao afirmar que combate a corrupção “para fortalecer a Petrobrás”. “Tem gente que usa para enfraquecer a Petrobrás. Os senhores (do PSDB) foram favoráveis à privatização, venderam parte das ações a preço de banana.”

Por outras duas vezes, a presidente alegou que foi ela quem demitiu o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal e envolvido em um esquema de desvios na estatal que teria financiado partidos e políticos. A primeira citação foi no único direito de resposta obtido por Dilma.
Daqui a quatro dias, os candidatos ao Planalto participarão do último debate do 1.º turno, na TV Globo.

Dilma, Marina e Aécio se revezam em ataques e desmentidos em debate

Raphael Di Cunto – Valor Econômico

SÃO PAULO - A sete dias da eleição, os três principais candidatos à Presidência da República se enfrentaram em confrontos diretos no debate na TV Record, na noite de domingo e madrugada desta segunda-feira. Pelo formato do encontro, em que o candidato que responde é escolhido por ordem determinada pela organização, o debate tornou-se um revezamento de ataques entre Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). E também uma oportunidade para Marina e Aécio enfatizarem que estão sendo vítimas de "boatos" sobre propostas que não são suas de fato.

Logo na primeira oportunidade, Dilma questionou mudanças de postura de Marina, em estratégia que já é usada nas propagandas eleitorais da petista.

“A senhora mudou de partido quatro vezes. Mudou de posição de uma hora para outra em temas de extrema importância, como a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], o Banco Central e o pré-sal”, afirmou Dilma. “No debate da TV Bandeirantes, a senhora disse que tinha votado a favor da CPMF, mas os anais do Senado mostram que não”, acusou.

Marina disse que mudou de partido para não mudar de “ideais e princípios”. Disse que quando era senadora votou a favor da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) contra a vontade do PT, seu partido na época, como uma das fontes do fundo de combate à pobreza, proposto pelo ex-senador Antônio Carlos Magalhães (PFL).

“Mesmo com a oposição séria do PT, que na época diziam que eu estava favorecendo um senador de direita. E foi por isso exatamente que digo que não faço oposição por oposição, não só no caso da CPMF”, afirmou, e citou outros projetos, como o protocolo de Kyoto. Marina não explicou, contudo, os votos contrários à criação da CPMF em outras ocasiões.

Dilma tentou questionar Marina novamente no segundo bloco de perguntas, mas foi impedida pelas regras do debate, que impedia fazer perguntas duas vezes ao mesmo candidato. A ex-senadora também mirou em Dilma quando teve a oportunidade de perguntar: disse que a mudança na política para o etanol fechou 70 usinas e 60 mil empregos. “O que aconteceu para que você mudasse o rumo da política do presidente Lula e causasse esse fracasso?”

A presidente rebateu dizendo que desonerou impostos do setor e aprovou legislação que permite aumentar de 25% para 27,5% o percentual de etanol na gasolina. “A política de etanol do meu governo foi baseada naquilo que voc ê é contra: subsídio”, afirmou Dilma. A presidente foi alvo na maioria das falas dos demais candidatos e pediu dois direito s de resposta, que foram negados porque a organização entendeu que não se tratavam de injúria à candidata.

Aécio Neves, terceiro colocado nas pesquisas, não teve oportunidade de perguntar para as duas líderes no começo do debate. Suas falas foram concentradas na Petrobras – citou a empresa em duas das quatro vezes em que pode responder perguntas no primeiro bloco do debate. O tucano disse que a empresa está “sucateada” e é usada por um grupo político para se manter no poder e citou as denúncias de corrupção na estatal.

O presidenciável do PSDB disse que as denúncias de desvio feitas por um diretor indicado pelo PT e mantido no governo (Paulo Roberto Costa) permitiriam colocar 40 mil crianças em creches e construir 50 mil casas. “É isso que a corrupção impacta na vida das pessoas”, disse.

Dilma, em um pedido de resposta à ataques do pastor Everaldo (PSC) e Levy Fidelix (PRTB), disse que foi ela que demitiu Paulo Roberto Costa e que as investigações foram feitas pela Polícia Federal em seu governo. “Fui a única candidata a propor projetos de combate à corrupção, como, por exemplo, tornar caixa dois crime eleitoral”, afirmou.

No terceiro bloco do debate, o senador Aécio Neves (PSDB) questionou a presidente Dilma Rousseff (PT) sobre as propostas para a área de segurança pública. O tucano criticou o governo por manter metade dos recursos dos fundos de segurança intactos e defendeu projeto de lei do PSDB de permitir que menores de idade cumpram pena de prisão como maiores de 18 anos se cometerem crimes hediondos.

Dilma respondeu que sua proposta é alterar a legislação para permitir que o governo federal atue em parceria com os governos estaduais no combate à criminalidade. “Se os índices de violência aumentam em Estados como Minas Gerais, que por tantos anos foram governados pelo candidato Aécio Neves, a responsabilidade hoje é do governo estadual”, disse.

Aécio fez uma dobradinha com o pastor Everaldo Pereira (PSC), que foi o primeiro a perguntar e resolveu questionar o tucano sobre as ações de “terrorismo do PT para dizer que todos nós vamos acabar com o Bolsa Família” e o discurso de Dilma na Organização das Nações Unidas (ONU) a favor do diálogo com as nações islâmicas.

O tucano afirmou que Dilma protagonizou “um dos mais tristes episódios da política externa brasilei ra”, ao fazer um autoelogio na tribuna da ONU e, “para perplexidade dos diplomatas”, propor diálogo com o Estado Islâmico. “O Estado Islâmico está decapitando pessoas”, afirmou ele.

Dilma mirou Marina Silva (PSB) em sua pergunta e questionou a proposta da candidata de reduzir o peso dos bancos públicos na economia brasileira. “A senhora não sabe, mas o crédito direcionado é de R$ 1,3 trilhão. Isso significa que toda a estrutura do Brasil, a produtiva e a social, está ligada a esse crédito”, afirmou.

Marina respondeu que não vai alterar o papel da Caixa Econômica Federal e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Vou fortalecer os bancos públicos. Isso [reduzir o peso dos bancos públicos] é mais um boato que está sendo dito sobre a nossa aliança”, disse. “O que não vamos é permitir que os recursos do BNDES sejam usados para meia dúzia de selecionados”, afirmou.

Marina foi a última entre os principais candidatos a fazer uma pergunta no terceiro bloco do debate e não podia mais perguntar para Dilma e Aécio. Questionou então Eduardo Jorge (PV) sobre as propostas para a saúde e disse que seu compromisso é investir 10% da receita corrente bruta da União no setor.

Dilma é cobrada por Petrobras em debate

• Presidente diz que foi ela quem demitiu diretor envolvido em corrupção; Marina abordou política do etanol

Germano Olveira, Renato Onofre, Sérgio Roxo e Tiago Dantas – O Globo

SÃO PAULO — Ao ser o principal alvo de ataques durante o debate entre os candidatos à Presidência da República, realizado neste domingo pela TV Record, Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, fez questão de tentar rebater as críticas. Confrontada com denúncias de corrupção no seu governo, especialmente envolvendo a Petrobras, Dilma chegou a pedir três direitos de resposta em uma hora.

O candidato Aécio Neves, do PSDB, disse que não vê a presidente Dilma indignada com os escândalos que envolvem a Petrobras e políticos do PT, PMDB e PP, que ele classificou como “vergonhosos”. Pastor Everaldo, do PSC, e Levy Fidelix , do PRTB também criticaram as denúncias durante suas falas.

Combate à corrupção
No único direito de resposta que foi aceito, a presidente saiu em defesa do seu governo:

— Uma coisa tem que ficar clara, quem demitiu o Paulo Roberto (ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, preso na Operação Lava-Jato) fui eu. E a Polícia Federal, no meu governo, foi quem investigou todo esses ilícitos. Eu fui a única candidata que apresentou propostas para o combate da corrupção.

Ela voltou a falar sobre o assunto no segundo bloco, ao ser questionada por uma jornalista sobre segurança pública:

— Queria dizer ainda que eu tenho tido tolerância zero com a corrupção. Não varri nada para debaixo de tapete. Não criei nenhum engavetador geral da República.

No início do debate, Dilma havia pedido dois direitos de resposta para inutilizar os ataques feitos por Aécio Neves, Marina Silva e Pastor Everaldo (PSC) quando não estava sendo questionada. Os dois pedidos foram rejeitados pela direção do debate. O terceiro pedido não tinha a ver com os casos de corrupção. Ela foi acusada pelo pastor Everaldo de ser autoritária por “tirar um minuto do programa de TV”.

O ataque mais contundente às denúncias da Petrobras foi feito por Aécio Neves, ao responder uma pergunta feita pela própria Dilma. A presidente quis saber se o senador mineiro poderia se comprometer a não privatizar a Petrobras, citando um discurso feito por ele em março de 1997, quando o tucano disse que poderia discutir a privatização da estatal.

— Não vamos privatizá-la. Vou tirar das mãos desse grupo político que tomou conta da Petrobras. É vergonhoso. As denúncias não cessam. E não vejo a senhora dizendo: ‘não é possível que fizeram isso’. Essa indignação está faltando.

O assunto voltou à tona em uma pergunta feita pelo pastor Everaldo para Levy Fidelix:

— Dilma disse que não tinha ideia do que estava acontecendo. O senhor acha que ela não tinha ideia mesmo?

O candidato do PRTB respondeu que acredita que a presidente “não tem a menor ideia disso (escândalo da Petrobras), como de outras coisas” e citou problemas no orçamento e gastos públicos.

Até o início do segundo bloco, Marina Silva não havia feito nenhum comentário sobre corrupção. A candidata do PSB preferiu centrar os ataques do governo na crise do etanol.

A presidente aproveitou o tempo da resposta para falar de outros assuntos que haviam sido levantados por outros candidatos: citou o programa federal de remédios gratuitos, a modernização das Forças Armadas e a produção de energia por meio de hidrelétricas.

Polêmica da CPMF
Dilma havia partido para o ataque contra Marina logo na primeira pergunta do debate, declarando que a candidata do PSB havia sido contra a aprovação da CPMF:

— A senhora mudou de partido quatro vezes, mudou de posição de um dia para outro em temas como CLT, homofobia e pré-sal.

Em sua resposta, a ex-senadora do Acre disse que votou a favor da CPMF, uma vez para a criação do fundo de combate a pobreza e lembrou que as principais liderança do PT à época eram contrárias. A candidata falou sobre ataques que vem recebendo:

— Mudei de partido para não mudar de ideias e princípios — disse Marina. — Não sou nem oposição raivosa nem situação cega. Tive prática coerente vida toda. Defendi CPMF para fundo de combate a pobreza e essa é mais uma das conversas que o PT tem colocado para deturpar.

Enquanto os candidatos com mais intenção de voto trocavam farpas, presidenciáveis com índices menos expressivos também travaram embate particular. Luciana Genro (PSOL) perguntou a Eduardo Jorge (PV) por que ele havia dado “uma risadinha” ao perguntar o que ela faria “se ganhasse a eleição”. Depois, disse que os dois partidos tinham pautas semelhantes:

— É difícil avançar nas pautas progressistas ao ver as alianças que tu e teu partido costumam fazer. O senhor foi secretário do (José) Serra e do (Gilberto) Kassab, (na prefeitura de São Paulo).

“Luciana faltou à aula”
A resposta de Eduardo Jorge veio na sequência:

— Luciana faltou à aula de história do século XX. O PV é um partido ambientalista, diferente dos partidos que são de esquerda de base marxista. Se tivermos que ajudar governo conservador ou de esquerda vamos ajudar.

Depois do debate
A presidente Dilma reclamou ao final do debate na Record que não teve direito de resposta quando o seu governo foi atacado.

— Eu deveria ter tido mais tempo para me defender dos ataques. Teve hora que eram quatro contra um — disse ela.

Já o tucano Aécio Neves disse ter certeza que estará no segundo turno.

— A atual presidente perdeu as condições de governabilidade e Marina está cheia de boas intenções mas com enormes contradições. Tenho certeza de que estarei no segundo turno porque a população está reconhecendo isso nas ruas.

Marina Silva, por sua vez, admitiu que votou contra a CPMF no Congresso. A presidenciável explicou que foi favorável a um projeto que previa a criação do tributo para abastecer um fundo de combate à fome.

— Eu votei favoravelmente na comissão. Quando foi dentro da discussão em plenário houve mudança que reduziu os recursos pela metade, e aí obviamente que não iríamos compactuar com isso.

Marina ainda acusou Dilma e Aécio de tentaram polarizar o debate.

Em debate na TV, presidente mantém ataque a Marina Silva

• Em debate na TV Record, petista ressalta que adversária, diferentemente do que afirma, votou contra a criação da CPMF; pessebista se diz vítima de "boatos e calúnias"

• A uma semana do 1º turno, objetivo do PT é colar na ex-ministra a imagem de política que não inspira confiança

Andréia Sadi, Catia Seabra, Daniela Lima, Marina Dias, Natuza Nery e Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - No quarto e penúltimo debate entre os candidatos à Presidência antes do primeiro turno, a presidente Dilma Rousseff (PT) intensificou na noite deste domingo (28) a estratégia de campanha do PT de tentar colar na rival a imagem de uma política não confiável e que muda de posição ao sabor das circunstâncias.

De acordo com a última pesquisa do Datafolha, Dilma (40% das intenções de voto) e Marina (27%) disputariam o segundo turno caso as eleições fossem hoje.

Seguindo a mesma linha de uma propaganda que sua campanha levou ao ar neste domingo, a petista acusou a pessebista, no debate promovido pela TV Record, de ter mentido sobre a posição que ela adotou, no Senado, durante as votações relacionadas à CPMF.

O chamado "imposto do cheque", que retinha parte da movimentação bancária da população, vigorou no país até 2007.

A CPMF foi criada em 1996 por uma lei que destinou seus recursos ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Anos depois, o fundo foi incorporado junto com o tributo ao texto da Constituição, para garantir a vinculação de seus recursos à saúde e tornar mais difícil qualquer tentativa de acabar com ele.

Como o objetivo de dizer que não faz "oposição por oposição", Marina vinha afirmando que votou a favor da criação da CPMF apesar de seu partido na ocasião, o PT, ter sido contra o tributo.

"Não entendo como a senhora pode esquecer que votou quatro vezes contra a criação da CPMF. Atitudes como essa demonstram insegurança. Me estarrece como a senhora não lembra disso", afirmou Dilma logo na abertura do debate.

A pessebista, que ficou na defensiva em boa parte do confronto, rebateu afirmando que é alvo de uma onda de "calúnias e boatos". E lembrou que a votação da CPMF passou por várias etapas. Segundo ela, na discussão do fundo de combate à pobreza, votou a favor.

"Eu tenho total coerência com as posições que defendo e foi por isso exatamente que eu disse que não faço oposição por oposição."

Na saída do debate, detalhou: "Votei favoravelmente na comissão. E quando foi dentro da discussão em plenário, houve mudanças que reduziram os recursos [para o fundo] pela metade do que nós gostaríamos e aí obviamente que não iríamos compactuar com isso".

Em 26 de agosto, no debate na TV Bandeirantes, Marina afirmou: "Quando foi a votação da CPMF, ainda que o meu partido fosse contra, em nome da saúde, em nome de respeitar o interesse dos brasileiros, eu votei favorável".

Nesta segunda (29) a campanha de Marina irá soltar nota detalhando a posição da candidata sobre o tema.

Marketing
Os ataques a Marina seguem a estratégia adotada pela campanha petista desde que a pessebista colou em Dilma e passou a derrotá-la nas pesquisas que simularam a disputa no segundo turno.

Entre outros pontos, a propaganda petista acusou a rival de representar uma ameaça aos programas sociais e a desprezar os recursos do pré-sal. Depois do início dessa artilharia, Dilma voltou a superar Marina no primeiro turno e, segundo o Datafolha, está numericamente à frente em um segundo turno, embora no limite da margem de erro.

A campanha do PT atribui aos ataques a melhora de Dilma nas pesquisas.

No debate, a presidente da República voltou a martelar que Marina ameaça a continuidade dos programas sociais ao defender a revisão da política de subsídios dos bancos públicos.
A ex-ministra voltou a repetir que, caso eleita, não irá interromper nenhum dos programas sociais do governo.

"A senhora mudou de partido quatro vezes [na verdade foram duas] nesses três anos. Mudou de posição de um dia para outro em termos, em problemas de extrema importância, como a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], a homofobia e o pré?sal", atacou Dilma.

A petista se referia a recuo de Marina em seu programa de governo na proposta à comunidade gay e à menção lateral ao pré-sal. Sobre a CLT, o PT divulga a versão de que Marina pretende tirar direito dos trabalhadores, o que a candidata do PSB nega.

Aécio Neves (PSDB) tentou, no evento, manter a polarização com Dilma Rousseff como forma de sinalizar que ainda está vivo na disputa. Segundo o Datafolha, ele está com 18% das intenções de voto, nove atrás de Marina.

O quinto e último debate entre os candidatos à Presidência será realizado na quinta-feira (2), na TV Globo, três dias antes da realização do primeiro turno das eleições.

Dilma rompe tradição petista e chega à reta final da eleição sem plano de governo

• Comitê da reeleição envageta programa com medo de desgaste, diz que texto entregue à Justiça Eleitoral é o que vale e repete campanha de 2010, quando a petista também evitou mostrar propostas detalhadas sobre o que pretendia para o País

Ricardo Galhardo, Ricardo Brandt e Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff chega à reta final da corrida pelo Palácio do Planalto rompendo, pela segunda vez, a tradição do PT de apresentar longos programas de governo, com detalhamento de futuras ações em áreas específicas. Até agora, a seis dias do 1.º turno, o comitê eleitoral apresentou apenas um texto genérico à Justiça Eleitoral, uma exigência legal de todo início de campanha. E os compromissos por escrito da petista, dizem seus auxiliares, não devem passar disso neste ano.

Na campanha de 2010, a então candidata também se esquivou de apresentar suas propostas detalhadas e só lançou um panfleto com 13 compromissos cinco dias antes do 2.º turno.

Neste domingo, questionada sobre o assunto em São Paulo, Dilma tentou se justificar. “Você sabe o que é modernidade? Modernidade não é um calhamaço feito de papel. São várias formas de comunicação. A mim interessa comunicar ao povo brasileiro, que é quem vai votar nessas eleições e quem vai decidir que caminho quer percorrer. Eu não vou inventar”, afirmou a presidente, segundo quem seu programa é “um composto do alicerce do governo, das diretrizes (entregues à Justiça Eleitoral) e de todas as novas propostas (ditas na TV)”.

Oficialmente, a campanha do PT alega que, por se tratar de uma candidatura à reeleição, não há necessidade de um programa detalhado, pois o eleitorado já conhece as propostas de Dilma. No entanto, em conversas reservadas, integrantes da cúpula petista admitem que houve uma mudança de direção no início de setembro, quando, diante da avalanche de críticas ao programa da adversária do PSB, Marina Silva, o comitê de Dilma decidiu arquivar as propostas formuladas para evitar que o plano de governo se transformasse em um tiro no pé.

O comitê da reeleição, porém, não se limitou a suspender o programa de Dilma temendo o revés sofrido pela candidata do PSB. Passou a usar as falhas do plano da adversária – que teve duas erratas – como arma política.

Também explorou propostas, como a de autonomia do Banco Central, para associá-la aos ricos.

Ex-petista e ex-ministra do governo Luiz Inácio Lula da Silva, Marina lançou seu programa com mais de 200 páginas em 29 de agosto. É a única entre os principais candidatos a fazer isso até agora. O tucano Aécio Neves promete seu plano de governo detalhado para esta segunda-feira.

Engavetado. Inicialmente, a campanha de Dilma planejava lançar uma série de cadernos elaborados ao longo deste ano por 30 grupos temáticos, que fizeram centenas de reuniões por todo o Brasil coletando e sistematizando sugestões de especialistas, acadêmicos e militantes de diversos setores como saúde, educação e economia.

Segundo o coordenador do trabalho, Alessandro Teixeira, algumas propostas foram apresentadas no programa de televisão e no site de campanha. Um exemplo é a proposta de transformar o caixa 2 em crime. O setorial de mulheres chegou a distribuir um texto, mas recolheu o documento por ordem do comando da campanha.

O comitê ainda não sabe o que fazer com o material produzido e os responsáveis pelas áreas temáticas não foram nem sequer informados sobre qual será o destino do trabalho.

Vinte pessoas formaram um grupo coordenado pelo ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo Haroldo Lima, para elaboração de uma proposta de programa de governo para a área de energia. O resultado do trabalho foi entregue a Dilma há cerca de três meses. “Ela passou as vistas, já estava no clima de campanha, mas a notícia é que ela agradeceu e ficou muito satisfeita com a proposta”, disse.

De acordo com o sociólogo Francisco Oliveira, que colaborou na formulação de diversos programas do PT antes da chegada do partido ao poder – atualmente ele está rompido com os petistas –, a elaboração de programas consistentes é uma tradição dos partidos de esquerda e a falta de propostas detalhadas de Dilma mostra o viés conservador do governo. “Quando você está na oposição, tenta subverter a ordem, e quando chega ao poder, tenta manter a ordem estabelecida. Os partidos de esquerda não conseguiram resolver bem essa contradição, e o PT, menos ainda”, afirmou.

Dilma não cumpriu 43% das promessas de 2010

• Análise foi feita com base em documento apresentado em 2010 que simbolizava seu programa de governo

• Os piores resultados se concentraram em meio ambiente e segurança; os melhores, em trabalho e saúde

Ricardo Mendonça – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Se o Brasil fosse um colégio; a presidente Dilma Rousseff, uma estudante; e as promessas feitas por ela em 2010, o currículo escolar; essa aluna teria passado de ano raspando. Seu desempenho final teria ficado um pouco acima da média.

Em quase quatro anos de mandato, Dilma cumpriu integralmente 22 de 69 promessas feitas por escrito em 2010.

Seus melhores desempenhos foram nos temas trabalhistas, em que só tira nota "A", e na área da saúde. É onde estão os resultados mais vistosos de seu "boletim".

Além disso, Dilma fez mais da metade do prometido em 17 compromissos assumidos, resultados que também podem ser considerados positivos.

Mas a mesma "aluna" teve desempenho insatisfatório em 16 promessas. E, pior ainda, abandonou 14 juramentos. As "notas mais baixas" foram em meio ambiente e segurança (confira a lista na pág. 3).

Esses dados são o resumo de avaliações feitas pela Folha a partir de promessas extraídas do documento "Os 13 compromissos programáticos de Dilma Rousseff para debate na sociedade brasileira", caderno de 21 páginas que simbolizava seu programa de governo em 2010.

O material foi apresentado por Dilma em outubro daquele ano, a apenas seis dias do segundo turno que a consagrou presidente. Depois, uma versão reduzida foi colocada no site da Presidência sob o título "Diretrizes de governo".

"Os 13 compromissos" é um conjunto genérico desde o título, que mistura pelo menos 69 promessas e intenções (avaliadas pela reportagem) com obrigações constitucionais de qualquer presidente, como as juras de "preservar a autonomia dos poderes" ou "garantir a liberdade de expressão" (não avaliadas).

As promessas não aprecem de forma sistematizada. Estão contidas no texto, quase sempre entre frases abrangentes, sem prazo ou meta numérica.

Para fazer a avaliação, portanto, adotou-se uma escala simplificada de quatro notas: "A" para as promessas 100% cumpridas; "B" nos casos em que a realização não foi completa, mas há resultado relevante; "C" para as situações em que o governo fez pouco, menos da metade do prometido; e "D" para os exemplos de abandono da ideia original.

Com este método, só é possível medir um percentual final de desempenho agrupando as notas "A" e "B" como resultado positivo, e "C" e "D" como resultado negativo.

Fazendo esse exercício, e atribuindo o mesmo peso para cada item, conclui-se que Dilma cumpriu 57% de seu programa e deixou de fazer 43%.

A checagem do cumprimento de "Os 13 compromissos"-sempre com dados oficiais e auxílio de especialistas- ajuda a entender os quase quatro anos de Dilma. Mas não pode ser confundida com um balanço completo de seu mandato.

Primeiro porque algumas questões cruciais até hoje não resolvidas simplesmente não constavam naquelas páginas, como uma proposta clara para financiamento da saúde ou o prazo para conclusão da demarcação de terras indígenas.

Segundo porque, por outro lado, ações relevantes do governo Dilma, algumas reconhecidamente positivas, não apareciam como promessa durante a eleição de 2010.

Exemplos disso são a criação da Comissão Nacional da Verdade, para apurar crimes da ditadura militar, e o programa Mais Médicos, tentativa de minimizar a carência de profissionais pelo país.

A redação genérica do programa em 2010 é uma tendência cada vez mais frequente nas campanhas. Neste ano, apenas Marina Silva (PSB) apresentou um programa acabado de governo, e foi alvo de críticas sobre o conteúdo.

Neste domingo (28), Dilma disse que suas propostas vem sendo apresentadas ao longo da campanha. E ironizou: "Você conhece a modernidade? A modernidade é o seguinte: não é um calhamaço feito de papel".

Colaboraram EDUARDO GERAQUE, ÉRICA FRAGA, FLÁVIA MARREIRO e JOSÉ MARQUES, de São Paulo, e GUSTAVO PATU e JOHANNA NUBLAT, de Brasília

Oposição quer ouvir tesoureiro do PT na CPI

• PPS pedirá explicações sobre suposta ação de Vaccari em fundos de pensão

- O Globo

BRASÍLIA- O líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR), afirmou ontem que pedirá novamente a convocação do tesoureiro do PT João Vaccari Neto para depor na CPI mista que investiga irregularidades na Petrobras. Ao longo das investigações da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, foi levantada a suspeita de atuação do petista como um elo entre o grupo do doleiro Alberto Youssef e fundos de pensão estatais.

Ontem, o jornal "Folha de S.Paulo" publicou que e-mails encontrados pela PF sugerem que Vaccari ajudou operadores do doleiro a fazer contato com a Petros, fundação de previdência dos funcionários da Petrobras, em 2012. Na época, o grupo queria captar recursos para o Trendbank, empresa administradora de fundos de investimentos que viria a deixar um rombo de cerca de R$ 400 milhões.

Segundo a reportagem da "Folha", um operador do mercado financeiro chamado Enivaldo Quadrado, doleiro condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter distribuído dinheiro do mensalão, seria a ligação entre Vaccari e Youssef para fazer o negócio com o Trendbank. A relação dos dois já era conhecida pela PF e também já havia vazado para a imprensa. Vaccari foi um dos mencionados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa como beneficiário do esquema de corrupção na estatal, segundo revelou a revista "Veja". O tesoureiro do PT nega qualquer participação no esquema de Costa e Youssef.

"Vaccari é peça fundamental para as investigações da CPI, e a comissão não pode prescindir dele. Vamos apresentar requerimento já na segunda (hoje) E esperar que o presidente (da CPMI) Vital do Rêgo (PMDB-PB) peça uma reunião o quanto antes, porque temos muito a decidir no colegiado", disse Bueno, em nota divulgada por sua assessoria.

A Petros aplicou R$ 23 milhões no Trendbank. Outro fundo de pensão que investiu na empresa foi o Postalis, dos funcionários dos Correios. Em janeiro deste ano, antes de a PF deflagrar a Operação Lava-Jato, surgiram notícias dos prejuízos que os investidores do Trendbank estavam sofrendo. Na ocasião, o Postalis informou que realizou aplicações de R$ 50 milhões em março de 2010, antes, portanto, da suposta ação de Vaccari para aproximar Petros e Youssef.

PMDB foca nos estados para se tornar indispensável

O fiel da governabilidade

• PMDB lidera pesquisas em oito estados e quer se manter indispensável a qualquer presidente

Simone Iglesias, Catarina Alencastro e Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - Coadjuvante na disputa presidencial, o PMDB do vice-presidente Michel Temer se prepara para conseguir um sólido crescimento país afora. O partido lidera as pesquisas eleitorais para os governos de oito estados e tem boas chances em outros dois, o que poderá levá-lo a ter dez governadores a partir de 2015 - o dobro de seu desempenho em 2010, quando apenas cinco peemedebistas venceram eleições estaduais. Os peemedebistas também contam com um crescimento das bancadas no Congresso, o que reforça seu papel de fiel da governabilidade de qualquer presidente que venha a ser eleito.

Sem candidato próprio à Presidência há 20 anos, a estratégia do PMDB, ao focar nos estados e no Congresso, é justamente a de permanecer grande e indispensável a qualquer presidente. O partido desempenhou esse papel nos governos do PSDB e do PT. Formalmente aliado ao atual governo e à campanha de Dilma Rousseff à reeleição, o PMDB pode aumentar sua representatividade em caso de vitória da candidata petista.

Planalto já prevê participação maior
O governo e o PT contam com um crescimento das bancadas do PMDB no Congresso para ajudar a garantir a governabilidade em eventual segundo mandato da presidente Dilma, contrabalançando a ida do PSB para a oposição. O Palácio do Planalto já prevê, inclusive, um aumento da participação dos peemedebistas no governo, em caso de vitória da petista. O espaço extra se daria basicamente sobre o vácuo deixado pelos socialistas, que ocupavam dois ministérios e cargos no segundo escalão.

- É certo que o PMDB, nosso principal aliado, deve sair maior numericamente nessas eleições. Temos que ter um crescimento porque perdemos o PSB, que era um aliado importante - afirmou o senador Jorge Viana (PT-AC).

Ele reconhece, no entanto, que a relação entre PT e PMDB não é um mar de rosas:

- Vamos ter que aprender com os erros, sair de uma situação de desconfiança. Nosso vice é do PMDB novamente, temos que construir uma relação de maior confiança - afirmou o senador petista.

Apesar de ter cinco ministérios, o PMDB reclama de ocupar pastas com menos peso político do que no governo Lula e do fato de boa parte delas ter cargos-chave ocupados por petistas. O PT costuma contra-argumentar que o partido possui a vice-presidência da República. Os peemedebistas, por sua vez, rebatem dizendo que o cargo seria figurativo. Assessores do Planalto afirmam, no entanto, que ainda não há discussão sobre ocupação de espaço em eventual segundo governo e que o foco neste momento é ganhar a eleição presidencial. Integrantes do governo reconhecem que há "demandas reprimidas" do PMDB relativas ao primeiro mandato:

- Pretendemos ampliar o diálogo com o PMDB em um segundo mandato - afirmou um assessor do Planalto.

Partido tem expectativa de crescimento
Um interlocutor de Dilma aponta que essa substituição do PSB pelo PMDB já ocorre nos estados, com os peemedebistas tendo um crescimento maior do que os socialistas, o inverso do que ocorreu nas últimas eleições:

- Em 2010, o PT franqueou espaço para o PSB nos estados e o partido conseguiu fazer seis governos. Este ano a tendência é que perca cadeiras nos palácios estaduais para o PMDB. Dentro do governo federal, o PMDB tende naturalmente a ganhar também.

O PMDB tradicionalmente foca nas eleições estaduais, mesmo que integrantes do partido venham tentando ao longo dos últimos anos entrar na disputa ao Palácio do Planalto. A última vez que o PMDB teve candidato a presidente foi em 1994, há exatos 20 anos: Orestes Quércia, que ficou em quarto lugar. Em 2010, unificado em torno da inédita aliança nacional com o PT, o PMDB teve o pior desempenho estadual desde a redemocratização, com cinco governadores eleitos, desempenho igual ao do PT. Os tucanos chegaram a oito governadores e o PSB, sob a liderança de Eduardo Campos, elegeu seis governos estaduais

Agora, o PMDB lidera em estados como o Rio de Janeiro, com Luiz Fernando Pezão; o Ceará, com o senador Eunício Oliveira; o Amazonas, com o líder do governo no Senado, Eduardo Braga; o Rio Grande do Norte, com o presidente da Câmara, Henrique Alves; e no Pará está em empate técnico com o atual governador, o tucano Simão Jatene, que segue numericamente à frente.

Na terra do seu avô, Aécio Neves convoca mineiros a resgatar valores

Suzana Inhesta - O Estado de S. Paulo

SÃO JOÃO DEL-REI - A uma semana das eleições, o candidato à Presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves vai à terra natal de seu avô para convocar os mineiros. Em dois pronunciamentos feitos na cidade - um na frente do Solar dos Neves e outro em encontro com lideranças políticas no Campo das Vertentes no centro da cidade -, o tucano ressaltou em "resgatar os valores que permearam" a vida de seu avô, Tancredo Neves, como a "ética, decência e generosidade".

"Há 30 anos saio daqui acreditando que política e decência possam ser quase como irmãs siamesas. O tempo passa, o cabelo fica mais branco, mas nesse momento no qual se aproximam as eleições, quero reiterar a minha crença que é fundamental resgatar a ética, a decência e a generosidade. A vida pública não pode ser esse vale tudo que nós estamos assistindo hoje", afirmou, em seu rápido pronunciamento na frente do Solar dos Neves, após batizar seus filhos gêmeos, Júlia e Bernardo, filhos com a Letícia Weber, na igreja do Pilar.

Segundo Aécio, sua volta à cidade, trazendo pela primeira vez seus filhos gêmeos, é para que eles compreendam que "com o exemplo de sua família, tenham a crença de que não se deve mentir, roubar, e sim deve se respeitar ao próximo". "Política não deve ser uma atividade dissociada da vida cotidiana, real, das pessoas. Estou encerrando essa primeira etapa, porque me reencontrarei mais com vocês no segundo turno. Mas hoje, tenho essa profecia de fé: nos valores que aprendi com o meu avô, Tancredo", disse. Ele afirmou que é em São João Del-Rei que busca a fé, energia que são suas "melhores companhias" e que levará consigo a fé e as verdades para construir "um projeto novo para o Brasil".

"Hoje é um dia que o coração fala mais alto do que a minha razão", ressaltou. "Vim aqui dizer que caminharei até o último dia da minha vida profetizando os valores da minha ética, decência e da família. (...) É muito importante que a decência volte a conduzir a ação dos homens públicos no Brasil. No nosso governo, posso garantir que isso vai acontecer", completou.

Após o pronunciamento em frente do Solar dos Neves, Aécio se dirigiu ao bairro das Fábricas, para se encontrar com lideranças da região do Campo das Vertentes. Não falou novamente com a imprensa e a centenas de militantes fez discurso com tom parecido ao anterior. "Como é bom, depois de 30 anos, caminhar pelas mesmas ruas, pedras, e dizer olho no olho: 'honrei vocês a cada dia nestes últimos anos'", disse.

Relembrou a trajetória de Juscelino Kubistchek, também mineiro, e de seu avô, Tancredo Neves, inclusive citando os escritos que estão na lápide de Tancredo. "Em todos os instantes quando dormia e acordava, lembrava de seu exemplo de dignidade e também de meu pai, que compartilhou esses valores. (...) Nada mudou nessa minha caminhada. Tenho a mesma determinação, coragem e valores deles e que me guiaram até aqui", afirmou.

Ele reiterou que será de Minas Gerais que sairá a "sinalização clara do caminho mais correto da mudança do País" e que ele está pronto para fazer isso. "Vamos dizer não à corrupção, chega de tantos desmandos, sem ética e de coisas erradas. E vamos dizer sim a um governo aberto. (...) Estaremos no segundo turno e vamos para a vitória", falou, pedindo aos mineiros que redobrem seus esforços para elegê-lo, a Pimenta da Veiga ao governo do Estado e a Anastasia, senador. "Se olhar no retrovisor, em São João Del-Rei, estão vários Aécios que serão o eco da minha voz", finalizou.

No evento estava presente também o atual governador do Estado, Alberto Pinto Cielho (PP), que disse que Aécio é "o JK do século 21".

Aécio apresenta programa oficial nesta segunda

• Nas últimas semanas, candidato vinha sendo cobrado sobre o documento, em especial depois de recuar em relação à proposta de acabar com o fator previdenciário

O Estado de S. Paulo

O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, prometeu anunciar nesta segunda-feira a versão completa de seu programa de governo. Está prevista também uma entrevista coletiva no comitê central do tucano, em São Paulo, para a apresentação do documento com as propostas do concorrente ao Palácio do Planalto.

Na sexta-feira, em ato de campanha em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, Aécio disse que “a construção do nosso programa de governo, que será divulgado nesta segunda, deixará claro qual o caminho que nós percorremos para, a partir do resgate das agências reguladoras, do respeito aos contratos, permitirmos um aumento da taxa de investimentos no Brasil, fundamental à geração de empregos”.

Em agosto, o candidato do PSDB chegou a dizer que apresentaria suas propostas no começo de setembro. A repercussão negativa em torno do documento de Marina Silva (PSB), que precisou retificar itens relacionados à política LGBT e retirar o uso de energia nuclear do programa, no entanto, fizeram Aécio mudar de ideia e postergar a divulgação do texto final.

Para evitar problemas semelhantes, a equipe comandada pelo ex-deputado Arnaldo Madeira fez um pente-fino do programa de governo antes de apresentá-lo a Aécio. O próprio candidato deu a palavra final sobre o documento antes de confirmar a data de apresentação.

Nas últimas semanas, Aécio vinha sendo cobrado sobre o documento, em especial depois de recuar em relação à proposta de acabar com o fator previdenciário, medida que foi anunciada pela própria equipe tucana.

A consulta popular entre Dilma e Marina

Raquel Ulhôa – Valor Econômico

BRASÍLIA - Após a retomada das atividades legislativas, interrompidas pela campanha eleitoral, voltará à pauta a tentativa de lideranças de sustar o decreto da presidente Dilma Rousseff que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e estabelece diretrizes para os conselhos populares. Se Marina Silva (PSB) for eleita presidente, o foco dos parlamentares será redirecionado para o seu programa de governo, que também trata do tema.

O documento do PSB prevê a implantação da Política Nacional de Participação Social "pelo aumento da participação da sociedade civil nos conselhos e instâncias de controle social do Estado", autonomia dos movimentos populares e sua organização "de modo transversal, em todas as políticas e programas do governo". Diz que os movimentos populares e sociais devem ocupar espaços públicos e ter "diálogo permanente" com o governo, por meio de canais de comunicação mais ágeis e acessíveis.

O deputado Beto Albuquerque, candidato a vice-presidente na chapa de Marina, e Sérgio Xavier, um dos coordenadores da campanha, afirmam que a proposta é totalmente diferente do que determina o decreto de Dilma. A meta é que o governo tenha maior interação e canal direto com a sociedade por meio da internet, resultando em maior transparência.

"A nossa democracia é focada no digital. A maior participação da população está na transparência. On line! Povo informado fiscaliza. Não precisa só da política dos representantes e representados", escreveu Albuquerque, em mensagem por celular. Segundo Xavier, a política de participação social proposta pelo PSB parte de um conceito "muito mais estratégico" do que a criação de conselhos, prevista na proposta da Dilma.

De acordo com Xavier, o programa propõe "uma república da era digital", um governo interligado com a sociedade em rede. "O que estamos propondo é criar condições para que a cultura das redes seja incorporada no dia-a-dia das políticas públicas e canais de participação direta do governo com a sociedade", diz. A ideia é implantar novas tecnologias que permitam ao cidadão ter acesso a serviços públicos - como marcar consulta -, obter informações, acompanhar programas e dar sugestões.

Para parlamentares, a proposta de Marina não está clara. O primeiro eixo do programa tem como lema "democratizar a democracia". O texto diz que o Brasil vive uma crise nacional de representação. "Precisamos olhar a proposta para ver o seu alcance", diz o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antonio Imbassahy (BA). Para ele, é importante esclarecer qual o instrumento legislativo proposto para implantar a política de participação social e se os conselhos seriam "politicamente aparelhados" e deliberativos.

O líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), afirma que não é possível comparar as duas propostas, porque a de Marina ainda está em aberto. Segundo ele, "a linha do PT é aparelhar os conselhos e dominar a composição. Isso é inaceitável". Mendonça Filho e Imbassahy lembram que aliados de Marina se posicionaram contra o decreto de Dilma no Congresso.

O líder do DEM é autor de um dos projetos de decreto-legislativo em tramitação no Congresso sustando o decreto de Dilma (número 8.243, de 23 de maio de 2014). Na justificativa, afirma que a intenção da presidente é "implodir o regime de democracia representativa, na medida em que tende a transformar esta Casa em um autêntico elefante branco, mediante a transferência do debate institucional para segmentos eventualmente cooptados pelo próprio Governo".

Para o deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR), as críticas da oposição são por motivos ideológicos. "Eles são contrários à participação e transparência. O decreto apenas disciplina melhor o funcionamento dos conselhos, regulamenta algo que já existe há mais de 20 anos e que precisava de um disciplinamento mais claro", afirma.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), em voto em separado rejeitando projeto que susta o decreto de Dilma, afirmou, em defesa da medida, tratar-se "mais de um esforço de sistematização e articulação de instâncias e mecanismos de participação social já existentes, em prol do diálogo e da atuação conjunta com a administração pública federal, do que da criação de novas instâncias e mecanismos com essa finalidade".

A petista citou dados do IBGE, segundo os quais em 1999 operavam no país mais de cinco mil conselhos nas áreas de saúde, assistência social e educação; quase quatro mil tratavam de questões ligadas a criança e adolescente; e outros, a meio ambiente, turismo, habitação, transporte e política urbana. Gleisi afirmou no voto em separado que um dos objetivos do decreto é sistematizar atividades dessas instâncias, já que "o nível de participação da sociedade é extremamente desigual nas diferentes esferas temáticas da intervenção governamental".

Uma das críticas de parlamentares governistas e da oposição é ao fato de Dilma criar conselhos por decreto. Até os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), protestaram. Também é contestado o poder deliberativo dos conselhos na definição de políticas públicas.

"Com essa medida, o regime de representação é, em tese, substituído. Numa democracia, a população escolhe seus representantes. Pelo decreto, as eleições continuam, mas quem vai ter voz de comando e deliberar é o aparelho político, partidário. Sem necessidade de voto, o governo vai nomeando pessoas para os conselhos, que passam a substituir a vontade popular. É uma coisa antidemocrática. Usurpa as prerrogativas [do Congresso]", diz Imbassahy.

Em junho, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social -o "Conselhão"-, Dilma defendeu o decreto. "Nós somos a favor da consulta e da participação de todos os segmentos no processo de estruturação dos projetos do governo. Muitas cabeças pensam melhor que somente as cabeças do Executivo", afirmou à época.

O decreto fixa que órgãos da administração pública considerem as instâncias e os mecanismos de participação social previstos no decreto - conselho e comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública e ambiente virtual- para formulação, execução, monitoramento e avaliação de programas e políticas públicas. (Colaborou Raphael Di Cunto, de São Paulo)

"A política de inclusão do PT gerou uma mentalidade de direita"

• Entrevista- Renato Janine Ribeiro (Professor-titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo)

Leonardo Fuhrmann, Patrycia Monteiro Rizzotto – Brasil Econômico

Professor-titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro prevê tempos difíceis para o próximo presidente, qualquer que seja o vencedor da eleição de domingo. Ele critica a despolitização do debate político e é duro na análise dos principais candidatos: "As propostas de Marina têm um problema de falta de consistência; as do PSDB estão bastante superadas em termos de finalidade; e as do PT, envelhecidas". E acredita que PSDB e PT terão de se renovar. "O PSDB ficou tão atrasado que eu fico espantado como ainda tem tanta gente disposta a votar nele", alfineta. Sobre Dilma Rousseff, critica o autoritarismo e o ministério fraco, problemas que podem se agravar em novo mandato. Janine diz que o acesso das classes populares a produtos tem reforçado o pensamento conservador — "A inserção pelo consumo cria uma mentalidade consumista, que é de direita". E cobra um passo à frente dos programas sociais: "Será necessário um plano mais estruturante".

Como o sr. viu a ascensão de Marina Silva na campanha?
Foi o fenômeno mais interessante desta eleição, que estava muito morna, porque Eduardo Campos não conseguia desenvolver uma imagem diferente da de Aécio Neves. E, bem antes, o tom da campanha era dado por um certo sentimento de desencanto com a política tradicional e com os dois partidos que têm se alternado no poder. Por isso que o grande número de votos que Marina agregou nas primeiras pesquisas de intenção de votos foram de pessoas que pretendiam votar branco ou nulo, ou que estavam indecisas. Eu não sei mencionar quanto desse desencanto tem a ver com o conteúdo da política tradicional, e quanto tem a ver com a forma. Porque há uma agressividade nas campanhas. O tempo todo a mídia bate no PT. E, na hora da campanha, o PT também está batendo pesado, sobretudo na Marina, o que gera descontentamento em parte dos eleitores. Há duas grandes questões debatidas pela população: os programas sociais — que fazem as coisas tenderem a favor do PT— e a questão da corrupção, que muitas pessoas pensam que é exclusividade do PT, que não existe em outros partidos. Isso se tornou uma bandeira contra o PT.

Por que se associa a corrupção à imagem do PT?
Numa sociedade de pouca cultura democrática, é difícil as pessoas se acostumarem à ideia de que há dois, três partidos políticos concorrendo, igualmente honestos, ou desonestos, mas que a diferença deles seja dada pela plataforma, e não pela honestidade. Aqui se projeta uma característica da moral sobre a política. Na moral, se tem mais forte a idéia de que há condutas erradas e que, em certas condições, há apenas uma conduta correta. Então, quando se projeta a moral sobre a política, se você discorda de alguém, acaba acreditando que esse alguém é do mal, que está fazendo uma coisa errada, não só politicamente, mas moralmente. Isso o PT fazia quando estava na oposição, denunciava o governo Fernando Henrique e aqueles a quem combatia, não por opções políticas equivocadas ou divergentes, mas por afirmar que eles eram desonestos.

Por que o tema da corrupção ganhou importância eleitoral?
O PT não só levantou esse tema de maneira mais intensa, como aparecia, até 2002, como um partido ético por excelência. E ele não se preocupou muito em manter essa imagem. No Brasil, há duas questões éticas muitos fortes: uma que é a ética da corrupção no exercício do poder de Estado; e outra que é a questão ética da miséria. A existência de milhões de pessoas que ainda não foram incluídas socialmente, apesar do esforço do governo petista, é um problema sério. Mas, ao invés de o PT bater na tecla de que seu projeto é intensamente ético, porque resgatou dezenas de milhões de pessoas da miséria, preferiu calar-se sobre a ética. Então, a única questão ética que surge hoje é sobre a corrupção. Se o PT tivesse batido na tecla de que faz um governo ético porque é antiético ter gente morrendo de fome no Brasil, ter pobre sem oportunidades, ele estaria melhor.

Foi uma falha de comunicação?
Considero uma falha de concepção, que repercutiu na comunicação. O PT certamente se preocupou mais em conseguir o voto das pessoas beneficiadas, o que é legítimo, mas não gerou um pensamento disso como sendo ético. O pensamento do PT, quando discute ética, ficou pobre. Ficou a impressão geral de que não há prática política sem sujar as mãos. Em vez desse discurso, poderia questionar: "Vocês não se escandalizam com o fenômeno da fome?". O jornal espanhol "El País" publicou um artigo sobre a busca do governo pelos chamados "brasileiros invisíveis". Pessoas extremamente difíceis de localizar, que muitas vezes não têm documentos, e que poderiam ser incluídas no Bolsa Família, mas que não têm acesso porque estão muito, muito invisíveis para o Estado. Isso é um empreendimento ético de primeira grandeza. E olha que "El País" é um jornal simpático ao tucanato, não gosta do PT. Quando li esse artigo, me perguntei: "Como é que o PT não usa esse tema na campanha?". O PT priorizou a inclusão pelo consumo, o que tem inúmeras vantagens. Uma dela sé a de que havia uma demanda reprimida de gente que queria comprar, e não podia. E esse consumo represado era de coisas essenciais, como comida, geladeira... Depois veio, por extensão, o consumo de itens menos essenciais — maquiagem, roupas melhores. Mas o PT não politizou essa inclusão pelo consumo e isso levou boa parte dos beneficiários a acreditar que eles não devem nada às políticas públicas. Uma parte até vai votar em outros candidatos porque não sente que deve ao PT esse acesso ao consumo — pensa que é graças ao esforço individual deles. Os beneficiários nem cogitam que, se a economia estivesse em recessão prolongada, eles ainda estariam na miséria.

Mas a que se deve essa falta de debate ideológico do PT?
Incluir pelo consumo é a linha de menor resistência, porque não se enfrenta o capital. Ao contrário, o capital é beneficiado. Tanto que a indústria e o comércio foram beneficiados pelo volume de negócios. O governo petista não adotou uma política de redistribuição de renda, não tirou de uns para dar a outros. Ele realizou uma política que beneficiou os mais pobres, sem lançar mão de algum elemento de redistribuição de renda — o que causaria muito mais conflito. Se o PT, que não prejudicou as classes altas e médias, enfrenta conflitos, imagine se tivesse causado algum prejuízo para essas classes...

O PT evitou um conflito com o conservadorismo das elites?
Há um conservadorismo embutido nesse conflito. Uma parte da classe média, mais do que da classe rica, fica escandalizada de ver os pobres tendo melhoria nas condições de vida. E, numa certa medida, a classe média tem alguma razão. A mão de obra mais simples não melhorou, está ruim. Então, quando se contrata hoje os serviços de um marceneiro, por exemplo, a classe média acaba pagando muito mais por um trabalho pouco profissional. Aí, essas pessoas culpam a conjuntura de pleno emprego por essa realidade, já que ela permite que o trabalhador negocie um valor alto pelo seu trabalho, sem eventualmente cumprir a parte dele. Se o governo do PT tivesse politizado essa inclusão social que realizou, dando mais força nos elementos da educação, talvez as coisas tivessem outro rumo.

Mas como o PT poderia ter politizado essa inclusão?
Sempre que se falasse sobre melhoria de renda, o partido lembraria que há uma chaga ética no Brasil que é a miséria, dizendo "Sociedade rica é sociedade sem pobreza". Esse tema é bom e deveria ser trabalhado para valer. E mostraria que há políticas públicas que reduzem a pobreza e tornam a vida melhor. Quando alguém se queixasse de que o Brasil é inferior aos EUA ou à Europa, o partido lembraria de que lá fora as coisas são melhores porque não há pobreza e, ao mesmo tempo, procuraria oferecer uma educação melhor. No Brasil há uma convicção muito forte do gozo, do prazer. É uma sociedade que reage muito pelo prazer. Quando as pessoas têm uma melhora de renda, logo pensam em como vão se divertir comesse excedente, pensam em consumir, por isso as vendas no crédito têm tanto importância no Brasil. A inserção pelo consumo cria uma mentalidade consumista que é uma mentalidade de direita, não de esquerda. O PT realizou uma série de políticas inclusivas que geraram uma mentalidade de direita.

Marina tem dito que pretende governar com os bons...
Quando Marina se refere aos bons, ela não se refere aos mais honestos, ela quer dizer os mais competentes. Ela considera que é um desperdício ter um Eduardo Suplicy, que só iria para o governo se o PT estiver no poder — e o PT jamais o chamou para exercer cargo executivo — ou ter um José Serra, que só iria para o governo no caso de vitória do PSDB. Isso não tem a ver com honestidade, ela quer os melhores em termos de competência.

Se o PT não prejudicou os mais ricos, de onde vem esse sentimento anti-PT tão forte?
Tem um ponto que é minimizado sobre a classe média que odeia a nova classe média, que está relacionado ao pagamento de impostos e à qualidade dos serviços públicos. As pessoas de classe média pagam uma série de impostos e se beneficiam muito pouco dos serviços públicos. Costumo dizer que a agenda democrática impõe exigências sobre quatro serviços públicos básicos: educação, saúde, segurança e transporte. E, tradicionalmente, esses quatro serviços são muito ruins no país. Eu defino classe média a partir do acesso a pelo menos dois desses serviços oferecidos pela iniciativa privada. Mas a tendência é: quanto maior a renda, maior é o acesso a esses quatros serviços privados. Ou seja, se você é de classe média, paga imposto e ainda paga por fora um plano de saúde; a escola particular para os filhos; compra um carro; e ainda tem despesas com o segurança da rua ou funcionários dos condomínios. E é claro que isso gera uma indignação muito grande na classe média. Some a isso a percepção de que o custo de vida na Europa e nos EUA ficou muito barato para os brasileiros, o que nunca foi. Quando fui à França pela primeira vez nos anos 70, qualquer coisa custava quatro vezes mais do que aqui. Hoje, muitos preços são iguais e, considerando a qualidade, são até mais baixos. Com R$ 100 em Paris, é possível comer bem melhor que em São Paulo. Com essa base real de insatisfação, logo vem a interpretação de fatos pela via mais fácil, e logo se conclui: "É porque o PT rouba que eu não consigo uma saúde e uma educação de qualidade". Ou seja, entra uma interpretação permeada pelo preconceito. As pessoas que denunciam a classe média só pela ideologia esquecem que, para Marx, a ideologia tem uma base real e um interesse. Curiosamente quem ataca a classe média, não ataca a classe rica. Há todo um discurso petista que ataca a classe média e poupa os que têm excedentes.

É possível o PT fazer as pazes coma classe média melhorando os serviços?
Não basta, porque o assunto está profundamente engessado. O Estado brasileiro, nos três níveis, dificilmente terá mais dinheiro para aplicar nos serviços públicos. As grandes políticas do PT — Bolsa Família, sistema de cotas, ProUni e Mais Médicos — são emergenciais. Eu apoio todos esses programas, mas defendo a definição de programas mais estruturantes, e para fazer isso é preciso mudar tudo.

O que aconteceu com toda a insatisfação coletiva das manifestações de 2013?
Elas surgiram de movimentos pequenos, mais de esquerda, que reivindicavam melhorias no transporte coletivo. Quando a coisa cresceu, ante o ataque violento da mídia de direita, e a reticência petista, a direita foi capaz de sequestrar o assunto. Então, as manifestações continuaram falando sobre transporte coletivo, havia muitos cartazes contra a Rede Globo que não apareciam na Globo, mas a direita conseguiu dizer que as manifestações eram contra a corrupção — e não eram. Eram, sobretudo, sobre transporte coletivo e, depois, sobre educação e saúde públicas, e contra o monopólio privado das comunicações. Mas a mídia conseguiu dar uma conotação fortemente antipetista ao movimento. O governo perdeu, não foi capaz de rebater e esse foi um ponto crucial. Nesses últimos 12 anos, o PT não fez a batalha pelos corações e mentes, perdeu a hegemonia política. Quando se elegeu em 2002, era o partido dos sonhos. Tinha convencido as pessoas de que, tirando o programa econômico dele — que muitos tinham medo que fosse maluco, e por isso Lula fez a Carta aos Brasileiros —, os valores do PT eram nacionais, e isso o partido jogou fora, não tomou o menor cuidado para preservar. Foi fazer acordos políticos, mas deixou de lutar no verbo... Em minha opinião, o PT falhou. Nunca fez um bom uso da internet, nunca trabalhou a construção de uma mídia alternativa de esquerda.

Por outro lado, a gente também percebe um declínio do PSDB...
Declínio? Cada voto que o PSDB conquista é um lucro. O partido ficou tão atrasado, que eu fico espantado como ainda tem tanta gente disposta a votar nele. O PSDB tem bons quadros. Se olharmos a equipe que o Aécio teria no governo, há quatro nomes de peso: Armínio Fraga, para a Fazenda; Antonio Anastasia, para a administração; Rubens Barbosa, Relações Exteriores; e Maria Helena de Castro, Educação. Não há quadros à altura nem na Rede, nem no PSB e nem mesmo no governo Dilma. Aliás, o problema do governo Dilma é que os ministros têm pouca autonomia. E o resultado disso é que o governo anda devagar. Feita a ressalva de que o PSDB tem uma equipe competente, e que de fato o partido está preocupado com a economia, as propostas dele para a sociedade estão totalmente defasadas. O Aécio defende o Bolsa Família, que está consolidado, mas ataca o Mais Médicos adotando o mesmo discurso das entidades representativas dos médicos. O Mais Médicos tem muitos problemas, mas é bem concebido. Como candidato, ele teria de apresentar uma alternativa melhor, mas não apresenta. O que ele propõe no lugar do Mais Médicos exigiria muito mais dinheiro. Em relação aos programas sociais, o PSDB é fraco. Quando eles falam de programa de governo, quase tudo é economia, o partido não pensa que a economia é caminho para outro fim. Sob esse ponto de vista, o PSDB não tem mais condição de disputar a hegemonia política do Brasil.

Se Dilma vencer, é fácil imaginar o dilema que o PT vai enfrentar em 2018. Já temo movimento "Volta Lula"...
Lula pode até ganhar a eleição de 2018, mas depende muito do desgaste que vai haver nos próximos quatro anos. Se o PT for eleito agora, provavelmente vai enfrentar o mandato mais difícil de sua trajetória no governo. O PSDB vai estar de fato punido, porque perder quatro eleições seguidas é uma humilhação. Mas pode rearticular-se, com gente que apoiou Marina. O PSB, sem Eduardo Campos, não é nada. Não dá para imaginar o rumo do partido. Se Marina se projetar como finalista no segundo turno e perder, existe uma tendência natural de parte do PSDB migrar para ela, que vai decidir quem lhe interessa. Ela não tem obrigação nenhuma de receber a todos. Talvez a melhor coisa de um governo Marina é que ela seria mais rigorosa com a política do que Lula e Dilma. Independentemente de qualquer coisa, se o PT, ao invés de investir em novos líderes, decidir pela volta de seu grande líder histórico, vai passar a mensagem de que foi incapaz de se renovar. Tudo que conseguiriam em sua história é eleger Lula duas vezes e, depois, uma presidente que ele sacou do bolso do colete. O PT não dispõe hoje de um nome para a Presidência em 2018. Como possibilidades, vejo Fernando Pimentel, caso vença em Minas, e Fernando Haddad, caso sobreviva à Prefeitura de São Paulo. Além deles, não há ninguém. O PT vai ter de se arriscar, buscar novos nomes.

A eleição seria mais fácil se, hoje, Lula fosse o candidato?
Seria diferente. Primeiro, porque o Eduardo Campos nem teria sido candidato. Segundo, porque teria mais popularidade que Dilma. O que eu não sei, em termos de governabilidade, é se o Lula seria melhor depois dela. Ele tem capacidade política incrivelmente maior que Dilma — o que seria uma coisa boa — mas me pergunto se não precisamos de uma renovação de projeto político. Sinto falta disso. Quem ganhar a eleição este ano vai ter dupla jornada de trabalho. As propostas da Marina têm um problema de falta de consistência; as do PSDB estão bastante superadas em termos de finalidade; e, as do PT, envelhecidas. Mas não superadas — a pauta da inclusão social continua pertinente.

Como o sr. vê a proposta da política de participação social?
A democracia representativa não basta. Você tem duas críticas a ela, no decreto da presidente Dilma que criou os conselhos de participação, e outra nesse conceito da Marina de nova política. As duas estão incompletas, com diversas incongruências. Mas o ponto importante é que precisamos ter mais pessoas atuando na coisa pública. Outro aspecto é a forma como a Marina pensa em usar a internet como ferramenta para isso. Era o sonho de Fernando Henrique, que o PSDB não conseguiu entender. Ela é quem mais conseguiu desenvolver isso. Mas quando se pega o começo do projeto da Marina, quando ela fala em participação maior e no conceito de rede e, depois, passa para as propostas concretas, uma não tem nada a ver com a outra.

Há um descolamento hoje das ideias de Fernando Henrique Cardoso com as do PSDB?
É um problema sério. O PSDB não está à altura do único presidente que deu ao Brasil. Fernando Henrique é muito melhor que o partido. É normal que um líder não seja superado por seu grupo, mas a distância é muito grande. Em 2010, quando a campanha do José Serra usou a questão do aborto, Fernando Henrique discordou. Mas, se a ex-primeira-dama Ruth Cardoso ainda estivesse viva, eles veriam o que é bom pra tosse... Aécio propõe políticas de combate às drogas e de endurecimento com os países vizinhos. Ele precisa de um discurso mais moderno. A descriminalização faz parte de uma nova agenda mundial, mas ainda difusa em alguns partidos brasileiros. Existe o que eu chamo de agenda da vida discutida por pessoas que defendem a liberdade e a maior emancipação possível. Gente que luta pela igualdade de direitos entre os gêneros, visceralmente contrária a qualquer preconceito racial. É uma preocupação presente no mundo todo. Querem mais liberdade e acham a repressão às drogas, principalmente a maconha, algo estúpido do começo ao fim. Quem estaria melhor em relação a isso seria o Eduardo Jorge.

Num exercício de imaginação, o que será de Dilma, Marina e Aécio, caso percam a eleição?
Se Dilma perder, é muito improvável que ela se reapresente em 2018. O próximo mandato será difícil para qualquer um deles. Aécio já prometeu medidas impopulares e Marina terá de formar uma equipe. Se Aécio perder e o candidato do PSDB ao governo mineiro também, vai ter dificuldades sérias para se reerguer. Pode haver uma migração grande de tucanos para o PSB e a Rede, que não devem aceitar todo mundo, pois não terão qualquer interesse em aceitar peso morto. É um cenário de tensa e difícil renovação política. Caso o PT ganhe agora, quem quiser tirá-lo da presidência em 2018 deve apostar em Marina. Ela terá tempo de fazer um programa melhor e absorver quadros. Aconteceu com ela uma coisa curiosa. Marina era total minoria dentro do PSB, mas não havia outro nome. Eles não endossam posições dela, e vice-versa. E o PSB agora não existe mais. Não tem nenhum outro nome presidenciável. Por outro lado, alguns dos nomes mais abertos entre os tucanos já foram para Marina — Walter Feldman, Guilherme Leal e André Lara Resende. Eles perceberam que não havia mais nenhuma perspectiva dentro do PSDB. O PT continua sendo o melhor para prosseguir na inclusão social. Mas Dilma, mesmo ganhando, sai enfraquecida e com desafios grandes. O estilo autoritário dela, por exemplo, não trouxe bons resultados. Marina teria tempo de se reconstruir, e o PSDB, de buscar um novo destino. O Alckmin não pode entrar na Rede pela porta dos fundos. Por outro lado, ele vai apoiar Marina? Ela não gosta da política dele. Marina teve de recuar no apoio a Suplicy, para ficar ao lado do Serra, mas você vê que não era o sonho dela.

Se eleita, quais seriamos desafios de Dilma?
Acho que o modelo emergencial de inclusão social está se esgotando. Por isso, será necessário algo mais consistente. O PT perdeu a batalha da opinião pública e não dá sinais de ter um projeto para mudar isso. A forma de Dilma governar, com pouca autonomia aos ministros e poucos deles inspiradores, enfraquece. O Lula tinha Gilberto Gil, Tarso Genro, Antonio Palocci e José Dirceu. Eram ministros com fôlego, peso. Quem a Dilma tem? O Celso Amorim, que foi importante no governo passado, é alguém de quem mal ouvimos falar na Defesa. Ela conseguiu ter um ministério fraco, e, por isso, só ela aparece. E os ministros têm medo de falar com ela, dar notícias ruins e tomar decisões independentes. Dilma não foi uma escolha política, no sentido de ser uma líder no PT. A decisão foi gerencial e ideológica. Era o nome mais próximo do mundo empresarial. Na Casa Civil, ela sempre teve essa coisa de lidar como capital, de querer aumentar a produção. É profundamente irônico que ela tenha se indisposto tanto com os empresários. Só não houve a indicação do Palocci porque ele saiu queimado do governo. Ela também não é uma pessoa que representa ideais populares. Enquanto Lula aparece como legítimo representante do povo, Dilma se empenha em ser uma pessoa disposta a servir ao povo.

E a reforma Política?
É preciso determinar claramente o que é a reforma política. Eu tenho certa simpatia por uma proposta radical, que acaba totalmente com o financiamento de campanha, com a campanha toda feita pela internet, e ponto final. Para a próxima eleição presidencial, o acesso à rede será praticamente universal. Com o coração apertado, prefiro o voto proporcional. Porque o distrital é muito fácil de ser manipulado nas circunscrições. E aí você pode controlar tudo, mesmo tendo minoria. Sobre a lista fechada, tenho sérias dúvidas. Favorece demais a burocracia partidária, o que não é bom. A proposta da Marina é a pior de todas: trata todas as candidaturas como avulsas. Desagrega por completo os partidos. A maioria das propostas piora, como a coincidência de todas as eleições. Se no formato atual já existe uma dificuldade para os eleitores decidirem para cargos menos vistosos, imagine se juntarmos mais disputas simultâneas. É uma loucura. Acho o fim da reeleição uma medida equivocada. Quatro anos com possibilidade de uma reeleição dá um tempo bom para se tocar um projeto.

Assim se revoltou a cidadania

• Maturidade política e econômica escancarou falhas em serviços, dizem especialistas

Wilson Tosta - O Estado de S. Paulo

Foi uma mistura explosiva. Milhões de pessoas, em todo o Brasil, ascenderam a uma condição de vida melhor, que alguns definem como classe média. Isso aumentou a demanda por serviços públicos - e essa multidão se deu conta de que eles são sofríveis e a Constituição lhes garante o direito a bons serviços. Eis a origem da exigência avassaladora por uma vida melhor que explodiu nas manifestações de 2013. A combinação, detectada por pesquisadores e cientistas sociais, marcou a campanha eleitoral de 2014 e está, para eles, na raiz da insatisfação geral. Reclamou-se, e se reclama ainda, da má qualidade da saúde, da educação, dos transportes, da segurança. O sentimento, percebido nas pesquisas de opinião, respinga no sistema político. E deverá continuar presente, quando um novo governo tomar posse, em janeiro de 2015.

Para o professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo Renato Janine Ribeiro, o País vive, desde os anos 70, uma sequência de “agendas democráticas”. “A primeira foi o fim da ditadura, em 1984-85”, diz. “A segunda foi o fim da inflação, o Plano Real. Levamos 15 a 20 anos para se conseguir isso. A terceira foi a inclusão social, que não está concluída. E a quarta, o que falta para a democracia brasileira ser funcional, são os serviços públicos, principal tema das manifestações.”

Ribeiro avalia que cada uma das três primeiras agendas teve um partido como patrono. A primeira foi do PMDB; a segunda, do PSDB; a terceira, do PT. A quarta agenda, por enquanto não tem partido, afirma o professor. Sua emergência no ano passado liga-se ao atendimento das anteriores, diz. “Quando a inflação era 2% ao dia, nem tinha tempo de pensar nas outras coisas”, diz. “Agora dá. E com esta subida de pelo menos 50 milhões das classes D e E para a classe C, essas pessoas querem ter serviços melhores. Têm roupa, têm comida, têm maquiagem, querem também ter ônibus bons, saúde boa, tudo mais.”

O historiador Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que não só a ascensão da classe média impulsiona a insatisfação. O emprego formal em alta leva os trabalhadores a serem mais exigentes, diz. O pesquisador, porém, vê dificuldades políticas para o avanço na qualidade dos serviços públicos. Para ser efetiva, a melhoria exigirá grande aumento do investimento público. Isso exigirá maior taxação dos ricos, avalia. Ele lembra o caso da Europa Ocidental do pós-Segunda Guerra, que criou o “imposto de solidariedade”.

No Brasil, exigir mais dinheiro da elite econômica colocaria em risco o arranjo que apoia o sistema político desde meados dos anos 90. “A habilidade de FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e do Lula (ex-presidente Luiz Inácio da Silva) foi exatamente ter propiciado avanços sem tocar nessa coalizão. É uma coalizão que já foi uma vez elaborada no Brasil, em termos históricos, no período do (presidente Getúlio) Vargas. Envolve a classe média, o proletariado urbano, grandes proprietários de terra, bancos e indústrias. Quem vai pagar a conta?”, questiona.

Mudancistas. Os políticos, afirma, evitam enfrentar o problema. “Todo mundo está se apresentando como mudancista”, analisa. “Estão enrolando - porque mudar significaria modificar substancialmente esses serviços. E aí tem de ver de onde vão sair os recursos. Nem uma coisa nem outra está sendo feita. Então, são promessas demagógicas.”

A ascensão dos setores médios e a Constituição de 1988, que fez dos direitos sociais “questão central”, são apontados pelo cientista político Luiz Werneck Vianna, da PUC-Rio, como causas da insatisfação. “Ninguém pode desqualificar a emergência desses direitos, porque estão presentes na Constituição”, destaca. “Não é uma benesse de um governo ou de outro. São direitos de todos.”

Segundo o diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (IUPERJ), cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, formou-se no Brasil um “caldo cultural de insatisfação geral com os serviços públicos”. Sua origem estaria na percepção de que os brasileiros pagam muito imposto sem contrapartida. “A classe média acaba pagando mais imposto. As pessoas que viviam na informalidade não pagavam. Passando a ter carteira assinada, passaram a descontar também para o Imposto de Renda. Então sentem mais pesadamente essa ineficiência governamental”, declara. Cauteloso, o professor Fábio Wanderley Reis, da UFMG, diz “não estar certo” de que esse fenômeno exista, mas lembra que “quando as coisas melhoram, os mecanismos de frustração se intensificam”.

Os oito anos de inflação baixa da era FHC e os 12 de inclusão social da era Lula-Dilma, para Cesar Romero Jacob, da PUC-RJ, resultaram na ascensão de uma classe C que exige serviços de qualidade. “Diferentemente da classe média média e da classe média alta, ela tem de escolher entre pagar o plano de saúde e a escola particular, de um lado, e ir ao shopping, de outro”, afirma. “A classe média tradicional já desistiu há muito da luta por serviços públicos de qualidade”, diz Jacob. “A classe C sabe que, para continuar subindo, precisa deles.”