quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Vera Magalhães - Que venha a transição

O Globo

Brasil deveria dar despedida breve a Bolsonaro e se ocupar da agenda que vai além das tarefas executivas e inclui a reconstrução do ambiente de diálogo

O Brasil deveria fazer como Jair Bolsonaro e lhe dar uma despedida breve, telegráfica, do tamanho de um tuíte. Se o presidente não se preocupou em, quase 48 horas depois da inédita derrota de um incumbente à reeleição, respeitar a liturgia do cargo e endereçar uma mensagem ampla ao conjunto da sociedade brasileira, dividida e traumatizada por uma campanha eleitoral suja, que sigamos sua ideia e passemos a nos dedicar ao dia seguinte.

Como escrevi no dia da eleição, há um país a reconstruir. E, ainda assim, o bolsonarismo se dedicou a depredá-lo um pouco mais desde domingo, numa sinalização clara de que não pretende exercer oposição ao próximo governo de forma democrática e institucional, mas sim promovendo arruaças e conturbando o ambiente econômico, político e social.

A transição, portanto, tem de se ocupar das muitas tarefas executivas necessárias para superar quatro anos de retrocessos, desmonte das estruturas de fiscalização, desrespeito aos direitos civis e coletivos e desarranjo fiscal para fins eleitoreiros, sem falar na política armamentista assassina e nos sigilos de cem anos para tudo.

Será preciso também fazer o caminho de volta para o convívio civilizado entre os que têm ideologias distintas, professam diferentes religiões, vivem nas várias regiões do país, pobres e ricos, trabalhadores e patrões, pais e filhos. Não é pouca coisa, e haverá sabotadores impedindo o trânsito como fizeram os caminhoneiros insurrectos nas estradas.

Bernardo Mello Franco – Aposta na arruaça

O Globo

Presidente tenta manter tropa mobilizada para demonstrar força e negociar proteção

A história acontece como tragédia e se repete no Brasil como arruaça. O bloqueio de rodovias faz parte de um enredo premeditado por Jair Bolsonaro: a tentativa de melar, pela via do tumulto, o resultado da eleição presidencial.

O capitão sempre buscou imitar Donald Trump. No ano passado, o republicano incentivou seus apoiadores a invadirem o Capitólio. Queria barrar a posse de Joe Biden, eleito pela maioria dos americanos.

Na versão tupiniquim, a baderna foi menos organizada. Os bolsonaristas se limitaram a parar o trânsito, com a cumplicidade da cúpula da Polícia Rodoviária Federal. Outros grupos de extrema direita armaram piquetes em frente a quartéis, onde clamam por golpe e prisão de ministros do Supremo.

Bolsonaro está isolado. Seus aliados já começaram a reconhecer a vitória de Lula na noite de domingo. O discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, serviu como senha para o desembarque do Centrão.

Elio Gaspari - Bolsonaro ficou fora da curva

O Globo

O Brasil é um só, mas dividido

Lula já mostrou que sabe agregar, e os luminares do Centrão sabem agregar-se. Já Bolsonaro, com seu silêncio dominical, confirmou o que se sabia desde janeiro de 2019, quando ele chegou ao Planalto: o figurino das instituições democráticas assenta-lhe mal.

Prever sua morte política é uma precipitação. Ela só ocorre, às vezes, com a morte física. Mais morto que Lula no cárcere de Curitiba, só Getúlio Vargas no leito de seu quarto no Palácio do Catete. Nenhum dos dois morreu politicamente, e Lula viveu o suficiente para ser eleito pela terceira vez.

Deve-se buscar o Bolsonaro do futuro no inexpressivo capitão da política do Rio de Janeiro. Ele foi eleito em 2018 por muitos fatores. Um deles foi a soberba petista diante das denúncias de corrupção. Deve-se lembrar que o candidato petista, Fernando Haddad, dizia que, eleito, teria um conselheiro em Lula, preso em Curitiba. A coligação alimentada pelo sentimento antipetista elegeu-o. Quatro anos depois, Bolsonaro tornou-a minoritária. Minoritária, porém robusta.

Luiz Carlos Azedo - Um sapo barbudo entalado na garganta de Bolsonaro

Correio Braziliense

Bolsonaro não fez nenhum questionamento ao resultado das eleições, mas também não o endossou publicamente, até agora. Entretanto, na prática, está digerindo a derrota, ou seja, o “sapo barbudo”

O título da coluna é inspirado na frase famosa do ex-governador fluminense Leonel Brizola, cujo sonho de chegar à Presidência foi frustrado em 1989, ao ficar em terceiro lugar na disputa presidencial, atrás de Fernando Collor de Mello e, para surpresa geral, do então estreante nas eleições Luiz Inácio Lula da Silva. Atropelado pelo líder metalúrgico, Brizola decidiu apoiá-lo no segundo turno e transferiu seus votos para o petista, principalmente no Rio de Janeiro e no Rio Grande Sul. O “sapo barbudo”, porém, somente viria a se eleger presidente da República em 2002, tendo que ser digerido pelo senador José Serra (SP), seu adversário tucano.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda não engoliu a vitória do “sapo barbudo”. Seu pronunciamento de ontem, depois de um adiamento de 48 horas após o encerramento da apuração, foi pautado pela ambiguidade política. Agradeceu aos seus eleitores, enalteceu a formação de uma direita ideológica no país, anunciou que sua luta continua, mas não reconheceu a derrota eleitoral nem cumprimentou Lula, o presidente eleito. Sua grande preocupação foi manter o apoio dos caminhoneiros e militantes bolsonaristas de raiz, que ainda não aceitaram o resultado da eleição e, ao mesmo tempo, orientá-los a não cometerem nenhum ato de violência nem impedirem o direito de ir e vir.

Vera Rosa – Será que acabou mesmo?

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não quer passar a faixa presidencial para Lula e tarefa pode ficar com Mourão

Desde que perdeu as eleições, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que vai apostar no confronto até a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1.º de janeiro de 2023. Disposto a mostrar que comanda a “tropa” nas ruas, Bolsonaro demorou quase 45 horas após ser derrotado para fazer um pronunciamento de pouco mais de dois minutos, no qual vestiu o figurino de líder da oposição.

O discurso foi lido de duas formas. Para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro entendeu o recado de que, ao não se manifestar sobre os bloqueios nas estradas e deixar a confusão correr solta, estava cometendo crime de responsabilidade. No diagnóstico de seus apoiadores, porém, o chefe do Executivo apenas “despistou” os críticos quando conjugou, com todas as letras, o verbo da rendição: “Acabou”.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro não clareia incerteza sobre seu futuro

Valor Econômico

No curto pronunciamento no Palácio do Planalto, Bolsonaro foi tão dúbio que só conseguiu mesmo mostrar que vai infernizar a vida do país até seu último dia no poder

presidente Jair Bolsonaro tentou tirar as meias sem descalçar os sapatos, mas continua com uma bola de ferro amarrada nos seus pés que é a incerteza de seu futuro depois que deixar o Palácio do Planalto.

No curto pronunciamento no Palácio do Planalto, ele agradeceu os 58 milhões de votos e valeu-se dos movimentos de contestação ao resultado eleitoral que bloqueiam as estradas para se vitimizar, dizendo que os movimentos populares são “fruto de indignação popular e sentimento de injustiça”.

Vinicius Torres Freire - Lula e STF tentam ignorar o golpismo

Folha de S. Paulo

Presidente não reconhece derrota e tenta manter confusão permanente, agora ou em 2023

Jair Bolsonaro tomou providências a fim de evitar mais um flagrante de seus tantos crimes, como bloquear o processo legal de transição para o próximo governo e ser conivente com o paradão de estradas. Afinal, há algum risco de que seja processado, talvez julgado e condenado.

Mas não reconheceu o resultado da eleição coisa alguma. Ainda pior, disse o contrário em seu pronunciamento bananeiro desta terça-feira: "Os atuais movimentos populares [o paradão] são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral". Fez um discurso de líder da extrema direita e da baderna subversiva, para o que muito comentarismo político passou pano.

O comando da transição para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o PT sabem o que Bolsonaro está fazendo. Mas fingem ignorar a incitação à baderna a fim de reforçar a ideia de que o país vai voltar à vida normal.

Hélio Schwartsman - Capitólio tupiniquim

Folha de S. Paulo

Silêncio vem servindo de senha para que apoiadores radicais promovam bloqueios em estradas

Jair Bolsonaro tenta emular os passos de Donald Trump. Ele esperou quase 48 horas para se pronunciar sobre o pleito e, quando finalmente falou, agradeceu os votos recebidos e reclamou de uma suposta injustiça do sistema eleitoral. Não parabenizou Lula nem reconheceu explicitamente a derrota. Fê-lo apenas indiretamente, indicando que jogaria nas quatro linhas da Constituição. Também autorizou seu ministro da Casa Civil a dizer que daria início ao processo de transição.

Se fosse só isso, poderíamos classificar a atitude como uma infantilidade sem maiores consequências. Denotaria uma tremenda falta de educação e de compromisso com os ritos da democracia, mas Bolsonaro já fez coisas piores. Se ele não quiser entregar a faixa a Lula, sua ausência não será lamentada. João Figueiredo, o último ditador militar, também saiu pela porta dos fundos.

Bruno Boghossian - O Golpismo de cartola

Folha de S. Paulo

Presidente não desautoriza contestação eleitoral e tenta manter protagonismo na direita

Jair Bolsonaro não demonstrou intenção de condenar o golpismo ou pedir que seus apoiadores reconheçam a derrota na eleição. O presidente quebrou um silêncio de mais de 40 horas com uma declaração de 2 minutos, que teve como objetivos manter sua base engajada e reduzir os danos de sua saída do poder.

Em nenhuma palavra, Bolsonaro desautorizou seguidores que contestam a escolha de Lula ou pedem uma intervenção militar para impedir sua posse. Ao contrário, mediu palavras para deslegitimar a vitória do adversário quando afirmou que o bloqueio de estradas é fruto de "indignação e sentimento de injustiça" em relação ao processo eleitoral.

O presidente fez reparos apenas às ferramentas usadas pelos manifestantes. Criticou o cerceamento do direito de ir e vir, mas não a pauta golpista. Ele chegou a se incluir entre os apoiadores ao usar a primeira pessoa do plural: "Os nossos métodos não podem ser os da esquerda".

Mariliz Pereira Jorge - Golpista sendo golpista

Folha de S. Paulo

Tão direito como só um covarde consegue ser, deu a entender que não foi uma eleição limpa

De onde menos se espera, daí é que não sai nada, diria Apparício Torelly, o "barão de Itararé". Quase dois dias após ser derrotado nas urnas, Jair Bolsonaro deixou milhões de brasileiros e dezenas de profissionais da imprensa plantados, à espera do projeto de ditador finalmente reconhecer o resultado das eleições. Tolinhos — e eu me incluo nesse bonde.

Havia um tiquinho de esperança de que houvesse algum resquício de civilidade. O que tivemos foi mais do mesmo: golpista sendo golpista. Agradeceu aos votos dos eleitores, ignorou, como sempre fez, a outra metade do país para quem ele fez questão de não governar, e aproveitou o holofote para atiçar a militância.

Igor Gielow - Governo Bolsonaro acaba com ato de covardia institucional

Folha de S. Paulo

Isolado, presidente imita Trump e entrega os pontos, sem reconhecer vitória de Lula

O presidente Jair Bolsonaro (PL) encerrou seu governo na prática nesta tarde de terça (1º) com um ato de covardia institucional, para ficar próximo da pior sigla da ditadura que enalteceu de várias formas ao longo de sua gestão.

Convocou sem ênfase o fim de protestos em rodovias por parte de uma franja de seus apoiadores que acredita que coisas como intervenção militar para negar a derrota por margem mínima sofrida para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Agradeceu os mais de 58 milhões de votos que teve, mas não reconheceu a vitória do adversário. Deixou para um encabulado, se a palavra se aplica, Ciro Nogueira (Casa Civil) o papel de dizer que irá começar a transição de governo com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).

Ou seja, admitiu a derrota sem ter a hombridade de fazê-lo. Novamente, seguiu a cartilha deixada por seu modelo político, o ex-presidente americano Donald Trump. Em novembro de 2020, o republicano demorou uma semana após a proclamação do resultado da eleição para, a seu estilo, postar no Twitter que Joe Biden havia ganho a eleição.

Cristovam Buarque* - Lula: três pontes

Correio Braziliense,01/11/22

Lula está na história do Brasil como o líder sindical de origem pobre, que chega à Presidência e se afirma como um dos grandes presidentes da nossa República. Com sua eleição para o terceiro mandato, ele se transforma no maior sucesso eleitoral entre todos os políticos brasileiros, até hoje e por muitas décadas no futuro. Pode ser também o maior de nossos presidentes ao construir três pontes de que o Brasil carece.

A primeira ponte é para recuperar a unidade política e emocional entre os brasileiros e construir coesão nacional. Estamos divididos regionalmente, religiosamente, racialmente e até na preferência musical. Um país dividido em partes que se rechaçam e até se odeiam. Lula tem o desejo, a responsabilidade e a competência de reunificar o Brasil. Seu discurso na hora da vitória foi no sentido de voltar o diálogo, fazer com que famílias e amigos conversem sobre política e futuro sem rancor e sem distanciamento; que católicos e evangélicos se sintam igualmente cristãos e respeitem judeus, muçulmanos, espíritas, umbandistas, budistas e ateus; que nenhum brasileiro deixe de respeitar a outro por causa de seu gênero ou sua orientação sexual, seu partido político ou o líder de sua preferência; todos solidários na brasilidade e no humanismo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Pronunciamento de Bolsonaro traz sensação de alívio

O Globo

Ele demorou a se manifestar, mas aceitação tácita do resultado das urnas deverá esvaziar atos golpistas

Mais de 44 horas depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciar a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida ao Planalto, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem à tarde um rápido pronunciamento em que legitimou o resultado. Agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu no segundo turno e desautorizou manifestações que restrinjam o direito de ir e vir —referência aos bloqueios de caminhoneiros que fecharam estradas e provocaram transtorno nos últimos dias. “Somos pela ordem e pelo progresso”, afirmou. “Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição.”

Em nenhum momento Bolsonaro questionou o resultado nem fez menção a qualquer tentativa de contestação judicial. Ao contrário, fez em seguida uma visita ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde, pelo relato de ministros, disse que “acabou”. Em seu pronunciamento, Bolsonaro afirmara ainda que, apesar de rotulado como antidemocrático, sempre jogou “dentro das quatro linhas da Constituição”. Após o breve discurso, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, informou ter sido autorizado a conduzir a transição para o novo governo. Na prática, apesar da saída inusitada —derrotados nas urnas costumam dar parabéns aos vencedores —, foi um reconhecimento implícito de Bolsonaro de que perdeu e entregará o cargo a Lula.

Poesia | Nada é Impossível de Mudar (Bertolt Brecht)

 

Música | Roberta Sá - Luz da minha vida