sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

José de Souza Martins* - As águas de novembro

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Essas eleições cavam um fosso maior ainda no cenário político ao expressar a não opção, nem pela direita nem pela a esquerda. A polarização ideológica perdeu a disputa 

País singular, de história lenta e de consciência política vagarosa, só nas eleições de novembro de 2020 a verdade das eleições de 2018 começou a ficar um pouco mais evidente. Nossa consciência política tende a ser consciência de desilusões, e não consciência de possibilidades históricas de mudanças. Exige a revisão periódica de decisões sempre provisórias de um eleitor superficial.

Naquele ano de 2018, no cenário de nossa alienação política, Jair Bolsonaro foi o que sobrou. Elegeu-o o voto residual de um eleitorado órfão de referências para decidir. Ele personifica a desilusão num processo que já vinha de anos, de falta de alternativas abrangentes e transformadoras. É o que se pode inferir da soma dos votos nulos, brancos e das abstenções, se os considerarmos como votos por omissão contra o conjunto dos partidos e dos candidatos. Os votos em ninguém. Mesmo que não incluíssemos os casos de impedimentos incontornáveis.

Se comparamos os votos recebidos por um candidato com o número de eleitores que optaram por ninguém, o índice de decisão por votar no candidato vencedor, Lula, em 2002, foi de 1,9. Quase o dobro dos votos em ninguém. Já em 2018, o índice dos que votaram em Bolsonaro foi de 1,4 em relação à soma de votos em ninguém. Portanto, Jair Messias não foi o candidato que preenchesse o enorme buraco negro do cenário eleitoral brasileiro, o representado pelo vazio do que um número significativo de eleitores sem opção não o considerou merecedor de seu voto. Muitos desiludidos não acharam que era ele a alternativa. Continuaram desiludidos como se viu nas eleições de agora.

Fernando Abrucio* - O que fica para 2022 e o que falta ainda jogar

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Se algo novo vier, seu sucesso dependerá de entender que houve uma mudança no clima político do país

O jogo político presidencial começou com as eleições de 2020, seja por causa da ascensão de uma nova agenda, seja por suas consequências, pois os atores políticos não serão mais os mesmos na segunda parte do mandato do presidente Bolsonaro, incluindo o próprio. Mas ainda falta definir os jogadores e as táticas que vão vigorar no campeonato nacional do sistema político. Por ora, não dá para saber quem estará efetivamente em campo, nem quem vai liderar e chegar ao segundo turno. Muita coisa pode acontecer. De todo modo, alguns sinais foram dados e quem souber interpretá-los melhor terá vantagens na próxima disputa.

As eleições municipais deixaram, basicamente, três legados que vão influenciar os próximos dois anos da política brasileira, com possíveis impactos sobre a disputa presidencial. O primeiro legado é o mais importante: houve uma mudança no clima de opinião. O humor político que se iniciou em 2016 e teve seu auge em 2018, baseado na visão antipolítica, na proeminência da luta contra a corrupção e no discurso bélico como forma de garantir a segurança pública, perdeu a hegemonia no discurso dos políticos e a efetividade para conseguir votos em 2020.

Em substituição a esse clima de opinião, surgiram pelo menos três grandes referências que ganharam força agora e têm tudo para se estabelecer como tendências majoritárias no caminho para o pleito presidencial. A primeira é uma aversão ao bolsonarismo como forma extremista de se fazer política em todas as suas dimensões; a segunda é a ascensão da questão social como a dominante na agenda pública; e a terceira é a volta da política como algo positivo e necessário para articular grupos, interesses e valores.

César Felício - O poder da palavra

- Valor Econômico

Para Doria, há a vacina; e para Bolsonaro, a economia

As eleições de 2022 já começaram há muito tempo, talvez ainda antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro há quatro anos, mas ganharam tração evidente com a conclusão da eleição municipal. Está presente desde então em cada um dos atos, palavras e omissões de Jair Bolsonaro, João Doria, Bruno Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Jaques Wagner, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Alexandre Kalil, entre outros.

Um exemplo, entre muitos, foi o anúncio feito ontem pelo governador João Doria de que “os brasileiros de São Paulo” começarão a ser vacinados contra covid-19 no mês que vem. Se ele realmente tem poder para fazer isso, ou se terá que ter o aval de outras instâncias, é algo ainda a ser esclarecido. A ocasião serviu, contudo, para o governador registrar a “ falta de compaixão com a vida dos brasileiros” do governo federal, que demonstra pouquíssima pressa em iniciar a vacinação, a despeito de todos os custos humanos, sociais, econômicos e políticos envolvidos nessa decisão.

A retórica e a prática anticientífica também são cálculo político de Bolsonaro. O presidente é um homem de redobrar as apostas, e já durante a campanha percebeu que o negacionismo mobiliza seus fiéis. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, feito ainda em outubro, mostra que houve um grande volume no YouTube de vídeos negativos sobre vacinas em geral e da Coronavac em particular, coisa como 15 milhões de visualizações.

Entrevista | Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB: ‘PSDB deve ser firme contra os extremos’

- Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, de 48 anos, disse em entrevista ao Estadão que as urnas pediram moderação em 2020, o que deve levar, em sua opinião, os líderes políticos a se afastarem de posições consideradas extremas. "O eleitor confirmou que quer distância dos extremos. É contra esses extremos na área comportamental e que faz agressões às instituições que o PSDB tem que falar de forma mais firme", afirmou.

Segundo o dirigente, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é o único nome da sigla colocado para concorrer à Presidência da República em 2022. Mas "respeitando o ambiente da pulverização de alternativas no nosso campo", o centro. Segundo Araújo, porém, a eleição na capital paulista faz Bruno Covas emergir como uma liderança nacional. "A chegada de Bruno Covas com a benção desses mais de 3 milhões de votos entrega um novo líder ao Brasil. São Paulo tem neste momento dois importantes líderes nacionais." 

Sobre a eleição para a presidência da Câmara, no início do ano que vem, Araújo diz que o resultado não terá, necessariamente, um efeito sobre a eleição de 2022, mas a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) deve aglutinar, de acordo com o dirigente tucano, "PSDB, Democratas e partidos do campo da esquerda".

Em 2018, o discurso da negação da política ajudou a eleger Jair Bolsonaro e outros nomes. A população voltou a acreditar na política em 2020?

Merval Pereira - Negacionismo numa hora dessas?

- O Globo

Quando todo o mundo se prepara para uma campanha massiva de vacinação contra a Covid-19, o presidente Bolsonaro continua a fazer campanha contra a vacina.

Como quem fazia um comentário banal, deu uma declaração absurda: “Se as vacinas tiverem efeito colateral, não podem me culpar”. Uma atitude irresponsável, porque coloca dúvida e medo no cidadão comum. Ele trabalha contra a vacinação, não apenas contra a vacinação obrigatória.  Um negacionismo a toda prova.

Lançar dúvida sobre a eficácia das vacinas, que estão sendo produzidas pelos principais laboratórios farmacêuticos do mundo e sob supervisão internacional, é quase um crime em uma pandemia mundial. O pior é que o ministro da Saúde, General Pazuello, supostamente à frente do ministério por ser um especialista em logística, acha que o tratamento preventivo é a grande solução.

Os verdadeiros médicos estão irritadíssimos, porque as pessoas vão começar a se automedicar, tomar remédios preventivos, sem nenhum resultado, porque ainda não existe remédio que resolva. Porque acredita nessas baboseiras, e não acredita na vacina, o governo atrasa a logística da vacinação, a negociação das vacinas.

Luiz Carlos Azedo - Poderia ser pior?

- Correio Braziliense

Não temos um plano efetivo de vacinação em massa por parte do Ministério da Saúde, cujo titular é um general de divisão da ativa, especialista em logística

Não gosto de análises catastróficas nem do quanto pior, melhor. Prefiro a teoria das duas hipóteses do humorista Aparíccio Apporelly, o Barão de Itararé, descrita por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere. O escritor alagoano deliciava-se com as anedotas e os comentários espirituosos do jornalista gaúcho, encarcerado durante a ditadura de Getúlio Vargas. Com sua voz pastosa e hesitante, dono de um “otimismo panglossiano”, o Barão sustentava que tudo ia bem e poderia melhorar, fundado numa demonstração de que diante de cada situação haveria sempre uma pior: “Excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida”, explicava Graciliano. Com a palavra, o próprio Apporelly quando estava preso:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findava aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas, ainda assim, não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.

Dora Kramer - Cai uma estrela

- Revista Veja

O PT reluta em aceitar que não é mais o dono da bola na esquerda

Das cinco fases do luto, a primeira é a negação, a segunda é a raiva e, reza a psicologia, antes da aceitação há que passar pelos estágios da negociação e da depressão.

A julgar pela reação de petistas ao desempenho ruim do partido nas eleições municipais, ainda prevalece entre eles a negação. Embora existam manifestações de raiva, tentativas de negociar com a situação adversa e os deprimidos (se houver) não mostrem a sua face, no conjunto o PT dá sinais de quanto é difícil aceitar que o partido perdeu relevância e já não é o dono da bola no campo de esquerda.

Ninguém, partido, político ou indivíduo, gosta de admitir derrotas, não obstante seja esse o ponto de partida para o início de qualquer recuperação. No terreno das autocríticas francas é que são semeadas as soluções. O PT vem se recusando a enfrentar seus fantasmas desde que se sentou no banco dos réus dos escândalos de corrupção, perdeu o comando do poder central e entrou em estado de desprestígio junto à sociedade.

Ricardo Noblat - Só cabe ao Supremo Tribunal Federal respeitar a Constituição

- Blog do Noblat | Veja

Vale o que está escrito

Não fosse por um detalhe, a recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro próximo, e a de David Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado seria bem vista por muitos que os enxergam como freios ao controle que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de exercer sobre o Congresso a dois anos de tentar renovar o seu mandato.

O ano da pandemia foi aquele onde, apesar da queda de popularidade por não ter sabido enfrentar a doença, e da derrota que colheu nas eleições municipais, Bolsonaro conseguiu mesmo assim aumentar o seu poder. Livrou-se de Sérgio Moro, passou a mandar na Polícia Federal e nomeou para o Supremo Tribunal Federal um ministro que obedece às suas ordens

É verdade que Alcolumbre tem se comportado mais como aliado do presidente da República do que como político à altura da grandeza do cargo que ocupa. De olho na eleição para governador do seu Estado em 2022, mendiga favores ao governo e em troca funciona como líder in pectore de Bolsonaro no Senado. Apesar disso, escuta Maia e nem sempre ultrapassa certos limites.

Hélio Schwartsman - Quando tudo dá errado

- Folha de S. Paulo

O lado bom é que conhecemos o tamanho e a natureza da solidariedade do centrão

Eterno otimista que sou, acho que o Brasil vai sair desta —só não vejo como.

O problema maior é o Executivo. Algumas das vacinas contra a Covid-19 já foram testadas e apresentaram ótimos resultados. Países europeus devem começar a imunizar seus cidadãos na semana que vem. No Brasil, pelo plano do Ministério da Saúde, a inoculação só deve ter início em março... se houver seringas, porque o general especialista em logística que assumiu a pasta não se preocupou em adquiri-las.

O Exército ao menos é consistente em matéria de descaso com a epidemia. Ele conseguiu criar bolsões de Covid-19 entre jovens que prestam o serviço militar obrigatório.

Por falta de espaço, não detalho os desastres econômico, educacional, diplomático, ambiental etc. que a administração Bolsonaro implementa.

Bruno Boghossian - Falcatrua histórica Supremo

- Folha de S. Paulo

Registros mostram que texto foi criado explicitamente para vetar casos como os de Alcolumbre e Maia

Em nome de um arranjo político, o STF deve abrir caminho para as reeleições de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) nos comandos da Câmara e do Senado. Além de liberar uma mudança nas regras do jogo com a bola rolando, o tribunal pode cumprir o papel de avalista de uma falcatrua histórica.

Constituição proíbe de maneira expressa as candidaturas de Maia e Alcolumbre para um novo período nas presidências do Congresso —não por acidente. A produção do texto teve a nítida finalidade de impedir reconduções desse tipo.

Em 14 de setembro de 1988, oito dias antes da aprovação da Carta, o senador constituinte Jarbas Passarinho (PDS-PA) propôs um ajuste na regra das eleições para as cúpulas da Câmara e do Senado. Registros da Comissão de Redação mostram que ele incluiu a expressão "por dois anos" no artigo 57, a fim de estabelecer a duração dos mandatos dos presidentes das Casas.

O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), que anos mais tarde presidiria o Supremo, concordou e explicou: "O que se quer evitar? Que a mesa eleita no primeiro ano da legislatura seja reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. Mas não se quer proibir que a mesa eleita no terceiro ano da legislatura possa ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte". A redação foi aprovada.

Reinaldo Azevedo - O juiz Moro prenderia o empresário Moro

- Folha de S. Paulo

É preciso que se apure eventual corrupção passiva do agora sócio de consultoria

Segundo os critérios com que o então juiz Sergio Moro conduziu a Lava Jato —e ele a conduziu, não é mesmo?—, o agora "sócio-diretor" da Alvarez & Marsal estaria em prisão preventiva, que seria decretada no mesmo dia em que se efetuaria um espalhafatoso mandado de busca e apreensão em seus endereços, devidamente acompanhado por ao menos uma equipe de televisão, previamente avisada. Tudo combinado com os parças do MPF.

Homens de preto invadiriam a sua casa. Com algum requinte, um helicóptero sobrevoaria a residência para indicar a periculosidade da pessoa sob investigação. Ato contínuo, haveria uma entrevista dos procuradores e do delegado federal encarregados da operação. Nessa oportunidade, então, acusações novas se fariam, ausentes do despacho do juiz que autorizou o espetáculo. E pronto! A defesa não teria o que dizer porque sem acesso aos autos.

No dia seguinte, um repórter farejador de procuradores e delegados vazaria uma informação exclusiva contra o preso.

Bernardo Mello Franco - Sem vacina, sem governo

- O Globo

Na quarta-feira, o primeiro-ministro Boris Johnson anunciou que os britânicos começarão a ser imunizados contra a Covid. Horas depois, Jair Bolsonaro voltou a lançar dúvidas sobre a eficácia das vacinas. “Se tiver um efeito colateral ou um problema qualquer, já sabem que não vão cobrar de mim”, afirmou.

O negacionismo do presidente já ajudou a alçar o Brasil à segunda posição no ranking de mortes pelo coronavírus. Nos últimos meses, Bolsonaro torpedeou as medidas de distanciamento, estimulou aglomerações e ejetou dois ministros em plena pandemia. Agora ele lidera uma campanha contra a vacina. É mais um atentado contra a saúde pública, cometido à luz do dia e sem reação do Congresso.

Na semana passada, o capitão informou que não pretende tomar a vacina. “Eu não vou tomar, é um direito meu”, disse. A estupidez pode ser um direito, mas sabotar a imunização coletiva não é. Além de minar a confiança na ciência, Bolsonaro desmobiliza a máquina do governo, que deveria estar empenhada em proteger a vida dos brasileiros.

O ministro Eduardo Pazuello é um retrato da paralisia federal. Na quarta, ele disse a parlamentares que “não se fala mais em afastamento social”. Em seguida, definiu a escalada dos números da Covid como “um pequeno aumento”. No Rio, já foi o suficiente para lotar os hospitais e levar o sistema de saúde ao colapso, segundo atestou a Fiocruz.

Vinicius Torres Freire – Ano Novo, PIB melhor e mais miséria

- Folha de S. Paulo

Não haverá auxílios em 2021, economia pode resistir e prestígio de Bolsonaro azedar

As notícias mais importantes em dia de PIB foram a certidão de óbito do auxílio emergencial, que passará desta para a pior em janeiro de 2021, diz o governo, e o enorme aumento da taxa de poupança.

Sem auxílios ou “Renda Brasil”, Jair Bolsonaro fará um arrocho de gastos por inércia, sem recorrer a mudanças constitucionais, por ora (corte de salários de servidores, em saúde e educação, INSS, abono salarial etc.). Assim, mais gente ficará mais pobre ou mais miserável no início do ano que vem. Mas não haveria tumulto financeiro por causa de gambiarras “fura teto”, sururu que prejudicaria a despiora da economia em 2021, embora essa dita tranquilidade também não garanta que a recuperação do crescimento continue.

Os economistas da Secretaria de Política Econômica de Paulo Guedes escreveram o seguinte, em nota sobre o PIB: “A forte recuperação da atividade, do emprego formal e do crédito, aliadas ao aumento da taxa de poupança, pavimentam o caminho para que a economia brasileira continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais”.

Míriam Leitão - O PIB sobe e fica devendo

- O Globo

O dado de crescimento de 7,7% no terceiro trimestre é bom, mas veio abaixo do esperado por bancos, consultorias e até pelo governo. Houve um aumento forte da poupança e isso pode ajudar a recuperação nos próximos meses. O problema da economia é que neste quarto trimestre aumentou a intensidade da pandemia, foi reduzido o valor do auxílio emergencial e ele vai desaparecer no fim do ano. Outro problema é que não voltamos ao ponto de antes da queda. O PIB ainda ficou devendo.

Apesar de o dado ter vindo abaixo do esperado, quase nada mudou na visão dos economistas. Como houve a revisão para melhor na série pelo IBGE, o entendimento é que tudo veio de acordo com as projeções. Até no governo eu ouvi isso. “Como o IBGE melhorou os dados do segundo trimestre, de queda de 11,4% para queda de 10,9%, então no combinado nada muda e continuamos prevendo recessão de 4,5% em 2020”. O Itaú Unibanco espera que o quarto trimestre ainda tenha um crescimento de 2,9% sobre o trimestre anterior. Com isso, o carregamento estatístico para 2021 ficaria em 3,4%. Ou seja, mesmo que a economia fique parada ao longo de todo o ano que vem, estatisticamente, haveria essa alta forte sobre 2020. Já o Ibre FGV tem uma leitura mais conservadora, e acha que esse efeito será de 2%, porque o quarto trimestre será pior do que se previa , com o aumento das medidas de isolamento social.

Celso Ming - PIB em boa recuperação

-  O Estado de S. Paulo

Fator positivo inesperado foi o aumento da poupança, o pedaço da renda não consumido, na participação do Produto Interno Bruto

Foi bom, vá lá... Não foi uma grande vitória, mas foi uma vitória, especialmente quando seu resultado é comparado com o que se esperava no início da crise. O avanço do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre do ano (sobre o anterior) foi de 7,7%, um pouco menor do que tinha sido cravado na expectativa dos analistas. 

É um número que parece graúdo, mas não deve enganar. Foi medido sobre uma base anterior muito baixa e ainda não pode ser tomado como garantia de que haverá uma recuperação firme nos trimestres seguintes. 

Baseou-se no consumo turbinado pelo auxílio emergencial que distribuiu mais de R$ 275 bilhões para 68 milhões de beneficiários. Não foi possível contar com o avanço da agropecuária, o setor campeão deste ano, porque o terceiro trimestre coincide com a entressafra. Fator positivo inesperado foi o aumento da poupança, o pedaço da renda não consumido, na participação do PIB. Deveu-se ao comportamento mais conservador do consumidor, que temeu por dias piores e entendeu que devesse guardar algum dinheiro para enfrentar dias ruins.

Nelson Motta - Um sopro de esperança

- O Globo

Petismo e bolsonarismo levaram uma coça nas capitais

O petismo e o bolsonarismo levaram uma coça nas eleições das capitais. As fake news e os disparos em massa que marcaram a campanha presidencial foram controlados e de pouca eficácia. A campanha em São Paulo deu o exemplo, com civilidade e respeito, mesmo no calor dos debates, e com o vencido cumprimentando o vencedor e prometendo uma oposição dura, mas construtiva. Guilherme Boulos substitui o petismo como uma esquerda mais moderna, realista e democrática, que vai se afastando do radicalismo, consciente de que o caminho para chegar aos seus objetivos sociais não se faz sozinho.

Sai de cena o petismo barbudo, sindicalista e populista, e entra uma cara limpa e jovem, com um discurso inteligente e articulado, que teve uma espetacular votação entre os jovens paulistanos, numa eleição marcada, mais que por classes sociais, sexo, raça ou religião, pelo choque de gerações, com Bruno Covas mais votado entre os mais velhos.

Flávia Oliveira - O ano que não terminará

- O Globo

Seremos para sempre reféns do que 2020 foi

Rascunhava a análise sobre recuperação da economia sob aproximação do fim do auxílio emergencial, desemprego galopante e recrudescimento da pandemia, quando tropecei num comentário na rede social sobre um par de biografias do tempo. Joaquim Ferreira dos Santos tratou da bela época em “Feliz 1958: o ano que não devia terminar”. Lembro que presenteei minha mãe com esse inventário de bons momentos — e a alegrei. Mestre Zuenir Ventura produziu “1968: o ano que não terminou”, sombreado pelo AI-5, o ato mais brutal da ditadura militar, até hoje pranteada por inimigos da democracia. Pois 2020, ouso prever, será o ano que não terminará. Seremos para sempre reféns do que 2020 foi, do que poderia ter sido, do que influenciará. Ninguém imune.

A “Moderna gramática portuguesa”, do professor Evanildo Bechara, define futuro como o tempo verbal referente a fatos ainda não realizados. Reparte-se em dois. O futuro do presente aponta o Norte: diz respeito ao que se deseja realizar, construir, experimentar. O futuro do pretérito trata do não efetivado. Este ano guarda ambas as dimensões. Foi a temporada de planos adiados, projetos reagendados; e também do cotidiano improvisado, de despedidas inesperadas, vidas interrompidas, existências abreviadas — até aqui, quase 180 mil brasileiros mortos e famílias enlutadas.

Cristovam Buarque * - “Eu não sou brasileiro?”

Ao assistir pela televisão um homem negro sendo espancado até à morte, imaginei-o gritando: “eu não sou brasileiro?”. Foi o grito de um negro perguntando “eu não sou um ser humano?” que despertou o movimento contra a escravidão, na Inglaterra, no século XIX. Se ele era um ser humano, como puderam arrancá-lo de sua família e de sua vila na África, forçando-o a caminhar por centenas de quilômetros, jogando-o em um navio fétido, por meses no mar, através do Atlântico, vendendo-o como animal e obrigando-o ao trabalho forçado por toda sua vida, assim como a seus filhos e netos? Milhões de pessoas negras viveram e morreram nessas condições, sob a aceitação dos brancos.

Aquela pergunta ajudou a despertar os ingleses para a indecência da escravidão, a incentivar a luta abolicionista e a provocar a emancipação dos escravos em 1834, em todas as colônias inglesas. No Brasil, a pergunta não foi ouvida. Esperamos ainda meio século, para sermos o último país do Ocidente a abolir a legalidade da escravidão. A Lei Áurea proibiu, em 1888, a venda e a compra de pessoas, impedindo que negros fossem propriedade de brancos.

Mas quando, em 2020, olhamos as estatísticas de assassinatos, pobreza, violência, renda, desemprego, moradia, saúde, educação, um brasileiro negro tem razão em perguntar: “eu não sou brasileiro?”. Igualmente se justifica a pergunta de milhões de crianças pobres, brancas ou negras: “se sou brasileira, como podem me negar escola com a mesma qualidade da escola de outras crianças brasileiras?”.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Um governo cruel – Opinião | O Estado de Paulo

O governo federal é a expressão viva da indiferença e da falta da sensibilidade que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência

Comandado por um presidente que tem evidente dificuldade para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferença que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsabilidade bolsonarista, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculência tão característica de Bolsonaro.

Tome-se o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar em favor do coronavírus, facilitando-lhe a dispersão entre os brasileiros e agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomerações, “não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminação”, razão pela qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.

Ora, o que aconteceu, segundo as informações disponíveis, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimular o isolamento social e fazer crer que as contaminações estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoralizar os esforços de quem demonstra preocupação com o vírus. 

Música | Paulinho Da Viola - Nós os Foliões

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Por que será?

Por que será
Que eu ando triste por te adorar?
Por que será
Que a vida insiste em se mostrar
Mais distraída dentro de um bar
Por que será?

Por que será
Que o nosso assunto já se acabou?
Por que será
Que o que era junto se separou
E o que era muito se definhou
Por que será?

Eu, quantas vezes
Me sento à mesa de algum lugar
Falando coisas só por falar
Adiando a hora de te encontrar

É muito triste
Quando se sente tudo morrer
E ainda existe o amor
Que mente para esconder
Que o amor presente
Não tem mais nada para dizer
Por que será?