O
Lula que irrompeu no topo do noticiário dessa última semana é o “sapo barbudo” ou
o político “paz e amor? A julgar por seu pronunciamento de retorno ao primeiro
plano da cena política, está sendo as duas coisas. No ato político em São
Bernardo, na quarta-feira, 10 de março, o eterno metalúrgico saiu de longo
jejum guiando-se pelo seu ABC político, que quem tem mais de trinta anos de
idade conhece bem. Ele foi o nacionalista e anti-imperialista grisalho, que manifestou
reconhecimento a Maduro e ao Foro de São Paulo, o lulo-petista autocentrado, sem
qualquer sombra de autocritica, que repetiu várias vezes o "nunca antes
nesse país", pelo qual contrasta o PT e ele próprio com tudo o que existiu
antes dele e com tudo o que veio depois dele no Brasil; a fera ferida que,
entre vírgulas, repetiu o mantra de que houve “golpe” em 2016, que bateu no
PSDB, em Temer, na mídia em geral e na Globo em particular. E foi também, ao
mesmo tempo, o político de pés no chão, conhecedor do terreno onde pisa e com o
qual se identifica, o pai da pátria que afirmou o Brasil como lugar de paz e de
solidariedade, que fala com todo mundo e com o mundo todo, que se declarou sem
ressentimentos, mesmo enfatizando a injustiça que sente ter sofrido da Lava
Jato, que se reafirmou um defensor da liberdade de imprensa, aberto a conversar
com a sociedade e até com a direita sobre pandemia e auxílio emergencial,
insistindo que essa é a pauta unitária do momento; e que não fugiu à regra de todo
político sensato, que sabe não ser hora de falar em eleição ao grande público,
pois compreende as aflições que lhe importam agora.
Lula
deve continuar sendo assim por um bom tempo, talvez até a urna, sua íntima. Ocupa tanto o lugar do homem de luta como o
da pacificação. É o candidato da esquerda e é também aquele que pode saltar por
cima do centro e atrair o centrão. Perda de tempo querer colar na sua testa a
etiqueta de extremista.
O
chamado centro não tem a menor chance de ser ouvido agora. Não conseguirá, por
mais que tente, ser mais oposição a Bolsonaro do que Lula é, nem conseguirá
convencer o imenso eleitorado da direita de que o centro é opção mais segura do
que Bolsonaro para evitar a possível volta do PT. Fala e falará para as paredes
quem prega, em tese, contra a polarização, um dado do mundo real que só passará
a ser visto como algo a ser superado se e quando ficar claro que a reeleição de
Bolsonaro é o desfecho provável dela. No atual momento, é inútil. A fênix Lula
comunica aos quatro ventos precisamente o contrário, isto é, que essa polarização
é o caminho visível a olho nu para livrar o país do extremismo que o
desgoverna. Só depois de meses se poderá
medir e saber (por pesquisas e outros termômetros) se a luz no fim do túnel que
o ex-presidente promete é comunicação veraz, portanto, promissora, ou esperança
vã e perigosa, pelo risco que a reeleição de um extremista de direita
representa para a democracia. Nessa segunda hipótese sim, poderá surgir espaço
a um discurso real, não só evangelizador, contra a polarização Bolsonaro/ Lula.
A fotografia atual da situação dá razão a quem considera essa disputa entre ambos
como o que temos para o almoço. Quem recusar essa realidade, arrisca-se a ficar
com fome.
Agora,
o jantar vai ter esse cardápio também? Ou em um ano e meio o cenário pode
mudar? Não me arrisco a passar da fotografia à profecia. É preciso ter em conta
que o imenso impacto que a volta de Lula ao protagonismo provoca em tudo ao seu
redor vira de ponta cabeça a conjuntura, porque ele, sem dúvida, é um dos eixos
que a estrutura e a torna mais clara e compreensível. Mas esse impacto não faz
do ex-presidente e seus movimentos chaves interpretativas do que passará a ser esse
“tudo ao redor”. O futuro continua a ser propriedade do imprevisto. A razão humana é teimosa e deseja fazer
previsões, mas para que elas não sejam só projeções de desejos, precisam
recorrer a hipóteses alternativas, que só podem ser pensadas se usarmos
instrumentos de prospecção adequados. Eles existem, para esse caso?